Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Práticas de Educação Ambiental
04/09/2014 (Nº 49) VAMOS CONSTRUIR UMA CIDADE? ATIVIDADE DE EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE EM UM CURSO DE ADMINISTRAÇÃO
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VAMOS CONSTRUIR UMA CIDADE? ATIVIDADE DE EDUCAÇÃO PARA A SUSTENTABILIDADE EM UM CURSO DE ADMINISTRAÇÃO

 

Valdir Lamim-Guedes

Biólogo e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Ouro Preto.

Professor na ONG Educadores sem Fronteiras e no Centro Universitário Senac

E-mail: dirguedes@yahooo.com.br

 

Resumo: Este texto trata da realização de uma dinâmica em grupo cuja questão norteadora foi: qual seria a sua prioridade, caso fôssemos construir uma cidade? A dinâmica foi realizada com alunos da disciplina Introdução à Gestão Socioambiental do curso de Bacharelado em Administração de Empresas do Centro Universitário Senac, São Paulo, SP, no mês de agosto de 2014. Os alunos foram reunidos em torno de uma mesa e foi colocada a seguinte situação: caso fossemos construir uma cidade, qual seria a prioridade? Cada aluno deveria apresentar a sua prioridade e colocar um objeto pessoal sobre a mesa, a fim de deixar marcada a sua escolha. Os alunos apresentaram 26 prioridades, que formaram um quadro bastante diverso de objetos sobre a mesa, representando a heterogeneidade do grupo. Esta heterogeneidade permite discutir sobre a complexidade que envolve a sustentabilidade, compondo um esforço para estimular a construção de uma visão crítica, de forma que os alunos tenham ações condizentes com uma sociedade mais sustentável.

Palavras-chave: Educação para a Sustentabilidade; Dinâmica em grupo; Gestão Socioambiental.

 

Introdução

A Educação Ambiental (EA), segundo a Carta de Belgrado (datada de 1975), deve desenvolver um cidadão consciente do seu ambiente total e dos problemas associados a esse ambiente, sendo também um indivíduo possuidor de conhecimentos, atitudes, motivações, envolvimento e habilidades para trabalhar, tanto individual como coletivamente, no sentido de resolver os problemas atuais e prevenir os futuros (SECRETARIA DE MEIO AMBIENTE, 1994, p. 12). O processo histórico-pedagógico que envolve a EA e a Educação para a Sustentabilidade (EpS) é apresentado como o surgimento e amadurecimento da EA e uma mudança de nome para EpS (BARBIERI e SILVA, 2011). Tal mudança de processo aconteceu dentro do sistema ONU, sobretudo na UNESCO. No entanto, não significa uma alteração conceitual ampla, existindo diversas concepções de EA, como ressaltado por Barbieri e Silva (2011), tampouco uma aceitação unânime deste novo conceito.

A complexidade da sustentabilidade fica clara quando consideramos as dimensões propostas por Ignacy Sachs (2002, p. 85-88; veja uma discussão sobre as dimensões da sustentabilidade em LAMIM-GUEDES e INOCÊNCIO, 2013). Estas dimensões devem ser levadas em conta para se aproximar de uma sustentabilidade real, ou seja, trata-se de uma visão holística dos problemas da sociedade, para além de focar apenas na gestão dos recursos naturais. É um pensamento muito mais profundo, que visa uma verdadeira metamorfose do modelo civilizatório atual, ou seja, deixamos o paradigma da crise ambiental para compreender que enfrentamos uma crise civilizatória (PORTO-GONÇALVES, 2013).

O debate sobre a viabilidade ou não do desenvolvimento sustentável e discussões correlatas, apesar de serem comuns em aulas de escolas de sociologia, filosofia ou nas ciências biológicas, “nas escolas de Administração discussões desta natureza soam ainda estranhas e, por vezes, até mesmo inadequadas” (BRUNSTEIN, GODOY e SILVA, 2014, p. 1).

