Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/09/2014 (Nº 49) INTERAÇÕES ENTRE UNIVERSIDADE E SOCIEDADE EM AXIXÁ DO TOCANTINS – TO: UMA PROPOSTA DE AÇÃO EDUCATIVA COMO PASSO INICIAL PARA ENFRENTAMENTO DE PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS
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INTERAÇÕES ENTRE UNIVERSIDADE E SOCIEDADE EM AXIXÁ DO TOCANTINS – TO: UMA PROPOSTA DE AÇÃO EDUCATIVA COMO PASSO INICIAL PARA ENFRENTAMENTO DE PROBLEMAS SOCIOAMBIENTAIS

 

Oswaldo Gonçalves Junior

Doutor em Administração Pública e Governo

  Faculdade de Ciências Aplicadas

Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

osgoju@yahoo.com.br

 

Alessandra Aparecida Viveiro

Doutora em Educação para a Ciência

  Faculdade de Educação

Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

alessandraviveiro@gmail.com

 

 

RESUMO

Contextualiza e descreve o trabalho desenvolvido pela equipe da UNESP de Araraquara no município de Axixá do Tocantins durante o Projeto Rondon. Apresenta proposta multidisciplinar desenvolvida e voltada para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, entendendo-se que a rede municipal de ensino constitui-se num espaço estratégico para desencadear processos formativos que possam atingir, direta ou indiretamente, o público escolar e população em contato com esta. Focando a Serra do Estrondo, patrimônio natural local, a proposta objetiva a articulação de conhecimentos teóricos e práticos a partir de conteúdos relacionados à temática ambiental para enfrentamento de problemas socioambientais.

 

Palavras-chave: Axixá do Tocantins; Serra do Estrondo; Projeto Rondon; Educação Ambiental; Problemas socioambientais. 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A proposta apresentada neste trabalho nasceu a partir da interação de uma equipe de alunos universitários e docentes da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara – UNESP com a comunidade de Axixá do Tocantins, município situado no extremo norte do Estado do Tocantins, na Microrregião do Bico do Papagaio (Figuras 1 e 2), durante a Operação Portal da Amazônia do Projeto Rondon.

O território do Bico do Papagaio localiza-se na confluência entre os rios Araguaia e Tocantins, fazendo divisa com os Estados do Pará e do Maranhão. Está em uma zona de transição entre os biomas Floresta Amazônica e Cerrado, em uma área com densa vegetação de babaçu (palmeira da família botânica Arecaceae) e outras palmáceas, como o buriti e a macaúba. O babaçu, em especial, é de grande importância econômica para a região, uma vez que a planta é totalmente aproveitada para fins diversos. Muitas famílias sobrevivem da agricultura de subsistência associada à exploração do babaçu, realizada tradicionalmente de modo artesanal por mulheres, as chamadas “quebradeiras de coco” (FERREIRA, 2005).

 


Figura 1: Mapa do Estado do Tocantins com destaque para a Microrregião do Bico do Papagaio. (Fonte: ABREU, 2006)

 


 

Figura 2: Mapa do Estado do Tocantins com destaque para o município de Axixá do Tocantins. (Fonte: ABREU, 2006)

 

Nas décadas de 1960 e 1970, a região era a porta de entrada para a Amazônia Legal. Tornou-se zona de intensos conflitos agrários entre grileiros e posseiros, vindos em sua maioria dos Estados do Piauí e Maranhão em busca de terras, e fazendeiros da região centro/sul do país, interessados na ocupação para criação de gado de corte, motivados pelos incentivos do Governo Federal que pretendia ocupar e promover o crescimento econômico da região (SILVA; CUNHA, 2012).

A partir da década de 1960, o acesso aos babaçuais para exploração extrativista, até então livre, passou a ser dificultado pelas cercas e porteiras das fazendas, gerando intenso conflito entre as famílias que viviam da extração do babaçu e empregados dessas fazendas, o que ocasionou inclusive a morte de muitas pessoas (MATOS, 2005).

Ainda hoje os conflitos existem na região, a exemplo da luta de milhares de mulheres quebradeiras de coco que reivindicam, entre outras demandas, livre acesso aos babaçuais, concentrados cada vez mais em áreas privadas que têm se tornado inacessíveis ao trabalho extrativista (CARRAZZA; SILVA; ÁVILA, 2012).

A dinâmica socioeconômica da Microrregião, marcada pela exploração de recursos naturais, dá o tônus à relação sociedade-ambiente. Assim, o Bico do Papagaio situa-se no chamado “arco do desmatamento”, com a substituição da vegetação nativa pelo plantio de pastagens e grandes monoculturas exploradas pelo agronegócio, em um ritmo acelerado, que constitui um grave problema ambiental, ocasionando a perda de biodiversidade bem como uma ameaça à sobrevivência dos trabalhadores agroextrativistas e de outros grupos que trabalham com a agricultura familiar nesses locais (ROCHA, 2011).

