Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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07/12/2014 (Nº 50) PERCEPÇÃO AMBIENTAL E ONILATERALIDADE: CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ESPAÇO ESCOLAR
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Percepção ambiental e Onilateralidade: contribuições para a Educação Ambiental no espaço escolar

 

 

Gustavo Pereira Pessoa1;

Fernanda de Jesus Costa 2

 

 

1 – Biólogo, Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento local. Professor do Instituto Federal de Minas Gerais – Doutorando em Educação PUCMG

e-mail: gustavo.pessoa@ifmg.edu.br

 

2 – Biológa, Mestre em Ensino de Ciências– Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais – Doutoranda em Educação PUCMG

e-mail: fernandinhajc@yahoo.com.br

 

 

Resumo: O presente artigo aborda a temática ambiental e sua relação com a teoria de Marx, em especial a questão da onilateralidade. Aspectos relacionados com temática ambiental é uma necessidade da nossa sociedade, é preciso compreender que os seres humanos fazem parte desta sociedade e que suas atitudes interferem no meio ambiente. Para atuar de maneira eficaz, a EA vem sendo considerada uma ferramenta poderosa, na medida em que permite uma melhor participação do indivíduo na preservação e conservação do meio ambiente. É importante destacar que a EA deve estar relacionada com uma formação completa, ou seja, uma formação onilateral.

Palavra-Chave: Educação Ambiental, Onilateralidade.

 

 

Introdução

 

 

O objetivo da Educação Ambiental (EA) é formar pessoas para a construção de uma realidade mais justa e com mais qualidade de vida. Para que esta filosofia educacional possa ser viabilizada, existem alguns pressupostos de sua prática, tais como a continuidade e a interdisciplinaridade. Percebemos, no entanto, vários entraves para que a EA seja contemplada, tais como a organização escolar e a própria formação docente. Aspectos relacionados com a formação docente se fazem necessários, já que os professores são os responsáveis pela formação de outros indivíduos. Porém, verifica-se poucos estudos nesta área.

 

Mesmo com estes limites é fundamental buscar um trabalho de EA que possa estimular a percepção ambiental, já que esta condiciona a forma de apropriação e ação no meio. É preciso pensar em novas maneiras de atuar no meio ambiente, buscando uma melhor qualidade de vida. Desta forma, parece ser prioritário trabalhar com esta percepção, a qual é formada pela associação de elementos cognitivos e sensações captadas pelos nossos órgãos do sentido, remetendo-se assim a uma formação completa do indivíduo.

 

As ideias de Marx sobre a educação nos remete a esta formação mais completa, que contempla todas as capacidades do ser humano. Marx inspirara diversas iniciativas educacionais, normalmente relacionadas ao tema de educação pelo trabalho.  Porém, sabe-se que a perspectiva educacional em Marx é mais ampla, pois busca uma formação humana completa, para interpretação da realidade e para atuação efetiva na mesma. Neste ponto, o que busca-se para a EA parece se encontrar com a definição de educação onilateral na proposta marxista. A educação onilateral proposta por Marx, baseia-se em uma formação completa, que é capaz de contemplar diversos aspectos.

 

Assim, este texto pretende propor uma reflexão sobre a relação existente entre a concepção marxista de educação, especialmente quanto à definição de onilateralidade, relacionada aos pressupostos da questão ambiental, com o objetivo de estimular a ampliação da percepção ambiental através de práticas de EA no espaço escolar. Para tanto, incialmente realiza-se uma breve revisão sobre aspectos relacionados com a questão ambiental e sobre a onilateralidade presente em Marx e finalmente um contraponto entre estes dois aspectos.

