Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 55) EDUCAÇÃO AMBIENTAL EMANCIPATÓRIA: DESAFIOS DA PRÁTICA DOCENTE NO CONTEXTO ESCOLAR
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL EMANCIPATÓRIA: DESAFIOS DA PRÁTICA DOCENTE NO CONTEXTO ESCOLAR

 

 

ANDRADE, CLEUDES DIAS MARTINS¹;  BENTO, IZABELA CARVALHO2; GUIMARÃES ÁUREA REGINA3 OLIVEIRA, ISABEL CRISTINA DE4.

 

Centro Universitário UNA                                                                                                         

 Mestrado Profissional e Interdisciplinar em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local cleo.martins37@hotmail.com1, belascarvalho@gmail.com2,

aureagt@gmail.com3, isabelufmg@gmail.com.[1]

 

 

Resumo: A educação ambiental, contemplada pela legislação brasileira, é um tema transversal que deve estar presente de forma permanente no contexto escolar, tendo como objetivo a busca por mudanças de valores e posturas em prol da conscientização, recuperação e preservação do meio ambiente, de maneira que a apropriação dos recursos naturais seja menos predatória e mais sustentável. Este artigo buscou discutir e refletir sobre alguns desafios que perpassam o cotidiano de docentes de muitas escolas na oferta da educação ambiental emancipatória. O resultado de uma pesquisa realizada em escolas  do município e no Instituto Terra, localizado no município de Aimorés –MG, demonstrou que existem barreiras e obstáculos ligados à falta de formação dos docentes e equipe pedagógica, desconhecimento da obrigatoriedade da educação ambiental e a falta de apoio do poder público local que impedem o avanço no desenvolvimento de uma educação ambiental emancipatória  no contexto escolar, mesmo com o apoio do Instituto Terra.

 

Palavras-chaves: Educação ambiental emancipatória. Desafios da prática docente. Práticas pedagógicas.

 

Introdução

A ciência já comprovou que a natureza tem ciclos e que nos milhões de anos se alteram, causando mudanças no clima, vegetação e na forma de vida na terra. As transformações climáticas e ambientais têm se agravado nas últimas décadas, resultado da interferência humana e podem comprometer a existência dos seres vivos.

Os fenômenos naturais percebidos em nosso cotidiano como falta de água ou chuva em excesso, ondas de calor no inverno, dentre outros são advertências para a humanidade no sentido de adotar novas posturas, condutas e valores em relação à natureza, visto que o homem vem utilizando de forma desordenada e não sustentável os recursos que ela oferece, trazendo sérias consequências para o planeta e os seres que o habitam.

A mudança de conduta almejada  e contemplada por acordos e tratados mundiais, é também amparada pela legislação brasileira, conforme exposto a seguir.

·        A questão ambiental prevista no artigo 225 da Constituição Federal:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

A Constituição Brasileira de 1988, reconhecida como Constituição cidadã, orienta que o meio ambiente saudável é um direito, mas também impõe a todos o dever de preservação. Neste momento, começa a reforçar, legalmente, o entendimento de uma educação compromissada com meio ambiente.

A regulamentação da educação ambiental brasileira - Lei nº 9.795- traz a seguinte definição de educação ambiental:

Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999).

Esta Lei define a educação ambiental como um processo, ou seja, não é simplesmente um meio ou um conceito em si. O termo processo é definido como uma atividade reflexiva com o objetivo de alcançar o conhecimento de algo. Neste sentido, o processo de educação ambiental é um ato intencional e político, que envolve a esfera individual e coletiva. Assim, a conservação e preservação do meio ambiente é uma ação dinâmica e contínua para a preservação ambiental e melhoria da qualidade de vida.

Em seu artigo 2º, a Lei 9.795/1999 contempla:

A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal (BRASIL, 1999).

A transversalidade proposta art. 2º  denota que educação ambiental deverá permear todas as disciplinas, todo o ensino, todas as atividades educacionais e ainda aponta para um trabalho  contínuo e interdisciplinar. 

Jacobi (2005) traz um importante esclarecimento sobre as abordagens de educação ambiental, cujos enfoques apontam para duas linhas: conservadora e emancipatória. O discurso conservador privilegia ações pontuais, conteudistas e descontextualizadas da proposta pedagógica, cujas respostas às demandas ambientais têm caráter instrumental e sob uma ótica naturalista. A abordagem emancipatória tem por referência o pensamento crítico, que leva a práticas significativas e com abrangências que transcendem a preservação ambiental a partir de um processo de aprendizagem ativa baseada no diálogo (JACOBI, 2005).

A abordagem emancipatória encontra sua base na tendência conhecida como educação ambiental crítica. Nessa perspectiva de educação ambiental, Carvalho (2004) apud Logarezzi (2010) fazem a seguinte consideração:

Tem suas raízes nos ideais emancipadores da educação popular, a qual rompe com uma visão de educação determinante da difusão e repasse de conhecimentos, convocando-a a assumir sua função de prática mediadora na construção social de conhecimentos implicados na vida dos sujeitos (CARVALHO, 2004 apud LOGAREZZI, 2010, 164).

O exercício da educação ambiental, na perspectiva crítica, evidencia o conhecimento das necessidades, dos interesses, das potencialidades e das limitações que caracterizam os ambientes em que vivem crianças e familiares da comunidade; implica, ainda, reconhecimento da importância de sua participação na busca de suas soluções para os problemas ambientais locais, em escala menor, como contribuição para dirimir os problemas maiores.

Para Sato (1997), a educação ambiental traduziu estas concepções em educação Tradicional e Libertadora, esta última aproxima-se da visão de educação crítica emancipadora.

A educação ambiental emancipatória é uma importante ferramenta para as transformações na sociedade e no meio ambiente, pois questiona as decisões relacionadas à vida dos cidadãos; repensam os acontecimentos, como eles foram e aconteceram realmente e as suas correlações com o que acontece nos tempos atuais, pois permite uma formação para a cidadania e a participação ativa dos sujeitos. E, de acordo com Guimarães (2009), citado por Souza (2010, p. 67):

A EA apresenta-se como um processo educativo que requer a participação das pessoas na construção de uma melhor qualidade de vida, podendo ser um agente dos processos de transformação social, promovendo conhecimento dos problemas ligados ao ambiente, vinculando-os a uma visão global.

Estas proposições apontam para uma prática pedagógica que propicia a construção de um conhecimento emancipatório, capaz de interferir nas práticas sociais e que resulte em exercício de cidadania no trato com o meio ambiente. Nesta visão, estabelece-se uma relação dialética a partir de ações políticas que considerem não somente a busca de soluções para as consequências da degradação ambiental, mas fundamentalmente represente uma possibilidade de empoderamento das comunidades para que identifiquem as causas destas modificações ambientais, por meio da participação ativa que promova as transformações sociais. Ainda permite resgatar o papel da escola e das comunidades por meio de uma participação política e dinâmica. É o que se denomina: pensar localmente e agir globalmente. É também reconhecer que os problemas ambientais são também de cunhos sociais, culturais e econômicos.

No entanto, no contexto escolar, muitos professores e escolas convivem com diversas barreiras e obstáculos no desenvolvimento da educação ambiental numa perspectiva emancipatória e permanente, resultando em perdas, não só para as escolas e alunos, mas principalmente para o meio ambiente

Apesar da Lei nº 9.795/1999 instituir em seus artigos 10, 11 e 12 que a educação ambiental deve estar presente nos currículos formativos em todos os níveis, há ainda um longo caminho a ser percorrido na sua implementação efetiva, em especial nos cursos de licenciatura. E, conforme alguns autores, faltam nos cursos de licenciatura, além da formação em educação ambiental, a constituição da consciência e responsabilidade ambiental nos profissionais formados pela academia. O resultado é que muitas escolas e docentes não reconheceram ou aderiram à importância dessa temática no fazer cotidiano, desconhecendo sua obrigatoriedade (LOUREIRO, 2009; PRADO, 2004; RIBEIRO, 2004; VASCONCELOS, 2008).

Isto pode ser comprovado com na dificuldade em encontrar casos bem-sucedidos de escolas e professores que trabalhassem a educação ambiental de forma permanente e eficiente nas escolas em pesquisa realizada em 37 escolas no município de Belo Horizonte - MG, sem esfera específica (particular, estadual e municipal). E, das 37, não foi possível identificar nenhuma que apresentasse perfil adequado para a realização deste estudo, visto que o foco e objetivo eram as escolas que tivessem projetos e trabalhos de educação ambiental contínuo e permanente com seus alunos.

Devido ao insucesso, optou-se por realizar a pesquisa no Instituto Terra, sediado no município de Aimorés - MG, que é uma instituição de referência nacional em educação ambiental emancipatória.

A experiência relatada deriva de uma dissertação de mestrado realizada no Instituto Terra, em 2013, localizado em Aimorés-MG, cujo objetivo foi compreender e relatar de que forma aquele Instituto contribui para a formação dos docentes das escolas no que concerne ao trabalho da educação ambiental emancipatória, visto ser ele referência nacional em educação ambiental.

Fundado em abril de 1998 por Lélia Deluiz Wanick Salgado e Sebastião Salgado, o Instituto Terra conta hoje com área de 709,84 hectares, sendo 608,69 hectares reconhecidos como Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Fazenda Bulcão, pela Portaria IEF/MG nº 081, promulgada em 07 de outubro de 1988 (SALGADO, 2009, p. 10).

Trata-se da primeira RPPN constituída em uma área degradada de mata atlântica, com o objetivo de promover um processo de recuperação ambiental associado a atividades educacionais e tendo como proposta criar um modelo de reflorestamento que pode ser replicado em propriedades no Vale do Rio Doce e outras regiões de mata atlântica (SALGADO, 2009, p. 10).

Os principais objetivos do programa do Instituto Terra, denominado “Projeto de Educação e Recuperação Ambiental da Mata Atlântica no Vale do Rio Doce”, são: promover, executar e apoiar programas e ações concretas de conservação, recuperação, gestão e educação ambiental na mata atlântica da bacia do Rio Doce, a partir de quatro componentes: recuperação ambiental, pesquisa, educação e desenvolvimento sustentável, Salgado (2009, p. 10).

Desta forma, este artigo tem como objetivo apresentar, por meio de relatos e análise dos mesmos, os principais desafios e obstáculos que as escolas e os professores têm encontrado para executar um trabalho adequado de educação ambiental emancipatória, mesmo com o apoio de uma instituição que tem excelência nesta tarefa.

 

METODOLOGIA

A pesquisa foi baseada em dados qualitativos, envolvendo a experiência de seis professores de áreas diversas do ensino médio e fundamental das escolas da rede privada e pública de Aimorés e de dois gestores ambientais. Foi feita pesquisa bibliográfica para dar suporte à pesquisa de campo, com o objetivo de oferecer dados e conceitos sobre a educação ambiental e práticas educativas.

Outros instrumentos de coletas de dados utilizados foram as entrevistas e a observação para identificar as práticas educativas utilizadas pelos professores e também detectar a existência de dificuldades e possibilidades e quais são elas.

A entrevista realizada foi a semiestruturada, em que as questões foram elaboradas e definidas seguindo um roteiro de cinco perguntas que convidavam o entrevistado a expor suas opiniões e experiências em relação ao tema: Educação Ambiental no contexto escolar. As entrevistas semiestruturadas permitem aos entrevistados uma forma livre para exercitar e acompanhar a resposta. As entrevistas são definas por segundo Gil (2010):

Define-se entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formulam perguntas com objetivos de obtenção de dados que interessam à pesquisa. É, portanto, uma interação social [...]é bastante adequada para obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, creem, esperam, sentem ou desejam, fizeram ou pretendem fazer [...] muito usada em pesquisas sociais [...] usada não apenas para coleta de dados, mas também com objetivos voltados para diagnóstico e orientações. (GIL, 2010, p.117).

As entrevistas permitiram contatos com os sujeitos que forneceram dados subjetivos e informação úteis sobre a proposta de educação ambiental desenvolvida. O objetivo foi o de conhecer, entender, captar e analisar o que os professores entendiam sobre a EA e de que forma eles a abordavam, aplicavam e trabalhavam no contexto escolar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Mediante os relatos das entrevistas, as escolas têm grandes dificuldades e obstáculos para o desenvolvimento da educação ambiental emancipatória de forma permanente e contínua com os alunos. Isso foi evidenciado nos diferentes pontos de vista entre os entrevistados, conforme apresentado no Quadro 1.

Tabela 1 - Dificuldades e obstáculos da educação ambiental emancipatória apontados pelos professores e pelas escolas

 


Fonte: dados das entrevistas.

Ao analisar os relatos dos entrevistados, percebe-se de forma clara que cada um deles apresenta obstáculos diferentes em sua disciplina para trabalhar a educação ambiental emancipatória com seus alunos. No entanto, nem sempre os obstáculos enumerados são empecilho e poderia ter soluções simples para contorná-los.

De acordo com dois dos entrevistados (E1 e E3), a falta de recursos e verbas do governo e a falta de conhecimento de EA para muitos professores são reconhecidas como obstáculos no ponto de vista de ambos. Para se trabalhar a educação ambiental faz-se necessário conhecimento e iniciativa, verba não é um fator determinante na sua execução. Esta fala denota desconhecimento das diversas possibilidades da educação ambiental.