Discutir a visão de Sachs em sala de aula reforça o desafio apresentado por Demo (2012, p. 368), de que “aprender ambientalmente significa inserir o desafio ambiental na própria dinâmica da aprendizagem, não como complemento eventual”. Ou seja, um evento isolado, como uma gincana ou visita a campo, não seria suficiente para inserir a temática socioambiental na formação dos alunos. Desta forma, o debate deve ser levantado sempre que possível. Além disto, é preciso destacar que “as práticas educativas ambientalmente sustentáveis nos apontam para propostas pedagógicas centradas na criticidade e na emancipação dos sujeitos, com vistas à mudança de comportamento e atitudes, ao desenvolvimento da organização social e da participação coletiva” (JACOBI, 2012, p. 347).

Neste contexto desenvolvemos a dinâmica em grupo a ser apresentada neste artigo. A opção pelo formato de dinâmica relaciona-se ao fato de ser uma atividade que facilita a sensibilização e conscientização e que incentiva o indivíduo a buscar o autodesenvolvimento nas vias pessoal, profissional e grupal (FALIDE, 2013, p. 20). A questão norteadora da dinâmica é: “qual seria a sua prioridade, caso fôssemos construir uma cidade?”.

 

Metodologia

A atividade foi desenvolvida na primeira aula da disciplina de Introdução à Gestão Socioambiental, no dia 06 de agosto de 2014. Portanto, tratou-se de uma atividade diagnóstica e geradora de questões para uma aula dialogada, realizada logo após a dinâmica, na qual foram abordados os conceitos de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, em uma perspectiva histórica e crítica.

Os objetivos da atividade são propiciar um momento de integração entre o docente e os alunos, já que se tratava do primeiro dia de aula; possibilitar a compreensão de que temos uma grande diversidade de opiniões e, para a construção de uma cidade hipotética, teríamos que levá-la em consideração; e, por fim, permitir um debate sobre a sustentabilidade, reconhecendo que é caracterizada por várias dimensões.

A atividade teve início após a apresentação da ementa e do plano de ensino da disciplina, quando os alunos foram convidados a se aproximarem de uma mesa colocada no espaço entre a lousa e as carteiras. Explicou-se que se tratava de uma dinâmica sobre a construção de uma cidade hipotética e os alunos foram convidados a responderem a questão: “quais são as prioridades, nesta cidade, para vocês?”. Assim, cada aluno disse a sua prioridade e, para deixar marcada a sua escolha, deixou um objeto pessoal sobre a mesa. Após todos os alunos terem se manifestado, realizou-se um debate, como fechamento da dinâmica.

 

Resultados e discussão

Participaram da dinâmica pouco mais de 30 alunos, sendo que 29 apresentaram a sua prioridade na construção da cidade hipotética. Uma aluna pediu para colocar mais uma prioridade, assim, tivemos 30 prioridades (os números entre parênteses indicam se a expressão foi citada mais de uma vez): água, amor, árvores, cidadania, comida, cooperação, cultura (2), dinheiro, diversão, educação (2), emprego, espaço, esporte, igualdade (2), igualdade de gênero, justiça, mobilidade, planejamento urbano, qualidade de vida, respeito (2), saneamento básico, saúde, saúde pública, segurança, tecnologia e menos violência.

Algumas prioridades são relacionadas às outras, como segurança e menos violência, bem como justiça. Também é o caso dos termos saneamento e saneamento básico e saúde e saúde pública. Mesmo com esta situação, é notável a grande diversidade nas prioridades citadas, resultado natural e já esperado. Por sinal, um resultado que atende ao objetivo da dinâmica de permitir demonstrar a diversidade de opinião no grupo, fato que vai de encontro com a perspectiva das dimensões da sustentabilidade proposta por Sachs (2002, p. 85-88).

É interessante notar que boa parte das prioridades reflete o perfil de pessoas que já tem boas condições de vida. Assim, saneamento básico, comida e água foram citados uma vez cada, sendo aspectos básicos para alcançar condições de sobrevivência.