 

 

Educação Ambiental: conceitos fundamentais e sua relação com a Percepção Ambiental

 

A precisão do que seria a Educação Ambiental sempre se deu de forma muito ligada à definição que se tem de ambiente e do modo como ele é percebido, assim como ao conceito de educação. Esses conceitos, ambos polissêmicos, acabaram por gerar também uma grande diversidade em relação à compreensão de Educação Ambiental. Por esse motivo pode-se encontrar muitos conceitos que tentam definir o que seria a Educação Ambiental. Essa definição sofreu muitas modificações ao longo das discussões, tendo sido apropriada por muitas linhas do pensamento educacional.

 

O termo Educação Ambiental (Enviromental Educacion) surgiu na Inglaterra, em 1965, com o intuito fundamental de garantir qualidade de vida no planeta. Desde então, procura-se definir o que seria precisamente a Educação Ambiental e estabelecer seus princípios básicos. Uma das primeiras definições mais estruturadas foi a de Stapp et al. (1969) citado por Dias (2003), que afirma a EA como um “processo que deveria objetivar a formação de cidadãos, cujos conhecimentos acerca do ambiente biofísico e seus problemas associados pudessem alertá-los e habilitá-los para resolver seus problemas”

 

            A primeira definição internacional de EA foi dotada pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) em 1971.  Assim como a definição de Stapp (1969) esta definição se caracterizou por um aspecto bastante restritivo da Educação Ambiental, relacionada à conservação da biodiversidade e dos sistemas de vida. A Conferência de Estocolmo ampliou esta visão para outras dimensões do conhecimento até uma definição mais aceita pela comunidade internacional formulada na Conferência de Tbilisi (1977) (DIAS, 2003, p.98).

 

A definição de EA de Tbilisi é ainda hoje o principal referencial para a prática da Educação Ambiental no mundo, sendo que várias definições posteriores sofrem grandes influencias desse encontro. As principais proposições de Tbilisi giram em torno das interações dos seres humanos entre si e com o meio e ainda aborda sobre a responsabilidade de participação de cada um nas decisões e posturas em relação ao meio. Ficou definido de vez o caráter político da Educação Ambiental, Dentro deste contexto, Bertolucci, Machado e Santana (2005) defendem essa forma política e participativa de se fazer Educação Ambiental em detrimento de uma EA que defende uma visão conservacionista quando afirma que:

 

 A grande crítica que se faz a esta EA que vem se consolidando e que os autores aqui citados denominam de EA Conservadora é sua a despolitização e a não contextualização social, econômica e cultural. Há em sua prática um enfoque fortemente ecológico que, ao priorizar uma posição de produção e transmissão de conhecimentos e valores ecologicamente corretos, reforçar o dualismo sociedade-natureza existente. Peca ao não colocar o homem como sujeito responsável pela crise ambiental e sua solução. Enfim, é uma EA que está de acordo com a realidade socioambiental vigente e, por isto, é incapaz de transformá-la. (Bertolucci; MACHADO;SANTANA, 2005, p.39)

 

Portanto, seguindo os princípios propostos por Tbilisi, é difícil conceber uma EA desconectada de sua dimensão política, pois, como afirma Paulo Freire, “a educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador. Ela é política” (Freire, 2005, p.110).

Considerando o que foi proposto por Paulo Freire, é importante ressaltar que pensar em uma Educação Libertadora e Crítica, relaciona-se com uma ampliação da leitura do mundo e ao considerar estes pressupostos com questões ambientais verifica-se que aumentar a leitura do mundo é extremamente válido, pois a temática ambiental é multidimensional, ou seja, possui elementos sociais, políticos, econômicos, éticos e tecnológicos (DICKMANN e CARNEIRO, 2012). Sendo assim, é preciso demonstrar que existe uma co-relação entre todos estes aspectos.  Santos e Frenedozo (2013) afirmam que a concepção de EA está totalmente relacionada com os aspectos culturais, sociais, políticos, econômicos, éticos e estéticos, os quais relacionam-se de maneira integrada.

