Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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09/03/2005 (Nº 12) Transcrição da palestra de Leonardo Boff - Fórum Social Mundial 2005
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Especial: Fórum Social Mundial/2005

Palestra de Leonardo Boff - Agenda 21/ Fórum Social Mundial 2005

                       Transcrita por Pedro Adams Júnior e Berenice Gehlen Adams

Realizada no dia 27 de janeiro de 2005.

Apresentação da transcrição: Leonardo Boff, representante da Comissão da Carta da Terra, vem ao Fórum Social Mundial de 2005 falar sobre a importância do documento, como ele foi elaborado, e faz um apelo para a utilização da Carta da Terra como instrumento de sensibilização para o nascimento de uma sociedade sustentável. Com vocês, Leonardo Boff:

A Carta da Terra fala do mistério de todas as coisas, mistério do universo, o mistério que nos assinala o nosso lugar no conjunto das criaturas. Pois, este mistério tem muitos nomes, uns chamam de Alá, de Tao, de Deus, de Amor, tão importante como o documento, a Carta da Terra tem lá seu lugar reservado para esta dimensão mística da ecologia. 

Bom, eu queria dizer... fazer algumas reflexões sobre a ética e a proposta da Carta da Terra. O Pedro Ivo já fez uma boa introdução, mas deixa-me explicar um pouquinho o por que desta Carta da Terra, como ela surgiu e qual é o significado para todos nós que buscamos uma compreensão ecológica mais mística, mais integradora das dimensões do ser humano e da natureza. Na Eco-92 estava prevista uma Carta da Terra que devia servir de suporte teórico para a Agenda 21, mas não havia consenso entre os representantes, talvez não havia acumulação de consciência sobre a importância de uma visão mais completa da natureza, do planeta Terra e da humanidade... não foi aceita, e aí ficou a Agenda 21 e a Declaração do Rio de Janeiro sobre desenvolvimento e meio ambiente. Mas, pessoas importantes que trabalhavam a questão da Carta da Terra não aceitaram, antes se inclinaram contra isso, e lá mesmo, no final da Eco-92, decidiram criar uma articulação para preparar uma Carta da Terra. O primeiro foi Mikhail Gorbachev, que criou uma grande ONG chamada Cruz Verde Internacional, e um dos organizadores da Eco-92, que é o Canadense Maurice Strong, que é sub-secretário da ONU, então eles convidaram algumas pessoas, e eu entrei nesse rol, para articularmos, das várias partes dos continentes do mundo, uma reflexão que viesse de baixo, das populações, das favelas, dos indígenas, dos centros de pesquisas das tradições espirituais, que viesse uma visão sobre a Carta da Terra. Detidamente trabalhamos de 1992 até 2000, mobilizando mais de 100.000 pessoas, mais de 40 países, para refletirmos sobre o que nós queremos com a casa que moramos. Então, a cada continente pessoas se encontram até que, em fevereiro de 2000, no espaço da UNESCO, em Paris, chegamos a um texto de convergência, depois de muito estudo, correção, voltando as bases, chegamos a um texto que fosse um texto aberto para ser enriquecido, ainda. Imediatamente a UNESCO assumiu para divulgá-lo nas escolas, e para ajudar a criar uma consciência nova e uma compreensão mais vasta da ecologia, até chegarmos ao ponto de que esse documento seja apresentado na agenda da ONU e estudado, aprofundado, e, se aprovado, fosse incorporado à Carta dos Direitos Humanos. Aí, então, teríamos um quadro mais completo da dignidade, não só da dignidade humana - e a Carta dos Direitos Humanos é antropocêntrica, só considera o ser humano, mas nós não somos os únicos filhos e filhas da Terra. Não somos só nós que usamos a biosfera. Todos os seres vivos, as plantas os animais, os micro-organismos, também são irmãos e irmãs nossos. Eles têm direitos. A Terra como planeta tem dignidade, então se trataria de completar essa visão de dignidade, que nós fazemos votos com essa divulgação - vocês receberam a Carta da Terra aí no material de vocês, para vocês divulgarem isso. Ela pode caber, toda a Carta da Terra, num folheto como esse, para se levar para as comunidades, para as escolas, para os grupos, para lentamente incorporarem essa visão, e darmos um salto no nosso estado de consciência, para o nosso cuidado, a nossa responsabilidade, para o futuro comum: terra e humanidade. 

