Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 53) GOVERNANÇA COLABORATIVA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE SUZANO
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GOVERNANÇA COLABORATIVA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: A IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE SUZANO

 

Celly Kelly Neivas dos Santos

 

Mestranda no Programa de Pós-graduação em Sustentabilidade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP). Contatos: cellykelly@gmail.com, 11 9 9185 9478 Rua Cristo Operário, 10, Vila Brasileira, Mogi das Cruzes, SP, CEP 08738-330

 

Resumo

O objetivo deste trabalho foi analisar a implementação e atuação da Comissão Interinstitucional Municipal de Educação Ambiental de Suzano, SP (CIMEA-Suzano) sob a perspectiva da governança colaborativa. Para tanto,a partir de três modelos de governança colaborativa, desenvolveu-se uma matriz para subsidiar a análise da implementação e atuação desta comissão. As estratégias de pesquisa adotadas foram a entrevista semi-estruturada e a análise documental, ambas pautadas pela metodologia de Análise de Conteúdo.

 

Palavras - chaves: Educação Ambiental; Governança Colaborativa; Políticas Públicas

 

 

Introdução

 

Em 2009 o município de Suzano/SP, através da Lei Municipal 4276/09 instituiu a criação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMA) e subordinado a ela, a Diretoria de Saneamento e Gestão Ambiental. Dentre as competências atribuídas a esta diretoria, esteve a articulação da implementação do Sistema Municipal de Educação Ambiental (SISMEA) e da Política Municipal de Educação Ambiental (PMEA), conforme as prerrogativas da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), do Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) e do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global.

            Baseada nestes referenciais, a SEMA articulou a criação de quatro eixos estruturantes, de atuação imbricada, não hierárquica e distinta em metodologia, porém conectados com o mesmo objetivo de consolidação do SISMEA e da PMEA.

Figura 1 - Eixos Estruturantes do SISMEA e da PMEA

 

Fonte: Prefeitura Municipal de Suzano (2012, p. 15)

 

            A Comissão Intersetorial de Educação Ambiental (CISEA), alocada no eixo estruturante interno, constituiu-se em um colegiado intrínseco à prefeitura municipal composto por representantes das secretarias municipais e pelo gabinete.  Foi criada pelo Decreto Municipal 7925/10 como uma estratégia política para garantir o “processo de educação ambiental interno com a formação permanente e continuada deste colegiado em busca da transformação da Prefeitura de Suzano numa administração pública educada e educadora ambiental” (RAYMUNDO; SILVA, 2015, p. 41).   

            Denominado como eixo estruturante não escolar, a Educação Ambiental Popular buscou “junto à população moradora, trabalhadora e estudantil de Suzano a identificação, mobilização, formação e fortalecimento de cidadãs e cidadãos aqui denominados como educadores ambientais populares” (RAYMUNDO; SILVA, 2015, p. 43). A consolidação deste eixo se deu através do Programa Municipal de Educação Ambiental, cujo objetivo era formar e capacitar grupos de educadores ambientais populares para atuarem na troca de seus saberes, interpretação e construção de novos conhecimentos.

            O programa ofereceu oito cursos com carga de 80 horas/aula que foram realizados em oito regiões do município de Suzano. Os 250 educadores ambientais populares formados pelo curso deram origem à Rede de Educadores Ambientais Populares (REAPs).

            O eixo estruturante escolar denominado como Educação Ambiental Escolar teve como principal articulador a Secretaria Municipal de Educação, que possibilitou junto ao sistema municipal de ensino a busca de três frentes: a construção da PMEA inserida no Programa de Formação Continuada da Rede Municipal de Ensino, a estruturação nas escolas municipais de Com-Vidas (Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida) e a construção de Agenda 21 escolares.

            No eixo estruturante institucional externo está a Comissão Interinstitucional Municipal de Educação Ambiental (CIMEA), esta caracterizada como um “colegiado gestor deliberativo, formado por segmentos da sociedade civil, setor privado e poder público com atuação no município de Suzano e região, sendo representado por membros titulares e suplentes” (PREFEITURA MUNICIPAL DE SUZANO, 2012, p. 16).