Um dos alunos, ao fim da dinâmica, comentou: “ninguém falou em ‘sustentabilidade’”. A turma ficou surpresa com esta situação. Neste momento, foi feita uma intervenção por parte do professor, que comentou, inicialmente, sobre a teoria de sistemas e as propriedades emergentes que surgem da interação de subsistemas (veja uma discussão aprofundada em EL-HANI e QUEIROZ, 2005). A seguir, foi comentado que, na cidade hipotética proposta na dinâmica, é necessário um equilíbrio entre ações que atendam às prioridades citadas pelos alunos, sendo a sustentabilidade uma propriedade emergente deste equilíbrio.

A dinâmica foi seguida por uma aula dialogada sobre conceitos de sustentabilidade, incluindo o debate sobre a complexidade inerente a este debate. É importante destacar que a dinâmica tem o objeto pedagógico de facilitar a percepção de interligação entre as várias dimensões da sustentabilidade.

Esta atividade soma-se aos esforços de vários grupos para introduzir, em cursos de Administração, ações de educação para a sustentabilidade [Parte destes esforços é apresentada no livroEducação para a Sustentabilidade nas escolas de Administração (2014)].

 

Considerações finais

A relação entre educação e busca por uma sociedade sustentável é colocada por Jacobi (2012, p. 345), da seguinte maneira:

o caminho para uma sociedade sustentável se fortalecerá à medida que se desenvolvam práticas educativas, que, pautadas pelo paradigma da complexidade, conduzam para os ambientes pedagógicos, para uma atitude reflexiva em torno da problemática ambiental, visando a traduzir o conceito de ambiente e o pensamento da complexidade na formação de novas mentalidades, conhecimentos e comportamentos. (...) Trata-se de estimular e promover uma ampliação da visão crítica sobre a lógica de insustentabilidade, expandindo o acesso aos canais que multiplicam ideias e práticas que apresentam visões alternativas e promovem a corresponsabilidade na sociedade.

 

Desta forma, apesar da simplicidade da dinâmica proposta, ela integra a programação de uma disciplina que busca convergir às colocações de Jacobi. Assim, esta atividade representa parte de um conjunto de práticas educativas que possibilita a construção de uma visão crítica em relação à sustentabilidade, de forma que suas ações sejam condizentes com uma sociedade mais sustentável.

 

Referências

BARBIERI, J. C.; SILVA, D. Desenvolvimento sustentável e educação ambiental: uma trajetória comum com muitos desafios. Revista Administração Mackenzie, v. 12, n. 3, pp. 51-82, 2011.

BRUNSTEIN, J.; GODOY, A. S.; SILVA, H. C. (Org.). Educação para a Sustentabilidade nas escolas de Administração. São Carlos: Rima, 2014.

DEMO, P. Questão ambiental como parte da aprendizagem. In: PHILILLI JR., A; SAMPAIO, C. A. C.; FERNANDES, V. (Org.) Gestão de natureza pública e sustentabilidade. Barueri, SP: Manole, 2012. p. 363-383.

EL-HANI, C. N.; QUEIROZ, J. Modos de irredutibilidade das propriedades emergentes. Scientiae Studia, vol.3, n.1, pp. 9-41, 2005.

FALIDE, I. Manual facilitador para dinâmicas de grupo. Campinas, SP: Papirus, 2013.

JACOBI, P. In: PHILILLI JR., A; SAMPAIO, C. A. C.; FERNANDES, V. (Org.) Gestão de natureza pública e sustentabilidade. Barueri, SP: Manole, 2012. p. 363-383.

LAMIM-GUEDES, V.; INOCÊNCIO, A. F. Mulheres e sustentabilidade: uma aproximação entre movimento feminista e a educação ambiental. Educação Ambiental em Ação, v. 45, 2013. Disponível em <http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1559&class=02>. Acesso em 02 de setembro de 2014.

PORTO-GONÇALVES, C. W. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

 

Ilustrações: Silvana Santos