Também queria apresentar um pouco o conteúdo dessa carta, depois vocês podem ler mesmo na própria carta, para ressaltar a importância desse documento, que é um documento mundial, e não só de grupos, mas que quer representar a parte melhor do engajamento ecológico mundial. 

O documento parte de uma visão, eu diria a mais avançada do discurso ecológico, no sentido de superar a visão meramente ambiental, que fala de meio ambiente. Na verdade nós estamos cansados de meio ambiente, o que nós queremos é o ambiente inteiro, isto é, a visão que englobe mais dimensões (Aplausos). Então, esse documento assimilou os pontos de maior consenso na discussão e consciência ecológica mundial e transformou num conteúdo pedagógico extremamente simples na linguagem, para poder ser compreendido e assimilado, e parte de numa dimensão de urgência. Não é documento que a gente faz porque é interessante, é bom, ajuda a discussão. 

Então, a primeira frase do documento, abrindo o documento, que foi a frase extremamente discutida, que convocamos grandes nomes da ciência mundial para dizer: podemos dizer isso ou é alarmismo? Ou é uma visão excessiva do alarme ecológico? E a grande maioria dos centros que estudam o estado da terra, o pensamento crítico e sério da ciência, disseram: podem dizer. A frase começa assim: “Estamos num momento critico na história da humanidade, o momento que a humanidade deve decidir o seu futuro, deve escolher o seu futuro, e a escolha é essa: ou formar uma aliança de cuidado do planeta, de cuidarmos uns dos outros e da vida, ou arriscar a nossa extinção e a devastação da diversidade da vida”. Então, essa é uma realidade de urgência. Nós estamos sob uma crise que pode se transformar numa tragédia. É crise que nos obriga a “crisolar” as nossas práticas, a nossa compreensão, para preservar esse patrimônio que o universo nos entregou em 15 bilhões de anos de trabalho, hoje quase 4 bilhões de trabalho do sistema da vida. Nós herdamos tudo isso. Podemos destruí-la, podemos ser o Satã da Terra, mas nós queremos ser um anjo bom, que cuida, que protege a Terra, que passa avante, enriquecido, esse patrimônio. Então, o contexto é dessa urgência. Daí a importância desse documento na criação de uma nova consciência e de práticas alternativas mais globais com o sistema da vida. 

O documento também procura superar essa visão que fala, como disse antes, de meio ambiente. O documento parte da convicção de que aquilo que de fato existe é comunidade de vida. Nós formamos uma comunidade com muitos irmãos e irmãs, primos, porque todos os seres vivos, outrora e hoje, têm o mesmo alfabeto genético. Temos os mesmos 20 aminoácidos e as mesmas 4 bases fosfatais. As formigas, as minhocas, os cavalos, os colibris, e nós, então somos irmãos e irmãs. Há um laço de parentesco, diz o documento, entre todos nós. Então, superada essa visão fechada sobre nós, abrimo-nos para a grande comunidade de vida, para uma democracia sócio-cósmica que envolve todos os seres vivos. 

O documento, em segundo lugar, tenta superar aquilo que está em todos os documentos oficiais dos governos, da ONU e também da nossa linguagem. Procura superar o conceito de desenvolvimento sustentável. Fizemos discussões homéricas no interior dos nossos encontros. Por quê? Porque esse desenvolvimento, do que se trata - foi lido já hoje de manhã -  ele é insustentável. Ele não tem sustentabilidade. Então, para garantirmos o futuro do planeta e da humanidade temos que garantir, sim, a sustentabilidade do planeta, da vida, das comunidades e a sustentabilidade de cada pessoa. Hoje mais da metade da humanidade não tem sustentabilidade porque passa fome e morre antes do tempo. O documento diz: para garantir a sustentabilidade temos que ter um outro olhar sobre a natureza e a relação que o ser humano deve de ter com a natureza. Daí que o eixo estruturador de todo o documento é um modo sustentável de vida. Cada um tem que ter um modo sustentável de vida. Dizer em linguagem bem pequenina: cada um tem que pagar as suas contas, não pode depender da bolsa escola, da fome zero, tudo isso é política compensatória (Aplausos). 