            O Decreto Municipal 8068/11 institucionalizou a CIMEA como o locus de produção das políticas públicas municipais de EA, o que a tornou, pelo seu processo de implementação e atuação, o principal objeto de estudo desta análise.

            Para esta pesquisa, assumiu-se que o regime de implementação e atuação da CIMEA-Suzano configurou um processo colaborativo de governança, por muito se assemelhar a

Um arranjo governamental onde um ou mais agentes públicos engajam atores não governamentais em um processo coletivo de tomada de decisão que é formal, orientado pelo consenso e deliberativo, e que objetiva fazer ou implementar políticas públicas ou gerenciar programas públicos ou ativos (ANSELL; GASH, 2007, p. 544).

           

Material e Métodos

 

O objetivo deste trabalho foi examinar a implementação e atuação da CIMEA- Suzano como um caso de governança colaborativa no provimento de políticas públicas de EA no município de Suzano no período 2009 - 2012. Para tanto, a partir de um referencial teórico sobre conceito de governança colaborativa, desenvolveu-se uma matriz de informações e processos pautados em três conhecidos modelos de governança colaborativa[1].

            A fim de efetuar a fase de pré-análise através da leitura, foram reunidos além da legislação pertinente à política de EA, os materiais impressos e escritos provenientes da atividade da CIMEA-Suzano. Constitui este acervo as atas das reuniões, roteiros de trabalho, relatórios e textos específicos sobre a CIMEA-Suzano como artigos jornalísticos, artigos acadêmicos e uma publicação da Prefeitura Municipal de Suzano. Notas desta leitura foram tomadas e agrupadas e delas partiram a formulação da hipótese deste trabalho, construída com base nos indicadores de colaboração e participação construídos através da interpretação do ProNEA.

            Dentre a representatividade das instituições que participaram da CIMEA-Suzano, foram selecionados para a entrevista semi-estruturada, representantes do governo municipal, da sociedade civil e do setor empresarial. As entrevistas foram realizadas separadamente com cada entrevistado e os temas apresentados para subsidiar as entrevistas constam na Tabela 1, sendo esta um extrato da Matriz de Governança Colaborativa.

            Os relatos serviram à etapa de exploração do material, sendo codificados e posteriormente interpretados a partir da categorização das semelhanças e diferenças dos pontos discutidos e relatados.

 


Tabela 1 - Extrato dos temas e pressupostos teóricos dos modelos de governança colaborativa

 

Temas Interseccionais

Pressupostos Teóricos

PRÉ PROCESSO COLABORATIVO

Assimetria

Quando partes interessadas não têm a capacidade, a organização, status ou recursos para participar, ou participar em pé de igualdade; Quando algumas partes podem não ter a habilidade e perícia para se envolverem em discussões sobre problemas altamente técnicos.

Recursos e Incentivos

Quando os recursos materiais e imateriais podem alavancar processos colaborativos nas tomadas de decisões; Quando as questões apresentadas são importantes para os participantes e estes se encontram no momento favorável ou estão pressionados por buscar soluções; Quando os incentivos são gerados pelos órgãos públicos no patrocínio da governança colaborativa; Quando a participação é demandada pelos tribunais ou órgãos legislativos, embora se saiba que a participação é tipicamente voluntária; Quando instituições mediam conflitos propondo uma tomada de decisão conjunta.

Conflitos Pré-existentes

Quando as partes interessadas percebem não alcançar seus objetivos sem se engajar em um processo de colaboração com outras partes interessadas, cujos interesses são muitas vezes diametralmente opostos.

Compartilhamento de Interesses

Quando os objetivos comuns unem diferentes instituições para a tomada de decisão; Quando instituições em rede compartilham visões comuns proporcionam processos colaborativos na tomada de decisões; Quando os interessados ​​começam a reconhecer mutuamente as questões que os unem.

Liderança

Quando lideranças pessoais ou institucionais estimulam o engajamento de atores não governamentais na tomada de decisão de políticas públicas; Quando a liderança facilitadora reúne partes interessadas e as envolve na colaboração; Quando há líder identificado em posição de ajudar a proteger recursos e apoio dentro de um processo colaborativo.

Interdependência

Quando crises culminam a necessidade de tomada de decisões que envolvam todos os afetados pelo problema em questão; Quando os indivíduos e as organizações não são incapazes de realizar algo por conta própria, sendo esta uma condição prévia para a ação colaborativa; Quando os participantes apreciam a interdependência que existe entre eles.

