Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/09/2014 (Nº 49) POR UMA MORALIDADE AMBIENTAL
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POR UMA MORALIDADE AMBIENTAL

 

 

Flávio Roberto Chaddad

 

Graduado em Engenharia Agronômica pela UNESP/Botucatu; Graduado em Ciências Biológicas pela UNIP/Bauru; Graduando em Filosofia pela UNIFRAN/Pólo Bauru; Especialista em Formação de Educadores Ambientais pela UNESP/Botucatu; Especialista em Gestão da Educação Básica pela UNIARA/Araquara; Especialista em Gestão Ambiental pela UNIARA/Araraquara; Mestre em Educação pela PUC-Campinas (Ensino Superior); Mestrando em Educação Escolar pela UNESP/Araraquara.

 

Endereço: Rua Benedito Pires de Almeida N°15, Vila Rica I.

Cidade: Dois Córregos, SP.

E-mail: frchaddad@gmail.com

 

 

RESUMO

Este texto tem como objetivo uma pequena discussão sobre a importância da fundamentação de uma moralidade ambiental baseado, sobretudo, no texto de Adorno e Horkheimer – O conceito de Iluminismo. Procura deixar claro que um dos passos para esta fundamentação está em conhecer historicamente as raízes da crise ambiental para que os homens, em conjunto, reconheçam e analisem os seus problemas ambientais, bem como proponham novas formas de existência que não as encontradas ou dadas pelo sistema capitalista.

 

Palavras-Chave: Moralidade Ambiental; Mitos; Razão; Adorno; Horkheimer.

 

 

ABSTRACT

This paper aims at a short discussion about the importance of an environmental morality reasons, mainly based on the text of Adorno and Horkheimer - The concept of Enlightenment. Seeks to make clear that one of the steps for this reasoning is historically know the roots of the environmental crisis for men, together, recognize and analyze their environmental problems, as well as propose new forms of existence than those found or given by the system capitalist.

 

Keywords:  Environmental Morality, Myth, Reason, Adorno, Horkheimer.

 

 

1. INTRODUÇÃO

Hoje esta se vivendo uma grande crise ambiental. Seus efeitos drásticos começam a ser sentido nos quatro cantos do mundo. Ela abala o que Guattari (2001) denominou como os três registros ecológicos: o homem em sua singularidade; em suas relações sociais e a natureza, que sofre diretamente as interferências desastrosas deste em seu cerne, bem como as retribui, pois como se vê – nos dias de hoje – ela não é apenas uma mãe nutridora, que se auto-equilíbra, ela é Pandora, uma deusa que está se vingando de seu uso desordenado pelo homem.

Hoje são sentidos os efeitos trágicos dos agrotóxicos, da perda da biodiversidade, da extinção das espécies, da degradação ambiental e da perda da qualidade de vida. Esta ação destruidora do homem sobre a biosfera não apenas se manifesta sobre o ambiente natural. Mas, através de um sistema predatório e exploratório, o capitalismo industrial e biotecnológico, empurra milhões de pessoas para a miséria e a alienação (CHADDAD, 2004).

Como produto desta lógica funcional que coisificou o homem e a natureza, destituindo-os de toda sua pessoalidade, exacerbam-se pelo mundo uma variada gama de situações limites, que se não forem remediadas a tempo, ameaçam as condições de vida em sua superfície. Um relatório recente da WWF diz que se a humanidade continuar consumindo e crescendo neste mesmo ritmo irá necessitar de dois planetas Terra em 2050 para se sustentar. E se generalizasse o modelo americano ao mundo, necessitaria de cinco planetas (CHADDAD; GHILARDI, 2011).

Segundo Novaes (2014), estamos vivendo uma crise de padrão civilizatório. Nossos modos de viver não são compatíveis com as possibilidades do planeta. É preciso então mudá-los. Não temos alternativa. Para isto ele invoca as palavras de Kofi Annan: “Hoje o problema central da humanidade está nas mudanças climáticas e na insustentabilidade dos padrões de produção e de consumo no mundo, porque já estão além da capacidade de reposição do planeta” (p.1). Segundo relatório do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), do WWF e de outros, já estamos consumindo mais de 25% além da capacidade de reposição da biosfera planetária. É um déficit que está aumentando de ano a ano. As previsões do Pnuma são de que em meio século a exigência humana sobre a biosfera será duas vezes superior à capacidade de reposição da biosfera e é provável a exaustão dos ativos ecológicos, assim como o colapso dos ecossistemas em larga escala. Na verdade estamos nos comportando como uma família que consome mais do que seu orçamento permite – ela não tem essa disponibilidade e caminha para situações muito graves (NOVAES, 2014).

É o que também constata Schorr (2014). Para ele, tem-se gente demais no mundo se concentrando em cidades, há muito apelo a um consumismo sem limites, dentro de uma proposta de economia neoliberal mercadológica global, que gera muita poluição, concentração de renda e de poder. Tudo é vivido agora mais rapidamente e de forma mais intensa. A qualidade da própria vida natural do planeta já perdeu 30% de sua capacidade de manutenção adequada, e em 30 a 50 anos perderemos mais de 50% dos recursos naturais saudáveis em muitos locais importantes. Em 100 anos teremos uma tremenda escassez de água potável. Hoje o apelo pelo consumismo é muito grande e se distribui por todos os meios de comunicação. Vende-se de tudo e impõem-se as pessoas o que é bom no mundo, o que vestir, o que comprar, qual carro ter, qual cabelo usar, qual corpo possuir – nem que por isto tenha que se passar por uma imensidão de cirurgias para ficar com o corpo perfeito – e, se possuir dinheiro então, a pessoa se realiza totalmente, pois tudo, neste mundo, gira em torno deste recurso. Isto gera grandes problemas não só para o meio ambiente, mas para toda sociedade, inclusive os mais jovens que desde cedo são massificados e massacrados pela propaganda midiática mercadológica e muitas das causas que envolvem o bullying nas escolas estão enraizados nestes fatores acima citados.