 

Assim, é importante destacar que a educação não é a única atividade politizadora, problematizadora e sensibilizadora capaz de promover maior participação social (Loureiro, 2004, p. 58). Entende-se que o papel da educação e da EA vai além do educativo, alcançam o âmbito da participação social e política na sociedade. Dessa forma, a EA vai muito além do conservacionismo, tratando de reconstruir a mentalidade da sociedade em relação à qualidade de vida. Trata-se da construção de um modo de vida mais equilibrado com o contexto e suas várias dimensões (GADOTTI, 2000).

 

A EA deve se configurar como um processo no qual a preocupação com o meio ambiente seria ampliada, baseado no entendimento e sensibilização do homem com o meio (Mellows, 1972 apud DIAS, 2003). Em 1996, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) definiu a EA como sendo um processo formativo e informativo, orientado para o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o meio ambiente e de atividades que levem a participação das comunidades na preservação do equilíbrio ambiental (DIAS, 2003).

 

Desta forma, para que ocorra a conscientização é necessário que o indivíduo seja capaz de conhecer, entender e compreender o objeto, assim, através deste processo que a realidade consegue se desvelar, favorecendo então, a resolução de problemas socioambientais (MARIA e ZANON, 2012).

 

Assim, é preciso que o ser humano conscientize-se que faz parte do meio ambiente e como pertencente a ele deve estabelecer relações pautadas na ética e na liberdade, ao fazer isto, estará pautado nos pressupostos de Paulo Freire e contribuindo para a qualidade ambiental (DICKMANN e CARNEIRO, 2012).

 

A Educação Ambiental deve se ocupar, portanto, em gerar situações onde haja um estímulo da participação de cada um na construção do meio e onde cada um reconheça o meio no qual vive, suas potencialidades e limitações. Por isso podemos dizer que é necessário sensibilizar a população. Sato define a sensibilização ambiental como “processo de alerta, considerado como primeiro objetivo para alcançar o pensamento sistêmico da educação ambiental” (Sato, 2002, p. 24). A sensibilização aparece, portanto, como fenômeno relacionado à interpretação que se faz do meio. Chauí (2000) afirma que a sensação nos dá as qualidades exteriores e interiores dos objetos. Através das sensações podemos obter uma interpretação do mundo que nos cerca, sendo essa interpretação mediada pelos nossos sentidos.

 

A EA plena deve levar os seres humanos a reconstruírem sua definição pessoal de meio ambiente. A sensibilização mediada pelos sentidos (visão, olfato, audição, tato e paladar) pode contribuir muito com isso, pois nas “leituras” que fazemos do mundo os sentidos ocupam papel principal. Novas interpretações do meio, mediadas pelos cinco sentidos, podem estimular os indivíduos a atingirem o processo de alerta definido por Sato (2002), assim como desenvolver uma outra estética sobre ambiente; o que poderá possibilitar uma construção mais interativa e solidária com o meio ambiente, visto como uma totalidade na qual cada ser está inserido e é parte integrante.

 

De acordo com Merleau-Ponty apud Oliveira (2006), o conhecimento espacial adquirido pelos homens consiste, sobretudo, em imagens mentais, construídas na trajetória de sua vivência a partir de sua percepção.  Sabendo que a percepção é formada a partir de uma síntese de sensações (CHAUÍ, 2000), pode-se inferir que as sensações têm papel preponderante na visão e interpretação do entorno no qual vivemos. A partir daí, torna-se relevante o elemento cognitivo, sendo que a associação das sensações e dos saberes darão origem a uma percepção de um lugar ou de um fenômeno.

 

A maneira de perceber o mundo é fundamental para entendermos a importância e a relevância de cada ato sobre o meio. Essa visão pode ser determinante para o engajamento sociopolítico de um indivíduo em busca da melhoria de sua qualidade de vida. Ou seja, a qualidade de vida do indivíduo está necessariamente ligada à melhoria da qualidade de vida do lugar onde vive e constrói os seus significados.

