Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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15/12/2015 (Nº 54) EDUCAÇÃO PATRIMONIAL AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: INVESTIGAÇÃO DO PLANO E DA PRÁTICA DOCENTE
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EDUCAÇÃO PATRIMONIAL AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: INVESTIGAÇÃO DO PLANO E DA PRÁTICA DOCENTE

Luiz Rocha da Silva¹

Maria de Fatima Vilhena da Silva²

 

¹Professor do Instituto Federal do Pará, Mestre em Educação em Ciências e matemáticas, Doutorando em Educação em Ciências e Matemática pelo PPEGECEM, da Rede Amazônica de Educação em Ciências – REAMEC. luiz.rocha@ifpa.edu.br

²Professora Doutora do Instituto de Educação matemática e Científica – IEMCI/UFPA, Orientadora do Doutorado PPEGECEM, da Rede Amazônica de Educação em Ciências – REAMEC. fvilhena23@gmail.com

 

 

Resumo: A Educação Patrimonial Ambiental (EPA) busca investigar valores éticos de cidadania dos grupos sociais em torno dos bens ambientais e patrimoniais por meio da investigação e incentivo a proteção destes bens apresentando novas propostas e alternativas pedagógicas de ativação do conhecimento sobre o meio em que se vive. Nesse sentido, é importante aplicar a EPA nas escolas em comunidades do campo com objetivos de (1) viabilizar subsídios didáticos para o desenvolvimento de projetos de Educação Ambiental nas Escolas e (2) possibilitar a compreensão de conhecimentos de meio ambiente, cultura, patrimônio e integrar as diferentes áreas de estudos por meio de atividades interdisciplinares na educação do campo. Os resultados revelaram um visível estímulo ao engajamento dos estudantes para a importância da conservação do patrimônio (cultural e ambiental) local, por meio da investigação e resgate da autoestima e da cidadania ambiental. Ao final deste processo, os alunos se tornaram multiplicadores do conhecimento.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Educação do Campo, Patrimônio.

Abstract:  The Environmental-Patrimonial Education (EPE) attempts to research ethical values for citizenship of social groups in relation to the  environmental and patrimonial wealth by means of research and incentive to protect this wealth, by presenting new proposals and pedagogical alternatives of accelerating knowledge about the environment in which they live. In this sense, it is important to apply the EPE in the schools of communities in the rural zone, with objectives of facilitating didactic supplements in order to develop the Environmental Education in the Schools and make possible the understanding of data from the environment, culture, patrimony and integrate the different areas of studies by way of interdisciplinary activities of education in the rural zone. The results revealed a visible stimulus with the involvement of the students in respect to the importance of conservation of the local patrimony (cultural and environmental) by means of research and the regarding of auto-esteem and the environmental citizenship.  At the end of this process, the students become multipliers of data.

Key-words:  Environmental Education, Education in Rural Zone, Patrimony.

 

1. Introdução

O estado do Pará apresenta uma rica cultura na Amazônia Brasileira, sua população do campo é complexa e suas culturas apresentam contextos diferenciados em diversas regiões do Estado, seja nas áreas de comunidades ribeirinhas (litoral, rios, manguezais e várzeas) seja na floresta.

Frente ao inquietante estágio de degradação ambiental em que se encontra a Terra e da conjuntura que vive a escola do campo, surge à necessidade de estudo das novas tendências em educação ambiental na Educação do Campo.

A Educação do Campo sempre foi tema de muitos debates no cenário educacional brasileiro e mundial, entretanto, no Brasil as políticas nem sempre tem sido dinâmicas no progresso e na valorização do conhecimento cultural e ambiental produzido pelas comunidades do campo e suas interconexões com as questões relacionadas ao ambiente e ao patrimônio. Nesta investigação constatou-se que, os alunos das redes pública das escolas do campo, apresentam deficiências relevantes relacionadas ao conhecimento de meio ambiente e de sua contribuição para o entendimento da evolução das relações socioambientais entre homem e o meio em que vive.

O enfoque deste ensaio é demonstra as práticas da Educação Patrimonial Ambiental e suas vias de aplicabilidade na educação do Campo na comunidade de Pedra do Sal, envolvendo escola e sociedade em relações de interação entre conhecimento e reconhecimento do meio ambiente como algo realmente importante tanto em caráter coletivo como individual.

