Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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15/12/2015 (Nº 54) OS ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E A POSSIBILIDADE DE ENSINAR CIÊNCIAS E BIOLOGIA UTILIZANDO A ABORDAGEM DA SUSTENTABILIDADE
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OS ALUNOS DO CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E A POSSIBILIDADE DE ENSINAR CIÊNCIAS E BIOLOGIA UTILIZANDO A ABORDAGEM DA SUSTENTABILIDADE

Ana Carla Iorio Petrovich

carla.iorio@gmail.com

Magnólia Fernandes Florêncio de Araújo

magffaraujo@gmail.com

Luciana Araújo Montenegro

luciannamontennegro@yahoo.com.br

Resumo

No presente trabalho pesquisou-se a auto avaliação que os alunos de licenciatura em ciências biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte fazem sobre a possibilidade de ensinar ciências e biologia sob a ótica da sustentabilidade. Participaram desta investigação 71 estudantes do referido curso, o instrumento utilizado foi um questionário e a análise envolveu o cálculo de frequências e percentagens. Como resultados encontrou-se que a poucos participantes consideram ter conhecimentos para ensinar na perspectiva da sustentabilidade e não dominam as metodologias adequadas para esse propósito, como também consideram difícil trabalhar ideias sobre desenvolvimento sustentável. Deste modo, ressalta-se a importância do incentivo da inserção da temática sustentabilidade durante a formação inicial dos licenciando, para que estes estejam capacitados para em sua futura prática profissional se tornarem multiplicadores dos ideais do desenvolvimento sustentável.

Palavras chave: sustentabilidade; professores em formação; ensino de ciências e biologia

Introdução

É possível visualizar que estamos vivenciando uma época com graves problemas ambientais, e que para a atenuação e confrontação dos mesmos é necessária uma combinação de esforços em diversas áreas. Neste contexto, os princípios do desenvolvimento sustentável podem ser considerados como agregadores e capazes de contribuir positivamente para este propósito, uma vez que perspectiva-se como uma proposta catalítica de mudança, amplamente vinculada a metas de paz, direitos humanos e justiça, como também a conceitos de ecologia e processos de proteção ambiental, sendo portanto uma questão de cultura que integra conceitos científicos e preceitos morais (MATSUURA, 2002 apud PEDROSA e MORENO, 2007).

Neste trabalho, compartilha-se da noção destes autores sobre desenvolvimento sustentável, pois se trata realmente de uma aceitação de que, para garantirmos uma transformação no nosso modo de vida, precisamos encarar que a crise ambiental está interconectada com nossas ações cotidianas em toda nossa complexidade cultural.

A necessidade de modificar hábitos comuns na maioria da sociedade para a melhoria do meio ambiente é um tema tratado por muitos, seja na esfera pública ou privada. Muitas são as reflexões em busca pela sustentabilidade em prol das gerações atuais e futuras. Pelo fato do desenvolvimento sustentável se relacionar com a mudança de valores, considera-se que a educação ocupa o alicerce para a divulgar esses ideais. De fato, a educação, seja ela formal ou relacionada a toda forma de aprendizagem, que acontece na nossa vida cotidiana, torna-se uma grande aliada na disseminação de comportamentos e na consolidação desses valores. No entanto, isso não é uma missão simples, visto que, sozinha, a educação não conseguirá alcançar tão grandes objetivos, uma vez que mudanças governamentais, aparatos ligados a melhoria de tecnologias, novas formas de organizações econômicas também são necessárias.

Para garantir uma a educação seja vinculada com o desenvolvimento sustentável precisamos estar atentos à formação dos futuros professores, para que eles não reproduzam antigas fórmulas de transmissão do conhecimento e acabem contribuindo para uma ciência e uma cultura que servem para a degradação/deterioração do planeta. Neste aspecto, observa-se a grande necessidade de pesquisas que visem contribuir para a formação de futuros professores que sejam capazes de refletir constantemente sobre a sua prática docente. Para Gadotti (2000) a educação voltada para a sustentabilidade pode ser resumida como uma educação sustentável para a sobrevivência do planeta.