Como exemplos desta economia baseada no consumismo e na busca incessante lucro, a do neoliberalismo econômico, algumas situações podem ser citadas, dentre as quais se destacam: o perigo da energia e dos armamentos nucleares; a destruição maciça de florestas e matas; o aquecimento global; a poluição ambiental e as suas conseqüências para o homem e para os ecossistemas terrestres; a desertificação; o assoreamento dos rios; a expropriação e exploração do homem pelo próprio homem. Estes são alguns dos sintomas da crise do paradigma atual, que não caberiam aqui, por falta de espaço, e nem são objetos de estudo deste trabalho em sua totalidade (CHADDAD; CHADDAD; GHILARDI, 2011).

Há na terra um estoque de armas nucleares capazes de destruí-la centenas de vezes. Apesar do desmantelamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o perigo de uma catástrofe nuclear permanece mais evidente do que nunca. Aliado à falta de condições financeiras para a manutenção deste arsenal bélico e da possibilidade deste material ser comercializado com organizações e países que financiam o terror, suas usinas estão em progressivo processo de sucateamento. Mas não somente o que sobrou da Ex-URSS, representa uma iminente catástrofe nuclear. Pelo contrário, outros países, inclusive países do terceiro mundo e que estão em constantes conflitos, como a Índia e o Paquistão, possuem a tecnologia da fabricação de armas nucleares (CAPRA, 1999). 

Em outras instâncias, milhares de hectares de composições florestais, morada de inúmeras espécies animais, vegetais e de uma série de populações nativas, estão sendo destruídos anualmente em todo mundo. No Brasil, segundo as estimativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), de um total de 1,3 milhões de quilômetros quadrados de Mata Atlântica primitiva, restaram apenas cerca de 50 mil km2, menos de 5% da área original (CHADDAD, 2004). O cerrado é uma espécie de primo pobre dos biomas brasileiros e por isto muitos pensam que ali se pode fazer de tudo, desde que se preserve a Amazônia. Segundo o último estudo do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), junto com a Universidade de Brasília, o cerrado está perdendo 22 mil quilômetros quadrados por ano, uma barbaridade. Cerca de 80% de sua vegetação já se foi. A área de preservação obrigatória por lei é muito pequena e o avanço continua muito acentuado. E não se fala que grande parte das emissões brasileiras acontece nas áreas de cerrado (NOVAES, 2014).

Dentre as práticas mais utilizadas no mundo pelos agricultores e fazendeiros para devastar uma determinada área, a principal continua sendo a queimada. Esta, além de ocasionar perdas irreparáveis para a biodiversidade local, altera sobremaneira a composição do solo e do clima da região, liberando, devido às características dos compostos orgânicos que compõem a madeira, uma grande quantidade de dióxido de carbono. Este gás, também liberado através da queima de combustíveis fósseis e, juntamente com outros gases, formam os principais compostos responsáveis pelo aquecimento global. Os problemas advindos deste progressivo aumento da temperatura na terra são complexos e incalculáveis. Além de provocar o degelo das calotas polares, aumentando o nível do mar, a alteração drástica do clima do planeta responderá por mudanças violentas em todo ciclo vital das espécies vegetais e animais.

Segundo Casella (2014), de acordo com cientistas é este o maior causador das últimas catástrofes que vem assustando o mundo. Dentre as várias causas que este fenômeno vem causando podem-se citar as alterações climáticas, o desequilíbrio do regime de chuvas, o derretimento acelerado das geleiras do Ártico que ficou em 2006 com uma diminuição de 60.400 quilômetros quadrados, ou seja, uma área equivalente a duas vezes o Estado de Alagoas. Só na Groenlândia há gelo suficiente para fazer subir o nível médio das águas do mar em 6 a 7 metros. A ameaça maior nessa área é o aquecimento do permafrost (solo formado por terra, rochas e gelo), uma camada que esconde uma quantidade imensa de metano, gás 23 vezes mais poluente que o carbono. Um dos últimos números da revista New Scientist publicou um trabalho aprofundado sobre isso, revelando que é alguma coisa assustadora. O estudo prevê que em 20 ou 30 anos talvez já não haja mais gelo no Ártico e que a camada de poluentes que pode ser liberada é 1,6 mil vezes maior do que a concentração que já está na atmosfera. Num cenário destes, todas as cidades costeiras do planeta ficariam alagadas. O aumento do nível do mar, juntamente com o aumento da temperatura, vem causando freqüentes furacões, tornados e secas. Segundo um prévio relatório anual da Organização Meteorológica Mundial, órgão da ONU, que avalia o clima na Terra, divulgado no final do ano de 2006, afirma que estas inúmeras alterações climáticas e catástrofes naturais são devidas ao aumento de apenas um grau na temperatura média do planeta, nos últimos 100 anos.