Incerteza

Quando há incerteza coletiva sobre a forma de gerir os problemas da sociedade.

PROCESSO COLABORATIVO

Diálogo

Quando o diálogo direto é necessário para identificar necessidades, oportunidades e ganhos mútuos entre as partes interessadas; Quando a deliberação é a comunicação fundamentada e amplamente celebrada como um marco e ingrediente essencial de engajamento bem sucedido.

Definição de Objetivos

Quando o processo se caracteriza pelos esforços contínuos para construir um sentido comum, articulando fins e objetivos comuns;

Compartilhamento de Interesses

Quando a descoberta refere-se à revelação dos interesses individuais, preocupações e valores compartilhados, bem como a identificação e análise de informações relevantes e suas implicações;

Protocolo da Prática

Quando há decisões processuais (por exemplo, definição de agendas, atribuição de um grupo de trabalho) e as determinações substanciais (por exemplo, chegar a acordos sobre itens de ação ou recomendações finais); Quando se abrange uma gama de protocolos de processos e estruturas organizacionais necessárias para gerenciar as interações repetidas ao longo do tempo.

Confiança Mútua

Quando uma liderança pode trabalhar na dissolução de desavenças entre participantes, em favor de uma ação conjunta; Quando é necessário conhecer o outro e provar um ao outro que são razoáveis, previsíveis e confiáveis.

Compromisso

Quando o compromisso com o processo significa desenvolver uma crença de que a boa fé negocial de ganhos mútuos é a melhor maneira de obter os resultados desejados; Quando é permitido aos participantes atravessar as fronteiras organizacionais, setoriais e / ou jurisdicionais que anteriormente separavam eles e comprometer-se a um caminho compartilhado.

Entendimento

Quando há um acordo sobre uma definição do problema, ou sobre o conhecimento relevante necessário para resolver um problema; Quando há a capacidade de compreender e respeitar as posições e os interesses dos outros, mesmo quando não se concorda.

Resultados

Quando se reconhece uma situação "small wins" que pode alimentar o processo colaborativo, encorajando um ciclo virtuoso de construção da confiança e compartilhamento da compreensão

Liderança

Quando se se reconhece alguém ou alguma instituição dotada de conhecimentos, habilidades e por vezes experiência que orientam uma ação;

Legitimidade

Quando há a confirmação de que os participantes são confiáveis e críveis, com interesses compatíveis e interdependentes, o que legitima e motiva a colaboração em curso.

 

Fonte: Adaptado de Ansell e Gash (2007), Selin e Chavez (1995) e Emerson, Nabatchi e Balogh (2011).


 

            A Matriz de Governança Colaborativa é dividida em dois momentos: o momento de pré-colaboração, que reúne as condições e os recursos necessários ao início do processo colaborativo, e a dimensão do Processo Colaborativo em si, onde se reconhece os mecanismos que identificam sua prática.

            Ao analisar a implementação e atuação da CIMEA-Suzano, considerou-se como o momento pré-colaborativo a estruturação do município com a instituição em 2009 da SEMA, a constituição dos quatro eixos estruturantes e a formação da CIMEA-Suzano. O processo colaborativo é considerando a partir da regulamentação das atividades do CIMEA-Suzano por decreto para o desenvolvimento das políticas públicas municipais de EA.

           

Resultados

Os resultados da análise efetuada são apresentados a partir de cada tema interseccional derivado do extrato da Matriz de Governança Colaborativa.

 

Assimetria

Cerca de 50 instituições públicas e não públicas do município de Suzano foram convidadas a constituírem a comissão. Entre estas instituições havia uma assimetria de recursos relacionados principalmente ao conhecimento específico e aos recursos financeiros.

            A assimetria de conhecimento específico refere-se ao desequilíbrio de conhecimento em EA entre as instituições. Algumas, como as ONGs socioambientais detinham um conhecimento ampliado sobre o tema, enquanto as empresas, por exemplo, detinham conhecimentos mais relacionados às questões de meio ambiente que se relacionam com o meio empresarial. O mesmo pode-se afirmar quanto ao desequilíbrio de conhecimento sobre o tema de políticas públicas.

