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Um choque de desenvolvimento
Por Marcos Sá Correa – www.oeco.com.br
*Marcos Sá Corrêa é jornalista e fotógrafo. Formou-se em
História. Escreve no site NoMínimo e no portal AOL. Foi editor de Veja e de Época,
diretor do JB, de O Dia e do site NO
Bruaca, para o resto do Brasil, é bolsa de couro ou mulher feia. Mas, para quem
vai a Corupá, no interior de Santa Catarina passa a ser a cachoeira que, a quilômetros
de distância, anuncia a chegada à cidade pela BR-280. Ela se joga da Serra do
Mar num salto de 96 metros, abrindo de alto a baixo um veio de espuma e névoa
branca na mata nativa. Dali para a frente, rodando pelo município, é difícil
perdê-la de vista, cada vez que numa curva da estrada o carro embica para o
vale do Itapocu.
Resultado: tem gente de olho em seu potencial hidrelétrico. Ela está sendo
escalada para gerar 15 megawatts, que parecem uma ninharia para tanta cachoeira,
mas custarão caro à Bruaca e a Corupá. A usina desviará 17% do rio Bruaca.
Desmatará três mil metros quadrados da montanha. Cravará em suas costas 2.280
metros de tubulações com 3,3 metros de circunferência, removendo para isso 24
mil metros cúbicos de basalto em encostas intatas. Fará uma barragem de seis
metros de altura, inundando 4,5 hectares do planalto. E rasgará uma ferida difícil
de cicatrizar num parque natural de 100 hectares, que aliás está a seu lado
quase por milagre.
O terreno pertence à Batistella. Ou seja, a uma madeireira. No caso, ela salvou
a mata da motosserra. O Parque Ecológico Emílio Batistella – ou Rota das
Cachoeiras, para os guias turísticos – está registrado como Reserva
Particular do Patrimônio Natural. Inventariado pela Universidade Federal de
Santa Catarina, credenciou-se como santuário de árvores raras, como a
canela-preta. Aberto ao público, recebe 1.400 visitantes por dia, nos
fins-de-semana mais agitados do verão. Seu livro de registro tem assinaturas do
mundo inteiro. E, embora os roteiros turísticos passem em Corupá de raspão, só
a Alemanha lhe manda 90 forasteiros por ano, trazidos regulamente por uma agência
européia para fazer a trilha de 2,9 quilômetros, que passa por nada menos de
14 cachoeiras. “É preciso ter paciência com esses grupos, porque eles saem
fotografando bromélias, formigas, tudo o que vêem pelo caminho”, diz o
engenheiro florestal Alexandre Rafeal Markun, que cuida da reserva.
A maior das quedas na Rota das Cachoeiras tem 76 metros de altura. A série
completa só foi descoberta em meados da década de 80, quando um grupo de Corupá,
incluindo um padre, um fotógrafo e um funcionário da prefeitura, explorou pela
primeira vez a mata que, desde fins do século XIX, cai como uma cortina no
fundo da cidade. A expedição achou, serra acima, as cachoeiras escondidas
pelas árvores. Isso aconteceu há 15 anos. Mas, de três meses para cá, quem
anda muito por ali dentro é a vangarda dos engenheiros, sondando com
instrumentos de medição o caminho para a obra.
A usina será uma PCH. Quer dizer: uma “pequena central hidrelétrica”, que
pela relativa modéstia de seus quilowatts recebe incentivos especiais do
governo brasileiro. Por exemplo, um processo simplificado de licenciamento. O
projeto começou a ser discutido há cinco anos. Está orçado em 28 milhões de
reais, a serem bancados em partes desiguais pelo BNDES e os seis investidores
privados. O banco oficial arcará com 70%. Os donos racharão os outros 30%.
Tratando-se de uma legítima PCH, a construção foi aprovada em meados do ano
pela pela Fatma, a fundação estadual do meio ambiente de Santa Catarina, sem
passar pelos salamaleques das audiências públicas.
Guardada até agora pelo regime de regalias, a notícia acaba de debutar como
fato consumado na imprensa local, precedida esta semana por denúncias do
ambientalista Germano Woehl Jr. e escoltada por avisos oficiais de que os
trabalhos começam em janeiro. “O bom é que a região passará a ter reserva
técnica para situações de blecaute”, disse ao jornal A Notícia, de Jaraguá
do Sul, o engenheiro Ney Emílio Clivati, gerente da Corupá Energia Ltda., uma
empresa criada especialmente para tirar energia da Bruaca.
Corupá bem que mereceria ser tratada com mais respeito. Mesmo porque, tem uma
longa tradição de teimosia. Nasceu 1897, fundada por colonos alemães, austríacos
e suíços num sertão onde custou a brotar a primeira estrada carroçável, mas
dois anos depois já tinha a primeira escola. Chamou-se Hansa Humboldt até a
Segunda Guerra Mundial, quando um surto de nacionalismo lhe deu, à revelia,
depois do rompimento com a a Alemanha, o nome tupi. A cidade esperou até 1997
para retomar suas tradições européias, criando o grupo de danças folclóricas
Volkstangruppe Neufluss. Neufluss é Rio Novo, matriz da primeira hidrelética
que funcionou no município.
Hoje Corupá é uma cidade de 12 mil habitantes, a 217 quilômetros de Florianópolis.
Na última edição do Guia Quatro Rodas coube em quatro centímetros quadrados.
Apresenta-se, oficialmente, como “a capital da banana” em Santa Catarina. O
título, que lhe foi outorgado pela assembléia legislativa dos anos atrás,
inspira a prefeitura a promover a Bananafest no mês de outubro e, no resto do
ano, os agricultores a derrubar o mato para que os bananais avancem sem parar
sobre os morros do município.
Se não fosse pela febre da banana, teria tudo para se dedicar ao turismo. Corupá
é o tipo do lugar que todo brasileiro deveria visitar, para ver como o Brasil já
foi bonito. Ao redor da cidade, basta seguir uma estrada de terra ladeira acima
para dar em propriedades como a do agricultor Evald Faust, onde uma imensa
cachoeira escorrega por dezenas de metros num paredão de basalto, até cair
numa piscina natural no meio da floresta.
Faust tem 170 mil metros quadrados de floresta nativa. E recentemente passou a
explorá-los em fins-de-semana, vendendo tira-gosto e bebida a banhistas. O que
ele fez não está nos manuais de eco-turismo. Escalavrou um barranco para calçar
o caminho com saibro. Exagerou na terraplenagem para abrir vagas no
estacionamento. Canalizou o esgoto para o rio. E pôs uma usina doméstica sob a
queda d’água, para alimentar o bar com eletricidade.
Mas, diante dos bananais da vizinhança, a mata de Evald Faust é quase um museu
a céu aberto da flora brasileira. Com meia dúzia de terras com a dele, Corupá
estaria pronta para mostrar ao país inteiro como quantos paus se faz o
progresso de um município. Mas para isso não há incentivos fiscais nem
dinheiro fácil do governo brasileiro. Ou seja, para gente como Faust não é
muito difícil achar um programa tipo PCH que se pudese traduzir como
“Pequeno Centro do Habitat”, para transformar em negócio a conservação da
natureza brasileira.
(É aconselhável ler o artigo no site, pois está recheado de fotos belíssimas
de Corupá, tiradas pelo próprio Marcos, nos dias 06 e 07 de dezembro. Germano
- www.ra-bugio.org.br
)
Colaboração
de Germano Woehl Jr - germano@ieav.cta.br