Devemos conseguir que todos os seres, que cada um de nós tenha um modo de vida sustentável. Cada um sabe a sua medida, cada cultura, cada região, esse é o grande nó. E procura, nessa perspectiva, alargar o horizonte da ecologia sustentada por quatro grandes princípios. O primeiro é: Respeitar e cuidar da comunidade de vida. Veja, não diz respeitar o meio ambiente; respeitar e cuidar da comunidade de vida. Segundo: Manter integridade ecológica. Quer dizer que toda natureza possa ser mantida na sua riqueza, na sua beleza, na sua diversidade. Por isso há uma briga severa com as monoculturas. O Brasil é o país da monocultura mundial: monocultura da soja, monocultura da cana, monocultura dos cítricos, que é um grande crime ecológico contra a diversidade da natureza. É a nossa voracidade acumuladora que nos leva a ter monocultura. Mas ela não fica só na monocultura da produção, é a monocultura do pensamento, só neoliberalismo. A monocultura do capitalismo, só modo de produção capitalista, e não no modo como o MST postula: cooperativo, misto, familiar, social, etc, e contra as monoculturas, fazer a grande diversidade. Terceira grande pilastra: justiça social e economia. Isso pertence à ecologia porque afeta ao ser mais complexo da natureza que é o ser humano. A natureza não está lá, está aqui. E toda injustiça social é uma injustiça ecológica contra o ser humano, contra as águas poluídas, contra os solos envenenados, contra o ar empesteado (Aplausos). E por fim, democracia, não violência e paz. Veja, pensar ecologia em termos de democracia, não só dos seres humanos, mas de todos os seres vivos. Quem sabe num próximo FSM nós viemos aqui, não só como pensador, como artista, viemos com o nosso gato, com o nosso cachorro, nosso papagaio, e nossos irmãos e irmãs poderem participar disto (Aplausos) - só que a Letícia vem com um caixão enorme com todos os gatos que ela tem lá em casa (Viva São Francisco! diz Letícia Sabatella). Portanto, a democracia, não violência e paz. Como vêem, essas pilastras todas fundam uma nova ótica da realidade e essa nova ótica dá origem a uma nova ética. 

Não existe ética nenhuma que não suponha uma ótica diferente. Nós teremos um olhar diferente da natureza, do lugar do ser humano. A ecologia engloba tudo isso como a própria palavra diz: ecologia - a casa comum. Só que a casa não é essa tenda, não é o apartamento que nós temos, ou a casa onde moramos. Hoje a casa é o planeta Terra. Nós não temos outra casa para morar, só temos essa casa comum. Com recursos limitados, com superpopulação e uma das espécies entre tantas as espécies de seres vivos que tem, uma das espécies, que somos nós, ocupou para si 83% do planeta e expulsou as demais espécies. Acantonou, perseguiu, matou. A cada treze minutos desaparece uma espécie de vida, definitivamente, dada a voracidade do processo industrialista, do consumismo e do nosso descuido. Então, como conservar esse planeta no qual todos possam ser incluídos, a natureza, inclusive. Que não haja ninguém excluído. Mais da metade da humanidade está excluída, na margem, empurrada para o abismo. O sistema, se pudesse mandar os pobres para a lua, os teria mandado há muito tempo, para perecerem naquela aridez. Eles não cabem aqui. São os zeros econômicos. Não produzem quase nada, não consomem quase nada, por isso que as igrejas da libertação fizeram a opção preferencial pelos povos contra a pobreza, fizeram a opção absurda pelo sistema, por aqueles que não compram, que não são, que não consomem, que o sistema considera “sobrantes”. Esses, nós dizemos: são os primeiros a receber um cuidado, de ter a centralidade do zelo e da preocupação das pessoas humanistas, que vem da tradição religiosa ou espiritual da humanidade. 

