Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Relatos de Experiências
10/09/2018 (Nº 53) AMBIENTALIZAÇÃO CURRICULAR: O DESAFIO DA RELIGAÇÃO DE SABERES PARA O ENSINO SUPERIOR
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AMBIENTALIZAÇÃO CURRICULAR: O DESAFIO DA RELIGAÇÃO DE SABERES PARA O ENSINO SUPERIOR

 

Marina Patrício de Arruda¹ - UNIPLAC

Lucia Ceccato de Lima ² - UNIPLAC

Izabel Cristina Feijó de Andrade³ - UNIPLAC

Marilu Diez Lisboa4 - UNIPLAC

 

¹Dra em Serviço Social, pós-doutora em Educação(PUCRS), professora PPGE-UNIPLAC – marinh@terra.com.br

²Dra em Engenharia Ambiental pela UFSC; professora PPGE-UNIPLAC - ceccato@brturbo.com.br

³ Dra em Educação (PUCRS), Professora Colaboradora do PPGE-UNIPLAC, bolsista pos-doc (PNPD/Capes)andrade@technologist.com .

4 Dra em Psicologia Social, pos-doutora em Educação (UFSC), professora PPGE-UNIPLAC marilu@instserop.com.br

 

 

Resumo

 

O propósito desse artigo é abrir a discussão sobre Ambientalização Curricular para o ensino superior a partir de uma experiência iniciada em 2014 numa universidade comunitária situada no interior do estado de Santa Catarina. Compreender o significado do termo Ambientalização Curricular é o primeiro passo rumo às mudanças que estabelecem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. A experiência aqui apresentada teve como metodologia a realização de encontros com os coordenadores dos cursos de graduação da Universidade com o propósito de discutir a proposta de ambientalização curricular e sua implementação.  Um “projeto guarda-chuva” apresentou possibilidades de integração da Educação Ambiental(EA) aos cursos oferecidos na instituição.  A experiência ainda em curso já registra possibilidades tendo em vista as reais condições de mudança para contemplar um novo conhecimento pautado na religação de saberes disciplinares e reflexão capaz de seguir propondo a reforma o pensamento rumo a Universidade sustentável.

 

 

Palavras-chave: Ambientalização Curricular. Ensino Superior. Religação de Saberes Disciplinares.

 

 

INTRODUÇÃO

 

A intensificação de discussões acadêmicas sobre a necessidade de se prestigiar as abordagens que considerem o pensamento complexo, o caos organizador, o poder delineador dos acontecimentos, as diferentes realidades, as incertezas e provisoriedades, com ênfase a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, religação dos saberes para tornar o conhecimento mais humano e menos excludente. Para tanto, a universidade marcada pela simplificação, linearidade, fragmentação, determinismos, precisa assumir o desafio de rever seu modo de pensar, de sentir, de significar e de agir para a formação de sujeitos de inteireza.

Como alerta Morin, estamos diante dos problemas complexos que as sociedades contemporâneas criaram e apenas estudos de caráter inter-poli-transdisciplinares poderiam nos orientar nas análises de tais complexidades: "Afinal, de que serviriam todos os saberes parciais senão para formar uma configuração que responda a nossas expectativas, nossos desejos, nossas interrogações cognitivas?” (2003, p.16).

De certo modo, as intervenções humanas ainda ignoram a profundidade das variações ecológicas que produzem. Desse modo, a questão da educação socioambiental surge como uma ação estratégica capaz de “reformar o pensamento” das pessoas para o cuidado com a natureza. Convém destacar que a crise ambiental compreendida como uma crise civilizatória e da racionalidade instrumental (LEFF, 2001) segue espalhando seus efeitos sobre o ambiente natural, em relação à preservação da vida e da biodiversidade, ameaçadas pelo modelo capitalista de produção, consumo e descarte. Nesse contexto, a universidade como instituição promotora e formadora de professores, é chamada a assumir seu papel e responsabilidade na consolidação dessa nova proposição paradigmática e socioambiental (SILVA et. al., 2010).

Há pouco tempo entrou em vigor a Resolução de Nº 2/2012 do Conselho Nacional de Educação (CNEA Conselho Pleno) estabelecendo Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental (EA). Essas Diretrizes determinam que os sistemas de ensino devem promover as condições para que suas instituições educacionais constituam:

 

(...) espaços educadores sustentáveis, com a intencionalidade de educar para a sustentabilidade socioambiental de suas comunidades, integrando currículos, gestão e edificações, em relação equilibrada com o meio ambiente e tornando-se referência para seu território (BRASIL, CNE, 2012, p. 7).

 

Mas como garantir a incorporação de conhecimentos concernentes à Educação Ambiental nos currículos da graduação se os educadores ainda não se encontram preparados para esse desafio?  O que se sabe é que as atividades de EA não poderão ser superficiais e o professor deverá provocar debates sobre aspectos distintos como inclusão social, ética, economia, respeito em torno do cuidado com o meio ambiente.  Para que isso aconteça, recomenda-se que no planejamento e na gestão sejam considerados os saberes e os valores da sustentabilidade, a diversidade de manifestações da vida, os princípios e os objetivos estabelecidos nas Políticas Educacionais.

Comprometida com essa determinação uma Universidade da serra catarinense propôs o Programa Permanente Institucional de Educação Ambiental na Graduação/ PPIEAG como estratégia transversal, integrando ensino, pesquisa e extensão, propondo atividades educativas voltadas à Educação Ambiental. Estas atividades ficariam a cargo dos professores da graduação, sob a coordenação dos cursos de mestrado da referida Universidade.

O programa em questão se justifica por fortalecer dois grupos de pesquisa: Grupo de Pesquisa e Estudos em Educação, Saúde e Qualidade de Vida (GEPESVida), comprometido com a melhoria da qualidade das produções e o avanço do conhecimento em áreas interdisciplinares de fundamental importância como Saúde e Educação. E Grupo Estadual de Estudos e Pesquisas em Educação, Saúde e Ambiente: Áreas de Abrangência do Aquífero Guarani (GEPESA), que problematiza as relações do ser humano com o ambiente, tendo como espaço mediador a educação ambiental com vistas à qualidade de vida das populações.

As discussões que fundamentam os grupos de pesquisa acima destacados estão, portanto, em consonância com as diretrizes estabelecidas no Plano de Pesquisa para o período 2012-2018 e atende ao Parecer da Câmara de Ensino, do Conselho Universitário – CONSUNI, aprovado dia 1º de novembro de 2013, que determina a inclusão da Educação Ambiental, nos cursos de graduação (Resolução nº 115).

Esse Programa apresenta aspectos inéditos por discutir temas inovadores e possibilitar a discussão sobre ambientalização curricular para o ensino superior. De acordo com a gestão da Política Nacional de Educação Ambiental é preciso promover a articulação das ações educativas voltadas à atividades de proteção, recuperação e melhoria socioambiental potencializando a função da educação para as mudanças culturais e sociais relacionadas à educação ambiental. O diálogo da dimensão ambiental nas matrizes curriculares dos cursos de graduação é uma demanda originada tanto pela crescente crise socioambiental vivenciada atualmente, quanto pela necessidade de desenvolver atitudes de educação ambiental (EA) pautada na Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA .

Por meio dessa política institui-se um diálogo no sentido de criar possibilidades e condições para que se instale no processo permanente de educação no ensino superior uma mudança de atitude, mesmo sabendo que isso exigirá o esforço de uma reforma de pensamento (MORIN, 2010) ainda sem precedentes nos processos de formação. Assim, buscamos construir um processo de ambientalização dos currículos de graduação levando em consideração os elementos que subsidiam uma reflexão sobre as dificuldades da inserção efetiva da EA por meio de ações e práticas bem estruturadas e consolidadas para que a integração ambiental ocorra.

Para tentar essa integração alguns professores assumiram o PPIEAG buscando problematizar a reaproximação entre a cultura humanista e cultura científica, revalorizar as qualidades e realidades do ser humano e da natureza, refletir em torno dos termos como inter/transdisciplinaridade, holismo, pensamento sistêmico, pensamento complexo, entre outros.

 

O QUE SIGNIFICA AMBIENTALIZAÇÃO CURRICULAR?

 

A ambientalização curricular está atrelada a um processo de inovação que exige mudanças de atitudes e reforma de pensamento nas quais estejam presentes nas matrizes curriculares integrando temas socioambientais aos seus conteúdos e práticas. Para Oliveira & Freitas (2004, p. 20) “os aspectos conceituais, procedimentais, atitudinais, políticos, cognitivos, afetivos e valorativos estão correlacionados com à temática ambiental”. Vivemos um tempo de incertezas e suspeitas que apontam para a necessidade de revisão de conceitos que promovem a exclusão e fragmentação do conhecimento, método científico, etc.

Essa necessidade de integração nos leva a refletir principalmente sobre educação integral na, pela e com a ambientalização curricular para transcender as disciplinas bem marcadas e presentes nas matrizes curriculares dos cursos de graduação para então incluir a ambientalização e suas dimensões: didática (conteúdos e metodologias), experiencial (educação permanente socioambiental) e existencial (atitudes conscientes) da educação dos sujeitos.

A reforma do pensamento[1] tão destacada por Morin (2003) aponta para a busca de estratégias de mudança de nossa própria prática pedagógica. Essa mudança, conforme Behrens (2008) depende do entendimento que os educadores têm do paradigma da complexidade porque nosso contexto de mudanças intensas requer um sujeito interrogante e um pensamento cada vez mais complexo para promover a compreensão da multiplicidade e da diversidade.

Em sendo a educação é um fato eminentemente histórico, suas modificações vão aparecendo na proporção em que os modelos adotados se revelam inadequados para satisfazer as necessidades emergentes. Esse é o ponto de partida para uma reflexão que considera; “Uma educação só pode ser viável se for uma educação integral do ser humano. Uma educação que se dirige à totalidade aberta do ser humano e não apenas a um de seus componentes” (WERTHEIN, 2000, p.11). O processo educacional faz parte do processo sociocultural e por isso não pode ser visto de forma isolada “o homem depende, para sua evolução, tanto cultural, quanto biológica, da educação sociocultural e de um meio “complexificado” pela cultura” (MORIN, 1973, p. 79).

A ciência e a tecnologia avançaram trazendo implicações fundamentais para a vida humana. O século XXI manifesta um contexto de mudanças intensas e requer um sujeito interrogante e crítico, um pensamento complexo capaz de promover a compreensão da multiplicidade e da diversidade: “temos o sentimento de que algo envelheceu irremediavelmente nos métodos que conheceram o sucesso, mas que hoje não podem mais responder ao desafio global – diversificado, multiplicado – da complexidade” (MORIN, 2003, p.7). Assim, nosso desafio está em “discutir sem dividir”. Pensar a complexidade é respeitar a tessitura comum, o pensamento complexo, o fenômeno de transdisciplinaridade conforme defende também Basarab Nicolescu (2000), por exigir a ampliação da consciência e mudança de atitude ambiental.

Nesse sentido, a ambientalização curricular precisa estar alicerçada pela discussão currículo, gestão e espaço físico e pelas dimensões didática, experiencial e existencial.

 

(...) o compromisso das orientações curriculares com a problemática ambiental no sentido de criar condições para que ela se instale como processo intencional e permanente no ensino superior é, ainda, frágil e parece demorar em se efetivar. No entanto, compreender o porquê disto não tem se mostrado tarefa trivial. (ROSALEM; BAROLLI, 2010, p. 27).

 

Conforme autores supra citados, a ambientalização curricular pode ser entendida como “[...] um processo de inovação que realiza mudanças no currículo através de intervenções que visam integrar temas socioambientais aos seus conteúdos e práticas” (KITZMANN; ASMUS, 2012, p. 270).  Ambientalização curricular surge para institucionalizar a educação ambiental (EA) no ensino superior. A inclusão da dimensão ambiental nas novas propostas curriculares segundo Zuin (2007) e Freitas et al.(2007) deriva de estudos, iniciados principalmente após a constituição da Rede de Ambientalização Curricular do Ensino Superior (ACES), formada por pesquisadores de onze universidades, de sete países da América Latina e Europa, no âmbito da qual foi desenvolvido o projeto intitulado Programa de Ambientalización Curricular de los Estudios Superiores: diseño de intervenciones y análisis del proceso (AMORIM et al., 2003; FREITAS et al., 2003 e 2004; CARVALHO et al., 2003; OLIVEIRA et al., 2004; ACES, 2009). No Brasil, as instituições partícipes da Rede ACES foram, além da Universidade Federal de São Carlos, a Universidade Estadual Paulista (UNESP – Campus Rio Claro) e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Nesse caminho, segue nossa Universidade rumo à necessidade de mudança paradigmática alentada por diferentes pesquisadores contemporâneos. Vasconcelos (2012) sugere o “Pensamento Sistêmico” como o novo paradigma da ciência se referindo a uma visão de mundo que contempla as três dimensões “complexidade, instabilidade e intersubjetividade”. Fritjof Capra(1996) fala de um novo paradigma ao discutir a ecologia profunda considerando que a ecologia rasa “é antropocêntrica (...) e vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza (...) a ecologia profunda não separa seres humanos – ou qualquer outra coisa – do meio ambiente natural”( pp. 25-26). Nela os fenômenos estão profundamente interconectados, acrescentando ainda que a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual e religiosa.

Para fugir ao paradigma antropocêntrico, o desafio dos professores do ensino superior está em trabalhar a EA considerando que os estudantes além da formação acadêmica pautada em conhecimentos específicos de cada área do conhecimento, de caráter técnico, necessitam também de discussões que integrem questão  ambiental e  sua estreita relação  com  a vida da  sociedade do século XXI. O que se busca hoje é a incorporação  de  valores  e  atitudes  aos  conhecimentos  sobre  processos  ambientais para que se constitua a definição de uma relação de equilíbrio dos indivíduos com o ambiente em que vivem (TOZZONI-REIS, 2008, p. 43).

Entretanto a implementação da ambientalização curricular se torna mais complexa se considerarmos a formação docente e a necessidade de criação de espaços que ampliem essa discussão e experimentação de estratégias didáticas que fortaleçam a compreensão dos envolvidos no processo institucional de mudança. Para além da condições teóricas para a internalização de um saber ambiental(LEFF, 2002), a instituição precisa assumir o compromisso de ambientalizar-se como um todo.

 

COMO PROMOVER A AMBIENTALIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR?

 

A ambientalização curricular sem perder de vista uma sociedade sustentável cujas relações sejam baseadas no respeito a todas as formas de vida? O desafio está na transformação da ação humana que inclui as dimensões individual, comportamental, cultural, social e espiritual. A educação de sociedades mais justas e ecologicamente equilibradas, que conservem entre si, as relações de interdependência e diversidade num movimento holográfico de partes e todo.

Vários trabalhos sobre Ambientalização da Universidade têm sido publicados destacando que essa ideia não se restringe ao âmbito de um processo de mudanças nos professores e nos currículos das disciplinas, mas incluem um re-dimensionar das questões ambientais para além desses dois universos” (SILVA, MARCOMIN, 2007, p. 15), porque  abrange a participação de toda a comunidade acadêmica envolvida no tripé ensino, pesquisa e extensão. Os autores destacam a necessidade de uma relação essencial entre teoria e prática em sala de aula por  possibilitar ações educativas participativas.

De qualquer forma, convém destacar que essa mudança requer a responsabilidade individual e coletiva, em nível global e local, para que possa gerar a importante reforma de pensamento(MORIN,2000) de que educa e de quem está sendo educado.  Convém então a reflexão sobre uma educação continuada para os educadores do Ensino Superior:

 

As IES (Instituições de Ensino Superior) representam importantes espaços sociais para reflexão, educação e difusão de novas concepções de desenvolvimento e sustentabilidade, participando numa perspectiva mais ampla do estabelecimento de sociedades mais justas, solidárias e ambientalmente saudáveis. Além disso, ao ter como foco a educação profissional e a educação de educadores e professores (...). Nesse sentido, a EA nos currículos e práticas universitárias possui um sentido estratégico na ambientalização do ensino e da sociedade. (OLIVEIRA et al, 2008, p.95).

 

Para tratarmos do tema da ambientalização curricular é preciso antes explicitar nosso entendimento sobre currículo, diferença entre Reforma de Pensamento e Inovação nas Atitudes.

Currículo é um termo polissêmico, de dimensão global e inter/transdisciplinar, que agrupa uma variedade de práticas processuais e envolve “todas as atividades compreendidas no planejamento pedagógico, incluindo a execução e a avaliação de um trabalho” (ANTUNES, 2008, p. 100). Complementando temos Sacristán, que a firma que o currículo é como uma “confluência de práticas” (SACRISTÁN, 1998, p. 102), desenvolvidas “através de múltiplos processos e na qual se entrecruzam diversos subsistemas ou práticas” e conceitos diferentes que se articulam. Como prática, todos os que participam dela estão se constituindo como cidadãos planetários, numa biosfera onde a vida se manifesta de forma sustentável e integral. Assim, todos mantêm um diálogo com os conceitos relacionados ao tema Ambientalização Curricular. Dentre eles destacamos:

Biosfera que é o espaço que possibilita a manifestação da vida, de forma sistêmica, na terra.

Ambiente que é o espaço das relações entre a sociedade humana e a natureza em suas diversas dimensões.

Cidadania Planetária que é o sentimento de comprometimento consciente para e com o ambiente.

Desenvolvimento Sustentável como a capacidade de não comprometer o potencial do ambiente respeitando as gerações atuais e futuras numa perspectiva solidária, cooperativa e sustentável.

Saúde Integral que se apresenta como o equilíbrio nas dimensões eco-psico-social, espiritual do ser humano no planeta.

Espiritualidade que é a essência do Ser que se manifesta em todas as dimensões.

Transdisciplinaridade que se configura como a atitude que possibilita o trânsito pelos diversos saberes.

Esses conceitos nos levam a pensar a Reforma de pensamento como possibilidade reflexiva, de autoeducação de educadores.  Nessa mudança de atitude o processo pode incluir a reforma do pensamento clássico ambiental por um “pensamento complexo capaz de ligar, contextualizar e globalizar.” (MORIN, 2000b, p. 13). Cada pessoa, pode experimentar seu próprio potencial de criatividade, independência, autossuficiência, flexibilidade, responsabilidade, dialogicidade, amorosidade e, consequentemente, produtividade sustentável.

Como Inovação nas Atitudes, buscamos Carbonell (2002, p. 19) por afirmar que há diferenças entre inovação e reforma, tendo em vista a magnitude da mudança pretendida. Assim, inovação se localiza nas IES (a nossa microescala) e a reforma diz respeito ao conjunto da estrutura do sistema formativo, também movida por imperativos econômicos e sociais gerais (a nossa macroescala).

A dificuldade ao se fazer reformas está explicitada nos dizeres de Morin (2002, p 12); “não se pode reformar a instituição sem a prévia reforma das mentes, mas não se podem reformar as mentes se uma prévia reforma das instituições”. Essa reforma micro e macro, que se excluem e complementam ao mesmo tempo, poder permitir experiências de Ambientalização Curricular no sentido da inter/transdisciplinaridade, desde que estejamos atentos aos desafios emergentes e aos valores sociais de sustentabilidade planetária que se configuram em nossas ações práticas. Por Maturana, aprendemos que enquanto participamos de conversações as “palavras constituem encontros que desencadeiam mudanças estruturais em nós e mudam nossa fisiologia” (MATURANA, 2001, p.96). Nós humanos somos seres linguajantes, no fluir entrelaçado de linguajar e emocionar constituimos o nosso fazer para consolidar o nosso saber em ambientalização curricular.

            Numa tentativa de aproximação dessa questão, professores dos cursos de mestrado dessa instituição buscaram condições mínimas (como infraestrutura, espaços reflexivos, educadores interessados) para implementarmos os primeiros passos pela reforma institucional acompanhada pela reforma de pensamento e de inovações de atitudes. Com Maturana inciamos a experiência de Ambientalização dos cursos de graduação.

 

A EXPERIÊNCIA RUMO A AMBIENTALIZAÇÃO CURRICULAR - PRIMEIRAS REFLEXÕES

 

Considerando que a ambientalização no ensino superior começa pela renovação de paradigmas, pressupostos epistemológicos e metodológicos demos início à tarefa de promoção dessa conscientização por meio de encontros com os professores coordenadores de cursos de graduação.

Num primeiro momento, tivemos dois encontros com o propósito de apresentar a idéia de ambientalização curricular, diretrizes e encaminhamentos necessários à mudança. Nesse encontro  apresentamos  o que denominamos de “projeto guarda-chuva” e possibilidades de integração da EA para os cursos oferecidos na instituição.

Mais de vinte professores coordenadores de cursos ouviram em silêncio a proposta do PROGRAMA PERMANENTE E INSTITUCIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA GRADUAÇÃO (PPIEAG), mas pouco interagiram. Considerando que o processo de ambientalização da universidade requer um repensar da própria estrutura universitária (universidade como sistema e não apenas como estrutura),não pudemos estranhar a postura de cautela dos colegas. Já sabíamos de antemão, que o desenvolvimento das instituições de Ensino Superior ainda carece, de uma visão de gestão aglutinadora para transpor, tanto técnica como operacionalmente, os desafios que se apresentam à concretização desse processo de “ambientalizar” (MARCOMIN, e SILVA, 2009, p. 108). As considerações e revisões conceituais apresentadas aos professores visavam, naquele momento,  contribuir estrategicamente na construção de perspectivas de inserção da dimensão ambiental nos cursos de graduação. Entretanto os professores se mantiveram passivos como quem aguardassem novas problematizações acerca de um conteúdo ainda desconhecido.

No segundo encontro, os professores responsáveis pelo PPIEAG tentaram avançar  no sentido de mostrar que existe um certo distanciamento entre o que está explicitado nos documentos e o que está sendo praticado dentro das Universidades. Em muitos projetos  escolares, a Educação Ambiental não passa de atividades sobre a dinâmica da reciclagem de lixo, de papel, de plástico, etc. A Educação Ambiental precisa ser entendida como uma importante aliada do currículo escolar na busca de um conhecimento integrado que supere a fragmentação, por isso a tônica dos encontros se pautava na discussão sobre a importância da religação de saberes para a construção desse novo conhecimento. Assim, o objetivo desse encontro foi discutir ideias para a elaboração de mini projetos de extensão voltados à Educação Ambiental.

Mas como elaborar projetos que contemplem a complexidade e urgência dos problemas ambientais? Como trabalhar a partir da metodologia da interdisciplinaridade e entender a educação ambiental como suporte para o desenvolvimento de projetos? Como mostrar com clareza as interdependências econômicas, políticas e ecológicas do mundo moderno, no qual as decisões e comportamentos de todos os países podem ter consequências de alcance internacional?