O despreparo do professor é um fator preponderante para trabalhar de forma coesa e precisa a educação ambiental emancipatória com os alunos. Jacobi (2005, p. 244) fortalece a ideia da importância dos professores estarem preparados:

Os educadores devem estar cada dia mais preparados para reelaborar as informações que recebem e, dentre elas, as ambientais, para poder transmitir e decodificar para os alunos a expressão dos significados em torno do meio ambiente e da ecologia nas suas múltiplas determinações e intersecções.

Para Jacobi a falta de formação dos profissionais é um obstáculo, pois o contexto em que se vive ensina muito mais do que o conhecimento que se procura transmitir em palavras. E é papel do professor potencializar este aprendizado.

A inserção da educação ambiental numa perspectiva emancipatória ocorre na medida em que o professor assume uma postura reflexiva para potencializá-la e entende-la como uma prática político-pedagógica. Significa uma possibilidade de motivar e sensibilizar as pessoas para transformar as diversas formas de participação, alcançando a sociedade e ampliando sua responsabilidade socioambiental (JACOBI, 2005).

Esses mesmos entrevistados alegaram que as escolas não oferecem cursos de forma específica de educação ambiental para os professores. Segundo eles, não recebem qualquer tipo de amparo acadêmico que fortaleça o conhecimento e o envolvimento deles com a educação ambiental. Nesse caso, a principal instituição que os ampara e os direciona para tal é o Instituto Terra, onde puderam participar de cursos, palestras e oficinas que facilitam o trabalho.

Nas palavras destes entrevistados faltam ações da escola para oferta de cursos, contudo, a escola não pode carregar este fardo sozinha, pois isto é o resultado da omissão dos órgãos gestores na oferta, ampliação e melhoria do trabalho docente na área ambiental, conforme determina a Lei 9795/1999.

As experiências enriquecedoras das escolas em educação ambiental foram executadas dentro do Instituto Terra, conforme tabela abaixo, no entanto, sem dar sequência às atividades.

Tabela 2

Na tabela 2, as atividades práticas foram executadas no Instituto Terra, as oficinas e as trilhas ecológicas. As demais atividades trabalhadas pelas escolas não ofereceram continuidade e ampliação das experiências vivenciadas pelos alunos no Instituto. Diante desta realidade, o conhecimento adquirido não extrapolou a esfera cognitiva, de maneira que causasse mudanças de atitude no tocante ao respeito, à preservação e a intervenção dos alunos no trato com o meio ambiente.

Outro problema destacado foi a responsabilidade dada aos professores de Ciências e Geografia na promoção da emancipação e sensibilização dos alunos:

É muito comum os nossos colegas de profissão achar que nós docentes de Ciências e Geografia somos os responsáveis pelos temas ambientais, devido ao fato de nossas disciplinas estarem mais ligados ao meio ambiente e à natureza. Mas na verdade, EA é um tema transversal que deve estar presente em todas as disciplinas, portanto, é um tema a qual a responsabilidade tem o mesmo peso para todos nós, professores, indiferente de qual seja sua área de formação, principalmente para aqueles professores que se preocupam com a cidadania (E2, 2012).

 

A fala desse entrevistado leva a refletir sobre uma situação que faz parte da vida cotidiana de muitas escolas e professores. O pensamento geral é que a temática ambiental é responsabilidade dos conteúdos de Geografia e Ciências dada a proximidade dos conteúdos destas disciplinas com as temáticas ambientais. No entanto, esta postura reflete o pensamento da educação ambiental ligada à ecologia; o entendimento que o meio ambiente faz parte das árvores e rios, fora da esfera humana, social, política, econômica e social.

Esse pensamento pode ser justificado pela organização curricular nacional e estadual, neste caso em Minas Gerais, que ainda não elencou dentro dos conteúdos esta perspectiva de aprendizado sobre o meio ambiente, trazendo, à parte, como um tema transversal. Apenas os cursos de graduação de Ciências Biológicas e Geografia é que contemplam as temáticas ambientais dentro das orientações curriculares, facilitando a abordagem e o domínio sobre o tema pelos professores destas disciplinas. Mas, conforme colocou próprio entrevistado, essa responsabilidade dever ser atribuída a todas disciplinas, indiferentemente de qual seja sua área de atuação.

