Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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15/12/2015 (Nº 54) CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE NA PRODUÇÃO DE CONCRETOS
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caminhos para a sustentabilidade na produção de concretos

 

Msc. Robson Fleming; Docente/Pesquisador: Departamento de Engenharia Civil, Universidade Uniderp, Rua Ceará, 333 - Bairro Miguel Couto, 79003-010, Campo Grande-MS, telefone: (067) 3211 3985, robsonfleming@gmail.com.

 

Msc. Elieverson G. Gonzales; Docente/Pesquisador: Departamento de Engenharia Civil, Universidade Uniderp, elieverson@uniderp.edu.br.

 

Eng. Ambiental Cristina A. Ferreira; Departamento de Engenharia Ambiental, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, cristina.aferreira@yahoo.com.br.

 

 

Resumo

 

A construção civil abrange uma ampla faixa de materiais das mais diversas características e aplicações. Assim, o desenvolvimento de materiais mais sustentáveis, com propriedades mecânicas adequadas e de menor custo tem sido alvo de muitos estudos atualmente. No presente trabalho, resíduos provenientes da celulose como papelão, foram aplicados na composição de um concreto. Diferentes traços foram obtidos e comparados com o concreto convencional. Os resultados mostraram que as resistências à compressão axial e diametral apresentaram redução em seus valores com o aumento da fração volumétrica das fibras de celulose.  Entretanto, os corpos de prova com fibra celulósica apresentaram discreta redução em massa no concreto. Os concretos com 5 % de fibras apresentaram uma redução de 7 % em massa e atingiram valores de resistência à compressão axial de aproximadamente 11 MPa aos 28 dias.

 

 

Palavras-chave: concreto fibroso; fibras de papelão; concreto renovável.

 

 

1.    Introdução

 

O elevado crescimento dos resíduos sólidos (industriais, urbanos e da área da saúde) está relacionado à intensa industrialização, crescimento populacional e aumento de pessoas em centros urbanos. Como consequencia estão surgindo graves problemas urbanos e um gerenciamento oneroso e complexo (Ângulo-2001, Filho-2007).

O setor da construção civil, em seu processo produtivo e de manutenção, é um dos maiores geradores de resíduos na atualidade, principalmente devido ao aumento no consumo de materiais de difícil degradação, potencialmente agressivos ao homem e ao ambiente (Silva-2013). Dessa forma, se torna essencial a busca por métodos que reduzem o maior volume possível de produtos descartados em aterros ou lixões.

De acordo com a Associação Brasileira de Celulose e Papel o Brasil apresentou impactos expressivos na produção de celulose na última década, devido a altos investimentos e o desenvolvimento econômico neste setor (Marques-2014). A produção de celulose praticamente dobrou de volume nesse período, com um crescimento médio de 6,5 % ao ano. Em 2008, o setor apresentou uma grande conquista, alcançando o posto de quarto produtor mundial de celulose, atrás apenas de Estados Unidos, Canadá e China. A posição foi mantida em 2010 e 2011, quando o setor produziu 14 milhões de ton. de celulose.

Por outro lado, se torna importante ressaltar que a produção de 1,0 ton. de celulose produz aproximadamente 0,268 ton. de resíduos sólidos, como por exemplo, papel de embalagens de cimento e cal, sacos de papel kraft, entre outros (Marques-2014). Assim, o reaproveitamento desse material vem se tornando importante sob a ótica socioeconômica e ambiental, por seu descarte ocorrer em grandes volumes.

Uma alternativa para destinação desses resíduos de celulose é inseri-los na construção civil (Santos-2012). O concreto celulósico caracteriza-se como um compósito composto de matriz de cimento, areia, brita e fibras de celulose derivadas da reciclagem de papelão. Este material com adição de celulose é mais uma opção de reciclagem para renovar o método construtivo e assim, produzir concretos ecologicamente corretos. Tendo em vista que o contexto social atual exige esta contrapartida por parte do setor de engenharia, principalmente devido aos recursos não renováveis cada vez mais escassos e também ao elevado número de obras que tem ocorrido em todo o Brasil.

