Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Sementes
07/12/2014 (Nº 50) A PÉ ONDE A NATUREZA ACONTECE
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A PÉ ONDE A NATUREZA ACONTECE

 

José André Verneck Monteiro

Mestrando em Práticas em Desenvolvimento Sustentável

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

http://lattes.cnpq.br/3632798164833445

Email: educativo@live.com

 

 

RESUMO

 

Ensaio sobre a inserção do ecoturismo no projeto político pedagógico, com elenco de aspectos a considerar durante a organização e realização de estudos do meio com a rede de estudantes. Elaborado a convite de Berenice Gehlen Adams para a seção Sementes, na 50ª edição da Revista Educação Ambiental em Ação, cujo tema “Educação Ambiental é participação” pautou os trabalhos, também inspirados pela expressão de Declev Reynier Dib-Ferreira “Educar ambientalmente é educar para a participação, para a luta, para a política, para a mudança” (2011).

 

 

IMPACTO ANTRÓPICO POSITIVO

 

 

“Ecoturismo é um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas”. Ministério do Turismo do Brasil (2014).

Conceber e empreender no projeto político pedagógico uma série de expedições ecoturísticas amplia as possibilidades para pesquisa e prática da educação ambiental, transversalmente, em ambas as disciplinas.

Inevitavelmente, deixamos rastro - visível ou não - por onde passamos durante a nossa jornada. A cada vez que optamos e tomamos alguma decisão, influenciamos no desenvolvimento de alguma população e de algum lugar, por vezes bem distante de onde a decisão foi tomada e a opção posta em prática.

Assim, até passear pode vir a ser um ato político. Portanto estimar o impacto ocasionado pela jornada ecoturística de grupos estudantis torna possível aperfeiçoar o uso dos recursos, de modo a se reduzir a pegada ecológica de ida, permanência e retorno dos grupos viajantes.

Este é sempre um desafio trazido à comissão organizadora dos estudos do meio, para se ampliar o uso didático do próprio planejamento da viagem com o grupo, bem como para conservar as condições de habitabilidade e sustentabilidade dos destinos ecoturísticos. A prática do ecoturismo deve ser proveitosa para os grupos, simultaneamente para as pessoas e localidades anfitriãs.

Há diversos modelos consagrados de boas práticas em ecoturismo. São exemplos de ambientes conservados, beneficiados, e não prejudicados pela gestão de pessoas e empresas que aprenderam juntos, como oferecer sistemas de atendimento por pessoas motivadas e estrutura ideal para o ecoturismo.

No sentido inverso, ainda se observa ampla divulgação sobre atrativos ecoturísticos inaptos, em funcionamento. Por aí se encontra notória falta de zelo e cuidado, por gente que tem o ambiente como lugar de trabalho e fonte de sustento familiar.

Já se tem notícias bastantes desde propaganda enganosa, comida deteriorada servida em restaurante, ecoresort onde se queima lixo e desfloresta sorrateiramente, até os memoráveis passeios em barco furado.

Como em todos os outros segmentos do mercado turístico há empresas idôneas, e outras não. 

A cada temporada se registram inúmeras queixas por turistas: por haverem sido tratados à deriva por pseudoguias e por se sentirem lesados ao participar de passeios adquiridos em agências de turismo informais, cujo único registro é o do telefone móvel impresso em folhetos, apregoados às dúzias pelas ruas.

Felizmente, há também notáveis elogios.

Empresarialmente, oferecer ecoturismo prescinde pesquisa e prática, para operar no ecossistema, junto a pessoas, com qualidade, segurança e valorização do capital socioambiental, para além do financeiro.

 

A escolha é sempre do ecoturista.

 

TRAÇAR O MAPA DO ESTUDO DO MEIO

 

O que se apresenta adiante são algumas perguntas e sugestões simples, adaptáveis à construção do mapa de cada estudo do meio, por sua comissão organizadora:

ü  Sua região tem lugares nos quais o ecoturismo pode ser uma prática complementar às iniciativas de educação ambiental, desenvolvidas junto à rede estudantil?

ü  A partir da pesquisa inicial, qual a principal contribuição do grupo para o lugar visitado?