Recentemente esteve no Brasil Nicholas Stern, ex-economista chefe do Banco Mundial, que não é um cientista voltado para o meio ambiente, mas fez um estudo sobre as mudanças climáticas a pedido do governo britânico. No programa Roda Viva, da TV cultura, gravado em 2008, ele afirmou que as emissões brasileiras já estavam entre 11 e 12 toneladas anuais por habitante, o que significaria que dobrariam em relação a 1994. Há um novo inventário brasileiro, que vem sendo adiado desde 2005, mas cuja apresentação está prevista para este ano. A peculiaridade é que três quartos das emissões brasileiras se devem a mudanças no uso do solo pela agropecuária, desmatamentos e queimadas, e que 59% ocorre na Amazônia. O restante ocorre, principalmente, no cerrado, embora ninguém fale disso (NOVAES, 2014).

Conseqüentemente, dada a relação de cooperação e dependência que uma espécie estabelece com uma série de outras espécies, uma enorme quantidade poderá ser extinta, principalmente, nos níveis de organizações mais complexos (CHADDAD, 2004).

Há cenários construídos para o Brasil, de acordo com o INPE, que mostram o seguinte: no ritmo atual, a temperatura na Amazônia poderá subir até 6 graus e no centro-oeste até 4 graus até 2070. No semi-árido poderá haver uma perda de até 20% dos recursos hídricos e os prejuízos para a agricultura serão progressivos. Eles já estão presentes, aliás, com as secas, inundações, etc. Um dos exemplos mais mencionados no sul-sudeste é o deslocamento da cultura do café do estado de São Paulo e do norte do Paraná exatamente por causa do aumento médio da temperatura nessas áreas, que leva a uma queda precoce das flores e gera redução grave de produtividade. Por isto, o café migrou quase todo para regiões mais altas de Minas Gerais e algumas outras, onde também se começam a enfrentar problemas de temperatura (NOVAES, 2014).    

Por sua vez, nem só o poder da radiação é a responsável direta por causar doenças degenerativas como o câncer. Muitas toneladas de produtos químicos vêm sendo depositadas diariamente e diretamente na natureza, sem qualquer fiscalização. Estes produtos poluem e contaminam o ar, a água e o solo, intoxicam e mata as plantas e os animais, inclusive o próprio homem. Muitos deles são altamente perigosos e mutagênicos. Provocam doenças como câncer, anomalias e morte em organismos e uma série de outras enfermidades. Conforme afirma Capra apud Chaddad (2004):

 

Nos Estados Unidos (EUA), aditivos alimentares sintéticos, pesticidas, agrotóxicos, plásticos e outros produtos químicos são comercializados numa proporção atualmente avaliada em mais de mil novos compostos químicos por ano. Assim, o envenenamento químico passa a fazer parte, cada vez mais, de nossa vida. Além disso, as ameaças à nossa saúde através da poluição do ar, da água e dos alimentos constituem meros efeitos diretos e óbvios da tecnologia humana sobre o meio ambiente natural (p.21).

 

 

Destes produtos uma enorme quantidade são os agroquímicos, mais conhecidos pela designação ingênua de “defensivos agrícolas”. Muitos deles, como, por exemplo, os organoclorados, recentemente proibidos no Brasil, foram, por muito tempo, utilizados nas décadas de 60 e 70. Além de provocar todo tipo de enfermidade, esta classe possui a característica de se acumular no solo e na cadeia alimentar, ficando um grande período de tempo ativo, devido em sua molécula estar presente o elemento químico Cloro. Segundo Barbosa (2000), a mudança no padrão da dinâmica agrícola brasileira possibilitou um aumento da qualidade e quantidade da produção, embora tenha tornado o país o quarto maior consumidor de agrotóxicos do mundo. O resultado da aplicação indiscriminada e excessiva de produtos contaminantes e altamente tóxicos na produção agrícola do país é a elevadíssima taxa de veneno no sangue da população brasileira, haja vista que os dados encontrados mostram uma diferença brutal entre alguns países e o Brasil.

Segundo Novaes (2014), as pressões aos recursos hídricos vão desde a ocupação desordenada do solo pela agricultura, através da destruição das matas ciliares que são como os verdadeiros “cílios dos córregos e rios”, da sua utilização maciça nas atividades agrícolas e industriais, da poluição, tanto por resíduos industriais, esgotos domésticos, quanto por resíduos de pesticidas e adubos utilizados na agricultura, entre outras. Esta interferência maciça nas matas e nas águas, juntamente com os efeitos do aquecimento global, cada vez mais intensificam a desertificação do mundo que, hoje, cresce cerca de 60 mil quilômetros quadrados a cada ano. A pressão da agricultura sobre os recursos hídricos é tanta que para se produzir um quilo de trigo é necessário entre 400 e 2 mil litros de água. Um quilo de carne entre mil e 20 mil litros. De carne bovina são de 15 mil litros e de carne de aves de 4 mil litros. Mas isso não para pó aí. Para se produzir 1 litro de combustível verde exige-se 2,5 litros de água. Isso também começa a ser discutido, bem como outros problemas, como a contribuição do etanol para a chuva ácida, para a disseminação de nitrogênio. Um relatório recente da ONU diz o seguinte: chegam por ano aos oceanos cerca de 100 milhões de toneladas de nitrogênio, levadas pelos rios e recebidas das lavouras. Este nitrogênio é a principal causa de eutrofização (aumento da quantidade de nutrientes, levando ao acúmulo de matéria orgânica em decomposição) da água, que forma algas e vegetação, prejudicando penetração da luminosidade dos ambientes aquáticos e diminuindo a biodiversidade. Os oceanos já têm hoje várias áreas mortas, algumas com até 70 mil quilômetros quadrados, como no Pacífico e no golfo do México. 