            Nesse cenário é que se insere o município de Axixá do Tocantins (Figura 3). O termo Axixá faz referência ao nome popular de uma árvore (Sterculia sp.) bastante comum na vegetação nativa da região. O povoado que lhe deu origem se constituiu em 1953, a partir de moradores que se dedicavam à exploração do babaçu e à caça de animais silvestres. No início da década de 1960, foi emancipado com o nome Axixá de Goiás e, a partir da constituição do Estado do Tocantins, em janeiro de 1989, passou a ser denominado como Axixá do Tocantins, ocupando uma área de aproximadamente 150Km2 (IBGE, 2014).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 3: Imagem de satélite com visualização da área urbana do município de Axixá do Tocantins.

 

O censo de 2010 indicava uma população de 9.275 habitantes, com concentração de crianças e jovens dos 5 aos 19 anos.  O produto interno produto tem sua principal contribuição advinda do setor de serviços, com reduzida contribuição da indústria e do setor agropecuário, ainda que 1/3 da população se dedique a atividades rurais (Id., 2014).

Dados relativos ao Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) indicam que o município de Axixá do Tocantins está situado na faixa mediana (IDHM Médio entre 0,6 e 0,699), obtendo em 2010 o índice de 0,627. A dimensão que mais cresceu entre 2000 e 2010, em termos absolutos, foi Educação (com crescimento de 0,284), seguida por Longevidade e por Renda (PNUD, 2013). Nos últimos anos, houve um avanço significativo em termos de proporção de acesso e fluxo educacional, embora o perfil econômico do município não tenha acompanhado essa evolução no mesmo grau.

Com relação aos aspectos ambientais, a paisagem do entorno é bastante modificada, ocupada por grandes fazendas, assentamentos e agrovilas. Persistem babaçuais em algumas áreas, mas Rocha (2011) aponta que as pastagens alteraram profundamente a paisagem no município.

A principal referência na paisagem natural local é a Serra do Estrondo, constituída por um maciço rochoso de aproximadamente 443 metros de altitude ocupando extensa área do território axixaense (Figura 4). Do alto da Serra é possível avistar toda a mancha urbana de Axixá do Tocantins e, ao longe, Imperatriz do Maranhão – MA. No sopé da Serra, observa-se densa floresta de babaçu, exibindo ainda outras espécies de palmeiras nativas da região. Na encosta voltada para a área urbana do município, predominam árvores características de cerrado.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 4: Vista aérea da área urbana de Axixá do Tocantins, com a Serra do Estrondo ao fundo. (Fonte: CIDADE BRASIL, 2009)

 

A dificuldade de acesso parece ter sido um dos principais fatores que permitiu que a Serra do Estrondo mantivesse boa parte da vegetação nativa e suas características naturais ao longo do tempo. Ainda assim, observa-se degradação causada pela ação antrópica sobre o ambiente, como o desmatamento, sobretudo na plataforma superior, feito por meio de queimada, e o lixo deixado pelos visitantes.

Apesar de constituir um patrimônio natural de destaque no município, entre os moradores, somente alguns jovens se aproximam da Serra do Estrondo, percorrendo as trilhas e acampando no alto da Serra. Entre os adultos e idosos, alguns recordam saudosos de terem subido a Serra uma ou duas vezes na juventude. Boa parte dos moradores, no entanto, nunca percorreu as trilhas, o que expõem a ausência de senso de pertencimento no tocante a este patrimônio.

 

INTERAÇÕES A PARTIR DO PROJETO RONDON

 

O Rondon é um projeto de integração social no qual alunos universitários, sob a supervisão e orientação de professores coordenadores, desenvolvem atividades voluntárias em regiões com diferentes características sociais e culturais do país (BRASIL, s/d).

A participação das Instituições de Ensino Superior (IES) se dá a partir do processo de submissão de proposta de trabalho em resposta a editais lançados semestralmente pelo Ministério da Defesa, órgão responsável pelo Projeto. Após a seleção, os professores coordenadores das equipes das IES participantes visitam os municípios, aprofundando o conhecimento sobre  conhecendo a realidade e estabelecendo contato com gestores e líderes municipais para ajustar a proposta de acordo com as demandas e necessidades locais (Id., s.d.).

Em razão do baixo desenvolvimento socioeconômico, Axixá do Tocantins foi selecionado para integrar o grupo de municípios alvo das ações do Projeto Rondon na Operação Portal da Amazônia em janeiro de 2014.

A partir de demandas evidenciadas na viagem precursora, a equipe da UNESP Araraquara, composta por oito estudantes de graduação das áreas de Administração Pública, Ciências Econômicas, Ciências Farmacêuticas, Letras e Pedagogia, desenvolveu oficinas, minicursos, palestras e rodas de conversa relativas a temas como a implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, descarte adequado do resíduo clínico hospitalar, associativismo e cooperativismo, qualidade do atendimento no serviço público, gestão do orçamento familiar, turismo como oportunidade para o desenvolvimento local e Educação Ambiental.

