Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
10/09/2018 (Nº 53) ENTREVISTA COM ADRIANA BACKES PARA A 53ª EDIÇÃO DA REVISTA VIRTUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
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ENTREVISTA COM ADRIANA BACKES PARA A 53ª EDIÇÃO DA REVISTA VIRTUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

Por Bere Adams

 

A Entrevistada desta edição é pedagoga e especialista em Educação Ambiental. Ela é professora em Novo Hamburgo e atua no Projeto de Ciências da Natureza e Educação Ambiental, atendendo crianças da Educação Infantil ao 5ºano. Nós nos conhecemos há muitos anos e já participei de alguns eventos organizados por ela e a equipe escolar onde atua, como feiras, exposições, apresentações de teatro, mobilização social em prol do arroio do entorno da escola. Enfim, ela desenvolve vários projetos que mobilizam toda a comunidade da escola. Vamos conhecer um pouco mais dessa Educadora Ambiental que realmente “veste a camiseta”, e que não mede esforços para sensibilizar, com muita arte e maestria, pequenos e grandes:

 

Bere - Adriana, é um prazer muito grande tê-la como nossa entrevistada. Para começo de conversa , gostaria de saber desde quando você inseriu a Educação Ambiental em suas práticas pedagógicas e por que? Algo, em especial, te sensibilizou?

Adriana – O prazer é todo meu em ser entrevistada por você, Bere Adams, uma Educadora Ambiental que admiro muito pelo seu envolvimento, empenho e paixão em realizar seu trabalho como Educadora Ambiental.  A inserção da Educação Ambiental seu deu desde o início do meu trabalho, trazendo as questões ambientais pra dentro da sala de aula, já que estas questões fazem parte da minha vida desde a minha infância que tive a oportunidade de passar as férias escolares em um lugar muito especial onde brincava com meus primos entre as árvores e os animais, e me banhava nas águas de um arroio.  Eram momentos divertidos e apaixonantes de muita conexão com a natureza. Com meu pai e minha mãe aprendi o valor da separação do lixo, do adubo orgânico, de comer legumes e verduras da horta de casa, de apanhar as frutas das árvores. Então, eu cresci em meio a esta sensibilização que só foi reforçada com a Eco 92, realizada no Rio de Janeiro. Daí em diante, me vi como uma “militante” dessas questões e não havia como separá-las  do meu fazer pedagógico.

Bere – Qual é, para você, a importância da Educação Ambiental (EA) na escola?

Adriana – Fundamental. Pois a escola é um lugar de maior alcance e abrangência dentro de uma comunidade, onde podemos dialogar com as crianças e suas famílias sobre as questões socioambientais, tanto locais como mundiais. Se a escola inicia esse processo de EA desde a Educação Infantil, trabalhando  com a sensibilização, com a observação, com a interação, com o diálogo, com debates e reflexão, buscando as alternativas, maiores são as possibilidades de se transformar uma situação ou um espaço.

Bere – O que você pensa sobre o aspecto da EA ser concebida como uma prática pedagógica interdisciplinar e não ser uma disciplina?

Adriana - É de fato essencial. Precisamos abranger todas as áreas e fazer esse diálogo de diferentes saberes, entendendo o quão são complexas as questões ambientais, e que estão diretamente ligadas as questões sociais. Não tem com separá-las, estão totalmente interligadas.  Então, se faz necessário que todos os conhecimentos, populares e acadêmicos, conversem entre si para que tenhamos uma EA a qual almejamos, e que possa de fato ser transformadora.

Bere – Qual é o maior desafio da EA nas séries iniciais da educação básica?

Adriana – Para que a Educação Ambiental ocorra de fato, o imenso desafio nas escolas é que haja justamente esta interdisciplinaridade de que falamos anteriormente, e que faz necessário ser um projeto abraçado por toda a escola, incluindo equipe diretiva, funcionários, professores, alunos e comunidade para que se alcance voo.

Bere – Em toda a sua experiência, quais são as metodologias mais adequadas para a EA?