Em conjunção com a ação destruidora do homem sobre o meio natural milhares de pessoas “imprestáveis” para a razão funcional, balizadora do processo de acumulação capitalista, são descartadas e empurradas para a miséria, alienação e para o esquecimento. A conseqüência desta progressiva degeneração dos modos de vida humanos, individuais e coletivos, manifesta-se, sobretudo, através da fragmentação da subjetividade (singularidade ou alteridade), ou seja, daquilo que confere ao homem, de acordo com Guattari (2001), a sua aspereza, a “consciência do seu estar” dentro de sua comunidade e do planeta, na linguagem de Capra (2001): o seu pertencer ao universo (CHADDAD, 2004).

Neste sentido, a questão ambiental suscita, então, muitas discussões sobre quais são os fatores responsáveis por ela, onde devemos nos mirar para que parte deste espírito catastrófico não se torne a mais sombria realidade do mundo. Mas, também, devemos analisar e fazer um exercício mental, para vislumbrar como podemos equacioná-la, como podemos solucionar parte dela. Neste aspecto levanto três observações a respeito da questão ambiental que se faz mais que necessárias hoje se pensar: a questão técnica; a questão relacional (que engloba a questão moral) e o capitalismo.

Neste sentido, a técnica ingenuamente tem sido referendada como um mecanismo que pode modificar este fenômeno destrutivo que está sendo submetido o planeta. Porém, é um pensamento ingênuo. A meu ver, a ciência não é neutra, não está livre de interesses. Esta sim envolta deles, portanto, ela é contraditória e dialética. Este é o grande passo. Entender a ciência não como livre de valores, mas sim perpassada por eles e muitas vezes representativa deles. Exemplos de utilização da ciência de forma antiética não nos faltam em nossa história. As armas de destruição em massa, a morte de milhares de judeus nos campos de concentração nazista, as explosões das bombas atômicas em Hiroshima e Nagazaki, sem dúvida, nada mais foram que o iluminismo levado as últimas consequências, ou seja, a razão pela razão sem ética, que desembocou naquilo que foi chamado por Adorno, Horkheimer e Marcuse como razão instrumental. Este conceito de razão é essencial na teoria destes filósofos. Mas, não foram apenas estes filósofos que, pela primeira vez, fizeram críticas severas a ciência sem ética, a ciência sem arte. Nietzsche em seu “Livro do Filósofo” faz grandes críticas à ciência, mas não a abandona, ou seja, não adota um discurso pós-moderno como muitos querem. Pelo contrário, conforme afirma diz que se deve apropriar da ciência com a arte, o ser humano, em suas palavras, deve determinar o valor da ciência e não a ciência deve determinar a vida dos seres humanos.

Outra questão que a ecologia e uma moralidade ambiental devem pensar é no relacionamento do homem com o seu meio natural. Quase nunca o ser humano buscou atribuir um valor intrínseco, um valor de identidade entre ele e a matéria. Pelo contrário, produto da história, as concepções de natureza que foram construídas pelos seres humanos mostram a natureza como algo apartado, externo, a vida dos homens. Se ainda com alguns dos filósofos pré-socráticos hilozoístas, aqueles que pensam que a matéria é viva, existia uma relação de identidade entre homem e a natureza e suas concepções transmitiam uma cosmovisão panteísta, com os filósofos que os sucederam isto foi completamente modificado, transformado e a natureza, como todo processo que deu origem ao iluminismo e a razão instrumental, foi considerada a desalmada para o cristianismo e a diferença e o irracional para o cientificismo dos séculos XVI e XVII, vigorando até os nossos dias. Mas não podemos apenas pensar nestes aspectos pelo prisma pós-moderno, como querem alguns teóricos, pois a pós-modernidade nega a apreensão totalizante da realidade, o que não permite que entendamos outro fator, que conjuntamente com os outros dois, faz com que a crise ambiental tome proporções alarmantes, o capitalismo.

O capitalismo é um sistema extremamente predatório, que vive à custa do homem e da natureza. É a razão instrumental colocada para funcionar da forma mais avassaladora. Hoje em dia, como já mencionei acima, estamos vivendo e vai-se acentuar, cada vez mais profundamente, a crise ambiental. Estamos vivendo em um momento que temos que mudar nossa matriz energética, utilizar menos recursos naturais, diminuir o crescimento da população e, com isto, a demanda de recursos naturais. Mas, se por um lampejo de sustentabilidade, mudança de consciência, reduzíssemos a compra de mercadorias, com certeza, o capitalismo iria poder entrar em uma recessão, porque o que faz com que ele se mantenha e gere empregos e subempregos para bilhões de seres humanos no mundo, sem dúvida nenhuma, é a criação de necessidades através do processo midiático e a sua conseqüente venda. Sem estes dois fatores o processo capitalista iria ruir e muitas pessoas se tornariam desempregadas. Mais ainda, vejo que toda onda do capitalismo verde que vem sendo proposto desde o Relatório Brundtland, elaborado em 1987, é insustentável e ideológico. Só para um exemplo, os EUA têm uma pegada ecológica que beira 9,5 hectare/pessoa/ano. O máximo que a Terra agüenta segundo estimativas é de 2,1. Ou seja, se universalizasse o desenvolvimento econômico dos EUA para o mundo precisar-se-ia de cinco planetas Terra. Algo impensável.  A natureza não tem condições de suportar a pressão deste sistema e de seus aparatos.