Bom, eu não quero me alongar muito porque todo mundo está com fome, mas eu quero falar de dois princípios fundamentais que são de uma profunda compreensão ética, humanista, ecológica que sustentam o documento todo. O princípio da sustentabilidade e o princípio do cuidado. Eles libertam a sustentabilidade de sua vinculação com o desenvolvimento. Como se sabe, o desenvolvimento vem da área da economia, da economia capitalista que prevê um desenvolvimento sem fim, ilimitado, ininterrupto, e que supõe que a Terra tem recursos infinitos, um baú que nunca se acaba. Já Gandhi nos anos cinqüenta e Chirac, abrindo a Rio + 10 em Johannesburg, disse: Se nós, países ricos, quisermos universalizar o desenvolvimento que nós temos, nós precisamos de outras três Terras iguais a essa, três Terras a mais. Lógico, não existe essas três Terras. Então, esse modelo de desenvolvimento não é universalizado, não é democratizado, não é socializado.Temos que nos inserir aí. Mas, ele é dominante, ele que obriga as classes, marginaliza países e devassa a natureza, então, deixamos essa compreensão de desenvolvimento e resgatamos a sustentabilidade que vem da área da biologia, que vem da área da ecologia, e que sustenta que todos os seres entretêm entre si, relações de inter-retro dependência. Um ajuda o outro, sempre co-evoluem juntos, mantém o equilíbrio dinâmico, aberto, de tal maneira que ninguém é sacrificado, mas todos têm o seu lugar no conjunto da natureza. Então, sustentabilidade só pode ser aplicada ao desenvolvimento se garantirmos antes que a Terra seja sustentável, que as vidas humanas tenham sustentabilidade, que as comunidades onde nós estamos inseridos sejam sustentáveis. Se garantirmos isso, o nosso desenvolvimento será sustentável. Então, o desenvolvimento sustentável supõe coisas antes que o documento até diz: pré-condição para que haja desenvolvimento sustentável entre outras coisas - isso vai agradar vocês mulheres, pré-condição é que haja igualdade, e eqüidade com as mulheres (Aplausos). Se não houver isso (Aplausos), e com razão, porque as mulheres são mais da metade da humanidade, e são as irmãs e mães da outra metade, então são importantíssimas (risos). Não dá para excluí-las, e entenda, a sustentabilidade já é um conceito assimilado pela nossa cultura, e a sustentabilidade é aquela relação que entretemos com a natureza que garante a satisfação de nossas necessidades: temos que comer, beber e nos alimentar. Então, garante, sem sacrificar o capital natural, isto é, permitindo que as águas se reproduzam, que as coisas se regenerem, sem sacrificar o capital natural, e abertos às gerações que vem depois de nós: nossos filhos, nossos netos, eles têm direito de receber o planeta conservado, águas potáveis, ar respirável, instituições humanas minimamente justas, includentes, eles têm direito a isso. 

Agora, se olharmos os relatórios que são publicados todos os anos sobre o estado da Terra, constatamos que todos os itens, sem nenhuma exceção, de ano em ano piora, todos os índices pioram, da devastação, da extinção das espécies, da diminuição da água, crescimento da violência no mundo, das discriminações. Então, temos que frear essa queda da expectativa de que a coisa pode mudar. Ela está piorando todos os dias. Há urgência de nos transformarmos nossos sonhos de um mundo possível, diferente, realmente, para que sementes novas comecem a produzir o novo. Então, a sustentabilidade existe, mas não só em termos econômicos de garantir o sustento, de garantir a beleza na natureza. Os camponeses são tão sensíveis a isso, mas como é bonito ver os animais, o nascer do sol, o por do sol, a lua, as plantas e florestas, os animaizinhos que nascem, manter a beleza natural, manter a integridade dela, fazer com que todas as espécies continuem, manter sua capacidade de regeneração, por que a Terra está cheia de chagas. Fazer que ela (...), criar condições, que os desertos voltem a ser férteis, que as florestas, matas ciliares junto aos rios, que foram derrubadas, possam voltar a manter a umidade e a alimentar as nascentes. Tudo isso está dentro da sustentabilidade, e os seres humanos estão numa relação de não violência, de cooperação, e não competitividade como é a lei do mercado do sistema. Tudo isso cabe dentro da sustentabilidade. 