Adriana - As metodologias podem ser pensadas de acordo com a situação local em que se vai trabalhar a EA. Eu observo muito a realidade das crianças com quem vou trabalhar, seus conhecimentos, suas curiosidades e interesses, além de ouvir a comunidade e o que as famílias dizem.  A parti daí, surgem projetos como o documentário “Vozes do Arroio Pampa e Peri” e e o projeto “Da metamorfose à Liberdade”. O primeiro surgiu do pedido dos pais, que estudássemos os arroios, visto que estavam convivendo diretamente com eles e enfrentando a problemática dos alagamentos, sofrendo com perdas e traumas, e no segundo porque as crianças encontraram lagartas na escola e queriam matá-las por serem venenosas. Então, desenvolvemos um projeto de pesquisa e observamos todo o desenvolvimento da lagarta até virar borboleta e libertarmos de volta a natureza, falamos das questões da liberdade para todos os seres vivos. Nos meus projetos sempre envolvo muita arte, contação de histórias, leitura de livros, pesquisas, contatos com a natureza, vídeos educativos, curtas, filmes,  leitura de jornal, além de debates e reflexões acerca do que estamos estudando. Penso que temos que interagir uns com os outros e com todas as formas de conhecimento para ampliarmos nosso debate e enriquecermos as nossas aulas com sensibilização e também com muito dialogo, pois somos eternos  aprendentes.

Bere – Ao longo destes anos de prática educativa, conte algo que te marcou ou algo que te surpreendeu ao realizar determinada atividade.

Adriana - Uma situação que me marcou muito, já que trabalho em uma comunidade que convive com dois arroios, foi ver as respostas deles quando fiz uma entrevista com eles perguntando individualmente o que é um arroio? 98% das respostas apresentaram que arroio é um buraco, um valo ou um lugar onde tem água suja, esgoto e lugar onde se larga o lixo. Fiquei chocada. E depois emocionada, quando mostrei pra eles um vídeo de um arroio preservado onde puderam ver o barulho da água límpida correndo entre as pedras, os pássaros cantando e a mata preservada. Então ouvi muitos comentários maravilhados, assombrados e vi olhinhos arregalados: “Nossa profe, não imaginava que um arroio poderia ser tão lindo!!”;“Nossa dá uma sensação de paz...”;“Uau! ....”

Eu, que cresci brincando num arroio assim, tenho que confessar que chorei por dentro.

Bere – O curso de Especialização em EA foi importante para o aprimoramento da práxis da EA? Como você avalia a contribuição do curso em sua carreira de professora?

Adriana – Recomendo a todos. Fiz um curso de Especialização na FURG, que ampliou muito a minha visão de EA, trazendo teorias, autores e provocações  bem interessantes para pensar e repensar a nossa prática. Por fim, realizamos um projeto de EA, que foi enriquecido com todos os aprendizados e reflexões que fizemos durante o curso, e mais a parceira de nossos professores, tutores e orientadores. Ampliei a minha visão de EA trazendo lado a lado com ela as questões sociais, como por exemplo, a situação em que as crianças têm que conviver com arroios poluídos e com os alagamentos que atingem muitos deles. E como são situações complexas, temos que buscar, ao máximo, diferentes atores sociais envolvidos nessas questões para podermos enxergar todos os lados, as responsabilidades de cada um e cobrar as atuações de cada um deles na medida dos nossos limites e possibilidades.

Bere – Qual é a sua relação com o meio ambiente, e o que os contatos diretos com a natureza representam, para você?

Adriana - São fundamentais. Eu recarrego minhas baterias e energias em contato com natureza. Volto renovada. Mas, eu cresci tendo esse contato. Muitas de nossas crianças e adultos não. Por isso, como educadora, penso que devemos oferecer sempre que possível. E contatos diferentes, de ambientes diferentes. Quanto mais contatos forem oferecidos as crianças e aos adultos, maiores serão as possibilidades de sensibilizá-los, especialmente se houverem dinâmicas, que se utilizem dos cinco sentidos, para que as pessoas possam ser envolvidas pela observação minuciosa, pela análise, pelo tato, pelo olfato, degustação. Maiores são as chances de se engajarem num projeto de EA e também de transformação em sua comunidade. Isto me é tão essencial que demorei a me dar conta que muitas crianças e muitos adultos conhecem o arroio como sendo um lugar “feito” para jogar lixo e o esgoto. Então, qual sentido tem cuidar ou recuperar este lugar que foi “construído” ou destinado justamente para se colocar rejeitos?

