Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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20/12/2003 (Nº 7) TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Berenice Gehlen Adams

 A Educação Ambiental é um processo educativo que amplia o foco do sistema educacional para relacionar as ações culturais com o ambiente, ou seja, um processo que insere a vida em seu amplo contexto à rotina educativa. Infelizmente os sistemas educacionais, com fortes vícios das tendências pedagógicas liberais tradicionais, não têm bem compreendido ou bem aceito a Educação Ambiental, o que dificulta a consolidação desta prática multifacetada e interdisciplinar.

Para que a Educação Ambiental possa ser inserida nos atuais sistemas educacionais, faz-se necessário o desenvolvimento de novos sistemas educativos que propiciem práticas sensibilizadoras oportunizando um contato com os sentidos para ampliar a percepção sobre o ambiente em que vivemos. Percebemos que, dia após dia, os pátios das escolas encolhem para dar lugar a novas salas de aula, estacionamentos ou laboratórios diversos. Isto confirma uma despreocupação ou a falta de entendimento da importância de se preservar a qualidade da vida escolar. Fica difícil não cairmos no saudosismo dos tempos em que as escolas privilegiavam espaços físicos para bem oportunizar o contato das crianças com os ambientes naturais, fato este que jamais deveria ser esquecido, uma vez que os prédios tomam conta e as crianças são alijadas do convívio com elementos dos naturais (água, terra, plantas...).

Conforme Libâneo (2003) as diferentes Tendências Pedagógicas (Liberal e Progressista) representam uma contínua transformação filosófica e política que interfere nas relações educativas.

As Tendências Pedagógicas do cunho Liberal são representadas pelas seguintes tendências: Liberal Tradicional, que utiliza métodos de exposição e demonstração verbal de conteúdos através de modelos; Liberal Renovada, que está diretamente relacionada ao movimento da Escola Nova, trazendo métodos que consideram o aluno como sujeito da aprendizagem, onde o professor não ensina, mas auxilia o aluno a aprender (prática muito rara), e Tecnicismo Educacional, que utiliza métodos compatíveis com a orientação política, econômica e ideológica do regime militar vigente, caracterizando-se pela utilização de manuais técnicos e pela racionalização do ensino.

As Tendências Pedagógicas de cunho Progressista são representadas pelas Teorias Críticas de Educação, que buscam uma escola articulada com os interesses concretos do povo: Libertadora, que utiliza métodos centrados nas discussões de temas sociais e políticos, e Crítico-Social dos Conteúdos, que confronta conhecimentos sistematizados com experiências sócio-culturais e a vida concreta. 

Hoje, é possível vislumbrar ambas tendências (Liberal e Progressista) nas atuais práticas de ensino. Apesar do antagonismo destas tendências, as mesmas se mesclam na prática educativa atual. Isto ocorre porque o sistema educacional foi “fundado” pela Pedagogia Liberal Tradicional, tendência vigente na época em que o sistema de ensino começava a se organizar e se padronizar, e representava os interesses das classes dominantes (sistema operante nos dias de hoje). Conforme Martins (2001), na história da educação brasileira predominou, por alguns séculos, o ensino denominado tradicional, que consistia em transmitir conhecimentos que deveriam ser memorizados e depois repetidos ao professor, por meio de provas e testes para verificar o aprendizado; e isto ocorre nos atuais sistemas de ensino, principalmente em séries mais avançadas da educação, ao mesmo tempo em que são utilizadas propostas centradas nos interesses dos/as educandos/as.

Apesar dos “estilhaços” da Pedagogia Liberal Tradicional, presentes nos atuais sistemas de ensino, as novas Tendências Pedagógicas Progressistas vêm ganhando, pouco a pouco, espaço para serem inseridas em práticas (um tanto tímidas) que garantem um aprendizado significativo e complexo sobre o novo paradigma do conhecimento, que, segundo Morin (2001), se define como a articulação entre as disciplinas levando à articulação dos saberes. A palavra que melhor define este novo paradigma é interdisciplinaridade, que muito bem se insere na teoria da complexidade.