Nesse momento, observamos a emergência de algumas possibilidades pois já existiam extensões em curso, por outro lado, observamos resistências, dificuldades relativas ao tempo necessário à formulação de tais projetos considerando que nem todos os professores dispunham de horas suficientes para essa construção. Essas ponderações nos fez refletir sobre as reais condições da ambientalização curricular nos cursos de graduação, contexto particular de atuação profissional que necessita também de ser problematizada. A partir de então nossa intervenção se deu por meios eletrônicos. Emails foram enviados para cada coordenador propondo um modelo integrativo de projetos e estipulando uma data limite para a entrega dos mesmos.  Coordenadores de duas importantes áreas: história e geografia foram os primeiros a interagir indicando suas propostas.  Passado um mes, realizamos mais uma reunião geral para apresentar as propostas para novos projetos e percebemos que havia um sentimento partilhado de interesse que sinalizava a possibilidade de outras áreas também se agregarem ao projeto guarda-chuva outros mini projetos de extensão relativos a EA.

A resistência inicial observada é própria ao desconhecimento de uma proposta relativamente recente que carece de outras aproximações e discussões. Conceitos, como abordagem sistêmica,  pensamento complexo, visão holística, inter/transdisciplinaridade que constituem e circundam o conceito de Educação Ambiental necessitam de tempo para serem incorporados à prática. 

            Vale frisar que o processo de ambientalização curricular não se resume à gestão ambiental ou à responsabilidade social de gestores e coordenadores. Trata-se de uma mudança de atitude. A ambientalização curricular somente se efetivará com o compromisso de toda a comunidade universitária.  É por meio da parceria entre os coordenadores, disciplinas e IES que podemos dar continuidade a discussão sobre a temática da sustentabilidade. Há também a necessidade de fortalecermos os grupos de pesquisa para o desenvolvimento de estudos mais contundentes sobre o tema. Nesse sentido, grupos de estudo e pesquisa da referida Universidade investindo na perspectiva de levar a Educação Ambiental para os Cursos de graduação, passaram a integrar o projeto de pesquisa AMBIENTALIZAÇÃO E SUSTENTABILIDADE NA EDUCAÇÃO  SUPERIOR: SUBSÍDIOS ÀS POLÍTICAS INSTITUCIONAIS EM  SANTA CATARINA , aprovado em CHAMADA PÚBLICA FAPESC Nº 01/2014 - PROGRAMA  UNIVERSAL. O objetivo geral da pesquisa é contribuir com as Políticas de ambientalização e sustentabilidade na Educação Superior em Santa Catarina, identificando indícios, elaborando subsídios e estratégias aplicáveis ao ensino, pesquisa, extensão e gestão ambiental nas Instituições de Educação Superior (IES). A pesquisa será desenvolvida de forma concomitante por equipes de pesquisadores (as) de oito Instituições de Educação Superior (IES), uma pública e sete comunitárias, localizadas em cinco mesorregiões de Santa Catarina.

Assim, o processo de ambientalização curricular já teve seu início tendo como desafio sensibilizar reitores, docentes, discentes e funcionários envolvendo-os rede sistêmica de atitudes de inovação.  A ambientalização curricular implicará em ações pontuais e sistemáticas por meio de projetos sustentáveis e uma educação integral capaz de contemplar um novo conhecimento cujos valores, religação de saberes disciplinares e reflexão sobre a complexidade seja capaz de reforma o pensamento de todos rumo a Universidade sustentável.

 

REFERÊNCIAS

 

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______. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2002.

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VASCONCELLOS, Maria J. E. de. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas: Papirus, 2002.

 



[1] No livro A Cabeça Bem Feita, Morin (2003) explica que há uma inadequação cada vez mais ampla e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados e as realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares. Destaca que a hiperespecialização impede de ver o global pois fragmenta e parcela o conhecimento em disciplinas.

Ilustrações: Silvana Santos