            Quanto à assimetria de recursos financeiros havia uma inversão no cenário. Enquanto empresas detinham recursos que possibilitassem a participação de seus representantes (por exemplo, com transporte e honorários), representantes de ONGs, movimentos sociais e até mesmo gestores públicos não possuíam um grande aparato.

 

Recursos e Incentivos

Duas empresas participantes da CIMEA-Suzano firmaram parceria com a SEMA para subsidiar alguns custos da atividade, principalmente com transporte e material pedagógico. Uma cooperação técnica com o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura – Comissão Estadual de São Paulo da Unesco – IBECC-Unesco possibilitou a execução de um processo formativo de 60 horas/aulas sobre os temas da EA e das PP. A agenda de reuniões da comissão passou a ser realizada na sede de algumas instituições participantes que poderiam oferecer além do espaço, alimentação e materiais.

 

Conflitos pré-existentes

A participação da CIMEA-Suzano era voluntária e esta característica se manteve ao longo de todo o processo em que ela esteve atuando (2011 - 2012). No momento de pré-colaboração era fundamental que as instituições se conhecessem e dialogassem, portanto algumas estratégias foram tomadas para assegurar tais necessidades. As instituições tinham um espaço reservado para se apresentarem institucionalmente, mas também apresentar seus principais projetos e ações que estivessem relacionados ao campo socioambiental. O momento do café era propositadamente mais longo para que as pessoas se conhecessem e dialogassem.

 

Compartilhamento de Interesses

A participação das instituições na CIMEA-Suzano, apesar de voluntária, estava intrinsecamente ligada ao objetivo de construir de maneira colaborativa as políticas municipais de EA. Uma vez participando da comissão aceitava-se e trabalhava-se por este objetivo, desta forma, os objetivos institucionais foram deixados à parte igualando os membros na comissão em torno de um objetivo único.

 

Liderança

Os processos estruturantes e colaborativos em que esteve envolvida a construção do SISMEA e da PMEA são processos desenvolvidos e experimentados pelo ProNEA. A gestora pública que se incumbiu de recriá-los e redesenhá-los em Suzano, trouxe consigo esta experiência no âmbito do governo federal e isto a permitiu liderar estes processos. Não se furta esta análise em admitir que o perfil de educadora ambiental da gestora em questão, contribuiu para que se fizesse e fosse reconhecida como líder.

 

Interdependência e Incerteza

Ainda que os objetivos institucionais não fossem determinantes para possibilitar a participação das instituições na comissão, é possível reconhecer que os objetivos, propostas e atividades trazidas pela EA, de forma geral, comungam com os objetivos de qualquer instituição. Estarem participando da CIMEA-Suzano pressupõe inclinação destas instituições com as questões socioambientais e alguns temas geram incertezas se a ação de uma instituição isoladamente pode transformar uma realidade. Desta forma, no que tange uma atuação para a melhoria socioambiental, tornam interdependentes as instituições para uma atuação de maior impacto.

 

Diálogo e Protocolo da Prática

A metodologia de trabalho fundamentada no diálogo esteve presente tanto no pré-processo colaborativo da CIMEA-Suzano quanto no processo colaborativo. No momento de formação da comissão, todos os representantes das instituições foram envolvidos em um processo autoformativo ocorrido entre os meses de março e junho de 2011.

            O processo de autoformação se deu pela divisão de quatro grupos de trabalho (GTs) onde os participantes se dedicaram à socialização de experiências institucionais, à elaboração de um cardápio de ofertas e demandas do grupo; à criação de instrumentos legais de institucionalização da própria comissão; à construção do projeto político-pedagógico (PPP), definição dos marcos conceitual, situacional e operacional, incluindo o reconhecimento do município.

            Cada GT trabalhava ao mesmo tempo de forma autogerida e integrada e a sistematização das informações, que eram depois apresentadas e dialogadas em assembleia mensal. Deste processo formativo resultou o PPP, responsável pela definição do papel, da missão e das ações estratégicas da CIMEA-Suzano, o que conduziria as ações da comissão após sua institucionalização.