Considera-se necessário acessar os pressupostos da Educação Patrimonial Ambiental, para estudar e disseminar o conhecimento científico acerca dos projetos de Educação Ambiental no contexto da educação do campo, e a consequente produção de conhecimento fundamentada na realidade local das escolas investigadas, e cujos resultados das experiências podem ser utilizados em atividades de Educação Ambiental.

Frente a essas afirmativas entende-se que a Educação Patrimonial Ambiental surge como uma nova tendência em Educação que convalida as práticas de educação ambiental para a cidadania e para a preservação do meio. Seus princípios tratam das questões ambientais em diferentes perspectivas como, por exemplo, os mitos e religiosidade, o contexto e as crenças respeitando seu espaço cultural. “Não se tem uma única definição para a Educação Patrimonial Ambiental, todavia consideramos que esta educação faz sentido quando se levam em conta os contextos diversos”. (SILVA, 2013, p.5)

Neste estudo investigou-se o projeto de Educação Ambiental por um professor do campo, buscando-se apresentar propostas da inserção da EPA e seus princípios epistemológicos nas práticas do professor, como princípio didático interdisciplinar, cuja utilização de suas metodologias pode tornar o ensino sobre Meio Ambiente mais dinâmico na configuração como acontece nas práticas de forma compartilhada e valorizando os conhecimentos ou saberes do professor, dos alunos e da comunidade.

O estudo busca ainda, investigar no projeto sobre “Educação Ambiental na valorização dos recursos naturais das águas e do manguezal da comunidade de Pedra do Sal em São João de Pirabas-Pará” elaborado pelo Professor Jorge, os valores éticos de cidadania da comunidade e como se trabalha os conceitos ambientais e patrimoniais por meio da investigação na escola do campo supracitada, e como há o incentivo a proteção destes bens nas propostas e alternativas pedagógicas do professor na sua prática.

Ao se refletir sobre algumas “Tendências”, destaca-se aqui a importância de colocá-las em movimento, relacionadas com as peculiaridades educativas, considerando-as no processo de construção da escola. Frente as suas potencialidades, as inter-relações, complementaridades e as relações com a educação ambiental pode-se destacar especialmente uma: a Educação patrimonial Ambiental assentada na ligação entre os elementos bióticos e abióticos que compõe o planeta, sendo necessária a construção de uma cultura de preservação, na qual o homem passe a desfrutar de uma nova percepção e relação com o meio ambiente, o qual lhe proporciona a produção e a qualidade de vida.

Na perspectiva de uma educação patrimonial ambiental do campo, entende-se que o educador precisa estar sintonizado com a realidade local, com as percepções do homem do campo, o modo como ele pensa e suas perspectivas, utilizando o seu “conhecimento social” que é resultado do seu cotidiano, nos projetos e na ação pedagógica.

2. Método da Investigação

Este estudo foi embasado nos pressupostos da Educação Patrimonial Ambiental, na qual o ponto fundamental foi a investigação e a discussão sobre o projeto e a prática de Educação Ambiental e a narrativa do professor na Educação do Campo levantado em uma escola que promove a conscientização acerca dos problemas ambientais cotidianos, a compreensão do meio socioambiental, a fim de favorecer mudanças de comportamentos e atitudes.

As concepções de EPA são geradas e seus princípios debatidos no Grupo de Pesquisas em Educação Patrimonial Ambiental do Instituto de Educação Matemática e Científica da Universidade Federal do Pará, já existindo várias produções para suportes teóricos nas pesquisas realizadas. (SILVA, 2007; BARROS, 2008 e 2014, SANTOS, 2010; OLIVEIRA, 2010; LUZ. 2010).

Barros (2008, p. 12), indica que as pesquisas em EPA tendem a valorização da história, da tradição e promove à inserção social essa perspectiva é “possível analisar trajetórias de experiências concretas vividas por uma comunidade e a partir delas identificar valores, significados e as marcas que traçam o perfil do sujeito da ação ambiental”.

Em tese mais atual esta mesma pesquisadora considera que, a “Educação Patrimonial Ambiental (EPA) se constitui como uma proposta emergente e globalizante de Educação Ambiental”. (BARROS, 2014, p.22)

Silva (2013, p.5) corrobora com esse pensamento ao postular que “a EPA é uma nova perspectiva ou tendência dos estudos da educação ambiental, pois estuda o ambiente sobre diferentes aspectos de modo crítico”.

Nas suas pesquisas Silva (2013, p.14) descreve os princípios da Educação Patrimonial Ambiental “com os princípios do ensino de ciências” neste sentido ela descreve “uma educação ambiental com característica interdisciplinar. Uma educação em que o ambiente-patrimônio tem caráter cultural, científico, social e natural”.

Para esta pesquisadora são princípios da Educação Patrimonial Ambiental:

1.             A Educação Patrimonial Ambiental deve conceber o ser humano como ambiente natural, social, político e cultural;

2.             Na Educação Patrimonial ambiental o ser humano é patrimônio ambiental, portanto, depende da preservação da teia natural, social e política;

3.             A Educação Patrimonial Ambiental valoriza o conceito de pertença em função da cidadania ambiental;

4.             A Educação Patrimonial Ambiental deve interagir com várias naturezas de pensamentos, sujeitos e conhecimentos que favoreçam a compreensão do conceito de ambiente patrimonial;

5.              A Educação Patrimonial Ambiental valoriza as histórias de vida, os mitos, a religiosidade e a cultura de um povo ou comunidade;

6.             A Educação Patrimonial Ambiental trata das questões e problemas do ambiente considerando causas e inter-relações em uma perspectiva complexa;

7.             A Educação Patrimonial Ambiental compartilha das aspirações das diferentes culturas e da construção de espaços político-ambiental;

8.             A Educação Patrimonial Ambiental deve auxiliar na compreensão da vocação local em prol de sociedades sustentáveis.

9.              A Educação Patrimonial Ambiental deve auxiliar no desenvolvimento da formação crítico-ambiental;

10.         A Educação Patrimonial Ambiental tem na base a ética e respeito ambiental a todas as formas de vida do planeta, em defesa dos limites de exploração.

11.         A Educação Patrimonial ambiental deve cooperar e dialogar com instituições ou grupos que promovam a educação ampla em termos de patrimônio ambiental. (SILVA 2013, p.14)

Analisando esses princípios entende-se que nos projetos para a educação do campo há uma preocupação do professor com a construção de uma cidadania ambiental, em que será possível tratar questões ambientais de forma complexa, mas diante das problemáticas da comunidade e das suas necessidades e tradições. “Não se tem uma única definição para a Educação Patrimonial Ambiental, todavia consideramos que esta educação faz sentido quando se levam em conta os contextos diversos”. Silva (2013, p.15)

A escola (Imagem) localizada no nordeste do Estado do Pará é Pública Municipal e atende os filhos de agricultores e pescadores da região e apresenta grande deficiência em sua estrutura física, não possui espaços e nem instrumentais pedagógicos adequados (laboratório, biblioteca, quadro magnético, computadores etc.) para atendimento aos docentes e discentes.

Neste ensaio analisou-se o projeto do professor e suas práticas em Educação Ambiental enfatizando-se os conceitos e práticas ligados a EPA. Puderam ser analisados de forma interligada em sala de aula e no próprio cotidiano, ou seja, de maneira formal e informal, praticando a Educação Ambiental, tendo como base a realidade da comunidade.

3. Resultados: Elementos para a prática no projeto de Educação Patrimonial Ambiental na Escola do Campo

A Educação do Campo tem sido historicamente excluída na construção de políticas públicas educacionais. Ganha apenas uma política compensatória, suas demandas e sua especificidade pouco têm sido elemento de análise no espaço da pesquisa acadêmica e na formulação curricular nos diferentes níveis e modalidades de ensino. Em pleno século XXI a educação para os povos do campo tem sido trabalhada a partir dos modelos do currículo urbano e, geralmente deslocada das necessidades e da realidade da escola do campo, os reflexos destas práticas tem sido o abandono do campo pelos estudantes que buscam nas cidades melhores condições de vida.

A importância da Educação Patrimonial Ambiental e de projetos nas escolas do campo está no fato do povo do campo viver e trabalhar em contato direto com a natureza, suas atividades deveriam produzir alimentos organicamente saudáveis e naturais e não sofrer influências de grandes empresas agrícolas, no entanto já se percebe que os produtores utilizam alguns produtos químicos nas suas lavouras e isso tem sido motivo de preocupação por parte dos educadores do campo.