É neste campo minado que nasce a Educação Ambiental. Nasce por uma necessidade de reestruturação dos sistemas de ensino que privilegiam o saber memorizado, a informação, a competição, a profissionalização, a especialização. Nasce por uma necessidade de estancar o caos social e ambiental vigente, onde impera a miséria, a fome, a poluição, a destruição, a marginalização.

Dentro deste contexto, cabe lembrar que a escola desempenha uma função social que, conforme Zabala (2002) é a de reprodução e legitimação social:

A reprodução da uma ordem social estabelecida é a finalidade natural dos sistemas educativos, e o modo como estes se concretizam, um reflexo das necessidades da sociedade para se manter (...) Nesta lógica reprodutora se situa a maioria dos sistemas educativos direcionados a uma formação fundamentalmente profissional, sob uma manifesta hierarquização universitária, instrumento para aprofundar uma sociedade estratificada sob parâmetros de divisão social do trabalho (p46).  

Assim, podemos concluir que enquanto a função da escola for a de dar continuidade a uma sociedade capitalista, excludente e consumista, dificilmente estaremos distantes das práticas pedagógicas tradicionais, que impedem a consolidação da Educação Ambiental.

Uma dinâmica social presente, que resulta das ações educativas paradoxais é a representação de duas atitudes básicas, conforme Boff (2002) destaca: a dos conservadores (tradicionais) que defendam as tradições do regime econômico dominante (ideologia da classe dominante); e a dos progressistas que apontam as insuficiências do sistema imperante e planejam ações de mudança social. Trata-se de uma dinâmica em constante tensão. Portanto, para a consolidação da Educação Ambiental necessariamente haverá conflito em relação aos reais propósitos dos sistemas educacionais vigentes, que privilegiam a produção intelectual cognitiva em contraponto a produção intelectual perceptiva e significativa.

 Surge outra questão que resulta desta reflexão, do ponto de vista da profissão do educador: por que é tão difícil mudar o sistema educacional se os/as professores/as também não estão satisfeitos com a realidade educacional que se apresenta? Buscando uma resposta, encontramos, nas palavras de Gadotti (2003), uma de tantas justificativas que pode haver para esta dificuldade: a resistência do professor em construir um novo sentido para a profissão. Ele afirma que “enquanto não construirmos um novo sentido para a nossa profissão, sentido esse que está ligado à própria função da escola na sociedade aprendente, esse vazio, essa perplexidade, essa crise, deverão continuar”. Ou, seja, vislumbrando a sociedade como uma sociedade aprendente e proporcionando ações efetivas de mudanças de atitudes, isto muito contribuiria para a concretização do novo paradigma do saber. No professor também estão impregnados os estilhaços das práticas pedagógicas tradicionais, e, mesmo que se dizem renovadores, construtivistas, libertadores, ainda carregam cicatrizes do seu próprio processo educativo.

 Portanto, as diferentes Tendências Pedagógicas (Liberal e Progressista) concretizam as atuais práticas de ensino. O paradigma educacional liberal versus o paradigma educacional progressista coabitam um sistema de ensino porque, historicamente, um surge a partir do outro e, conseqüentemente, um não existe sem o outro.

 Não parece ser muito fértil o solo onde tenta crescer a Educação Ambiental, mas, oportunizando o desenvolvimento de atividades sensibilizadoras, que levem as comunidades escolares a um verdadeiro repensar, reaprender e avaliar onde vamos chegar se nada for feito, estaremos alimentando esta recém-nascida que renderá muitos frutos para saciar a sede da necessária conscientização planetária. Nós, educadores/as, seremos os nutrientes deste solo árido e áspero no qual tenta crescer a Educação Ambiental.

Referências Bibliográficas:

BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.

GADOTTI, Moacir. Boniteza de um sonho: ensinar-e-aprender com sentido. Novo Hamburgo: Feevale, 2003.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2003.

MARTINS, Jorge Santos. O trabalho com projetos de pesquisa: Do ensino fundamental ao ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2001.

MORIN, Edgar. Articular os Saberes. In ALVES, Nilda. GARCIA, Regina Leite. O sentido da escola. 3a. ed. Rio de Janeiro:D&PA, 2001.

ZABALA, Antoni. Enfoque globalizante e pensamento complexo: uma proposta para o currículo escolar. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2002.

 

Ilustrações: Silvana Santos