Em relação à dificuldade de levar os alunos para fora da escola, abordado pelo entrevistado (E8), e a pouca abertura concedida pela escola para trabalhar a educação ambiental, citado por outros dois (E3 e E5), Knorst (2010, p. 132) reporta:

As escolas são muito importantes para a sociedade, consequentemente, são responsáveis pela transformação desta. Então, estudar as questões ambientais nas aulas é contribuir para a formação de discentes conscientes, responsáveis e críticos, mas, com certeza, isso é um grande desafio aos docentes. [...] Trabalhar a educação ambiental nas escolas pode ser, de certa forma, complicado e complexo, pois dependendo da localização (zona rural ou urbana) pode-se não obter êxito com o trabalho da questão ambiental. Porém, a educação ambiental, presente nas atividades escolares, pode ser um grande incentivo para os discentes pensarem e atuarem em mudanças, na expectativa de que muitos mudem suas atividades para o bem do meio ambiente.

Com base nesse autor, é possível afirmar que as escolas precisam se reestruturar, buscando junto ao poder público a formação e capacitação dos professores, firmar parcerias com instituições como o Instituto Terra, como é o caso destas escolas de Aimorés/MG. O trabalho extraclasse é importante, mas pode ser feito de outra forma, como por exemplo: solicitar aos alunos que, durante o percurso entre a escola e a residência, para o lazer e em outras atividades cotidianas, façam observação da paisagem que percebe e construir conhecimentos a partir da aí. Este é apenas um exemplo de trabalho além dos muros da escola que poderá ser feito. O compromisso com uma vida sustentável, é o mínimo que a educação formal pode possibilitar. Com isso, a educação ambiental será realmente um tema transversal, contínuo e permanente, conforme estabelecem a Lei 9.795 e os PCNs no contexto escolar.

Alguns obstáculos, citados por alguns entrevistados, refletem a falta de estrutura, organização e de projetos político-pedagógicos que direcionem de forma bem-sucedida a inclusão e a execução da educação ambiental na escola de caráter emancipatório, conforme percebida na Lei 9795/1999.

Outro empecilho ressaltado por alguns entrevistados (E4 e E6) é a dificuldade em dar sequência e continuidade aos projetos elaborados pela escola e pelos professores. Este fato pose ter explicação na falta de instrumentos pedagógicos que o possibilite, como por exemplo a pedagogia de projeto, conforme enfatiza Reigota (2009, p.71):

É um método que envolve toda a escola, incluindo os pais dos alunos no estudo de um tema específico. Ele permite que cada indivíduo desenvolva o tema proposto sob sua ótica, interesse e especificidade. Os pais participam contribuindo com a sua experiência e seu conhecimento sobre o tema. Os alunos se empenham em explorar particularidades que lhes interessam.

 

A educação ambiental emancipatória pode fazer uso de vários instrumentos pedagógicos, um deles é a pedagogia de projeto, pois possibilita a exploração de temas com suas particularidades, chamando à participação os alunos, professores, equipe pedagógica e toda comunidade escolar.

O depoimento de um entrevistado (E6) comprova os benefícios e a importância dos projetos desenvolvidos na escola, ao relatar sua experiência:

Em 2010, foi realizado o Projeto “Minha casa é 10” com parceria do Programa Saúde da Família (PSF). Esse projeto foi realizado em um vilarejo próximo de Aimorés, onde havia altos índices de verminoses causados pela falta de saneamento básico, higiene etc. Esse projeto propôs à comunidade algumas tarefas como: retiradas de lixos, campanha tipo gincana, cuja premiação era dada para quem conseguisse manter a higienização da casa por mais tempo. Os moradores deixaram todos os coordenadores do projeto surpresos com a mudança radical de atitudes, e o impacto da EA foi notório, pois a comunidade ficou mais unida e os cuidados básicos, como a higienização, passaram a ser um hábito constante, fato que sem dúvidas contribuiu para a redução de doenças, verminoses, proporcionando, assim, uma melhor qualidade de vida aos moradores daquela comunidade (E6, 2012).

E acrescentando:

Após a realização desse projeto, conseguimos perceber que a EA emancipatória consegue promover desenvolvimento local, porque ela consegue mudar a visão dos moradores de um determinado local e conseguem tornar a comunidade mais unida e participativa para realizar projetos. (E6, 2012).

Ao aliar o ponto de vista do autor e os relatos dos entrevistados em relação aos projetos, percebe-se que é preciso estabelecer uma parceria e uma comunicação mais bem estruturada entre a escola e o corpo docente, a fim de que a equipe pedagógica e de gestão da escola sustentem e permitam a criação e a finalização dos projetos propostos pela equipe docente. Esta, por sua vez, necessita se disponibilizar e trabalhar com determinação para que nenhum projeto se perca em meio a tantas ações ou atividades propostas pela escola, mas procedam como facilitadores para que as atividades sejam desenvolvidas.

As análises documentais empreendidas e os dados empíricos apontam para ações de educação ambiental que não contemplam a interdisciplinaridade e nem acontece de formar transversal. Geralmente, é entendida como área de atuação de Ciências, de Geografia, em datas específicas. As atividades desenvolvidas distanciam-se das características críticas-transformadoras destacadas por alguns pesquisadores e enunciadas pela legislação que a ampara. Seria necessário buscar uma abordagem curricular que levasse à conscientização, à formação de sujeitos críticos; que permitisse a apropriação do saber social para apreensão dos saberes historicamente produzido e que, principalmente, permitisse o efetivo exercício da cidadania (OLIVEIRA, 2009a).

 

Considerações finais

Segundo a Lei 9795/199, a educação ambiental é entendida como um processo amplo que permeia todas as disciplinas, projetos e ações desenvolvidas pela escola; é um tipo de educação que demarca um campo político de valores e práticas, capaz de mobilizar atores sociais comprometidos com a prática transformadora e emancipatória; leva à promoção da ética e da cidadania ambiental. Ainda, a PNEA permite á escola o protagonismo de atuação, uma vez que sua função precípua é o ensino.

Este artigo demonstrou e analisou os obstáculos e desafios enfrentados pelas escolas do município de Aimorés para trabalharem o tema educação ambiental como um tema transversal. Constou-se que as escolas ainda não entenderam a obrigatoriedade de aplicação dos princípios e objetivos da Lei 9.795.

Apurou-se, portanto, que os desafios e obstáculos são devidos aos seguintes fatores: falta de investimento do governo na formação docente em e EA;  outorga de responsabilidade aos professores de Ciências e Geografia na promoção da EA na perspectiva de emancipação e sensibilização dos alunos; falta de incentivo à experiências extra-escola; pouca disposição da escola ara trabalhar a temática ambiental; descontinuidade dos projetos elaborados pela escola e pelos professores.

Se nem mesmo no cumprimento da determinação legal e em caráter conteudista foi percebida uma educação ambiental efetiva, nem de longe se aproximou da perspectiva emancipatória. As experiências, vivências e dificuldades, evidenciadas na coleta de dados, demonstraram que não há um trabalho permanente na escola e no cotidiano dos professores; há mudanças incipientes no trato com meio ambiente; não se vivencia uma educação cidadã.

Mesmo com o apoio do Instituto Terra, é possível dizer que se percebem também algumas tentativas para superar essas dificuldades, mesmo de maneira pontual e muito específica, em algumas escolas do município de Aimorés.  Isso se dá em boa parte porque o Instituto Terra oferece suporte e amparo muito importantes para toda a comunidade escolar. Essa parceria parece de fato beneficia os professores e os alunos que realmente abraçaram a educação ambiental de forma mais engajada no cotidiano. No entanto, falta a participação do poder público para tornar as ações de pontuais para efetivas.

É importante salientar que seria necessário que os órgãos e setores educacionais se responsabilizassem pela situação da educação ambiental, a fim de criar medidas e estratégias capazes de vencer os desafios e obstáculos mencionados. É urgente apreender o entendimento da educação ambiental como forma de viver e não apenas um dever, uma tarefa para o professor. Que ela se constitua como um tema e uma prática aceita como essencial à educação escolar e necessária para a garantia do futuro das sociedades.

Assim, a educação será percebida como elemento de transformação social, a partir de um movimento integrado de mudança de valores e de padrões de conhecimento, com ação política democrática e reestruturação das relações econômicas, cuja inspiração está no fortalecimento dos sujeitos, no exercício da cidadania (LOUREIRO, 2004).

Referências

 

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Sites visitados:

 

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http://www.diariodoscampos.com.br/variedades/2014/02/educacao-ambiental-e-obrigatoria-nas-escolas-paranaenses/940957/

 

 



[1]              Analista da Educação da SEE/MG e Mestre em Educação Ambiental pelo Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil;   2Bióloga e Mestre em Educação Ambiental pelo Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil; 3 Socióloga, Doutora em Ciências da Educação - Université René Decartes Paris, V Sorbonne, França; 4Jornalista, Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local, Centro Universitário UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Ilustrações: Silvana Santos