            No processo colaborativo a metodologia dialógica também serviu à etapa de consulta pública da política municipal de EA. A CIMEA-Suzano organizou uma mesa-redonda para iniciar o debate no município sobre a política e com as informações iniciais desenhou um documento prévio que seguiu para consulta pública em quatro encontros.

           

Confiança, Compromisso e Liderança

Cerca de 400 pessoas foram envolvidas nos encontros que formularam a política municipal de EA de Suzano. Os encontros ocorreram em escolas públicas e centros comunitários em quatro diferentes regiões do município, sendo alguns realizados no período noturno.

            O envolvimento da CIMEA-Suzano se fez notório na condução dos encontros pela disposição de trabalho em horário fora do convencional, pelo volume de trabalho que eventos desta natureza acarretam, entre outras circunstâncias. Nestes processos se estabeleceram novas lideranças que coordenaram as atividades, quase que simultaneamente. Os GTs se demonstraram autogeridos e empoderados e em conjunto alcançaram um bom resultado.

 

Entendimento, Resultados e Legitimidade

A informação socioambiental, o conceito de EA e de políticas públicas constituem por si só resultados importantes para a trajetória individual de cada instituição participante da CIMEA-Suzano, entretanto como resultado mais expressivo desta campanha de ações tem-se entrega do projeto de lei em 02 de julho de 2012 à Câmara de Vereadores de Suzano, que veio a aprovar a lei em 21 de novembro do mesmo ano.

            O sentimento de confiança coletiva foi estabelecido no grupo com a aprovação da lei, não se tratando de uma confiança entre os membros, mas uma confiança da ação conjunta que exerceram. Entretanto, em 2013 teve início uma nova gestão municipal, menos afeita a processos participativos e que desmobilizou a atuação da CIMEA-Suzano, assim como dos demais eixos da PMEA e SISMEA.

            Possivelmente esta desmobilização esteja associada à falta de uma liderança ligada à administração pública nesta nova administração, pois as instituições remanescentes da comissão não demonstraram força política para movimentar as engrenagens da prefeitura, e assim, renovarem o ciclo do processo colaborativo que já estiveram submetidos.

            Contudo, ocupando-se do período de análise proposto - o período de 2009 - 2012 - cabe ressaltar a legitimidade das ações que resultaram na aprovação da lei municipal de EA dentro de um contexto colaborativo.

           

 

Considerações Finais

 

Os processos participativos em políticas públicas tornaram-se um campo de interesse para o socioambientalismo, pois é também através de instrumentos políticos e de instituições públicas que se prolifera e fortalece as culturas de proteção do meio ambiente e de promoção da qualidade de vida. É com naturalidade, portanto, que se observa a EA tornar-se política pública.

            Políticas de EA constituem um importante instrumento para governos e sociedades que buscam a sustentabilidade, pois potencialmente, tanto podem ampliar a capacidade da sociedade em incidir sobre as políticas públicas, quanto podem gerar mudanças culturais profundas nos próprios gestores públicos. Como um sistema retroalimentado, sociedade e gestores públicos articulados por meio de suas instituições, promovem ações para a sustentabilidade calçadas no diálogo.

            Os quatro eixos do SISMEA de Suzano constituem quatro vias de retroalimentação entre a sociedade e governo. Cada eixo se liga a um conjunto amplo de atores do município: os órgãos da administração pública direta no eixo da CISEA, uma diversidade de órgãos e instituições no eixo CIMEA, a educação básica e fundamental no eixo Escolas e a comunidade geral no eixo Popular. Cada um destes atores são ao mesmo tempo transmissores e receptores de informações, e a partir deste fluxo de trocas se ligaram ao desenvolvimento de uma política pública municipal.

            Dentre estes eixos coube à CIMEA a responsabilidade de estruturar para o município uma política de educação ambiental provida de recursos institucionais, financeiros e humanos e dotada de estratégias e metas. Isto porque o SISMEA era ainda um esboço de uma política e para que pudesse acessar recursos e ser perenizado para outras gestões, necessitava de regulamentação. Mas por que este papel coube à CIMEA e não para outro eixo?