Para tanto, o objetivo do presente trabalho foi comparar as resistências à compressão axial, compressão diametral e a relação de massas entre um concreto tradicional e os traços com a utilização de adição de fibras de celulose (papelão), em forma de adição percentual em relação ao cimento. Dessa forma, foi formulado um traço referencial de 13,5 MPa, pelo método da ABCP, com a finalidade de comparar os resultados obtidos com adição de celulose.

 

2.    Materiais e Métodos

 

2.1 Materiais

No presente trabalho foi utilizado como o material aglomerante o cimento Portland CP II-Z 32, produzido pela indústria inter Cement da linha CAUÊ. O agregado utilizado foi areia grossa proveniente da cidade Campo Grande-MS, extraída através da mineradora Igram. O agregado foi seco em estufa para retirar toda a água contida e auxiliar no controle da relação água/cimento.

As fibras de celulose utilizadas para a substituição do agregado miúdo foram derivadas do papelão e do jornal que seriam descartados no lixo comum. A Figura 1 mostra a técnica para a obtenção dessas fibras. A primeira etapa foi a sua submersão na água para facilitar o seu desfibramento, na sequência a trituração da celulose úmida em liquidificador industrial e após este processo, secagem em estufa a 80 °C. A última etapa foi triturar a celulose seca em moinho de bolas. No final do processo as fibras apresentaram uma granulometria similar com a de uma areia fina (entre 0,06 mm a 0,2 mm de diâmetro).

 

Figura 1. Estágios para obtenção das fibras de celulose: (a) jornal e papelão úmido, (b) no liquidificador industrial, (c) fibras após ser triturada e seca e (d) fibras após passar pelo moinho de bolas.

 

2.2  Formulação do traço

Os ensaios de granulometria e a determinação da massa unitária foram realizados no laboratório da Universidade Anhanguera/UNIDERP conforme a norma NBR NM 248 (2003) e NBR NM 45 (2006), respectivamente. Após a obtenção das massas unitárias, foi formulado um traço referencial com cimento, areia, brita nº 0 e água na proporção de 1:3,1:3,5; 0,65. A partir deste traço foram elaborados mais 3 traços com adições de fibras de celulose em relação ao cimento nos percentuais de 2,5%, 5,0% e 7,5%. Os traços do presente trabalho foram formulados e apresentados na Tabela 1.

 

Tabela 1: Traços executados.

Cimento (kg)

Areia (kg)

Brita (kg)

Fibra (kg)

Água (kg)

5

15,5

17,5

0

3,25

5

15,5

17,5

0,125

3,25

5

15,5

17,5

0,250

3,25

5

15,5

17,5

0,375

3,25

                                                   

 Para este trabalho foram moldados conforme a Tabela 1, um total de 40 CP’s sendo que, para cada traço foram moldados 10 CP’s. Cada percentual foram separados 3 CP’s para o ensaio de resistência à compressão para as idades de 7 e 28 dias, conforme NBR 5739 (2007). Outros 2 CP’s para o ensaio de tração por compressão diametral aos 7 e 28 dias seguindo a NBR 7222 (2011), e todos os corpos foram pesados para o ensaio de massa. 

 

2.1  Caracterização

2.3.1    Ensaio de Compressão Axial

Análise da resistência à compressão axial (direta) foi realizada utilizando corpos de prova cilíndricos com dimensão de 10 cm de diâmetro e 20 cm de altura. A norma empregada foi a NBR 5739 (2007). Foram confeccionados para os ensaios 6 corpos de prova de cada percentual, sendo 3 corpos de prova para rompimento em 7 dias de idade e 3 corpos de prova para 28 dias de idade.

 

2.3.2    Ensaio de Tração por Compressão Diametral

Análise da resistência à tração por compressão diametral foi realizada de acordo com a norma NBR 7222 (2011). Para cada traço produzido neste trabalho foram moldados 4 corpos de prova para este ensaio, sendo 2 corpos de prova pra utilizar em 7 dias de idade e 2 corpos de prova para 28 dias de idade.

 

2.3.3    Ensaio de Abatimento

Ensaios de abatimento permitem analisar a trabalhabilidade do concreto executado bem como sua consistência. A Tabela 2 mostra os valores dos ensaios para o traço referência e para os traços com as adições de 2,5 %, 5 % e 7,5 % de fibras. Ressalta-se que a relação água/cimento foi mantida constante.