Esta preocupação levou o professor do campo a elaborar planos de aulas com projeto de Educação Ambiental interdisciplinar para o ensino em classe multisseriadas, e pautados na valorização do meio como patrimônio da comunidade na qual a escola do campo está inserida. O plano de educação ambiental analisado traduz a necessidade do docente e dos estudantes da escola do campo em trabalhar com temas ambientais que refletem as realidades locais das comunidades. “Tal postura interdisciplinar é característica da EPA quando a articulação dos conhecimentos ambientais, sociais e culturais fortalece o sentido da educação e da vida [dos povos do campo] como patrimônios ambientais”. (SILVA, 2013, p.12)

O plano de aula do professor Jorge intitulado “Educação Ambiental na valorização dos recursos naturais das águas e do manguezal da comunidade de Pedra do Sal em São João de Pirabas-Pará” tem em um dos objetivos a necessidade de considerar os instrumentos necessários para o desenvolvimento de práticas em educação ambiental na comunidade que na visão do professor são “os aspectos típicos do relacionamento do homem do campo com a natureza onde ele vive e trabalha”. E dispõe na sua metodologia levar em consideração “valorizar nos estudos, o trabalho no cultivo da terra e na pesca, a organização das atividades produtivas mediante a utilização da mão-de-obra dos membros da família, cultura e valores na produção de conhecimentos”. (Dados do Plano de aula Prof. Jorge, 2015).

É nesta atitude docente que Freire reflete ao afirmar que o processo de ensino e aprendizagem da Educação Ambiental não pode ficar restrito exclusivamente à transmissão de conhecimentos, à herança cultural às novas gerações ou a simples preocupação com formulações de inserções do educando no seu contexto social. “O processo de aprendizagem necessita centralizar-se no aluno, sendo gradativo, contínuo e respeitando a sua cultura e a comunidade em questão”. (FREIRE, 2004, p.66)

Silva (2013) defende a tese que o conhecimento construído com base nos princípios da Educação Patrimonial Ambiental proporciona ao sujeito uma visão de conjunto (diferenciação progressiva) e visão das partes reintegradas (reconciliação integrativa) tal como defendidas por Ausubel.

Numa mesma direção epistemológica, Barros (2008, p.21) considera que a introdução de “estudos na perspectiva do ambiente como patrimônio” podem associar aos estudos escolares “a problemática socioambiental à valorização dos bens ambientais como elementos importantes na construção de novos conceitos e novas formas de intermediação entre a sociedade e o confronto com a realidade existente e a pretendida”.

O professor ao trabalhar com planejamentos que valorizam o meio e a cultura local encontra amparo legal na Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) em onde se observa dentro do artigo 26, que a parte diversificada dos currículos do Ensino Fundamental e Médio deve observar as características regionais e locais da sociedade e da cultura.

A educação Patrimonial Ambiental só pode ser concretizada de fato se o professor conseguir penetrar com seu planejamento das aulas de educação ambiental no cotidiano da comunidade. O educador tem de ser provido de uma criticidade suficiente para quebrar as barreiras que existem entre os saberes da comunidade e da escola, procurando fazer laços e relações de confiança e amizade, conhecendo e reconhecendo suas dificuldades e diferenças, desenvolvendo atividades junto à comunidade e não para a comunidade.

Oliveira (2010, p12) destaca que os resultados dos planejamentos desenvolvidos com as metodologias em Educação Patrimonial Ambiental “alcançaram o nível de ensino infantil, as séries iniciais do ensino fundamental, a educação inclusiva de deficientes visuais e a educação de jovens e adultos por meio de aulas e pequenos projetos escolares” este mesmo autor destaca ainda que e o principal impacto destas metodologias foi promover a identificação de professores e alunos como elementos do ambiente-patrimônio e a “tomada de consciência para realizar os enfretamentos socioambientais em defesa da herança natural, histórica, social e cultural da comunidade que precisa ser preservada para as futuras gerações”.

Entende-se nesta concepção que a educação ambiental do campo não pode estar desvinculada de um projeto de desenvolvimento do campo que se pretende construir para a comunidade com a comunidade. Para o professor Jorge nos projetos de educação ambiental para as escolas do campo devem emergir os conteúdos e debates sobre a diversificação de produtos, a utilização de recursos naturais, como ele descreve no seu plano de ensino: “valorizar na agricultura familiar a Agroecologia, as culturas orgânicas, a questão agrária e as demandas históricas por reforma agrária, valorização dos trabalhadores do campo e suas demandas por melhores condições de vida possibilitando o estudo de um modelo de desenvolvimento do campo que se contraponha ao modelo tradicional imposto”. (Dados do Plano de aula Prof. Jorge, 2015).

O plano de aula do professor delimita finalidades e práticas claras de uma proposta de valorização patrimonial quando percebe a importância da produção, sobrevivência, reconhecimento pessoal e coletivo, politização e outros quesitos socioculturais e socioambientais, bem como a valorização e preservação do habitat ecológico do povo do campo como fundamentos da composição e estruturação do currículo e das práticas na escola do campo.

Na sua estrutura conceitual a Educação Patrimonial Ambiental deve contribuir para que o aluno do campo se perceba no seu tempo e no seu meio apreendendo a importância de se reestabelecer uma relação horizontal entre o homem, a sociedade e a natureza, num processo dinâmico e crítico. É um projeto de educação que forma pessoas críticas, que se envolvam na dinâmica do contexto em que estão inseridas, que aprendam a reivindicar seus direitos e que cumpram seus deveres de cidadão, que sejam capazes de perceber o outro a natureza, as diferenças e as semelhanças que os unem, enfim, de refletir para construção de um futuro de maneira responsável e sustentável.

 É nesta extensão que a Educação Ambiental é uma dimensão educativa crítica que permite a formação de cidadãos, envolvidos com a sustentabilidade ambiental, a partir de uma apreensão e compreensão do mundo enquanto ambiente e patrimônio complexo (FIGUEIREDO, 2007; JACOBI, 2003; LOUREIRO, 2003).

Nessa direção, a investigação do projeto da escola do campo converge ao encontro dos objetivos, das finalidades e das práticas pedagógicas que baseiam a Educação Ambiental crítica. Extremamente integrada ao contexto de patrimônio, a Educação Ambiental, em sua definição mais modesta, visa o desenvolvimento de novas formas de relação dos homens entre si e com a natureza, a preservação dos patrimônios naturais e a redução das desigualdades sociais em prol de uma sociedade mais justa e sustentável. A consonância entre ambas permite inferir que a Educação Ambiental Patrimonial é uma poderosa ferramenta na construção do comprometimento socioambiental almejado pela escola do campo.

Nessa questão está também presente elementos como a formação da cidadania ambiental, o desenvolvimento dos sujeitos para a participação na transformação da sociedade e a práxis do educador do campo. Assim, a Ética da Responsabilidade é realçada sob a perspectiva de uma ética cidadã planetária, pautada na compreensão de que a comunidade do campo faz parte do mesmo mundo e, portanto, todos são responsáveis pelo cuidado do Planeta quanto à sustentabilidade ambiental. Freire (2004) focaliza o ser humano como ser relacional e intimamente ligado com o mundo e o coloca como consciência do mundo e de si, o que implica a sua responsabilidade ética para com a realidade-ambiente-patrimônio e sua preservação.

No seu contexto teórico o planejamento das aulas em educação ambiental do professor Jorge percebe-se que há um verdadeiro compromisso com a realidade local, no seu bojo encontra-se questões cujo tema gerador faz-se presente nos problemas da comunidade, água, solo, produtos químicos, lixo e cadeia alimentar. Todo esse conjunto temático foi potencialmente trabalhado pelo professor, com base na concepção crítica de educação, tendo como norte a constituição do enfoque teórico-metodológico voltado à formação de cidadãos conscientes e transformadores das condições sociais das realidades por eles vividas no campo. O ensino crítico sob esse paradigma torna-se importante ferramenta no processo de aquisição e construção do conhecimento, capaz de nortear o cidadão nas tomadas de decisões comprometidas com a realidade, visando construção de nova cidadania e mentalidade ambiental atenta aos problemas ecológicos e sociais, na medida em que amplia a consciência crítica. (...) “Então o (camponês) descobre que tendo sido capaz de transformar a terra, ele é capaz também de transformar a cultura: renasce não mais como objeto dela, mas também como sujeito da história”. Paulo Freire (1987, p.56)