Bere – Quais são as maiores dificuldades que você pode destacar em tua experiência com a EA?

Adriana – Uma gigantesca campanha para o consumismo desenfreado, de se ter valor por “ter coisas”, de produtos que nem sequer fazem bem as pessoas, ou não são necessários, e que são associados à felicidade, ou ser alguém muito especial por estar comprando ou consumindo determinado produto, deturpando a realidade e provocando cada vez mais lixo e poluição advindos de um sistema de sociedade que se alimenta disso. Então, nos deparamos com imensos desafios ambientais e sociais pela frente, que não estão na mídia tão assistida e festejada pelos adultos e, consequentemente, pelas crianças. E como educadores, temos que fazer frente a essa situação.

Bere – E o que é gratificante?

Adriana – Ver a carinha maravilhada e os olhinhos brilhando diante das descobertas que fazem em relação à natureza, o seu encantamento e envolvimento nos projetos de pesquisa, nas observações,  contações de história e, principalmente, quanto me procuram pela escola, fora do horário, para me contar ou  mostrar algo em relação ao que estudamos.

Bere – Qual é a importância dos documentos balizadores da EA como a Lei Nº 9.795/99, e de outros documentos como A Carta da Terra, por exemplo, para as práticas da EA?

Adriana – A Carta da Terra é apaixonante! Ela sensibiliza, aponta mudanças necessárias, novos rumos, e pode ser utilizada em sala de aula como um recurso pra sensibilização, debates, reflexões e inspirações para atividades ou projetos de EA.  As leis sempre representam limites e possibilidades. Mas, mesmo com limitações, as leis dão suporte ao nosso trabalho e garantem que e EA tenha um lugar reservado no currículo escolar, o que foi um imenso ganho. Agora que o seu espaço está previsto em lei, temos que garantir que ele ocorra além de se refletir e dialogar sobre EA. Tanto em cursos de formações de professores, como na nossa prática pedagógica diária, quando devemos avaliar resultados alcançados.

Bere – Como você percebe a EA em relação aos demais professores?

Adriana – Ainda percebo muito que o trabalho de EA  nas escolas é realizado e ou encabeçado por professores que “gostam da natureza”, como eles são vistos.  Às vezes, toda a responsabilidade recai sobre estes “apaixonados pela natureza”. Mas, felizmente, já estamos vendo mudanças e em algumas escolas as equipes diretivas já têm uma visão diferente e abraçam a EA fazendo dela parte do seu projeto pedagógico.  Na rede temos uma gerência de EA e um Coletivo Educador que tem batalhado por isso e que também tem servido como suporte e apoio para as escolas que vão se engajando neste trabalho.

Bere – Deixa uma frase ou um pensamento para sensibilizar os/as leitores/as da EA em Ação.

Adriana – “ [...] Olavo Bilac nos  exorta: ‘Ame com Fé e orgulho a Terra em que nasceste’. Tomemos liberdade em acrescentar: e com reverência para com  toda a espécie de vida  que nela se encontra. Portanto: Estudemos, Conheçamos, Amemos  e Reverenciemos A VIDA para que todos possam VIVER...” Ernest Sarlet, 1990.

Bere – Prezada Adriana, nós da equipe da EA em Ação, te agradecemos pela disponibilidade em compartilhar conosco tão rica e exemplar experiência. Que possamos, todos juntos, fazer uma EA que efetivamente provoque mudanças, dentro e fora das escolas. Parabéns pelo teu trabalho! Muito obrigada!

Ilustrações: Silvana Santos