 

Tabela 2. Ensaio de abatimento.

Amostras

Abatimento (mm)

Referência

70

2,5 %

60

5,0 %

40

7,5 %

25

 

 

 

 

 

3.    Resultados e Discussão

3.1  Análise visual

A Figura 2 mostra as imagens das amostras com 0 %, 2,5 %, 5,0 % e 7,5 % de fibras de celulose em relação às matrizes cimentícias de cada traço. Observa-se que a amostra sem adição de fibra, Figura 2(a), visualmente apresenta um corpo de prova com menor umidade, na idade de 7 dias. Por outro lado, conforme aumentam à fração volumétrica de fibras na mistura, essas amostras apresentam maiores irregularidades em suas superfícies e visualmente maior retenção de água. Além disso, é interessante observar que o traço sem fibras apresenta maior homogeneidade. De fato, as fibras de celulose reduzem a interação física entre os componentes do concreto, mostrando interferência na cura do mesmo.

 

Descrição: Visual_7

Figura 2. Imagens das amostras de concreto com fibras de celulose nas proporções (a) 0 %, (b) 2,5 % (c) 5 % e (d) 7,5 % na idade de 7 dias.

 

Para complementar o trabalho, foi realizado também a comparação visual das amostras com a idade de 28 dias, conforme mostra a Figura 3. A percepção em relação a estas é que as amostras com 5 % (Figura 2 (c)) e 7,5 % (Figura 2 (d)), de fibra de celulose, apresentam em seu aspecto visual elevada umidade, enquanto que o corpo de prova sem a referida adição praticamente já dissipou em suas reações grande parte do teor de água existente. Este fato vem comprovar que a fibra absorveu para si boa parte da água liberada para a execução do traço de concreto.

 

Figura 3. Imagens das amostras de concreto com fibras de celulose nas proporções (a) 0 %, (b) 2,5 % (c) 5 % e (d) 7,5 % na idade de 28 dias.

 

3.2  Resistência à compressão axial

Os resultados de resistência à compressão axial para as amostras de concreto misturadas com celulose são demonstradas na Figura 4. Observa-se que a resistência à compressão axial dos corpos de prova com a fibra celulósica apresenta uma redução de resistência conforme aumenta a fração de fibra. O concreto padrão (sem resíduos de celulose) apresenta o maior valor, por volta de 11,3 e 16,6 MPa para os 7 dias e 28 dias, respectivamente.

Essa redução na resistência das amostras com resíduos é devido à adição da fibra, pois aumentam significativamente a porosidade do material e interferem nas ligações da pasta com o agregado graúdo, que por consequência reduz sua resistência mecânica, conforme se observa na Figura 3. O traço com 7,5 % de fibra apresenta a menor resistência aos 7 dias, pois além de apresentar grande umidade, os seus agregados não apresentam boa ligação física entre si. Esse resultado visual pode ser verificado pela imagem da Figura 2 (D), que mostra uma superfície bastante heterogênea e com pouca coesão entre seus agregados. De fato, a fibra é um material muito higroscópico e provavelmente absorveu muita umidade na mistura, evitando uma adequada cura do concreto.

De outra forma, a amostra com 5 % de fibra apresenta os melhores resultados entre as amostras com inserção de fibras tanto aos 7 dias quanto aos 28 dias. Estes valores foram de aproximadamente 8 MPa e 11 MPa, respectivamente. Verifica-se que a mistura com 5 % de fibra, aos 7 dias, apresenta uma resistência em torno de 82 % do traço de referência enquanto o traço com 7,5 % apresenta o menor valor entre todos os resultados aos 7 dias.

 

Figura 4. Resistência à compressão axial dos traços com diferentes percentuais de fibras de celulose no concreto.

 

3.3  Resistência à tração por compressão diamentral

A análise de tração por compressão diametral é uma técnica que pode auxiliar a verificar o comportamento de fibras inseridas na mistura do concreto, pois estuda o comportamento mecânico de tração das amostras. A Figura 5 mostra os resultados de resistência à tração por compressão diametral das amostras de concreto com as fibras de celulose.