3.1. A compreensão de conhecimentos de meio ambiente, patrimônio por meio da atividade prática

A prática aqui analisada aponta para resultados concretos, não se caracterizando como uma ação precisa, como por exemplo: uma caminhada as margens do igarapé em que os alunos fazem a plantação de mudas de açaizeiros[1] e buritizeiros[2] na nascente e nas margens do igarapé que está assoreando e perdendo seu manancial aquífero no verão, devido ao desmatamento,[3] mas conduziu os alunos a um entendimento sobre as consequências do desmatamento das nascentes sobre os problemas ambientais, e o mais importante: foi possível de ser realizado no cotidiano da escola e da comunidade. Nessa sequência, Santos (2010 p.43) escreve que pela necessidade da preservação e da compreensão do ambiente como matéria viva, “os grupos sociais precisam formar consciência de valorização do ambiente como herança para as gerações futuras”. E não há ambiente melhor para conscientização do que a escola em consonância com a comunidade e suas problemáticas.

Barros (2008, p. 53) afirma que a proposta da Educação Patrimonial Ambiental aponta para “uma educação livre de títulos, essencialmente complexa, que perceba a importância da relação conhecimentos e valores, entre razão e emoção, entre o homem e o ambiente, entre corpo e mente”.

Em relação às práticas, primeiro o professor Jorge programou por escolha, o primeiro tema a ser selecionado pelos alunos foi sobre o igarapé da comunidade que está secando. Foi então programada uma aula de reconhecimento ou de campo em que a atividade foi de seguir o córrego do igarapé da comunidade[4] e durante o trajeto os alunos iam problematizando o que encontravam no percurso e buscando soluções, uma delas foi replantio de arvores que já existem ou existiam e foram retiradas: açaizeiros e buritizeiros. Durante o percurso os alunos iam plantando as mudas selecionadas próximas às margens do igarapé. Cada estudante levou duas mudas sendo uma de cada espécie para plantar. Esta prática seria uma solução para reflorestar com vegetação nativa o desmatamento que ocorreu no local em estudo para retirada de palmito e madeiras para confecção de artesanatos.

As mudas foram coletadas na própria comunidade, nesta lógica faz-se destaque ao contexto dialógico (FREIRE, 2004) em que tem se dado a construção da Educação Patrimonial Ambiental, cujo entendimento de meio ambiente, recomenda o diálogo entre saberes do cotidiano e as mais variadas áreas do conhecimento.

No início da caminhada os alunos perceberam muitas sacas de mandioca[5] de molho dentro do igarapé. O professor aproveitou o momento para falou sobre a mandioca e sua importância na alimentação e na economia da comunidade, mas observou que esta prática de molho para retirada do cianeto não é mais aceita pelos órgãos de proteção ambiental, porque o cianeto é uma substância venenosa que mata os peixes, as algas e muitos outros animais que dependem do igarapé para viver. No entanto observou ser importante que poder público tome iniciativa de construir meios alternativos (tanques de concreto) na comunidade para que esta prática seja abolida.

Nesta ação observou-se que as atividades fora da sala de aula estimulou uma melhor percepção do ambiente – Igarapé – pelos alunos e promoveu uma integração entre a escola e a comunidade oferecendo oportunidades para que os estudantes vivenciassem experiências práticas no contato com o seu ambiente. Eles já haviam estado ali e para eles o simples fato da mandioca está de molho para a fabricação de farinha não era prejudicial doutra feita eles já sabiam que mandioca tem veneno, mas não sabiam o nome do veneno e passaram, a saber, naquele momento.

Em EPA visitar um igarapé que está sendo degradado e caminhar por suas margens, deixa de ser um simples passeio ou habito rotineiro dos alunos, para se tornar uma aula estimulante sobre os seu uso e seus componentes. Mas para que haja essa interação é importante que o professor planeje as aulas, o roteiro e as atividades que pretende desenvolver com a turma. Durante a visita é importante ir ressaltando o valor da atividade, deixando claro o objetivo da aula, procurando sempre apresentar aos alunos que o que acontece não é um passeio e sim, uma pesquisa em que todos estão buscando apreender mais sobre seu ambiente e patrimônio. Silva, (2007, p.43) explicita que na pesquisa do meio ambiente “os alunos, em conjunto com o professor, devem fazer crescer o desejo de aprender a partir dos objetos patrimoniais do cotidiano;” é importante ao professor explicitar a relação destes objetos com o saber construído (com teoria e prática) e o sentido do trabalho escolar fora da sala de aula, desenvolvendo no aluno a capacidade de investigar o cotidiano.