Estas questões devem ser pensadas pela humanidade nos dias de hoje em direção a construção de uma moralidade ambiental. Não adianta se pensar apenas que o conhecimento por si só fará a função de uma mudança de concepção de mundo das pessoas, como querem os teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica. Exige-se mais que o simples conhecimento. Exige-se que se pense o conhecimento e como foram construídos os mecanismos de apropriação da natureza apenas como recurso, livre de uma concepção sagrada de mundo, bem como a também reificação do homem, que, como se afirmou aqui, compõe uma das três ecologias. O conhecimento é importante, é importante dominarmos a técnica. Mas como bem lembrou Nietzsche, em seu Livro do Filósofo: “é necessário ditar o valor da ciência e não nos deixarmos nos conduzir por ela”.

Por isto se faz necessário uma filosofia da moral. Uma análise dos fundamentos que nos conduziram desde a antiguidade, os primórdios do homem, por uma relação instrumental entre o homem e a natureza. Não apenas homem e natureza, mas entre homem e homem - é bom que se diga. Assim, dada a impossibilidade desta filosofia moral de abarcar todas as três relações explicitas acima neste texto, este trabalho centrar-se-á apenas no conceito de razão instrumental proposta por Adorno e Horkheimer e contida em seu texto Dialética do Esclarecimento – O Conceito de Iluminismo, cuja categoria de análise será a relação contraditória entre razão e natureza. Neste sentido, este texto será abordado em apenas algumas passagens, que se creia configura-se em uma forma de entender os passos que a humanidade percorreu desde os seus primórdios em direção ao completo rompimento entre o ser humano e o natural, a externalização do natural, que conforme Adorno afirma foi colocado ao lado de fora, no lugar da diferença e da não identidade pelo mecanismo racionalizador, onde atuou a razão e a religião.

 

2. A RAZÃO INSTRUMENTAL E A NATUREZA

 

Segundo Giroux (1983), os princípios básicos da ideologia instrumental são deduzidos da lógica e do método de investigação às ciências naturais, especialmente os princípios de predição, eficiência e controle técnico, derivado das ciências naturais do século XVIII, ou seja, vindos através do iluminismo. Este tipo de conhecimento se edificou a tal forma que deu origem ao positivismo e a um conhecimento que pode ser tido como acrítico, pois se constrói sem uma negatividade sana. Conforme Habermas apud Giroux (1983), a razão alcança seu mais alto grau e a sua mais complexa expressão no trabalho de karl Marx, depois do que é degenerada e reduzida, de um conceito abrangente de racionalidade, a um instrumento particularizado a serviço da sociedade industrializada. Sustentando esses interesses, está a noção de que há um método científico unitário que não reconhece distinção entre o mundo físico e humano. No centro desta ideologia acômoda-se uma visão operacional da teoria e do conhecimento. Isto é, nesta perspectiva, a teoria é reduzida a uma concepção linear de causalidade, cujo poder explanatório reside no uso de técnicas empíricas rigorosas para descobrir a lógica e a generalidade das assim chamadas ciências naturais.

Como ponto central da lógica da ideologia instrumental e em sua visão de teoria, há a idéia de que todas as relações sociais devem estar sujeitas à quantificação, uma vez que o conhecimento da natureza (o sagrado aqui dissociado), inclusive da natureza humana (reificação do homem) deve ser expresso em linguagem matemática. O conhecimento nessa visão é considerado objetivo, afastado da existência do pesquisador, e sujeito às exigências de uma formulação precisa e exata, como, por exemplo, os postulados elaborados pelo Relatório Brundtland para as soluções ambientais, cuja raiz, como no positivismo, se banha na escola Parmenidica.

Mais que isto também, pois aqui este conhecimento como uma entidade metafísica ou um fetiche separa-se do mundo dos valores, aquilo que Nietzsche[1] - antecipando Adorno e Horkheimer – já atribuía a ciência e o como o homem deveria lidar com estas questões, ou seja, determinar um valor para a ciência e não deixar que esta sociedade se ponha de joelhos aos pés da técnica, como quer os donos do capital. Portanto, segundo Giroux (1983), a ideologia instrumental, como todas as ideologias, deve ser abordada não somente pelos princípios que governam as questões que propõe, mas também pelos temas que ignore e pelas questões que não propõe. Por exemplo, a sua insistência na definição de uma verdade, como sinônimo de verificação empírica e investigação metodológica objetiva, torna-a inoperante para identificar os interesses normativos que modelam sua noção de teoria e investigação social.  Isto é, atrás de sua fachada de separação de valores, existe uma lógica reducionista que não se interessa pela base do conhecimento. Assim, nas palavras de Giroux (1983): “o silêncio da ideologia instrumental, com respeito ao principio normativo do conhecimento, resulta em um discurso que suprime a noção de ética e o valor da história” (p.63).

