Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
07/12/2014 (Nº 50) É LEI HÁ DÉCADAS
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É lei há décadas

Embora no país a educação para o desenvolvimento sustentável seja prevista na legislação, ela parece nunca ter saído do papel. Atitudes dos brasileiros confirmam um cotidiano de desrespeito ao ambiente, muito distante das exigências regulamentadas.

Por: Vera Rita da Costa

Publicado em 03/12/2014 | Atualizado em 03/12/2014

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Apenas informação não é suficiente para mudar atitudes e comportamentos. Se fosse, resolveríamos quase prontamente a questão ambiental e, com ela, outros tantos problemas. (foto: Nanda Melonio/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)

Recebo pela rede social o comentário de um leitor da matéria publicada aqui na semana passada ('Educação ambiental: onde falhamos?') de que não mais deveríamos falar em educação ambiental, mas sim em ‘educação para a sustentabilidade’. Também recebo a informação de que a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) solicitou que a educação para o desenvolvimento sustentável faça parte da agenda de compromissos globais da Organização das Nações Unidas (ONU) para o período 2015-2030. 

Antes de qualquer coisa, apresso-me a pesquisar o que a Unesco propõe como educação para o desenvolvimento sustentável, pois lembro-me de já em 1992, quando da realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (a Rio 92), e mais tarde, em 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (a Rio+20), ter visto esse tema em pauta. 

Lembro-me, também, de ter lido notícias na imprensa dando conta de que, já naqueles dois momentos, nosso país era uma referência no assunto, com nossos representantes relatando experiências nacionais de inclusão da então chamada educação ambiental nos currículos escolares e defendendo que o mesmo fosse recomendado ao mundo todo.

A educação ambiental em nosso país é mais do que uma mera proposta, é lei

Na minha memória, portanto, a existência da educação para a sustentabilidade, para o desenvolvimento sustentável ou para a educação ambiental (sendo um pouco mais antiquada), tanto na esfera nacional quanto na global, já era um fato. Mas sempre é bom checar – e, ao fazer isso, constato que a educação ambiental em nosso país é mais do que uma mera proposta. 

Educação ambiental no Brasil é lei. Está determinada na Constituição Federal de 1988 e prevista nas leis que definem a Política Nacional de Meio Ambiente (1981), as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e a Política Nacional de Educação Ambiental (1999). Além disso, encontra-se regulamentada por decreto específico que institui, inclusive, uma Política Nacional de Educação Ambiental (2002), cuja implementação no sistema nacional de ensino encontra-se estabelecida pela resolução do MEC que estabelece as Diretrizes Curriculares para a Educação Ambiental (2012).

Meras promessas

Ou seja, não há dúvidas de que a educação ambiental ou para a sustentabilidade é um fato, e é valorizada no Brasil. No entanto, a impressão que se tem quando se analisam as atitudes das pessoas na prática, como a de um domingo passado na praia ou em um parque, como citado na matéria mencionada antes, é que isso se dá apenas na lei ou, como se diz popularmente, no papel.

Ainda estamos distantes de ver o que é proposto por organizações como a ONU efetivado no dia a dia

O mesmo se passa em relação à ONU e à Unesco e às suas deliberações e recomendações. O histórico dessas organizações em relação à educação ambiental e para o desenvolvimento sustentável é longo, para não dizer longuíssimo. Mas ainda estamos distantes de ver o que é proposto por essas organizações efetivado no dia a dia. Por ora, isto também se apresenta, de modo geral, em ‘teoria’ ou como ‘belas promessas’, que todos gostariam de ver cumpridas, mas não o são.

Em 2002, por exemplo, a Assembleia Geral das Nações Unidas já reconhecia o papel central do preparo da população e definia, entre suas estratégias, o período de 2005-2014 como a ‘Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável’. 

“Após vivermos durante séculos sem nos preocupar com o esgotamento dos recursos naturais do planeta, temos que aprender, agora, a viver de forma sustentável. E a maior parte desse desafio é estimular mudanças de atitude e comportamento na sociedade mundial, uma vez que nossas capacidades intelectuais, morais e culturais impõem responsabilidades para com todos os seres vivos e para com a natureza como um todo”, afirmava-se naquela oportunidade no documento de apresentação da iniciativa.

Repare: o ‘agora’ da citação anterior, refere-se a 12 anos atrás. E, de lá para cá, cabe perguntar: o que aconteceu na prática?

Muito aquém do necessário

Embora nos encontremos no limiar da década que deveria, como proposto pela ONU, ter promovido mudanças de atitudes e comportamentos a respeito de nosso relacionamento com “a natureza como um todo”, constatamos que essas mudanças não são tão significativas como se esperava. Ou, pelo menos, que para sua efetivação têm sido encontradas enormes dificuldades, de maneira que o ritmo com que elas de fato ocorrem é muito mais lento do que o desejável e necessário.

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Estamos no limiar da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável proposta pela ONU, mas as mudanças de atitudes e comportamentos para com a natureza estão longe de ser significativas. (foto: Senado Federal/ Flickr – CC BY 2.0)

A própria Unesco, em sua Conferência Mundial sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável, realizada no mês passado, em Nagoia, Japão, reconhece indiretamente esse atraso, quando no documento final do encontro (conhecido como aDeclaração de Nagoia) faz um apelo para que a educação para o desenvolvimento sustentável se torne efetivamente ação, passando a ser incluída pela ONU na agenda de compromissos de seus países integrantes, no período 2015-2030.

Além disso, como reconheceram os participantes da Conferência de Nagoia em sua declaração final, também é necessário rever os propósitos e valores que sustentam a educação em sustentabilidade, avaliando o que está sendo oferecido e até que ponto as políticas de educação e os currículos estão, de fato, alcançando os objetivos pretendidos.

Do papel para a ação

Embora reconheçam e até comemorem alguns avanços obtidos na educação para o desenvolvimento sustentável (como a maior inclusão do tema nas agendas nacionais e internacionais e a melhor compreensão conceitual sobre ele), os especialistas e representantes políticos presentes em Nagoia também estão preocupados com que a ‘educação para a sustentabilidade’ realmente saia do papel. Ou, como expresso no documento síntese do encontro, com que as políticas traçadas realmente se traduzam em ações.

Voltando, portanto, à questão sobre onde estamos errando quando se trata de educação ambiental, vale realmente refletir. É de se discutir se estamos incluindo a educação para o desenvolvimento sustentável em nossas escolas de forma precária ou até de forma errada, sendo, assim, ineficiente. 

É de se discutir se estamos incluindo a educação para o desenvolvimento sustentável em nossas escolas de forma precária ou até de forma errada, sendo, assim, ineficiente

Embora prevista e assegurada legalmente, a educação ambiental pode, por exemplo, estar sendo apresentada em nossas escolas apenas em atividades esporádicas, em um discurso fragmentado, sem um contexto desejável ou mesmo sem uma formalização mínima necessária para que seja incorporada significativamente pelos alunos. 

Outra possibilidade é que estejamos tentando enquadrá-la demais em um modelo tradicional de ensino, focado quase que exclusivamente na transmissão-aquisição automatizada de informações – e, piorando essa situação, insistindo sobre as mesmas temáticas (como ‘água’, ‘reciclagem e ‘lixo’), que acabam por se tornar recorrentes e banais, sem que de fato façam sentido e se tornem significativas para os alunos.

Como é sabido por quem trabalha em educação, apenas informação não é suficiente para mudar atitudes e comportamentos. Se fosse, resolveríamos quase prontamente a questão ambiental e com ela outros tantos problemas, como o uso de drogas ilegais (e do abuso das drogas legais) ou, ainda, a gravidez precoce, só para ficar em dois exemplos muito presentes atualmente em nossas salas de aula.

O fato é que precisamos urgentemente avaliar nossa educação – seja ela ambiental ou para o desenvolvimento sustentável. Porque, mesmo estando contemplada pela lei, incluída em nossos currículos e presente em nossas salas de aula, continuamos, de modo geral, desperdiçando água e deixando lixo por onde passamos. 

 

Vera Rita da Costa
Ciência Hoje/ SP

Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/12/e-lei-ha-decadas

 

Ilustrações: Silvana Santos