É importante que as atividades programadas no planejamento das aulas estejam sempre relacionadas aos conceitos dos temas que o professor tem no currículo e adaptados a realidade da comunidade, e antes de apresentar os conceitos uma atividade prática pode ser produzida antes da explicação teórica para facilitar o entendimento dos estudantes. A sugestão é que o professor utilize a educação ativa, em que todos participam e colaboram na construção da pesquisa, integrando a escola com o modo de vida dos alunos na comunidade. Essas atividades podem proporcionar ao professor infinitas oportunidades de desenvolver sua criatividade em conjunto com seus alunos aumentando sua participação na comunidade.

De acordo com a narrativa do Professor Jorge: “a escola não oferece materiais de ensino porque não tem recursos financeiros pra isso, mas eu superei em parte isso usando a criatividade e os recursos disponíveis na comunidade”.

Para quem desenvolve projetos com EPA os recursos da comunidade são ricas fontes de motivação e apresentam as vantagens de trazer valores da realidade ao processo de ensino e aprendizagem que se realiza na escola, além do mais torna o trabalho desenvolvido pelo professor mais próximo da realidade abrindo um canal de comunicação entre a escola e a comunidade.

Entende-se que escola sozinha não faz a transformação da sociedade é importante chamar a comunidade para participar do processo, mas importante ainda é fazer uma educação ambiental crítica e libertadora como um dos instrumentos indispensáveis ao aglutinamento de forças transformadoras e conceptivas do trabalho de formação de pessoas com consciências críticas, ou seja, “sujeitos de sua própria educação” (Freire & Nogueira, 1999, p. 28).

 

3.2. A coleta de dados, as hipóteses e a multiplicação do conhecimento

 

Após a pesquisa no ambiente patrimonial da comunidade – o igarapé – o professor com os alunos retornaram a sala de aula para discutir sobre os questionamentos e as hipóteses levantadas na investigação buscando soluções ou minimizações para os problemas encontrados como: a utilização do igarapé para botar a mandioca de molho pelos comunitários, saber por que o igarapé seca no verão e como fazer para que ele volte a ser como era antes com manancial limpo e caudaloso e porque os moradores desmatam as margens do igarapé.

As respostas surgem nos debates e o professor explica aos alunos que as árvores e a vegetação as margens do igarapé funciona até mesmo como uma peneira, não deixando que materiais como a areias provenientes das erosões se desloquem para o córrego porque não passa pelas raízes das plantas.

As raízes também são importantes para a manutenção da umidade impedindo que o sol penetre secando o chão as margens.

Uma dúvida que surgiu pelos alunos foi: mas até quantas arvores temos que plantar. O professor respondeu mostrando que existe uma lei “O código florestal brasileiro” que determina uma distância mínima que deve-se manter da mata ciliar nas margens de um rio. Sendo no caso do Igarapé de Pedra-do-Sal de no mínimo 30 (trinta) metros porque o curso d’água deste manancial é tem menos de 10 (dez) metros de largura.

Após a discussão a proposta foi de intensificar o trabalho de preparação de mudas de açaí, buritis outras mudas de espécies nativas das margens para o replantio da vegetação do igarapé na tentativa de recuperá-lo antes de secar definitivamente, o professor mostrou aos alunos que é importante fazer esse trabalho porque a garantia de vida do igarapé só é possível com vegetação nas suas margens na sua nascente. Segundo o professor “as respostas vão chegar com o tempo e de acordo com o crescimento da vegetação que foi replantada, contudo e importante conscientizar a comunidade, para que todos entendam e acordem para a importância das árvores na vida do igarapé e de quem dele depende”.

Em relação ao molho da mandioca os alunos ficaram de discutir alternativas viáveis haja vista que proibi naquele momento seria financeiramente inviável, pois os moradores não tinham ainda alternativa para o problema em curto prazo, mas que iria viabilizar junto ao poder público municipal qual seria a opção mais viável de solução para esse problema na comunidade.