E o cuidado é o segundo eixo -  já vou terminar - segundo eixo da relação fundamental de preservação dessa herança fantástica, que dá garantia de que ela pode continuar, porque a relação que nós entretemos com a natureza é uma relação de agressão: nós cortamos, nós derrubamos, nós fazemos mil coisas com a natureza no paradigma da modernidade, dos quais, fundadores do método científico como Descartes, Francis Baccon, primeiro formulador do método da ciência, dizem que devemos tratar a Terra como o inquisidor do Vaticano trata seu inquirido – bom, eu tenho uma pouca experiência nisso (risos) - deve torturá-lo. Ele diz: deve torturar a Terra até que ela entregue todos os seus segredos. Então, a relação da ciência moderna, da nossa indústria, é torturar a Terra, é massacrar você. Evitando essa relação de violência, de não alteridade, de não respeito, introduzir o cuidado. O cuidado é uma relação amorosa para a vida, é não agressiva, é abrir-se generosamente ao outro, acolher e respeitá-lo na sua diferença. Então, estabelecem a pedagogia do cuidado para a vida, para os ecossistemas, nas relações entre as pessoas. O cuidado supera as classes, inclui todos numa perspectiva de irmão e irmã e igualdade. E o cuidado é aquela pré-condição que garante que as coisas dêem certo. Tudo aquilo que a gente cuida dura muito mais, desde a nossa camisa, nosso óculos, até a dentadura dura mais – a minha está quase pulando fora daqui (risos). Com o cuidado se encurta a lei da entropia que é a lei do desgaste natural das coisas. Então, o cuidado está ligado à essência da vida. Se nossas mães não tivessem tido um cuidado incondicional quando nós nascemos, nós não estaríamos aqui para falar dessas coisas todas. Nós somos filhos e filhas do cuidado, e termino: a conseqüência dessa visão nova e integradora é a que se estabelecem três metas: cuidar com compreensão da natureza e de todos os seres, cuidar com compaixão, não deixar que ninguém sofra sozinho, e cuidar com amor, que é a relação mais afetiva, mais poderosa que o universo conhece, que é o amor que cria união, cria fusão, cria simpatia entre todos os seres, cria o abraço da afetividade. Cuidar com compreensão, com compaixão, com amor, traz como resultado a paz, que é talvez a definição melhor, que hoje a noite vou até ter que falar sobre isso (...) a paz, diz lá o documento: a paz é a plenitude da reta relação que resulta consigo mesmo, com o outro, com a natureza, com outras vidas que por acaso vierem de outros planetas, com a totalidade de todos os seres, com o todo que por detrás se esconde Deus. A relação correta com o todo ao qual eu pertenço e do qual eu sou parte com o céu. Então, a paz não pode ser buscada imediatamente. Ela resulta, ela é conseqüência de algo interior da reta relação com todas as coisas. E como tudo é relação e nada existe fora da relação porque tudo tem a ver com tudo em todos os pontos, em todos os movimentos, então é paz conosco, paz com a Terra, paz com as pessoas, paz com o universo, paz com Deus. É o anseio maior da humanidade: viver em paz. Então eu quero convidar a vocês a distribuírem essa carta, se quiserem entrar no site que é www.cartadaterra.org  a secretaria em Costa Rica, a secretária geral que articula tudo isso é uma brasileira profundamente engajada Miriam Vilela. E nós temos um grupinho de 23 pessoas que estamos tentando, no mundo inteiro, fazer que cada país assuma isso, que os presidentes assinem, que os ministros e ministras ligados ao meio ambiente, à ecologia, incentivem, como fez o nosso irmão Pedro Ivo, que nos ajudou a fazer essa edição muito bonita que está distribuída entre vocês. Eu creio que aqui está um pouco a chave da salvação da Terra. Termino com um verso de Camões, que nós estamos dentro do olho de uma crise ecológica mundial. Então Camões, depois de olhar todos os riscos que ele correra, quase se afogando no mar diz: “Depois de procelosa tempestade, sombria noite e sibilante vento, traz a manhã serena claridade, esperança de porto e salvamento”. Muito obrigado!

Para saber mais sobre o trabalho de Leonardo Boff e a Carta da Terra:

www.leonardoboff.com

Leonardo Boff e a Carta da Terra 

Ilustrações: Silvana Santos