ü  A prática do ecoturismo não é restrita aos interesses da cultura da biodiversidade, aos detalhes do ecossistema e seus fenômenos naturais. De que maneira cada docente pode explorar áreas temáticas junto ao grupo?

ü  O grupo tem interesse, vontade, disponibilidade e recursos para pesquisar, organizar e realizar o estudo do meio + o trabalho posterior à excursão?

ü  Ao retornar, como restituir o fôlego do grupo para edificar melhorias inspiradas nos exemplos vivenciados?

ü  Qual melhor época do ano para o estudo do meio? Quando será possível presenciar alguma festa folclórica ou fenômenos climáticos interessantes? Em que estação se obtém melhor disponibilidade das agências e guias de turismo?

ü  Durante a excursão poderá ser requerida a prática de exercícios físicos, tomar sol e chuva, sujar-se, higienizar-se, alimentar-se e repousar de forma diferente da habitual. Todos os participantes e respectivos responsáveis devem comparecer à reunião designada para tais esclarecimentos.

ü  A vida nas cidades é bem diferente de alguns modos ancestrais de prover ao homem pela natureza, ainda encontrados em localidades rústicas.  Em cada lugar os recursos ambientais são manejados de forma distinta, historicamente, pelas pessoas. Isso também colabora para que cada lugar seja diferente. Conheça e respeite os hábitos da população do local e contribua para que a paz e a harmonia sejam mantidas.

ü  O ato de registrar em câmeras não deveria prejudicar o desenvolvimento das atividades. Quando se tinha de revelar os filmes e copiar as imagens em laboratório, a fotografia era praticada com mais parcimônia. Com o advento das câmeras digitais e a inundação por telefones multifuncionais, fotografia e filmagem vem assumindo relativo caráter de exagero e por vezes, até de inconveniência. Por essa razão é favorável que as atividades de documentação sejam preestabelecidas, para que se evite algazarra contínua, o que não raro tem atrapalhado a fruição de algumas atividades educativas ao ar livre, nas quais é proveitoso dedicar coletivamente, atenção para o que está acontecendo ao redor e individualmente. Ressalte-se que é exigida permissão para o registro e a publicação de imagem de outras pessoas.

ü  Os ambientes naturais conservados são habitados por inúmeros outros seres. O indesejável tumulto costuma subtrair do grupo alguns significados sublimes da experiência.

ü  Proponha que o grupo se alongue, respire fundo, fale em tom moderado, sem violência, que se permita sentir integralmente o lugar visitado.

ü  Atrativos ecoturísticos normalmente exigem caminhadas em distintos níveis de dificuldade e de  extensão. O grupo todo deve ter condições, físicas e psicológicas, de se locomover e percorrer o roteiro de ida e volta, com segurança e satisfação. Se há pessoas no grupo com quaisquer limitações, isso deve ser um critério prioritário de decisão para a escolha de cada atrativo a ser explorado no roteiro. Consultar também se a estrutura de atendimento contempla acessibilidade para as pessoas portadoras de tais limitações. Ainda são poucos os lugares com rampas, mobiliário diferenciado, sanitário especial e cadeiras com rodas apropriadas ao trânsito em superfícies irregulares.

ü  Ao praticar o ecoturismo com seus colegas, percebam também o potencial de melhoria da qualidade de vida dos empreendimentos humanos de impacto ambiental positivo. Ao retornar o grupo pode se juntar e construir atividades que complementarão o aprendizado, a partir da experiência vivenciada em outro habitat.

ü  Há quem enfatize que a prática do ecoturismo também serve ao despertar vocacional de empreendedores, dada multiplicidade observada no campo, de ofícios que ainda são feitos à mão, com materiais naturais e ferramentas simples.

ü  Em localidades de economia simples o grupo pode efetuar compras em locais diferentes para melhor distribuir recursos financeiros entre a comunidade anfitriã.

ü  Privilegiar a aquisição de alimentos locais beneficia diretamente aquele lugar e as pessoas que ali vivem. Também proporciona ao grupo experimentar iguarias que não se tinha por hábito ingerir comumente, o que pode inclusive, vir a ser um dos aspectos notáveis daquele circuito educacional.