Assim, os teóricos de Frankfurt dizem que em primeiro lugar deve-se desenvolver uma noção plenamente consciente de razão, noção que abranja tanto a crítica como o elemento da vontade humana e da ação transformadora. Em segundo lugar, significa confiar a teoria à tarefa de resgatar a razão da lógica da racionalidade tecnocrática ou do positivismo. Segundo afirmam, o positivismo emergiu como expressão ideológica final do Iluminismo. A vitória a esta degradação da razão representou o grau inferior do pensamento iluminista. Ao invés de ser o agente da razão, tornou-se seu inimigo e emergiu no século XX como uma nova forma de administração e dominação social. Segundo Horkheimer apud Giroux (1983), o positivismo apresentou uma visão de conhecimento e da ciência que despiu ambos de suas possibilidades críticas. O conhecimento foi reduzido ao domínio exclusivo da ciência e a própria ciência foi submetida a uma metodologia que limitou a “atividade científica” à descrição, à classificação e a generalização do fenômeno, sem o cuidado de distinguir o que é periférico daquilo que é essencial. Essa visão, portanto, corresponde à noção de que o conhecimento deriva da experiência dos sentidos e que o ideal que procura está na “forma de um universo expresso matematicamente, dedutível do menor número possível de axiomas, um sistema que assegure o cálculo da ocorrência provável de todos os eventos, ou seja, elementos presentes em Parmênides e Pitágoras de Samos – raízes da matematização do universo.

Neste sentido, depois de se elaborar uma pequena discussão a respeito da questão ambiental e da razão instrumental e como ela representou a degradação da razão – do iluminismo, faz-se necessário pensar como se comporta a razão instrumental e seus mecanismos administradores e ideológicos perante as questões ambientais. Hoje muito se discute o desenvolvimento sustentável. Mas a noção que vigora entre a sociedade mundial é a de um tecno-desenvolvimento, ou seja, existe um fetiche propalado pelos órgãos governamentais e pela mídia de que o desenvolvimento sustentável será alcançado simplesmente e apenas pela tecnologia, controle da fecundidade das mulheres do terceiro mundo e por políticas de ajustes financeiras. Questões como colocadas acima fazem pensar realmente que as questões ambientais não são levadas a sério, como, por exemplo, a questão da técnica com ética; a questão relacional que emerge das raízes históricas do homem e o capitalismo. Ou seja, tenta-se de todas as formas encobrir as reais raízes da degradação ambiental vigente. Nenhuma, mas nenhuma crítica a este sistema é feito. Ele permanece como algo metafísico cuja solução para os problemas ambientais dependem somente e apenas dos fatores acima citados.

E onde se deve mirar para se vislumbrar os reais fundamentos que promovem a crise ambiental. Como se disse, este texto tenta resgatar algumas reflexões sobre a relação entre o homem e a natureza que estão expressas no texto “A dialética do esclarecimento – O conceito de iluminismo” de Adorno e Horkheimer, para que assim se possam levantar alguns elementos historicamente determinantes dos mecanismos de externalização e diferenciação entre o homem e natureza, promovidos principalmente pela cultura ocidental. Não se pode deixar aqui o conceito de razão instrumental e sua relação com o meio ambiente. É disto que este trabalho trata.

Assim, Adorno e Hokheimer (1999) vêm questionar e adicionar mais idéias ou contribuições a estes comentários sobre a contradição que a razão, como a única e imparcial forma de conhecer, estabelece com a natureza. Para eles, a razão, ao substituir os mitos, tornou-se o próprio mito. O desenfeitiçamento do mundo é a erradicação do animismo, que encontrava respaldo na filosofia dos primeiros filósofos gregos ou mesmo os primeiros filósofos panteístas. O homem aos poucos foi racionalizando o conhecimento, na visão destes autores, e dando lugar à razão que se transformou em uma das grandes correntes do pensamento europeu – o Iluminismo e, hoje, a sociedade tecnoficada, criticada por Eric Fromm em seu livro “A Revolução da Esperança”.

Eles discutem que através dos mitos o homem buscava ter o poder total sobre as entidades – biológicas ou não – e realizar o irrealizável, algo que estava fora do alcance da realidade. Note-se que aqui havia uma identidade entre o animado e inanimado com o ser humano, o que irá desaparecer com a Ciência dos séculos XVI e XVII. Assim, se mesmo com os mitos o homem buscava um poder total sobre os acontecimentos mais corriqueiros da vida, com o advento do poder racionalizador, proposto pelo Iluminismo, ele consegue e todas as entidades passam agora – para este homem da ciência – representar coisas, conforme afirmam estes autores:

 

 

Um átomo não é desintegrado enquanto representante, mas enquanto espécimen (espécie) da matéria. E o coelho não assume qualquer função representativa, mas incompreendido – pois irracional para a ciência – atravessa a via crucis do laboratório como um mero exemplar (p.26).