            Para se deflagrar um processo de desenvolvimento de uma política pública de EA à luz da PNEA, do ProNEA e do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global era imperativo envolver e articular a sociedade em uma medida em que os diferentes pontos de vistas, valores, saberes, preferências, desafios etc, pudessem ser conhecidos e abrangidos pelo diálogo. No conjunto dos eixos, a CIMEA e a EA Popular arrebanhavam a maior diversidade de atores, porém na CIMEA estava o grupo mais heterogêneo e de maior força política.

            O eixo EA Popular detinha a participação do cidadão como sujeito morador, trabalhador e estudante do município, e apesar de uma amplitude de situações que pode revestir estes sujeitos, este pode ser considerado um grupo homogêneo. Ao passo que a CIMEA detinha a participação de instituições que representam classes e interesses dos cidadãos, inclusive associações de moradores, escolas e empresas. A força política destas instituições tem mais peso na barganha, na sustentação dos diálogos, na defesa dos interesses.

            A apoiar a CIMEA na tarefa de desenvolvimento da política de EA tinha uma metodologia experimentada pelo próprio governo federal, provedor da política e do programa nacional de EA. Destacada como uma metodologia calçada no diálogo, cujo referencial teórico abrange a pedagogia de Paulo Freire e a educação popular de Carlos Rodrigues Brandão, também foi por esta análise, designada como um processo colaborativo de gestão.

            A matriz de governança colaborativa desenvolvida a partir dos modelos serviu para desdobrar e conhecer os processos colaborativos empregados pela CIMEA-Suzano na construção da PMEA e do SISMEA. A opção pela matriz ao invés da escolha de um dos modelos para basear a análise, sustenta-se pela possibilidade dada por ela de reunir os pontos de semelhança ou repetição existentes nos três modelos de governança colaborativos escolhidos. Desta forma pode-se realizar uma análise abrangente destes processos de uma forma mais rápida e contextualizada. Não foi objetivo desta pesquisa comparar os modelos, mas reconhecer os processos colaborativos na prática efetuada pela CIMEA.

            Os modelos de governança colaborativa significam uma reunião de parâmetros para o reconhecimento de situações colaborativas entre sociedade e governo na gestão pública. Evidentemente, não são parâmetros conclusivos ou determinantes, mas antes, são parâmetros de entendimento de uma base importante para o surgimento e manutenção da colaboração. Desta forma, é possível inferir que à medida que o relacionamento entre sociedade e governo na tomada de decisões se distancia dos parâmetros colocados pelos modelos, menos se reconhece uma situação colaborativa entre eles.

             Apesar dos pressupostos de colaboração estabelecidos pelos autores dos modelos, não há uma razão mínima definida que limite uma situação não colaborativa ou quase colaborativa. O que pode ser considerado positivo para uma argumentação de estímulo para a gestão pública se tonar colaborativa. Ao se observar processos e situações alinhadas aos pressupostos colocados, pode se considerar uma gestão que caminha para o sentido da colaboração. Enfatizado que os modelos se lançam para um circuito cíclico, onde as fases superadas alimentam de informações do que deu certo e do que deu errado para as fases porvir. Da mesma forma, as políticas a cada ciclo podem enriquecer seu caminho no sentido da colaboração.

            No caso da CIMEA-Suzano alguns processos colaborativos observados merecem discussão. Este é o caso da Definição de Objetivos e do Compartilhamento de Interesses, que segundo os modelos se constituem em passos importantes para se conhecer os objetivos institucionais que levaram às instituições à participação na comissão, e como seus interesses foram compartilhados entre os demais participantes.

            Ocorre que na CIMEA-Suzano o objetivo próprio dos participantes não foi colocado, mas sim dado a todos um objetivo único que era a construção da política, de forma que o compartilhamento dos interesses esteve subjugado a este objetivo comum. Neste caso a especificidade do tema da EA presente neste processo colaborativo molda o pressuposto do processo de governança colaborativa. Caso o tema fosse outra política concernente às instituições, por exemplo, resíduos sólidos, crimes ambientais, enfim, temas de relacionamento direto com as práxis ou possíveis intervenções nas instituições, seus objetivos próprios seriam colocados. O tema da EA não estava diretamente ligado às instituições, com exceção da Organização Bio-Bras e do REAPs.