ü  O grupo consente que o estudo do meio possa ter cardápio mais saudável, equilibrado, com menor ingestão de alimento industrializado?

ü  Qual ecossistema se visitará em cada etapa do roteiro? Prepare a mochila e lembre-se de que irá carregá-la. Pode-se precisar de espaço e musculatura disponíveis para a volta, com o artesanato sustentável de lá. Prefira bagagem ergonômica.

ü  Alguns equipamentos são importantes para sua segurança, outros para sua comodidade (pertences pessoais, chapéu, calçado confortável, cantil, bússola, agasalho, binóculo, câmera, bloco e lápis para anotações do diário de campo, seu kit básico de higiene e saúde).

ü  Usar roupas de cores parecidas às do ambiente melhora o conforto térmico em trilhas ao ar livre.

ü  Evitar o uso de cosméticos com fragrâncias fortes, pode inclusive reduzir a atração de insetos, mas em alguns lugares o uso de repelentes será inevitável. Pesquise sobre a necessidade de vacinas e com quanto tempo de antecedência à viagem deverá ser vacinado. Verifique sua compatibilidadde para ingerir mais alimentos fontes de vitaminas do complexo B, antes de ir a ambientes naturais.

ü  Alguém do grupo tem alergia à picada de inseto, pólen, treliça de bambu, tetos vivos? Há alguém no grupo capaz de prestar socorro e resgate? O telefone funciona no lugar visitado? Caso precise, há banco?

ü  Uns andam melhor com as mãos desimpedidas, outros preferem usar bastão para auxiliar no equilíbrio. Andar somente nas trilhas estabelecidas, em fila. Os atalhos favorecem a erosão e podem até afugentar a fauna, também.

ü  Viagens em grupos menores tendem a reduzir o impacto de visitação, porém nem sempre é possível levar grupos de até 10 pessoas em cada estudo do meio com alunos.

ü  Para o bem estar dos animais silvestres, não leve animais domésticos para ambientes naturais.

ü  É severamente prejudicial o tráfego de veículos movidos a combustível em praias, matas, dunas, córregos, rios ou qualquer outro ambiente natural.

ü  Cuidar para que os alunos não arremessem nenhum objeto ou detrito para fora do veículo, bem como para que estejam com o cinto de segurança afivelado.

ü  Programe a saída da escola de modo a aproveitar integralmente o tempo destinado para a visita. Caso ocorra atraso na chegada, o tempo de visitação poderá vir a ser reduzido.

ü  Durante a visita o guia é beneficiado quando os alunos tem seu nome em local visível, em etiqueta ou crachás feitos por eles próprios.

ü  Alguns ecoturistas sentem-se movidos à água de coco, outros precisam ser lembrados sobre a necessidade de hidratação constante ao ar livre!

ü  Muitíssimo cuidado com fogo. Tenha certeza de haver apagado-o completamente antes de o grupo deixar o local.

ü  Continuam valendo as recomendações de não desperdiçar alimento, água, energia elétrica e a paciência alheia.

ü  Essa lista será acrescida pelas considerações do grupo no percurso...

 

 

DESDOBRAMENTO DO MAPA

 

o   Quais outros aspectos percebidos e significados construídos pelo grupo durante o estudo serão adicionados ao mapa inicial?

o   Quais os principais aspectos socioambientais de cada lugar que serão trazidos pelos integrantes do grupo ao retorno de cada circuito ecoturístico?

o   Que diferenças mais notáveis o grupo identificou em relação ao seu habitat?

o   Quem se interessou em registrar a jornada pode colaborar para o painel, varal, mural, jardim, cordel, jornal, internet, peça e tantos outros meios de expressão do Brasil.

o   Para que o próximo estudo do meio seja ainda melhor, o que precisará ser adequado pelo grupo?

 

 

O GUIA DEVE SER LEGAL

 

Sem nenhum tipo de demérito à experiência profissional e ao conhecimento da comissão organizadora que integra o grupo, preliminarmente se deve esclarecer que no Brasil, a condução de visitas com pessoas em atrativos turísticos é uma das atribuições do guia de turismo, profissional regulamentado e com formação específica, apto a atender a todos os passageiros com segurança e qualidade, do início ao término dos serviços contratados. Saiba mais em BRASIL Decreto 946, de 01/10/1993. Regulamenta a Lei nº 8.623, de 28 de janeiro de 1993, que dispõe sobre a profissão de Guia de Turismo e dá outras providências.

Isso traz algumas responsabilidades adicionais à organização do grupo: colaborar para que o grupo usufrua da atuação do guia de turismo que estiver realizando o roteiro e quando oportuno, complementar as informações pertinentes ao plano educativo gerador do percurso.

A parceria entre guia, organização e grupo faz toda diferença positiva durante a vivência do circuito. Desde o detalhamento do estudo do meio, preze sempre que possível, pela contratação de empresas e guias de turismo devidamente habilitados no CadasTur.

Confirme previamente junto aos guias de turismo os detalhes de que precisará saber para o planejamento correto da viagem.

Atualmente, há disponível nos diversos guias turísticos já publicados, bastante informação digital e virtual, mas sem sempre confiável, o que amplia a importância de obter o contato complementar com as pessoas da base na qual o roteiro será realizado.

O detalhamento prévio de cada etapa do roteiro que será realizado é fundamental. Cada lugar tem suas regras de visitação e segurança, mesmo que tais informações não estejam expressas em uma placa, por exemplo. Quando a informação sobre os lugares é construída previamente, além de se evitar contratempos, se amplia o interesse do grupo pela descoberta.

Buscando reduzir a chance de ocorrerem imprevistos e transtornos ao grupo, tenha clareza do que está sendo adquirido e contratado junto aos fornecedores de serviços como transporte, alimentação e hospedagem. O grupo deve colaborar para o cumprimento dos horários de permanência em cada atividade, para que o estudo tenha a sequência prevista.

Cada integrante é responsável pela sua segurança e deverá zelar também pela segurança dos demais integrantes do grupo. Deve ser combinado de forma clara e unânime, que não se infringirá o limite de segurança estabelecido em cada etapa do roteiro.

 

DESDE O SÉCULO PASSADO

 

Em 1988, Ecotourism Association of Australia valida o Código de Práticas para Operadoras de Ecoturismo, em que se propõe o ecoturismo útil para:

Ø  Fortalecer os esforços para a conservação e aumentar a integridade natural dos locais visitados;

Ø  Respeitar as características de outras culturas;

Ø  Ser eficiente no uso de recursos naturais (água, energia);

Ø  Garantir que o descarte de lixo tenha um impacto mínimo, ambiental e estético;

Ø  Desenvolver um programa de reciclagem de lixo;

Ø  Apoiar fornecedores que seguem uma ética de conservação;

Ø  Manter-se atualizado em assuntos políticos e ambientais da região visitada;

Ø  Trabalhar em rede com outros interessados, para troca de informações a respeito de desenvolvimentos relevantes, bem como estimular o uso deste Código de Práticas;

Ø  Divulgar as Diretrizes para aumentar a consciência ambiental dos consumidores;

Ø  Apoiar a educação e o treinamento ecoturístico para guias e administradores;

Ø  Empregar guias instruídos e credenciados, que respeitem os ambientes e culturas locais;

Ø  Fornecer educação, interpretação e diretrizes apropriadas aos clientes, respeitando a história natural e cultural da área visitada;

Ø  Usar produtos locais que beneficiem a comunidade, sem estimular o comércio de artefatos feitos a partir de espécies ameaçadas;

Ø  Não perturbar intencionalmente ou encorajar a perturbação da vida selvagem, bem como de seus habitats;

Ø  Manter veículos nas rotas indicadas, aceitar as regras das áreas naturais e padrões de segurança;

Ø  Assegurar a verdade na publicidade e maximizar a qualidade da experiência para hóspede e anfitrião.

 

AGRADECIMENTOS

 

Pela boa vontade da equipe editorial da Revista Educação Ambiental em Ação e das demais pessoas que, voluntariamente, ajudam a construir esta publicação.

Pelo privilégio de ser brasileiro e colaborar para a conservação de nosso patrimônio.

 

Description: Pico das Almas - Rio de Contas - BA  2001 Foto do autor.jpg

Ilustrações: Silvana Santos