 

 

Por ai vislumbra-se como o mecanismo racionalizador operou, completamente, a separação do homem e da natureza, subjugando esta ao domínio daquele. O que não se pode negar, portanto, é o gritante processo racionalizador que tem suas origens no mito e se transforma em outro mito – o culto ao pensamento científico, que explica tudo e transforma as entidades que eram idênticas ao ser humano em coisas – que não cabe ou se encaixa em lugar algum. É o que afirmam Adorno e Hokheimer (1999) quando discutem a questão do mito em relação à ciência, na ânsia do homem ter o domínio sobre todas as coisas na Terra. Aqui também há a comparação entre a religião olímpica com o monoteísmo judaico-cristão que têm ambos o dever “moral” de dominar a natureza:

 

O mito pretendia relatar, denominar, dizer a origem; e assim, expor, fixar, explicar. Com a escrita e a compilação dos mitos, essa tendência se fortaleceu. De um relato que eram eles logo passaram a ser doutrina. Todo ritual inclui uma representação do acontecer enquanto processo determinado que se destine a ser influenciado pelo feitiço. Este elemento teórico do ritual tornou-se independente na mais antiga das epopéias dos povos. Os mitos, tais como encontrados pelos autores trágicos, já estavam sob o signo daquela disciplina e daquele poder louvados por Bacon (ciência) como o objetivo a ser perseguido. Em lugar dos deuses e demônios locais, aparecem o céu e sua hierarquia, em lugar das práticas de conjuração do feiticeiro e da tribo, surgem os sacrifícios de vários níveis hierárquicos e o trabalho dos escravos mediatizados pelo mundo. As divindades olímpicas não são mais imediatamente idênticas aos elementos, elas os significam. Em Homero, Zeus preside o céu diurno, Apolo guia o Sol, Hélio e Eros já derivam para o alegórico. Desde então, o ser se decompõe, por um lado, em logos que, com o progresso da filosofia, se comprime na mônada, num mero ponto de referência, e, por outro lado, na massa de todas as coisas e criaturas lá fora. Uma única diferença, a diferença entre a própria existência e a realidade, absorve todas as outras. Sem que sejam respeitadas as diferenças, o mundo torna-se sujeito ao homem. Neste ponto, concordam a história da criação judaica e a religião olímpica. “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, os animais selvagens e todos os répteis que rastejam sobre a terra (p.23). 

 

 

A filosofia panteísta que existia na forma de conceber a ciência dos primeiros pré-socráticos – onde o modo de conceber a ciência não se separava e não coisificava o Todo – foi completamente separada da natureza, ainda no começo da humanidade, e tornou, no século XVI e XVII, uma das maiores correntes filosóficas do mundo, que, de uma vez por todas, separou o mito – como forma de conhecer – do método científico, o que tem validade, colocando-o em um patamar de crença, sem valor algum. Não se pode deixar de lado que, mesmo com esta filosofia panteísta – típica da filosofia destes primeiros filósofos – existiam as epopéias homéricas, onde, conforme Adorno e Hokheimer, Deus não se identificava com a matéria para a grande maioria dos gregos. Pelo contrário, como estes pensadores afirmam os deuses controlava os fenômenos naturais. Este modo de “ver” o mundo foi se racionalizando cada vez mais e deu origem tanto ao monoteísmo judaico-cristão quanto a ciência dos séculos XVI e XVII que teve em Galileu, Descartes, Bacon e Newton seus grandes representantes.

Assim, não há que se negar – segundo estes autores – que mesmo os mitos possuem um processo racionalizante, em que o homem busca o domínio sobre algo. Não há distinção, de acordo com isto, entre o mito e a ciência em seus pressupostos, quando utilizados para o domínio – neste caso específico que trata este trabalho – da natureza, a morte e a dor. Estas bases são idênticas uma da outra, em seu substrato. Apenas a ciência, porém, é muita agressiva ao meio, pois ela tem o ônus da prova. Mesmo que ela carregue a subjetividade do pesquisador, mesmo que ela seja influenciada pela ideologia – segundo Marx, falso conhecimento – e pelo inconsciente de Freud, ela ainda se intitula como uma verdade inabalável. Neste sentido, o que é o observador a não ser um sujeito que sofre as influências diretas do seu meio?

Há que se ressaltar também aqui que as ciências estão sempre passando por transformações, que a ciência dura – de base positivista – esta se transformando e se reestruturando constantemente. Haja vista, o que foi dito acima sobre a ideologia de Marx e o inconsciente de Freud. Estas só foram dois dos limites impostos pela própria ciência a ciência. Hoje, com as novas descobertas científicas já há novas imposições a ciência clássica – que tudo conhece. Aqui não se propõe abdicar da ciência clássica. Ela contribuiu e contribui muito para a nossa civilização, mas, porém, há nela limites que devem ser reconhecidos. Como alternativa não se deve propor uma ciência pós-moderna. Deve-se, no entanto, se apropriar criticamente da razão – apontar os seus limites e possibilidades – para que possamos viver com mais ética e com sabedoria e é isto que a escola de Frankfurt nos recomenda ou nos impõem diante dos dilemas hoje presentes na humanidade.

E qual educação deve se proposta para que se efetive uma moral ou uma filosofia moral para o meio ambiente? Não se pode deixar de lado o conhecimento. O conhecimento em suas formas mais desenvolvidas deve se ensinado nos meios formais de educação. É necessário perceber que sem este conhecimento não há mudança. Mas vejo, também, que deve existir com relação ao meio ambiente uma pedagogia diferenciada do que a simples transmissão do que há de mais desenvolvido na cultura humana. As questões ambientais envolvem discussões de forma coletiva para os problemas ambientais. Envolvem metodologias em que os homens consigam juntos compartilhar informações e vivências a respeito de seus problemas ambientais, ou seja, estes processos, portanto, radicam-se nas metodologias participativas.