 

Um questionamento necessário seria: onde ocorrerá esse processo de estímulo à percepção ambiental discutido anteriormente? Na verdade, ele pode ocorrer nos mais diversos locais, pois existem em nossa sociedade diversas práticas sociais e instituições que educam. A própria LDBEN (Lei 9394/2006) afirma existir processos educativos na família, no trabalho, nas instituições religiosas, nas organizações da sociedade civil e nos movimentos culturais. Dentre essas várias instituições, uma tem como principal finalidade a atividade educativa. Estamos falando da escola, instituição organizada pela sociedade com o objetivo final de educar. Portanto, a escola é a instituição que tem como papel central a formação dos cidadãos de toda a sociedade.

 

A educação, em si, pode ser entendida como as maneiras que são utilizadas para tornar comum aquilo que é comunitário, como saber, ideias, costumes e formas de trabalho. A educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam (BRANDÃO, 1991). Nesse contexto, podemos entender a escola como o local onde a prática da educação acontece de maneira formal e institucionalizada. Sendo assim, podemos observar que os temas da vida cotidiana, quando se encontram em amplo debate, acabam sendo incorporados pelo cotidiano escolar. Por esse motivo é fundamental utilizar mecanismos que possam estimular no educando a participação na manutenção e na melhoria das condições de vida de sua comunidade.

 

Desta forma, a educação ambiental deve estar inserida em todos os níveis da educação nacional, com o objetivo de promover um complemento essencial na construção de uma nova consciência humana, destacando seus direitos e deveres relacionados com as responsabilidades (CAVALCANTI, 2013).

 

A Educação Ambiental nas escolas seguiu parte dos princípios acima e começou a ser efetivamente e oficialmente implantada no final da década de 1980, o que nos leva a pensar que a partir da referida época os problemas ambientais já haviam se tornado real ameaça à manutenção da qualidade de vida do planeta. A institucionalização da EA seguiu o caminho de muitos outros temas, antes tratados na esfera da informalidade, como a questão do negro e da cultura africana ou a questão sexual. Temas que passam a fazer parte do currículo formal normalmente já se encontram em amplo debate por anos, com é o caso da EA, e só então “integram” as práticas da escola formal.

 

A Educação Ambiental considera então, a escola como a legítima Instituição Social que tem como objetivo atuar no processo formativo do indivíduo com a função primordial de favorecer o desenvolvimento e apropriação de conhecimentos relevantes para a vida na sociedade (SANTOS e FRENEDOZO, 2013). A escola é uma instituição privilegiada porque nela encontram-se os menores indivíduos de uma sociedade e ainda estes passam grande parte do seu tempo neste ambiente, além disso, é neste local que o pensamento crítico é formado (OLIVEIRA, et al., 2013).

 

Porém, a integração entre a EA e a estrutura escolar não se deu e não se dá de maneira simples e harmônica. Isso ocorre porque a estrutura escolar tradicional está sedimentada sobre paradigmas que entram em conflito com as bases para a prática da EA. O aspecto interdisciplinar da EA é, muitas vezes, o princípio que mais se choca com a estrutura escolar que temos hoje, pois a escola ainda está assentada no paradigma disciplinar inspirado na forma predominante de produção do conhecimento científico da ciência moderna. 

 

No início das discussões sobre a institucionalização da EA, correu o risco desta se tornar uma disciplina do currículo, perdendo todo seu potencial integrador, holístico, crítico e questionador das nossas relações com a natureza, artes, conhecimento, ciência e com as pessoas que nos cercam (REIGOTA, 1999).

 

Outro desafio da educação ambiental escolar é incorporar com mais frequência a dimensão socioambiental, essencial à prática de uma Educação ligada a valores politizadores. Uma pesquisa da UNESCO (2006) sobre a educação ambiental no Brasil revela que os objetivos principais da Educação Ambiental nas escolas eram conscientizar alunos e a comunidade para a plena cidadania e sensibilizar para o convívio com a natureza. Esses dois objetivos somados estavam presentes na metade (50%) das escolas que participaram da pesquisa. Percebe-se por esse dado que a Educação Ambiental como estimuladora de participação nos processos sócio-políticos fica em segundo plano, ficando mais evidente a ideia de “cuidado com a natureza”.

 

É importante lembrar que é desejável que a Educação Ambiental esteja no contexto escolar não como um conteúdo disciplinar, mas como uma filosofia de ensino voltada para as questões ambientais nas quais estamos envolvidos. A relação da escola, dos alunos e professores com o conhecimento é canalizada para o uso que fazemos dele e sua importância para nossa participação política cotidiana (REIGOTA, 1999).

 

Assim, a EA não deve ficar restrita apenas ao ambiente escolar e a um único professor, deve ser uma constante em toda a sociedade e em diversas disciplinas, já que a Educação Ambiental apresenta como objetivos a compreensão das múltiplas e complexas relações existentes no meio ambiente visando estimular e fortalecer a consciência crítica em relação aos problemas ambientais, demonstrando que esta deve ser uma preocupação de toda a sociedade (CAVALCANTI, 2013).

 

Como percebemos, existem inúmeras dificuldades na implantação e prática da EA nas escolas. No entanto, é impossível não ressaltar o papel destas instituições na formação de pessoas mais interessadas em garantir melhores condições de vida nos mais variados espaços. A escola ocupa papel central na comunidade, em seu entorno, sendo um centro de influência que não pode ser desprezado. Outra observação importante é o fato de que na escola as pessoas passam por um processo de socialização científica, cultural, comportamental e interpessoal. Hábitos e experiências desenvolvidos na vida escolar podem ser incorporados na vida adulta, estimulando a formação de uma população mais participativa e consciente de seus direitos e deveres. Observar tais especificidades é fundamental num processo de realização de EA nas escolas, pois estas podem estimular a ultrapassagem das dificuldades existentes para a realização desta prática.

 

Onilateralidade: por uma formação completa

 

A perspectiva de Marx objetiva uma contraposição aos valores defendidos pela sociedade e pelo sistema de produção burguês. Esta ideia fica bem exposta no manifesto comunista, onde Marx (1998) coloca o que seria sua interpretação sobre a atual posição de poder da burguesia e projeta as ações dos partidos operários de todo o mundo, conclamando-os à luta revolucionária. Neste texto Marx também descreve brevemente os efeitos do sistema burguês sobre a formação humana, e sua tendência a alienar o indivíduo. Assim fica entendido que Marx critica os efeitos econômicos do sistema burguês, porém sua preocupação maior se direciona a situação do ser humano submetido à este sistema. Para ele a realidade colocada pelo capitalismo desumaniza as pessoas, fazendo com que elas tenham vidas reduzidas a trabalhar para a ampliação do capital do detentor dos meios de produção.

 

Ainda no Manifesto Comunista, Marx e Engels (1998) defendem uma educação pública e gratuita para todos. Colocam que a educação deve se relacionar a atividade produtiva, que no pensamento de Marx representa uma parte significativa da própria realidade humana. Todos estes pontos são expostos também na crítica ao programa de Gotha (2001), onde Marx reforça uma perspectiva mais ampla de educação, fornecendo uma formação teórica associada a prática.

 

Sousa Junior (1999) detalha melhor esta ideia quando coloca que a educação na perspectiva de Marx busca revolucionar as relações burguesas e permitir o livre desenvolvimento do homem, como ser não-alienado e dotado de uma formação realmente humana. Para esta formação se atribui o nome de onilateral, ou seja, uma perspectiva que busque o desenvolvimento dos vários aspectos associados ao ser humano, como as artes, as ciências e é claro, o conhecimento pertinente à atividade produtiva em geral. Este pensamento busca a constituição de sujeitos sociais, capazes de atuar em sua sociedade e construir uma nova realidade.

           

Para Sousa Junior (1999), a onilateralidade é a formação completa. Tal formação depende da relação entre o homem e a natureza humanizada, e das relações livres que os homens estabelecem entre si. Neste sentido, pode-se inferir que não existe uma dicotomia entre homem e natureza, esta separação permitiria, em último momento, uma naturalização do homem e uma humanização da natureza.

           

A ideia é que toda a sociedade possa entender sua realidade e participar dela, oportunidade negada no âmbito das relações burguesas, onde a alienação de boa parte da população não permite que interpretem e atuem ativamente na construção de seu próprio espaço. A questão é ir além da formação que normalmente é oferecida. Como é colocado por Manacorda (2011), que o sujeito não seja um operário e nem um intelectual, mas que seja ambos, onilaterlamente. A partir do que foi colocado e ao analisar a situação atual das nossas escolas, pode-se concluir previamente que atingir este tipo de formação na atual estrutura social e educacional é impossível. De fato existem dificuldades, tais como formação docente, estrutura e problemas sociais, vontade política entre outros tantos desafios para uma formação mais ampla do que a que é oferecida atualmente. Porém, existem exemplos de como aplicar parte destas ideias de maneira que possam favorecer a formação mais ampla das pessoas, uma formação que seja alienante, numa perspectiva de formação política, estimulando a constituição dos indivíduos em atores sociais. Neste caso nos referimos à obra de Pistrak (2011), que descreve suas experiências na escola de Lepechinski, no momento pós-revolucionário soviético. O desafio do pesquisador era elaborar um modelo de escola que contemplasse as ideias da teoria marxista, naquele contexto da União Soviética da primeira metade da década de 20 do século passado.

           

Em sua proposta, Pistrak entendia a escola como espaço capaz de formar indivíduos que poderiam se inserir na sociedade naquele momento e contribuir proativamente na consolidação do modelo socialista implantado. A escola para ele é um instrumento ideológico que não pode ser ignorado na constituição de uma sociedade de maior participação coletiva e, consequentemente, política. A escola deve contribuir para a formação de pessoas emancipadas, onde o pleno desenvolvimento é direito de todos e onde existam amplas oportunidades de participação de todos nas esferas decisórias. A educação deve ser um elemento preparatório para vida, um instrumento de compreensão da realidade. Isso fica claro quando Pistrak explica qual seria o objetivo do ensino na formação básica. Segundo ele, o ensino deve compreender a soma de conhecimentos ou de hábitos e o grau de técnica que conduzam a uma plena compreensão da vida moderna (PISTRAK, 2011).

           

Pistrak nos oferece uma forma de trabalhar dentro de uma perspectiva marxista de educação. Ele propõe uma metodologia chamada de “complexos” ou centros de interesse. Os complexos seriam espécies de eixos temáticos através dos quais se organizariam os trabalhos das disciplinas, o tempo escolar e os próprios programas escolares. Nesta perspectiva se consegue um diálogo entre as disciplinas relevantes na formação humana , pois todas elas estarão ligadas pelo centro de interesse que forma o complexo. Pistrak entende que o ensino através dos complexos representa “uma série de elos numa única corrente, conduzindo à compreensão da realidade atual” (PISTRAK, 2011, p.112).

           

No contexto do trabalho com os complexos, o tempo escolar é variável de acordo com o tema, sendo assim a escola possui uma organização menos engessada, podendo atender às necessidades de estudo daquele tema. A interação entre os saberes é fundamental, pois o homem, na teoria marxista, não deve ter uma formação em partes, mas na totalidade e plenitude que a condição humana exige. Estes pontos fornecem a proposta de Pistrak uma relevância grande com referência na prática da educação para a formação do ser humano onilateral. O “valor das disciplinas está subordinado aos objetivos gerais da escola e são estes objetivos que nortearão todas as escolhas pedagógicas efetuadas naquele espaço”. A proposta de Pistrak não cita o termo onilateral, porém é evidente sua intenção em buscar este tipo de formação no espaço da escola soviética daquele tempo