De forma semelhante foi observado que as amostras com o maior percentual de celulose também apresentam queda no desempenho em termos de resistência tanto aos 7 dias quanto aos 28 dias. É importante verificar que no ensaio à compressão axial, as amostras com 5 % de fibras apresentaram o maior resultado de resistência, enquanto que com relação ao ensaio de compressão diametral, os melhores resultados foram com as amostras de 2,5 % de fibras, mostrando que foram as que mais se aproximaram da resistência do traço referência. Além disso, apresentou praticamente o dobro do desempenho resistente em relação às outras frações, isto aos 7 dias.

 

Figura 5. Resistência à tração por compressão diametral dos traços com diferentes percentuais de fibras de celulose no concreto.

3.4  Relação das massas das amostras de concreto

O peso de um material estrutural tem grande influência no desempenho deste em uma obra.  Desta forma, também foi realizado um estudo das massas dos corpos de prova com idade de 28 dias. Verificou-se que os corpos de prova com fibras de celulose apresentaram uma redução de massa de aproximadamente 300 g, conforme pode ser observado na Figura 6. De fato, a fibra de celulose apresenta menor massa específica em relação aos agregados tradicionais.

 

   Figura 6. Massas das amostras (28 dias) em diferentes proporções de fibras de celulose.

 

 

 

4.    Conclusão

Concretos misturados com diferentes teores de fibras de celulose (papelão) foram obtidos e algumas de suas propriedades mecânicas foram analisadas. O concreto dosado levou em consideração a possibilidade de ser aplicado em lajes apoiadas sobre o solo, o que de fato se torna interessante, pois em pequenas construções demandam pequenas solicitações, considerando que a menor classe de concreto usualmente na construção civil é o de classe C10. O concreto com adição de fibra de celulose no percentual  de 5 % atingiu valores por volta de 11 MPa. Isso mostra que mesmo apresentando valores inferiores ao concreto de referência, podem ter seu aproveitamento em projetos não estruturais, visto que sua resistência atingiu a classe mínima em uso atualmente.

O concreto também pode ser utilizado em outras aplicações, e em algumas delas é necessário que seu peso específico seja reduzido, como no caso da regularização de pisos em desníveis, o que poderá ser conseguido com a adição desse material. Além disso, a necessidade do surgimento de novos materiais, sobretudo os oriundos da construção civil, que produz diariamente toneladas de resíduos. Podendo assim, dar uma destinação nobre a um resíduo, que atualmente é um problema.

 

 

Referências

 

ÂNGULO, S. C., et al. Desenvolvimento sustentável e a reciclagem de resíduos na construção civil. Evento: IV Seminário Desenvolvimento Sustentável e a Reciclagem na construção civil – materiais reciclados e suas aplicações. CT206 – IBRACON. São Paulo – SP, 2001.

 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS NBR 13438: Blocos de concreto celular autoclavado – Requisitos, 2013.

_____. NBR 7222: Concreto e argamassa – Determinação da resistência à tração por compressão diametral de corpos de provas cilíndricos, 2011.

_____. NBR 5739: Concreto – Ensaios de compressão de corpos-de-prova cilíndricos, 2007.

_____. NBR 5738: Concreto – Procedimento para moldagem e cura de corpos-de-prova, 2003.

_____. NBR 12118: blocos vazados de concreto simples para alvenaria: métodos de ensaio. Rio de Janeiro, 2011.

_____. NBR 45: Agregados – Determinação da massa unitária e do volume de vazios, 2006.

 

FILHO, G. E. C. P., Reciclagem: Benefícios e Perdas Obtidas em Campo Grande – MS, 24º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 2007.

 

MARQUES, L. M, et al. Potencialidades do uso de resíduos de celulose (dregs/grids) como agregado em argamassas. Revista Brasileira de Produtos Agroindustriais, Campina Grande, v. 16, n. 4, p.423-431, 2014.

 

SANTOS, L. R., CARVALHO, P. E. F. Reutilização de sacos de cimento como fibras na produção de argamassas. Revista Construir Mais, n. 23, p. 14-15, 2012.

 

SILVA, M. A. Obtenção e caracterização de compósitos cimentícios reforçados com fibras de papel de embalagens de cimento. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Materiais), Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, 2013.

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos