Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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15/12/2015 (Nº 54) PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS EXTRATIVISTAS EM RESERVA AMBIENTAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
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PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS EXTRATIVISTAS EM RESERVA AMBIENTAL NO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

 

¹Klégea Maria Câncio Ramos Cantinho; ²Eliane Marinho-Soriano

 

¹Bióloga (UFPI), Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFRN), Via Costeira, S/N, Praia de Mãe Luiza – Departamento de Oceanografia e Limnologia/UFRN. E-mail: klegea@gmail.com

²Bióloga (UFRN), Prof.ª Dr.ª da UFRN. Via Costeira, S/N, Praia de Mãe Luiza – Departamento de Oceanografia e Limnologia/UFRN. E-mail: eliane@ufrnet.br

 

RESUMO

 

A preocupação com a conservação dos ambientes naturais levou a criação das unidades de conservação, seja de uso direto ou de uso indireto. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual Ponta do Tubarão, aloja comunidades que desenvolvem como atividades principais a pesca e a coleta de mariscos. A criação da reserva diferencia-se das demais por ter sido uma iniciativa da própria comunidade. A percepção ambiental destes atores extrativistas foi estudada buscando mensurar o entendimento ambiental da população através da aplicação de questionários semiestruturados. Após o levantamento dos dados, os entrevistados, em sua maioria, mostraram-se conscientes dos problemas ambientais locais e tiveram o sentimento de pertencimento ao local, porém o engajamento e a participação da comunidade não são mais efetivos como no início da criação da reserva.

 

Palavras-chave: Unidade de conservação. Educação ambiental. População ribeirinha.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

A excessiva exploração dos recursos naturais tem suscitado debates sobre questões relacionadas à conservação da biodiversidade. Assim, a criação de áreas protegidas surgiu como uma estratégia para conservar os recursos naturais, reduzir as atividades antrópicas e proteger habitats e espécies ameaçadas. A proposta inicial de criação de unidades de conservação (UCs), surgida nos Estados Unidos, tinha como ideia primordial a preservação dos ecossistemas sem as alterações causadas por interferência humana. Este modelo sugeria que o estabelecimento do homem nessas unidades de conservação ocasionava impactos negativos ao meio ambiente. Para os preservacionistas americanos, todos os grupos sociais eram iguais e a natureza deveria ser mantida intocada das ações negativas da humanidade (DIEGUES, 1993). A aplicação desse modelo contribuiu consideravelmente para o aumento dos conflitos entre populações nativas extrativistas e defensores preservacionistas

As UCs são estratégicas para a conservação da biodiversidade. Entretanto, para que estas áreas desempenhem o seu papel para o qual foram criadas, é preciso um esforço conjunto, que vai além de sua criação. Para isso, é necessário o estabelecimento de novos valores, conceitos e formas de relação dos diferentes setores da sociedade com o meio ambiente (DICK, DANIELI e ZANINI, 2012). As unidades de conservação de uso sustentável têm como principal papel compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais.

No Brasil, a lei versa que a criação de uma UC deva ser baseada na pesquisa-científica visando a proteção à vida selvagem, às espécies e a diversidade genética; a manutenção dos serviços ambientais; a proteção de aspectos naturais e culturais específicos; a recreação, turismo e ao uso sustentável dos recursos naturais (BRASIL, 2000). Dentre as UCs, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) pode abrigar populações tradicionais, buscando o extrativismo sustentável dos recursos naturais e melhoria na qualidade de vida regional, respeitando e aperfeiçoando o conhecimento local (BRASIL, 2000). Atualmente existem 22 RDS e 21 reservas extrativistas marinhas federais (MMA, 2009). Ao contrário das Reservas Extrativistas que são áreas utilizadas por populações tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo, as RDS devem se restringir as atividades tradicionalmente desenvolvidas pela comunidade, que sejam adequadas por um plano emergencial de uso sustentável dos recursos e que sejam baseados na sustentabilidade ambiental, aumento da produtividade, agregação de valor dos recursos, e prestação de serviços (VIANA, 2007).

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Estadual da Ponta do Tubarão (RDSEPT) situada no litoral do Rio Grande do Norte foi criada em 2003, após forte mobilização da comunidade local para proteção da área estuarina e seu entorno e do seu modo de vida tradicional. Fazem parte da Reserva diversos ecossistemas, incluindo área marinha, estuário, restinga, dunas e manguezais (SANTOS, 2008). Os habitantes dessa reserva vivem essencialmente da pesca artesanal e da coleta de mariscos. A captura de pescado é realizada no mar e na área estuarina, enquanto a coleta de mariscos e caranguejos se restringe aos manguezais em dias de maré baixa.

Estudos relacionados à gestão dos recursos naturais destacam a importância de compreender e incorporar as percepções locais em iniciativas de conservação (DIEGUES, 2001). Por outro lado, os estudos sobre percepção dos recursos ambientais determinam não somente como o recurso é utilizado, mas também o seu valor relativo para a comunidade. O presente estudo tem como objetivo analisar a percepção ambiental dos pescadores e catadores de mariscos da RDSEPT de modo a subsidiar a gestão da reserva.

 

2. METODOLOGIA

 

2.1 Caracterização da área de estudo

 

O Estado do Rio Grande do Norte possui nove unidades de conservação estaduais e a única Reserva de Desenvolvimento Sustentável é a Ponta do Tubarão – RDSEPT (IDEMA, 2008), A unidade de conservação encontra-se na região setentrional do estado com uma área total de 12.960 ha (5°2’S e 5°16’S – 36°23’W e 36°32’W), incluindo a parte marinha que se estende por duas milhas da linha da costa (Figura1). A diversidade paisagística na reserva é caracterizada pela presença de manguezais, restingas, dunas e tabuleiros (SOARES, 2011).

A reserva foi criada pela lei estadual nº 8.349/2003, por iniciativa da comunidade local, sendo a primeira reserva de desenvolvimento sustentável do estado do Rio Grande do Norte e a segunda do país (COSTA, 2010). A mobilização da população foi devido a expansão do turismo imobiliário, instalações de cadeias hoteleiras, o avanço da carcinicultura e a exploração petrolífera. Esses foram fatores determinantes para que a população de forma organizada reivindicasse a criação da reserva (MAMERI, 2011).

A RDSEPT é composta por comunidades tradicionais dos municípios de Macau (Barreiras, Diogo Lopes, Sertãozinho, Chico Martins, Cacimba Baixa, Baixa do Grito, Varjota, Canto de Imburana e Pau Feito) e de Guamaré (Mangue seco I, Mangue Seco II e Lagoa Doce). As comunidades de Barreiras, Diogo Lopes e Sertãozinho, correspondem a 90% do total da reserva. A pesca, nas duas primeiras comunidades, é a principal atividade econômica, anualmente são pescados 260 toneladas de sardinha e 370 toneladas de peixe voador. Além da pesca, a coleta de mariscos nos manguezais é a segunda atividade que apresenta importância na renda familiar, essas não competem entre si, mas se complementam por não haver disputa de ambientes para o extrativismo destes organismos (IDEMA, 2008).

 

 

2.2 Coleta de dados

 

 

A coleta de dados foi realizada mediante entrevistas, utilizando questionários semiestruturados na zona litorânea da RDSEPT, abrangendo as comunidades de Barreiras, Sertãozinho e Diogo Lopes. As questões abordavam aspectos socioeconômicos e ambiental, além de percepção e entendimento da população em relação a RDSEPT. Um total de 72 questionários foi aplicado junto aos integrantes da Associação dos Pescadores da Ponta do Tubarão Z-41. O cálculo do número amostral foi baseado na proporção populacional de pescadores e marisqueiras, com o erro amostral de 0,1%, seguindo a seguinte fórmula (LEVIN, 1987).

 

 

Na qual:

n = amostra calculada

N = população

Zα/2 = variável crítica que corresponde ao grau de confiança desejado

p = proporção populacional de indivíduos que pertence à categoria

q = proporção populacional de indivíduos que não pertence à categoria

E= erro amostral

O tratamento dos dados se deu a partir da interpretação dos questionários, buscando analisar e caracterizar a percepção através da familiaridade com o tema meio ambiente e a concepção de degradação do meio (WHYTE, 1978; BARDIN, 2009).

 

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Foram aplicados 72 questionários, a maioria dos entrevistados eram da comunidade de Diogo Lopes (70,83%), seguidos pela comunidade de Barreiras (22,22%) e Sertãozinho (6,94%). A faixa etária dos entrevistados variou dos 21 aos 60 anos (n=72). Desse total, 55% pertenciam ao sexo masculino e 44% ao sexo feminino. Em relação ao grau de escolaridade, 71% dos entrevistados disseram que possuíam ensino fundamental incompleto, 9,7% possui ensino fundamental completo, 6,9% responderam não ter estudado. Apenas 2,7% afirmaram ter ensino superior completo (Tabela 1)

 

Tabela 1. Perfil dos entrevistados em percentual e números absolutos. Macau, RN (2012)

Característica

%

N

Localidade

 

 

Barreiras

22,22

16

Diogo Lopes

70,83

51

Sertãozinho

6,94

5

Idade

 

 

21-30

6,94

5

31-40

26,39

19

41-50

43,06

31

51-60

23,61

17

Gênero

 

 

Masculino

55,56

40

Feminino

44,44

32

Estado Civil

 

 

Solteiro

2,72

2

Casado

97,22

70

Escolaridade

 

 

Analfabetos

6,94

5

Ens. Fund. Incompleto

70,83

51

Ens. Fund. Completo

9,72

7

Ens. Médio Incompleto

4,17

3

Ens. Médio Completo

5,56

4

Ens. Superior Incompleto

0,00

0

Ens. Superior Completo

2,78

2

Renda

 

 

R$456-R$555

19,44

14

R$556-R$655

29,17

21

R$656-R$755

12,50

9

R$756-R$855

19,44

14

R$856-R$955

15,28

11

R$956-R$1055

2,78

2

R$1156-R$1255

1,39

1

Recebem Bolsa Família

 

 

Sim

47,22

34

Não

38,00

52,78

N° de membros

 

 

2 pessoas

11,11

8

3 pessoas

4,17

3

4 pessoas

40,28

29

5 pessoas

27,78

20

6 pessoas

16,67

12

 

 

A maioria dos entrevistados era homens, casados, com a idade entre 41 e 50 anos, possuíam o ensino fundamental incompleto e renda mensal variando de R$556,00 a R$665,00. Este grupo em geral tem quatro membros familiares sob sua responsabilidade e recebe auxilio do governo federal através do Programa Bolsa Família e em média dois membros contribuíam para a renda familiar. Esse foi um perfil bastante semelhante ao encontrado em outros trabalhos que tem como objeto de estudo comunidades ribeirinhas (CARVALHO et al., 2012; FIGUEIREDO e MAROTI, 2011; PACHECO e SILVA, 2009).

De acordo com os dados, foram entrevistados 39 homens pescadores e 11 mulheres pescadoras, enquanto que apenas um homem marisqueiro foi entrevistado e 21 mulheres marisqueiras. Portanto, os pescadores em sua maioria foram homens e os catadores de mariscos foram mulheres, geralmente o marido é o pescador e a esposa é marisqueira, inclusive foi observado que os filhos menores ajudam as mães a catar mariscos e os maiores os pais a pescar. Essa relação do gênero com o tipo de atividade extrativista estar enraizada culturalmente na região e é passada de geração em geração.

Nesta pesquisa, não foram encontrados catadores de caranguejo, isso pode ser explicado pelo fato da amostra ter sido aleatória e dependente do local de saída dos barcos.

Para o estudo da percepção ambiental a primeira pergunta foi para conceituarem, do ponto de vista individual, o que é o meio ambiente. A partir desse ponto de partida foi possível dividir as respostas em quatro categorias:(1) conhece o significado da palavra meio ambiente, mas não sabe expressar em palavras o conceito (23,61%); (2) o meio ambiente é sinônimo de preservação (22,22%); (3) o meio ambiente são todos os elementos do entorno, como a casa, os animais e as plantas (43,06%), e (4) o meio ambiente é o trabalho de forma sustentável (11,11%).

Segundo o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA (306/2002), o meio ambiente é:

 

[...] o conjunto de condições, leis, influencia e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

 

O conceito meio ambiente é complexo para a definição da maioria, assim, todas as respostas se inter-relacionaram. Segundo Reigota (2002), quando o indivíduo reconhece que o meio ambiente são os elementos naturais pertencentes ao seu espaço, a definição intrínseca individual é considerada como sinônimo de natureza. Enquanto que aqueles que responderam que o meio ambiente eram as ações ambientais corretas, o conceito está ligado aos mecanismos que de preservação da natureza (HOEFFEL et al., 2008).

A compreensão do meio ambiente como uma rede complexa que envolve vários atuantes culturais, biológicos, físicos e sociais não fazia parte do entendimento dos entrevistados, concluindo que as várias maneiras de entender o meio ambiente podem gerar conflitos entre os diferentes grupos socioculturais (HANNIGAN, 2002; YEARLEY, 2002; HOEFFEL et al., 2008).

Mediante o segundo questionamento, indagou-se dos entrevistados, quais os elementos que fazem parte do meio ambiente. A maioria relatou que todos os elementos era a natureza (55,56%), apenas uma minoria acrescentou a si próprio na resposta (44,44%). O fato de poucos terem se elencado como elemento pertencente ao ambiente é devido ao modelo atual da civilização, pois é comum o homem se desvincular do meio ambiente, dificultando a sua percepção em relação às atitudes individuais ou coletivas, bem como as consequências para o meio e os demais seres viventes dele (PALMA, 2005).

A pesca e a coleta de mariscos são as atividades que têm papel principal na economia local e a inclusão do “eu” no meio ambiente, causaria o aumento na vontade em desenvolver a atividade de forma sustentável, buscando promover impactos mínimos ao ambiente.

O terceiro questionamento foi a respeito de como as informações sobre meio ambiente chegaram até eles. Todos responderam que obtiveram através de palestras, cursos, reuniões, aulas, etc. Com efeito, ao mesmo tempo em que alguns entrevistados não souberam conceituar “meio ambiente” ou elencar elementos pertencentes a este, existe o conhecimento ou familiarização sobre o tema ambiental na comunidade, pois todos os participantes da pesquisa, já ouviram palestras sobre o assunto ou participaram com afinco em debates sobre a RDSEPT.

Através do quarto questionamento feito aos entrevistados, procurou-se saber quais eram os problemas ambientais detectados na reserva. Sobre esse tema pode-se dividir os entrevistados em dois grupos: (1) o grupo que apontou os problemas ambientais e quem seria os agentes causadores (62,5%), (2) e o grupo que disse não perceber ou ver problemas ambientais (37,5%), coincidentemente, esses mesmos responderam, em questões anteriores, que não saberiam dizer, ou expressar em palavras o conceito de meio ambiente.

De acordo com Aretano (2013), as populações que vivem em comunidades são conscientes da paisagem e da dinâmica, porém não percebem as alterações feitas no seu meio. Os problemas ambientais apontados foram: esgoto (37,4%), lixo a céu aberto (52,5%), poluição do Rio Tubarão consequente do descarte das vísceras dos peixes pelos pescadores (10,1%). Reclamaram ainda do mau cheiro em algumas localidades no rio e apontaram como agentes causadores a comunidade.

Os entrevistados que apontaram os problemas ambientais, foram questionados sobre quem deveria solucionar os problemas. As respostas foram que a Prefeitura do Município de Macau deveria solucionar (26,39%), na mesma proporção, disseram que deve haver uma ação conjunta entre a população e a Prefeitura, outros falaram que a conscientização da população resolveria os problemas ambientais (9,72%) e em maior proporção não souberam apontar quem deveria resolver (37,5%).

Paradoxal foi o aspecto apontado pelos entrevistados, sobre a consciência da população como uma medida mitigadora ambiental, pois a iniciativa da criação da reserva partiu da comunidade, isto demonstra que a criação da reserva foi um mecanismo de defesa dos recursos naturais para seu sustento e não por uma consciência ambiental.

Observou-se que os entrevistados quiseram abordar a inércia das ações pessoais em busca de um melhor descarte ou destino ao resíduo doméstico e a falta de educação ao joga-los nas vias públicas, o mesmo foi encontrado por outros autores (STUMP e KRIWOKEN, 2006; LELEU et al., 2012). Complementando assim a resposta do quesito seguinte, em que se abordava o entrevistado em relação a alguma ação diária para a proteção do meio ambiente.

Todos os entrevistados demonstraram insegurança na sua resposta, alguns afirmaram não fazer nenhuma ação que ajudaria na proteção do meio ambiente (34,72%), porquanto citou fazer limpeza diária (20,83%), não jogar o lixo na rua (33,33%) ou a conscientização de jovens (11,11%) como ações de proteção ao meio ambiente. Em comunidades locais em que é trabalhado a auto identidade da cultura local e a sua relação com o meio que o cerca, acarreta no comportamento catalisador de pertencimento ao local e o sentimento de ter a obrigação do cuidado desse ambiente (WHITMARSH e O’NEIL, 2010).

Na última pergunta, foram questionados se já participaram de alguma atividade de educação ambiental e todos responderam que sim através de palestras e cursos, organizados pelo IDEMA, Petrobrás, Prefeitura de Macau ou pela Colônia de Pescadores Z-41; confirmando assim, respostas anteriores.

No decorrer da entrevista, os catadores de mariscos, comentaram sobre o uso das conchas após a retirada da carne. Os usos citados foram produção na ração para avestruzes, uso na construção civil como substituinte do seixo. A compra das conchas por pessoas de fora do Rio Grande do Norte, também foi citado, mas os entrevistados não quiseram entrar em maiores detalhes.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Sabe-se que a percepção ambiental influencia na tomada de decisões do indivíduo, deste em suas ações corriqueiras, até mesmo na forma de como é desenvolvida a sua atividade extrativista (OKAMOTO, 2003); os entrevistados, em geral, da RDSEPT demonstraram ter dificuldade em conceituar o meio ambiente e insegurança quanto aos problemas ambientais que os acometem.

No entanto, cabe acrescentar que foi possível verificar contradições quanto à sustentabilidade e a sua aplicabilidade, pois muitos afirmaram que a regulamentação incipiente por parte das autoridades competentes, compromete o objetivo da criação da unidade de conservação, acarretando no uso e na ocupação das áreas protegidas, fato este relatado também por Mameri (2011). A evolução urbana da comunidade e a dinâmica local, visivelmente, acontecem sem parâmetros. A tendência é que com o passar dos anos, os problemas ambientais, citados pelos entrevistados, se agravem.

Mameri (2011) comentou em seu estudo, que ações dos poderes públicos, como o asfaltamento de vias públicas próximas ao manguezal, a implantação de Usinas Eólicas e expansão de Refinarias Petrolíferas, acarretarão no aumento dos impactos ambientais negativos. Todos esses e outros problemas ambientais foram citados e evidenciados pelo Conselho Gestor da RDS.

Futuramente, estes impactos poderão prejudicar, de forma definitiva, na atividade de pesca e coleta de moluscos. Durante a entrevista, alguns pescadores queixaram-se na queda do número de peixes, e coletores de moluscos no tamanho e na quantidade dos mariscos. O problema maior dos moluscos é devido serem animais filtradores, ou seja, todos os poluentes possíveis encontrados nas águas do Rio Tubarão ficam retidos na carne deste animal, sendo assim, um potencial problema de saúde pública.

Os moradores da unidade de conservação demonstraram ter o sentimento de pertencimento e valorização dos recursos existentes na reserva, porém, observou-se um distanciamento quanto à conservação. Percebe-se a necessidade de esclarecimentos dos objetivos da criação da unidade de conservação, o porquê desta RDS ser uma reserva de uso direto e o que realmente pode e não pode ser feito na área (MATTOS, NOBRE e ALOUFA, 2011).

Afirma-se mais uma vez, que inicialmente, houve comoção pública e participativa na criação da RDS, mas o engajamento popular foi perdido com o tempo, pois não existe uma política local de envolvimento, fato este considerado pelos autores Mameri (2011); Santos (2008); Mattos, Nobre e Aloufa (2011).

Atualmente, quando se quer envolver uma população em prol de uma causa ambiental, traz-se para o conhecimento desta, os problemas ambientais presentes e suas consequências através de oficinas, palestras e várias formas de divulgação acreditando que apenas isto, trará comoção e mudança comportamental em busca da sustentabilidade (SIQUEIRA, 2008).

Uma vez que o processo é muito mais complexo, pois a população deve ser envolvida com debates contínuos acerca da temática ambiental, levando em consideração, os aspectos cognitivos e a percepção social, que juntamente com a educação ambiental, poderá haver a substituição de velhos hábitos (SIQUEIRA, 2008; MARIN e LIMA, 2009).

O desenvolvimento de uma política pública, pelos poderes públicos, que foque a educação ambiental, poderá reacender o tema e a comunidade, manifestando-se, assim novamente, com domínio da situação ambiental atual pois a educação ambiental desenvolve a visão holística do educador e educando, reaprendendo e reconstruindo relações e valores socioambientais antigos (PALMA, 2005).

Em relação ao turismo, como não existem, na reserva ambiental, construções de resorts e cadeia hoteleiras, a demanda turística é de pesquisadores e estudiosos ambientais, predominando ações conservacionistas neste âmbito, pois o turismo é de base comunitária (SOARES, 2011).

Quanto à ocupação e uso do solo devido às atividades econômicas, a atividade de carcinicultura reutilizou áreas que foram desenvolvidas para a produção do sal, já a atividade petrolífera, localiza-se em áreas de tabuleiro, em torno das áreas salinas e de praias (SANTOS, 2008).

A população, apesar de ser representada no Conselho Gestor (Decreto de n° 18.516/2005), reclamou da ausência de uma gestão participativa. Este fato poderia diminuir possíveis conflitos entre a população, os órgãos regulamentadores ambientais e os gestores assim o desenvolvimento das atividades extrativistas obteria o manejo sustentável na unidade de conservação, previsto no CONAMA.

Aly (2011) comentou que a identidade individual é um aspecto fundamental para moldar a identidade da comunidade, o resgate cultural na RDSEPT melhoria o engajamento dos pescadores e marisqueiras na busca da sustentabilidade das atividades extrativistas desenvolvida. Umas das possibilidades metodológicas para o (re)vivamento cultural nas comunidades, seria a documentação cultural local (GALUCIO, 2004).

Finaliza-se a análise perceptiva afirmando que os pescadores e marisqueiras da RDSEPT têm o sentimento de pertencimento ao local e de responsabilidade, em parte, da conservação da unidade; porém, o engajamento e a participação não são mais efetivos como em anos anteriores, devido à ausência de um planejamento ambiental participativo, que teria a educação ambiental e o resgate cultural, como agentes transformadores das comunidades e estas mudariam as futuras gerações.

 

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Ilustrações: Silvana Santos