 

Encontrando convergências

           

Como foi colocado, a Educação Ambiental busca, como finalidade, a formação de um sujeito político, que perceba sua situação nos mais variados aspectos e se sinta apto a intervir na sociedade. De acordo com o que postula Paulo Freire, a Educação Ambiental deve ser crítica, ética e baseada na liberdade. Para a formação deste sujeito, o trabalho com a percepção ambiental se torna quase  indispensável. A percepção que tratamos aqui segue o que foi colocado por Chauí (2000), onde tem-se uma associação de elementos percebidos pelos sentidos a elementos de nosso sistema cognitivo. Considerando que estas percepções são fundamentais na apropriação e utilização dos espaços relevantes para a EA. Atuar na ampliação desta percepção pode levar o indivíduo a se apropriar de forma distinta de seu espaço e atuar mais firmemente na sua transformação e assim contribuir com questões relativas ao meio ambiente.       

 

Seguindo o que foi colocado pelas fontes pesquisadas, pode-se entender que buscar uma formação escolar que se oriente pela onilateralidade pode favorecer, e muito, a ampliação da percepção ambiental dos estudantes. Este ponto pode ser colocado pelas características que este tipo de formação exige. Assim, acredita-se que uma educação ambiental pautada nos aspectos abordados pela onilateralidade poderá ser muito significativa para a sociedade como um todo, ou seja, a formação completa que deseja tende a favorecer a qualidade ambiental.

           

Entende-se também que a escola atual, para não citar a sociedade de hoje, não se adéquam às premissas colocadas pela EA e pela formação educacional baseada em Marx. Existem entraves variados que partem da formação docente à organização do tempo escolar. Seria necessária uma transformação na forma de fazer a educação frente ao modelo que temos hoje. Porém temos modelos que podem ser seguidos ou adaptados à nossa realidade. Destaca-se o modelo de Pistrak, que através da ideia dos complexos, contempla as premissas necessárias para a EA, e para a ampliação da percepção ambiental, abordando os conteúdos do ensino sob uma perspectiva interdisciplinar, que deve favorecer a interpretação dos espaços pelos estudantes. O conceito de Meio Ambiente formulado por Reigota coloca isto claramente, descrevendo-o como uma unidade complexa e permeada por muitas relações. Acreditamos que um ensino interdisciplinar, que busque a formação mais ampla, como o que é proposto nos complexos, possa ser um diferencial importante na compreensão destas relações que permeiam o ambiente.

           

Além disso, a educação em Marx busca a formação de um agente de transformação da realidade, um ser emancipado formado na plenitude da condição humana. Acredita-se que ter acesso a uma formação neste paradigma, além de ampliar a percepção de ambiente do sujeito contribui para a formação de atores sociais mais reflexivos e participativos.

 

A perspectiva de educação onilateral é um avanço formidável no que tange o estímulo à ampliação da percepção ambiental dos estudantes. A escola oferece entraves, mas existindo uma direção temos que tentar percorrer o caminho da transformação de nossas instituições de ensino em instituições de educação. Temos que tentar transformar nossos planos curriculares em planos de formação humana. A partir daí, a escola terá chances de se aproximar de um ambiente de formação onilateral, onde ocorrera um passo da construção de uma realidade social e ambiental mais justa, feita a partir das pessoas e de sua percepção deste novo contexto.

           

Finalizando, é importante ressaltar que Loureiro et al., (2009) afirma que cada vez mais existe um interesse na educação ambiental relacionada com as teorias marxistas, assim, torna-se necessário, desenvolver novas pesquisas que busquem explicar detalhadamente esta relação. É ainda que explorem aspectos ambientais relacionados com formação docente onilateral, e ainda que busquem aprimorar a relação existente entre estes aspectos e a teoria de Paulo Freire.

 

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Ilustrações: Silvana Santos