Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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15/12/2015 (Nº 54) EDUCAÇÃO AMBIENTAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A MINERAÇÃO DE CARVÃO EM SIDERÓPOLIS, SC
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 EDUCAÇÃO AMBIENTAL, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A MINERAÇÃO DE CARVÃO EM SIDERÓPOLIS, SC

 

 

Amanda Bellettini Munari¹

Geraldo Milioli²

Gláucia Cardoso de Souza³

[1] Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Laboratório de Sociedade, Desenvolvimento e Meio Ambiente (LABSDMA) – Av. Universitária 1105 – CEP: 88806000 - Criciúma, SC, e-mail: abm@unesc.net

² Professor Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC); e-mail: gmi@unesc.net.

³ Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC); e-mail:gaudesouza@yahoo.com.br.

 

 

RESUMO

 

A mineração de carvão apresenta-se como uma forte referência ao desenvolvimento econômico da região sul de Santa Catarina. Entretanto, em decorrência da exploração predatória ao longo de muitos anos, estabeleceu-se um quadro de profunda degradação socioambiental e um passivo cumulativo em vários municípios da região, dentre os quais, a cidade de Siderópolis. Nesse sentido, devido à demanda de estudos acadêmicos que contribuam para a busca de alternativas que tenham a educação ambiental e o desenvolvimento sustentável como diretrizes, o presente estudo se propôs a investigar a percepção de moradores do bairro Rio Fiorita, localizado em Siderópolis, no que se refere à problemática do carvão e à influência sobre o bem estar da população. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados, a entrevista estruturada, e como critério de seleção dos sujeitos de pesquisa, uma abordagem intercalada das casas que constituem as ruas centrais do bairro Rio Fiorita. Para 47% dos entrevistados, os problemas ambientais que acometem o bairro são graves. Aproximadamente 55% dos moradores acredita que o ambiente onde moram afeta a qualidade de vida. O restante dos entrevistados, no entanto, afirmou que não é afetada e que já estão acostumados com os impactos da mineração de carvão nas proximidades. Cerca de 70% dos entrevistados já ouviu falar em educação ambiental, no entanto, a grande maioria desconhece o conceito de desenvolvimento sustentável.

                                                             

Palavras-chave: Educação Ambiental, Desenvolvimento Sustentável, Mineração de Carvão.

 

 

 

1.    INTRODUÇÃO

 

A mineração de carvão no sul de Santa Catarina apresenta-se como uma forte referência ao desenvolvimento regional. Entretanto, consequentemente à exploração mineral realizada de forma predatória durante muitos anos, o passivo ambiental e os problemas de ordem social decorrentes são percebidos nos municípios da região sul carbonífera catarinense.

Lopes, Santo e Galatto (2009) afirmam que Siderópolis, Treviso, Urussanga e Lauro Muller exibem testemunhos da época de intensa exploração de carvão a céu aberto, pela presença de extensas áreas degradadas e recursos hídricos comprometidos pela elevada acidez das águas.

Na dinâmica histórica dessa atividade, encontra-se o município de Siderópolis, o qual ainda desenvolve-se com base na exploração mineral e exerça parcialmente sua vocação agrícola. E assim como os demais municípios, registra um quadro de graves problemas socioambientais que conferem demandas de estudos acadêmicos com a finalidade de compreensão e busca por alternativas que tenham a educação ambiental e o desenvolvimento sustentável como diretrizes importantes.

Desse modo, a pesquisa desenvolveu-se em um dos bairros bastante impactados de Siderópolis, o Rio Fiorita, com o objetivo de verificar a percepção dos moradores em relação à qualidade do ambiente onde moram, bem como, relativa à educação ambiental e ao desenvolvimento sustentável. Afinal, a mineração de carvão afeta o bem estar dos moradores do bairro? Qual a gravidade dos problemas ambientais existentes na unidade de estudo? Os moradores já ouviram falar em educação ambiental e desenvolvimento sustentável? São práticas presentes no bairro Rio Fiorita?

 

 

2.    MATERIAL E MÉTODOS

 

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja unidade de estudo compreende o bairro Rio Fiorita, onde residem aproximadamente 3 mil moradores. Para a coleta de dados, fez-se uso de um roteiro de entrevista semi-estruturada dividida em seções: dados do entrevistado, dados do domicílio, dados do bairro e problemas socioambientais do bairro. Em relação ao número de entrevistados, julgou-se relevante a observação de Bauer e Gaskell (2002, p. 70):

 

Em síntese, o objetivo da pesquisa qualitativa é de apresentar uma amostra do espectro dos pontos de vista. Diferentemente da amostra do levantamento, onde a amostra probabilística pode ser aplicada na maioria dos casos, não existe um método para selecionar os entrevistados das investigações qualitativas. Aqui, devido ao fato de o número de entrevistados ser necessariamente pequeno, o pesquisador deve usar sua imaginação social científica para montar a seleção dos respondentes.

 

     Nesse sentido, há um limite máximo ao número de entrevistas que é necessário fazer e possível de analisar. Na presente pesquisa definiu-se que seriam entrevistados 45 moradores, escolhidos de forma intercalada de acordo com a distribuição das casas ao longo das ruas que compõem o bairro Rio Fiorita.

Esta ainda foi inserida na perspectiva exploratória, apontada na direção de estudo de caso. Nessa direção, vale destacar também as palavras de Chizzotti. Para esse autor (1991: 102):

 

O caso é tomado como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção. É considerado também como uma marco de referência de complexas condições socioculturais que envolvem uma situação e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de aspectos globais, presentes em uma dada situação.  

 

 

2.1 Unidade de Análise

 

A pesquisa foi efetuada no bairro Rio Fiorita, município de Siderópolis. Este, localizado na região sul do Estado de Santa Catarina, perfaz uma área aproximada de 10.250 ha e um perímetro de 63km, e possui 12.998 habitantes. (IBGE, 2010)

 

Figura 1 – Localização geográfica do município (IPAT, 2001).

 

 

 

3.    RESULTADOS

 

     A maioria dos moradores entrevistados reconhece que os problemas socioambientais presentes no bairro – associados à mineração de carvão – são de fato muito graves, conforme ilustra a Figura 1:

 

 

 

 

 

 

Figura 1 – Percepção dos moradores em relação à gravidade dos problemas socioambientais do bairro Rio Fiorita

 

     Embora 47% dos entrevistados tenham a consciência de que são problemas graves, verificou-se que uma parcela considerável acredita que são problemas pouco graves. Houve ainda, aqueles que não souberam responder ou para os quais não há gravidade alguma.

     Entretanto, adverte-se que durante a entrevista, muitos daqueles que consideraram os problemas pouco graves associaram a mineração e a ocorrência de alguns problemas no bairro, mencionando a poluição dos rios, a incidência de doenças, sobretudo, respiratórias, além da alteração das características físicas do meio.

     Quando questionados se o ambiente onde moram afetam o seu bem estar, pouco mais de 50% dos entrevistados respondeu positivamente, se referindo à mineração de carvão e aos impactos decorrentes, sobretudo, à poeira no local e ao barulho dos caminhões que trabalham na mineradora situada próxima ao bairro. Alguns moradores admitiram que a poeira afeta a sua saúde. A Figura 2 ilustra a opinião dos entrevistados no que se refere à influência do ambiente sobre o seu bem estar:

 

Figura 2 – Percepção dos entrevistados em relação à influência do ambiente sobre o seu bem estar

 

     Em contrapartida, verificou-se que 46% dos participantes revelaram que estão acostumados com a atividade mineradora nas proximidades. Sob tal ótica, a poeira e o barulho não são vistos como inconvenientes que afetam o seu bem estar. Muitos justificaram tal posição, alegando que se não houvesse a mina, muitas famílias não teriam sustento.

     No que se refere à educação ambiental, percebeu-se que a grande maioria dos entrevistados já ouviu falar nesse instrumento, conforme ilustra a Figura 3. De acordo com o conceito de Dias (2003), presume-se que os entrevistados relacionam a educação ambiental e a promoção de novos valores e atitudes necessárias para a proteção e melhoria da qualidade socioambiental.

 

Figura 3 – Percentual dos entrevistados que já ouviram ou não falar em educação ambiental

 

     Logo, aproximadamente 70% dos entrevistados, em algum momento, já ouviram falar em educação ambiental, enquanto a minoria, somente 30%, respondeu negativamente à questão.

     Relacionado à prática da educação ambiental no bairro Rio Fiorita,os moradores que já ouviram falar concordam que não há iniciativas associadas ao tema. Para uma minoria, por outro lado, percebe-se a realização de práticas atreladas à educação ambiental na unidade de estudo, de acordo com a Figura 4:

 

Figura 4 – Percepção dos entrevistados em relação à existência ou não de educação ambiental no Rio Fiorita

 

     Sobre a possibilidade de contribuição da educação ambiental para a melhoria da qualidade socioambiental do bairro Rio Fiorita, a totalidade dos entrevistados acredita que sim, que quando empregado, este instrumento pode surtir efeitos positivos na modificação da atual condição de degradação característica do Rio Fiorita.

     Nesse sentido, questionou-se porque a educação ambiental não é praticada no bairro: a que ou a quem os moradores atribuem tal insuficiência. A Figura 5 ilustra a opinião dos entrevistados:

 

Figura 5 – Justificativa dos entrevistados em relação à ausência de práticas de educação ambiental no bairro Rio Fiorita

 

     A maioria dos entrevistados atribui a ausência de práticas de educação ambiental no bairro à falta de interesse ou incentivo por parte do poder público. Parte dos moradores alega que falta alguém para instruí-los ou ainda, reconhecem que não têm interesse.

     É pertinente destacar que a educação ambiental e o desenvolvimento sustentável possuem uma estreita relação. Leff (1999, p. 128) caracterizaessa relação da seguinte forma:

 

[...] a educação ambiental adquire um sentido estratégico na condução do processo de transição para uma sociedade sustentável. Trata-se de um processo histórico que reclama o compromisso do Estado e da cidadania para elaborar projetos nacionais, regionais e locais nos quais a educação ambiental se defina através de um critério de sustentabilidade que corresponda ao potencial ecológico e aos valores culturais de cada região [...].

 

     De acordo com o conceito mais conhecido, desenvolvimento sustentável é: “[...] aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988, p. 46).

     Nesse sentido, reportando-se à busca por padrões de desenvolvimento diferenciados e reconhecendo a importância da educação ambiental para tanto, foram feitos os seguintes questionamentos aos entrevistados: Já ouviu falar em desenvolvimento sustentável? Percebe-se alguma prática relativa no bairro Rio Fiorita? Em caso negativo, por quê?

     Verificou-se que não é um tema comum a maioria dos entrevistados, tanto que aproximadamente 70% deles nunca ouviram falar no assunto, conforme revela a Figura 6:

 

 

Figura 6 – Percentual dos entrevistados que já ouviram ou não falar em desenvolvimento sustentável

 

     Em contrapartida, observou-se que 31% dos moradores já ouviram falar em desenvolvimento sustentável. Tão logo, infere-se que embora configure uma temática tão debatida nos dias de hoje, muitos moradores não fazem ideia do que seja, tampouco de que forma o desenvolvimento sustentável pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população do bairro ou do município.

     Considerando aqueles que já ouviram falar sobre o assunto, a totalidade acredita que não há nenhuma prática associada, implementada na unidade de estudo e se dividiram quanto à responsabilização sobre a ausência de desenvolvimento sustentável no bairro Rio Fiorita, de acordo com a Figura 7.

 

Figura 7 – Justificativa dos entrevistados em relação à ausência de práticas de educação ambiental no bairro Rio Fiorita

 

     Os moradores relataram que a falta de desenvolvimento sustentável no bairro se dá em primeiro lugar, assim como o exposto em relação à educação ambiental, pela deficiência de políticas públicas. Na sequência, atribuem à falta de uma pessoa devidamente capacitada para instruí-los e ao desinteresse dos próprios moradores.

     Em face do exposto e dos problemas causados pela mineração, questionou-se aos entrevistados como essa situação poderia ser revertida; como os problemas poderiam ser minimizados. Muitos deles enfatizaram que não se pode acabar com a mineração, pois ela configura o sustento de muitas famílias. Porém, afirmaram que seria importante introduzir um plano de gestão ambiental no local, que eles pudessem contar com uma pessoa que os instruíssem de maneira correta; mencionaram a importância de áreas verdes para que seus filhos pudessem fazer uso; consideraram relevante a existência de um sistema de coleta seletiva e a não poluição do rio que cruza o bairro.

 

4.    CONCLUSÃO

 

Dessa forma, a partir do presente estudo, constatou-se que no bairro Rio Fiorita os moradores se mostraram receptivos às práticas de educação ambiental, tendo em vista que atribuem a ausência de programas ou projetos ao poder público. Sob tal perspectiva, infere-se ainda, que se a prefeitura apresentasse alguma iniciativa nesse sentido, os moradores participariam e por consequência, contribuiriam para a modificação do atual estágio de degradação característica da unidade de estudo. Tão logo, propõem-se as seguintes alternativas:

 

o   Desenvolver e implementar um programa de educação ambiental no bairro. A prefeitura poderia tomar o Rio Fiorita como uma unidade-piloto. E dependendo dos resultados, o programa poderia estender-se aos demais bairros.

o   Planejar um desenvolvimento local baseado na sustentabilidade.

o   Planejar a região de área impactada numa escala temporal de curto, médio e longo prazo que considere a revitalização das áreas impactadas.

o   Realizar trabalhos coletivos juntamente com os moradores para tentar recuperar o rio e o patrimônio cultural local.

o   Criar um programa juntamente com a prefeitura para que os moradores tenham alguma atividade de lazer.

o   Realizar mais pesquisas nos bairros da área para checar a realidade socioambiental e sugerir alternativas para o redimensionamento dessas realidades.

 

Logo, a participação do poder público municipal é fundamental, enquanto fomentador desse processo. A elaboração e implementação de programas de educação ambiental, por exemplo, tanto em instância formal, quanto informal, deve ser promovida e estimulada pela prefeitura. Ademais, os entrevistados se mostraram receptivos à temática em questão e acreditam que a educação ambiental pode fazer a diferença.

Nesse sentido, a realização do presente trabalho com a comunidade do Rio Fiorita, um local intensamente explorado pela atividade carbonífera, vem enfatizar a importância de serem trabalhados os temas educação ambiental e desenvolvimento sustentável, considerando o interesse dos entrevistados e as melhorias que poderiam ser obtidas, caso iniciativas fossem tomadas, contribuindo para a mudança de comportamento dos moradores e, por consequência, para uma nova relação com o meio que os cerca.

 

 

 

5.    AGRADECIMENTOS

 

Fundação de Amparo a Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina – FAPESC pelo financiamento da pesquisa.

 

6.    REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

BAUER, M. W; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

 

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988.

 

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1991.

 

DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: princípios e práticas. 8. ed. São Paulo: Gaia, 2003.

 

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sinopse do censo demográfico. 2010. Disponível em: Acesso em jul. 2015.

 

LEFF, E. Educação ambiental e desenvolvimento sustentável. In: Verde cotidiano: o meio ambiente em discussão. RJ: DP&A, 1999.

 

LOPES, R. P; SANTO, E. L; GALATTO, S. L. Mineração de carvão em Santa Catarina: geologia, geoquímica e impactos ambientais. In: In: MILIOLI, G; SANTOS, R. dos; CITADINI-ZANETTE, V. Mineração de carvão, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no sul de Santa Catarina: uma abordagem interdisciplinar. Curitiba: Juruá, p. 51-70. 2009.

 

Ilustrações: Silvana Santos