            O tema da EA também interferiu nos pressupostos dos Conflitos pré-existentes e da Confiança mútua. Apesar da EA se dispor ao debate e incitar a participação pelo diálogo entre os diferentes pontos de vista, o objetivo de paz, solidariedade, sustentabilidade, felicidade entre outros bons objetivos moveu a participação das instituições. Quem se indisporia contra estes objetivos? Quem se indisporia contra aquele que defende estes objetivos? Possivelmente, no avançar do processo, no momento em que a CIMEA-Suzano se colocasse no diálogo com outras comissões, por exemplo, os conselhos de meio ambiente e educação alguns conflitos poderiam se iniciar e possivelmente influenciar em conflitos adormecidos ou silenciados.

            Sobre a liderança exercida na CIMEA-Suzano é importante destacar alguns pontos. O governo municipal se destacava pela abertura dada à participação popular, e neste período foram criados e fortalecidos vários conselhos, inclusive foi criada uma secretaria específica para coordenar a participação popular, portanto, era um momento oportuno para se criar uma comissão de EA. A liderança exercida na condução da SISMEA era também o exercício de um papel de gestora de uma política. Assim, gestora e liderança precisavam desempenhar na mesma pessoa os dois papéis, fato que não neutraliza o perfil de liderança e a experiência em EA e políticas públicas da diretora de gestão ambiental.

            No que tango o pressuposto do Entendimento colocado pelos autores, é interessante perceber que não se trata de uma apropriação técnica ampla e delimitada para que se admita a participação. Era sim necessária uma compreensão básica para que se pudesse caminhar a partir dela. Conforme o pressuposto teórico, contudo é necessário garantir e incentivar que o entendimento seja nivelado e aumentado, o que de fato a CIMEA-Suzano se ocupou em realizar com o processo autoformativo.

            Por fim, a conclusão deste trabalho permite vislumbrar a aproximação dos processos desenvolvidos pela CIMEA-Suzano com as diretrizes e os princípios postulados pelo ProNEA. A diretriz de Descentralização Espacial e Institucional é reconhecida na diversidade de espaços e suas respectivas instituições que se envolveram na atividade da comissão. A agenda de atividades e reuniões foi realizada nas sedes de muitas das instituições participantes da CIMEA-Suzano, ocasiões em que também estas instituições expunham ao grupo as ações socioambientais que desenvolviam internamente, sucedendo não apenas à informação, mas a troca de experiências.

            Quanto à diretriz de Democracia e Participação Social, esta foi meticulosamente alinhada à metodologia fundamentada no diálogo, no sentimento de pertencimento de comunidade e na afirmação de identidade. Os círculos de diálogos, criados sob a perspectiva da pedagogia de Paulo Freire, consolidavam a reflexão entre pessoas, entre instituições, entre governos, entre pessoas e governos, entre instituições e governos etc. O diálogo se pronunciava pela dialética do falar - ouvir - falar - ouvir para daí deflagrar um pensamento coletivo de como resolver as questões e empreender as ações. Justamente nesta dialética empregada se dava o atendimento ao princípio do Enfoque humanista, histórico, crítico, político, democrático, participativo, inclusivo, dialógico, cooperativo e emancipatório.

 

Referências

ANSELL, C; GASH, A. Collaborative Governance in Theory and Practice. Journal of Public Administration Research, v. 18, p. 543-571, 2007.

EMERSON, K; NABATCHI, T; BALOGH, S. An Integrative Framework for Collaborative Governance. Journal of Public Administration Research, n. 22, p. 1 – 19, 2012.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SUZANO. Educação Ambiental em Suzano: relato da construção da política e do sistema de educação ambiental do município. Suzano : 2012.

RAYMUNDO, M. H. A; SILVA, L. F. Processo participativo de formulação de política pública municipal de educação ambiental. In: RAYMUNDO, M. H. A; BRIANEZI, T;

SORRENTINO, M. Como construir políticas públicas de educação ambiental para sociedades sustentáveis? São Carlos : Diagrama Editorial, 2015, p. 40 - 47.

SELIN, S; CHAVEZ, D. Developing a Collaborative Model for Environmental Planning and Management. Environmental Management, v. 19, p. 189-195, 1995.



[1] Ansell e Gash (2007), Selin e Chavez (1995) e Emerson, Nabatchi e Balogh (2011).

 

Ilustrações: Silvana Santos