 Assim, a participação política popular é imprescindível na construção de uma nova sociedade, mais solidária e justa, e democrática. Para tanto, calcada nas metodologias participativas e críticas privilegia a resolução de problemas enquanto tema gerador - pois a Verdade se constitui historicamente, não é um dado posto e acabado, o final de um percurso. Assentando-se em uma práxis transformadora, na medida em que partindo dos fatores cotidianos e locais, de seu meio ambiente ou realidade concreta, os homens ampliam a discussão atingindo níveis cada vez mais complexos e globais de conhecimento e ação, visando através da crítica ao sistema capitalista e aos seus aparatos ideológicos, científicos, políticos, sociais e religiosos criar as sociedades sustentáveis (ANDRÉ, 1995; CAMPOS, 2000; GUIMARÃES, 2001; OLIVEIRA; NOVICK, 2004; CHADDAD; SILVA, 2010; CHADDAD; CHADDAD; GHILARDI, 2011).

As metodologias de pesquisa que atendem a uma proposta de educação ambiental crítica e transformadora, que se sustenta nas relações sociais para a resolução dos problemas ambientais, se referem às metodologias participativas. Segundo Stamato (2002) e Moacir Gadotti apud Oliveira e Novicki (2004), estas metodologias requerem o conhecimento e emergem tendo como eixo comum à realidade local e visam à intervenção conjunta, envolvendo o pesquisador e os membros da situação estudada para a solução de problemas concretos, que têm em vista a conscientização dos participantes e a transformação da realidade. O efeito deste processo de construção de conhecimento coletivo e participação nas decisões, numa leitura gramsciana, objetiva forjar o intelectual das classes populares. A educação ambiental, realizada através destes parâmetros, deixa de ser vista por uma ótica conservadora passando a ser definida como eminentemente política: enfatizadora do “porque fazer” do “como fazer”. A práxis desta educação ambiental gera uma pedagogia que se diferencia da concepção de educação que se edifica no positivismo instrumental ou mesmo na linha teórica da pós-modernidade, em que apenas os fatores naturais ou então integração do homem com a natureza são levados a cabo, deixando de lado as questões históricas e economicistas e seus aparatos supressores da transformação radical da sociedade. Ou seja, uma práxis que gera uma educação transformadora que se radica em uma antropologia que considera o homem um ser social e criador de sua realidade, sujeito da história, e que se transforma na medida em que transforma o mundo.

 

3. CONCLUSÃO

Com base neste esboço torna-se importante reforçar a idéia de que uma moralidade ambiental deve se sustentar no conhecimento das raízes históricas que fez com que o ser humano se dissociasse cada vez mais da natureza, transformando-a no lugar da diferença e do irracional – sem nenhuma identidade com o ser humano. Além disso, também, levantou-se a idéia neste texto de que não basta apenas conhecer. É necessário que os homens em conjunto, pois somos animais políticos, reconheçam, analisem seus problemas ambientais e proponham modificações em suas vidas, procurando novas formas de estar e se relacionar com o mundo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ADORNO, T; HORKHEIMER, M. O conceito de iluminismo. São Paulo: Abril Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).

 

ANDRÉ, MEDA. Etnografia da prática escolar: diferentes tipos de pesquisa qualitativa. Campinas: Papirus, 1995.

 

CAPRA, F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. 25ed. São Paulo: Cultrix, 1999.

 

CASELLA, D.M.A et al. A crise ambiental: uma análise jus-sociológico. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/2726/1/a-crise-ambiental/pagina1.html> Acesso em: [28/02/2014].

 

CHADDAD, FR; SILVA, RHA. Concepções de educação ambiental em alunos de um curso de ciências biológicas. Enciclopédia biosfera, v.6, n.10, p.1-9, 2010.

 

CHADDAD, FR; CHADDAD, MC; GHILARDI, RP. Problemas e questionamentos a educação ambiental crítica. 1ed. Pará de Minas: Virtualbooks, 2011.

 

CHADDAD, FR. Formação Continuada: desenvolvimento de um projeto de educação ambiental - 2004. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), 2004.

 

CAMPOS, MF. Educação ambiental e paradigmas de interpretação da realidade: tendências reveladas. [tese de doutorado] Campinas, 2000. 389p.

 

GIROUX, H. Pedagogia radical: subsídios. São Paulo: Editora Autores Associados/Cortez Editora, 1983.

 

GUATTARI, F. As três ecologias. Campinas: Papirus, 2001.

 

GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. Campinas: papirus, 2001.

 

NIETZSCHE, F. O livro do filosofo. São Paulo: Escala, 2013.

 

NOVAES, W. A sobrevivência humana ameaçada. Disponível em: <http://www.portaldomeioambiente.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1100:-qa-sobrevivencia-humana-ameacadaq-entrevista-com-washington-novaes&catid=957:entrevistas&Itemid=630> Acesso em: [28/02/2014].

 

OLIVEIRA, M. G. B; NOVICKI, V. Educação ambiental no programa de despoluição da baia de Guanabara. Anped Sudeste. Rio de Janeiro: 02 a 06/05/2004. (CD-ROM).

 

SCHORR, M. A Crise ambiental traz imensa crise de escassez para a humanidade. Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/2009/01/26/a-crise-ambiental-traz-uma-imensa-crise-de-escassez-para-a-humanidade-entrevista-especial-com-mauro-schorr/> Acesso em: [28/02/2014].

 

STAMATO, B. texto de aula-palestra: investigação ação participativa na comunidade. Universidade Estadual Paulista (UNESP). Botucatu: 18/03/2002.



[1] No Livro do Filosofo.

Ilustrações: Silvana Santos