 

4. Considerações Finais

Planejar novas práticas em Educação Ambiental é um procedimento que exige tempo, disponibilidade e vontade do professor. Não é satisfatório para o meio ambiente que os temas estejam escritos ou prescritos nos currículos, é necessário que os professores constatem os efeitos das vantagens de ensinar num contexto compreensível para os alunos qual seja o da própria comunidade. Quando os assuntos a ensinar são novos, é autêntico que os professores sintam maior dificuldade em conceitua-los fora da realidade dos alunos e se interroguem sobre quais seriam as melhores formas de se trabalhar na sala de aula com esses temas para os alunos compreenderem.

A Sustentabilidade da Terra, as novas tecnologias e as questões de degradação do globo pela indústria capitalista são assuntos novos para os alunos do campo, são temas que exigem preparo e flexibilidade dos professores para serem bem geridos na aula, e não se podem ser ignorados hoje em dia, pelo simples motivo de falta de instrumentais pedagógicos porque são temas que interessam aos estudantes das escolas do campo.

A constituição da consciência e da cidadania ambiental implica um questionamento intenso, um repensar a atitude de produzir, de desgastar, de trabalhar, e um posicionamento ante a vida que agrega a solidariedade não somente para as gerações futuras, mas para homens, mulheres seres vivos de modo geral que habitam a Terra e precisam dela para viver.

Preservar o meio ambiente como patrimônio significa compartilhar da ética que interpela os valores tradicionais, por vezes, superiores, que têm expressão em crenças que posicionam o ser humano com todos os direitos.

A vivência de projetos de Educação Patrimonial Ambiental coloca os alunos na abordagem global e interdisciplinar de problemas, permitindo-lhes compreender a importância dos valores de solidariedade, de cooperação e de justiça social, ajudando-os também a definir o seu lugar e papel na natureza. O planejamento e a aula aqui apresentada permite compreender melhor as inovações do professor do campo criativo que contribui para a pesquisa e para a preservação ambiental, portanto é imprescindível a divulgação dessas práticas.

Referências

BARROS, J. V. Representações Sociais do Ambiente do Igarapé da Rocinha como Patrimônio por Crianças das Séries Iniciais. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemáticas)- NPADC-UFPA – Belém. 2008.

FIGUEIREDO, J. B. de A. Educação ambiental dialógica: as contribuições de Paulo Freire e a cultura sertaneja nordestina. Fortaleza: Edições UFC, 2007.

FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Teoria e Prática em Educação Popular. Petrópolis: Vozes, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Anca/MST, 2004. 143 p

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1987.

JACOBI, P. R. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 118, p. 189-205, mar. 2010.

LOUREIRO, C. F. B. Premissas teóricas para uma educação ambiental transformadora. Ambiente & Educação. Rio Grande, v. 8, p. 37-54, 2003.

OLIVEIRA, R. J. F. Alcances, possibilidades e impactos de metodologias em Educação Patrimonial Ambiental, IEMCI/UFPA Dissertação de Mestrado, UFPA. Orientadora Profa. Dra. Maria de Fátima Vilhena da Silva. – IEMCI/UFPA, 2010.

SANTOS, A. G. Representação social de ambiente por professores e estudantes em diferentes contextos Educacionais. Orientadora Profa. Dra. Maria de Fátima Vilhena da Silva. – IEMCI/UFPA. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemáticas)- IEMCI-UFPA – Belém

SILVA, M.F.S. A Educação Patrimonial Ambiental no Ensino de Ciências. 11º Seminário Nacional de Políticas Educacionais e Currículo: Os Fundamentos Epistemológicos e Políticos da Produção do Conhecimento em Educação. Universidade Federal do Pará. 2013.

 



[1] Nome científico Euterpe oleracea Mart.

[2] Nome científico Mauritia flexuosa L.f.

[3] A escolha por palmeiras de açaí e buritis aconteceu porque as mudas são de fácil produção pelas sementes e essas plantas são frutíferas e em ambientes de igarapés e rios preservam a umidade do solo.

[4] Desde o ano de 2011 nos meses de estiagem (Verão Amazônico) o igarapé da comunidade de Pedra do Sal está Secando e deixando os moradores sem água além do igarapé alguns poços amazonas também estão secando gerando problemas de abastecimento de água.

[5] A mandioca Manihot esculenta ou Manihot utilíssima é a principal cultura dos agricultores familiares da Comunidade de Pedra do Sal tendo a pesca como atividade complementar.

Ilustrações: Silvana Santos