O ensino superior possui a responsabilidade de contribuir fortemente com a formação da pluralidade de pessoas que exercerão funções importantes em diversas áreas de atuação, bem como com as que irão trabalhar diretamente com educação. Neste sentido, é de extrema importância fornecer um ensino em uma perspectiva integrada e interdisciplinar, em que a sustentabilidade possa ser transversal nas diversas áreas do conhecimento, pois uma vez sensibilizados, esses futuros profissionais poderão trabalhar para a disseminação dos valores e da mudança de mentalidade na sociedade, contribuindo desta maneira para um futuro ecologicamente viável.

Durante a formação inicial, é importante fornecer instrumentos que capacitem os professores em formação a ter uma consciência crítica para saberem lidar com as diferentes necessidades que podem se apresentar na realidade educacional, como também terem o entendimento do papel que a educação exerce na sociedade (FUSINATO, 2005). Importante destacar que é necessário formar licenciados sensíveis e conscientes dos problemas ambientais, mas principalmente que possuam fundamentação teórica e metodológica para trabalharem com a temática ambiental em suas práticas profissionais. Outro fator que merece consideração na formação de licenciados é a promoção de atividades que contemplem a pesquisa, extensão e o ensino de uma maneira interdisciplinar e transversal, com o intuito que seja possível criar uma cultura de integração na abordagem da sustentabilidade e não apenas ações isoladas. Deste modo estes alunos poderão atuar profissionalmente com atitudes e comportamentos ambientalmente saudáveis e em defesa do desenvolvimento sustentável.

Várias iniciativas são implementadas com o intuito de tornar a sustentabilidade um tema transversal tanto no ensino básico quanto no ensino superior. Neste contexto destaca-se a Década da Educação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS), em que a UNESCO foi responsável por liderar e com duração de 2005 a 2014. Esta apresenta o objetivo global de integrar os valores inerentes ao desenvolvimento sustentável em todos os aspectos da aprendizagem com o intuito de fomentar mudanças de comportamento que permitam criar uma sociedade sustentável e mais justa para todos. Neste sentido, como afirma Vilches et al., (2007) a DEDS constitui-se em um chamado aos educadores de todas as áreas e níveis, pela via da educação formal e não formal, para contribuir para a formação de cidadãos e cidadãs conscientes da gravidade dos problemas ambientais enfrentados hoje pela humanidade e preparados para participar em tomadas de decisões adequadas.

Para Araújo e Pedrosa (2014), no contexto atual de crise ambiental é necessária a introdução da educação para desenvolvimento sustentável (EDS) em cursos de formação de professores de ciências e biologia, visto que essa união, além de envolver compromissos político-educativos a diversos níveis, exige um ensino in­tegrador, por que não dizer, interdisciplinar.

Com o intuito de compreender como os licenciandos em ciências biológicas consideram estar capacitados com relação aos seus conhecimentos sobre o ensino de ciências e biologia na perspectiva do desenvolvimento sustentável é que se desenvolveu esta pesquisa.

Metodologia

Nesta investigação participaram 71 estudantes do curso de licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, os quais foram convidados a assinar um termo de consentimento livre e esclarecido e autorizaram as pesquisadoras a utilizarem as suas respostas em publicações. Todos os alunos eram concluintes ou estavam finalizando o terceiro ano do curso, já tendo, portanto, cumprido a maioria de sua carga horária de formação.

O instrumento utilizado nesta investigação foi um questionário compreendendo diversos aspectos relacionados com desenvolvimento sustentável/sustentabilidade. No entanto, neste trabalho será tratado apenas o que se refere a auto avaliação que fazem de seus conhecimentos sobre sustentabilidade, como aluno em formação para ensinar ciências e biologia. Foram coletadas e analisadas as respostas dos inquiridos em três questões fechadas apresentadas a seguir:

- Considera que tem conhecimentos suficientes para ensinar na perspectiva da sustentabilidade?

( ) sim ( ) não ( ) em parte

- Considera que domina metodologias adequadas, de como atuar no ensino de ciências/biologia para a sustentabilidade?

( ) sim ( ) não ( ) em parte

- Considera que é difícil trabalhar ideias de desenvolvimento sustentável?

( ) sim ( ) não ( ) em parte

A análise envolveu a simples contagem dos números de respostas e cálculos das respectivas frequências e percentagens.

Resultados e discussão

Quando os participantes foram questionados sobre se, consideravam que possuíam conhecimentos suficientes para ensinar na perspectiva da sustentabilidade, a maioria respondeu em parte (71,8%), 22,6% que não e 5,6% sim. Os resultados encontrados podem estar relacionados com a formação disciplinarizada comum em cursos de formação de professores, e a temática da sustentabilidade requer uma abordagem interdisciplinar e holística. Este resultado pode sugerir que seja necessário repensar a formação inicial dos docentes de ciências e biologia, para que eles sejam capazes de reelaborar as situações de aprendizagem e não corram o risco de reproduzir nas escolas, antigas formas de separação do conhecimento a partir de uma visão desintegrada e compartimentalizada.

Com relação ao domínio de metodologias adequadas, de como atuar no ensino de ciências/biologia para a sustentabilidade a maioria respondeu em parte (49,3%), 40,8% que não e 9,9% sim. Várias metodologias podem e devem ser utilizadas na abordagem da temática da sustentabilidade, porém é importante estar atento para o material a ser utilizado nas aulas, pois é comum se encontrar tanto na mídia quanto na internet, materiais atrativos tratando de temas ambientais e desenvolvimento sustentável mas que apresentam erros conceituais e podem de alguma forma contribuir para aumentar uma visão distorcida sobre esta temática.

Importante ressaltar que a temática da sustentabilidade pode ser abordada em vários conteúdos relacionados ao ensino de ciências e biologia, sendo portanto transversal e por isso requer a utilização de diversas metodologias para atingir o maior número de alunos, dada a sua complexidade. Quanto a necessidade de utilização de variadas metodologias Laburu et al (2003) afirmam que:

Os estudantes variam em suas motivações e preferências, no que se refere ao estilo ou ao modo de aprender, e mesmo na sua relação com o conhecimento. Isso sem mencionar as suas habilidades mentais específicas, ritmos de aprendizagem, nível de motivação e interesse para uma determinada disciplina, persistência dedicada a um problema, experiências vividas pelo grupo social a que pertencem. Esses fatores que podem vir a ser colocados numa sala de aula, certamente influenciam, entre outros, a qualidade e a profundidade da aprendizagem, como, também, a decisão do emprego da estratégia metodológica. Portanto, é questionável uma ação educacional baseada num único estilo didático, que só daria conta das necessidades de um tipo particular de aluno ou alunos e não de outros.

Na atualidade tem se observado uma crescente necessidade de reformular os métodos de ensino das ciências, com a utilização de metodologias diferenciadas, uma vez que, indica-se que as metodologias que são hoje tipicamente utilizadas na sala de aula não contribuem para o desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo característicos (WRIGHT, SUNAL & DAY, 2004).

Quanto a dificuldade de trabalhar a temática do desenvolvimento sustentável, a maioria respondeu que sim (40,8%), 29,6% que não e 29,6% em parte. Estes dados corroboram com pesquisa realizada por Araújo e Pedrosa (2014), também com professores em formação, em que a maioria considerou difícil trabalhar ideias de desenvolvi­mento sustentável em suas futuras aulas, segundo os participantes da pesquisa deve-se à dificuldade de serem mudados os costumes e valores das pessoas.

A introdução da educação para a sustentabilidade nos currículos formais, como instrumento que estimule os indivíduos à reflexão e à ação acerca dos desafios da sustentabilidade, não tem se mostrado uma tarefa simples. Isso se torna particularmente verdadeiro quando se pensa nas estruturas dos currículos tradicionais dos cursos superiores de maneira geral (SPRINGETT, 2005).

O ensino de ciências e biologia pode e deve contribuir para a disseminação da solidariedade entre todos os seres vivos, os professores em formação necessitam transmitir para os seus educandos noções de responsabilidade universal. Por exemplo, os conteúdos de ecologia podem servir como base para uma discussão crítica e reflexiva deste princípio, uma vez que, a ecologia é a ciência pela qual estudamos como os organismos interagem entre si e com o meio natural (RICKLEFS, 1996).

De acordo com Coutinho et al. (2012) existe a necessidade de fazer um ensino de ciências que articule a realidade dos alunos com o mundo ao seu redor para que eles possam interpretá-lo e entender que fazem parte deste. De fato, o professor precisa colocar o aluno em contato com fatos ou fenômenos que lhe permitam acesso a conhecimentos suficientes para promover a mudança de atitude, no entanto o segredo do sucesso da aprendizagem que poderá possibilitar a mudança de condutas está, também, na seleção de estratégias que sejam adequadas aos objetivos propostos (NETO e AMARAL, 2011)

Considerações finais

É importante promover durante a formação inicial dos futuros professores de ciência e biologia o acesso a temática da sustentabilidade, com o intuito de fomentar reflexões sobre como eles, enquanto multiplicadores e formadores de opinião poderão contribuir para a formação de cidadãos capazes de contextualizar os conteúdos científicos com as consequências que nossas ações cotidianas podem exercer no aumento ou na mitigação dos problemas socioambientais. Na atualidade não podemos concordar que os professores de ciências e biologia utilizem o enfoque abstrato, quantitativo, rigoroso, que suscita no dia-a-dia da sala de aula, um caráter demasiadamente acadêmico e distante das experiências dos alunos (PINHEIRO; MATOS; BAZZO, 2007).

De forma geral, o presente trabalho ressalta a importância do incentivo da inserção da temática sustentabilidade durante a formação inicial dos licenciando, para que estes possam na sua futura prática profissional elaborar aulas contextualizadas e possam visualizar que a grande maioria dos conteúdos relacionados com a biologia podem ser trabalhados dentro da ótica da sustentabilidade com o intuito de promover a mudança de valores em prol da cidadania ambiental.

Referências

ARAÚJO, M. F. F.; PEDROSA, M. A. Ensinar ciências na perspectiva da sustentabilidade: barreiras e dificuldades reveladas por professores de biologia em formação. Educar em Revista, v. 52, 2014, p. 305-318.

CAVALCANTI-NETO, A. L. G; AMARAL, E. M. R. Ensino de ciências e educação ambiental no nível fundamental: análise de algumas estratégias didáticas. Ciência & Educação, v.17, n.1, 2011 p.129-144.

COUTINHO, R. X., SANTOS, W. M., FOLMER, V., ROCHA, J. B. T., & PUNTEL, R. L. (2012). Percepções de professores de ciências, matemática e educação física sobre suas práticas em escolas públicas. Revista Ciências & Ideias ISSN: 2176-1477, 4(1).

LABURÚ, C. E.; D.; MELO, S. M.; NARDI, R. Pluralismo metodológico no ensino de ciências. Ciência & Educação, v. 9, n. 2, p. 247-260, 2003.

PEDROSA, M. A.; MORENO, M. J. S. M. Ensino Superior, Protecção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. In: I Congreso Internacional de Educación Ambiental dos Países Lusófonos e Galícia, 2007

PINHEIRO, N. A. M.; MATOS, E. A. A.; BAZZO, W. A. Refletindo acerca da ciência, tecnologia e sociedade: enfocando o ensino médio. Revista Iberoamericana de Educación, v. 44, 2007. p. 147-166.

RICKLEFS, R. E. "A economia da natureza." A economia da natureza. Guanabara Koogan, 1996.

SPRINGETT, D. Education for sustainability in the business studies curriculum: a call for critical agenda. Business Strategy and the environement, n. 14, 2005, p. 146-159.

UNESCO. Década da Educação das Nações Unidas para um Desenvolvimento Sustentável, 2005-2014: documento final do esquema internacional de implementação. Brasília: UNESCO, 2005. 120p.

VILCHES, A. et al. Respuesta educativa a la situación de emergencia planetaria: necesidad de planteamientos y acciones globales. Investigación en la Escuela, Sevilla, v. 63, 2007, p. 5-16.

WRIGHT, E. SUNAL, D. W, & DAY, J. B. (Eds.). Reform in undergraduate science teaching for the 21st century. IAP, 2004.

Ilustrações: Silvana Santos