De modo geral, embora tivessem um público-alvo, todas as atividades eram abertas para a comunidade interessada. As ações ocorreram durante duas semanas em diferentes espaços, com dois dias de atividades concentradas em Assentamentos da área rural (Pequizeiro e Buritis) e os demais na área urbana.

A título de exemplo, segue breve descrição de algumas das ações desenvolvidas.

A palestra "Economia Doméstica e Orçamento Familiar” teve três edições. Em uma delas, reuniu os alunos da Educação de Jovens e Adultos atendidos pelas escolas municipais, inclusive da área rural, que tiveram suporte da Prefeitura para deslocamento. Também foi realizada nos dois Assentamentos, com público variado. Tinha como objetivo discutir conceitos financeiros e formas de alocação de recursos, de modo a otimizar o uso da renda familiar, respeitando as restrições orçamentárias existentes.

A palestra "Formas de Organização: associativismo e cooperativismo" ocorreu nos Assentamentos rurais reunindo tanto membros das associações existentes, como das quebradeiras de coco de babaçu, quanto interessados em possibilidades de articulação. A atividade teve como objetivo sensibilizar a comunidade local sobre dinâmicas econômicas diferenciadas, buscando a integridade produtiva, a união e a sustentabilidade.

A roda de conversa sobre a "Implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos” ocorreu na Câmara Municipal, reunindo gestores (secretários e vereadores) e membros da sociedade civil preocupados com a temática ambiental. Tinha como objetivo sensibilizar os participantes para a necessidade da adequada gestão dos resíduos sólidos no município bem como esclarecer e discutir sobre as demandas urgentes que devem ser atendidas a partir da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

O minicurso “Educação Ambiental” foi desenvolvido junto aos professores dos anos finais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino. Tinha como objetivo conhecer as práticas já realizadas, discutir sobre as dificuldades encontradas e sensibilizar os docentes sobre a importância de desenvolvimento de ações e projetos envolvendo a Educação Ambiental na escola, bem como fornecer elementos teóricos e metodológicos que subsidiassem essas práticas. 

Nos dois Assentamentos e na área urbana, foram desenvolvidas oficinas com crianças voltadas à percepção ambiental. Nas áreas rurais, tiveram foco na valorização e necessidade de conservação do patrimônio natural, com ênfase para a problemática do descarte irregular de resíduos sólidos. As atividades na região central da cidade exploraram as diversas formas de poluição presentes no espaço urbano.

Com a participação da comunidade, a equipe realizou também uma visita à Serra do Estrondo para reconhecimento da área, discussão sobre o potencial turístico do local e a necessidade de valorização e conservação do patrimônio pelo comunidade.

O desenvolvimento das atividades junto a públicos diversos, os diálogos com representantes de diferentes segmentos e a observação cuidadosa da realidade possibilitou também diagnosticar desafios, o que permitiu fornecer orientações, no caso de questões menos complexas, e construir propostas apontando caminhos para que o município encontrasse soluções para problemas em várias áreas.

A problemática dos resíduos sólidos foi um dos temas em que se atuou, propondo, além de orientações, caminhos e ações concretas para uma atuação mais incisiva no município. A necessidade de adequação de todos os municípios brasileiros à Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2010) implica na elaboração e implementação de um Plano Municipal de Gestão desses resíduos. Entre outros aspectos relevantes, envolve o fim dos lixões, que devem ser substituídos por aterros sanitários. A dificuldade enfrentada por pequenos municípios, como Axixá do Tocantins, recai no alto custo para construção destes locais.

Diante disso, a própria Política preconiza que sejam estabelecidos consórcios intermunicipais para viabilizar a construção de aterros sanitários compartilhados. O município de Axixá do Tocantins compõe um desses consórcios, mas constatou-se que havia um desconhecimento da Política e um estranhamento quanto à complexidade da responsabilidade do município pela questão, para além da construção e gestão do aterro.

Segundo a determinação da Política, o poder público local terá que implementar programas de coleta seletiva, separação e destinação correta dos resíduos. Não por acaso, enfatiza a importância do envolvimento de associações e cooperativas de catadores, bem como uma perspectiva de valorização mercadológica dos produtos que possam gerar emprego e renda ao município. Ao mesmo tempo, o envolvimento da população é peça chave para a concretização da transformação na forma como se lida com o lixo. Nesse sentido, entre outros aspectos, enfatizou-se a necessidade de mudança de postura através da sensibilização e conscientização de toda a comunidade, o que atribui à Educação Ambiental papel estratégico. A rede escolar pode e deve ser envolvida nesse processo, uma vez que crianças, jovens e adultos são tanto sujeitos a serem transformados quanto multiplicadores nos diferentes espaços em que estão inseridos (trabalho, família, grupos religiosos etc.).

Na área rural, nas atividades com os temas associativismo e cooperativismo, buscou-se, junto a representantes da Associação das Quebradeiras de Coco, identificar falhas nos processos de organização e pensar em possíveis caminhos para fortalecimento desses grupos. Além disso, procurou-se evidenciar que outros pequenos produtores podem se fortalecer e aumentar o poder de negociação de seus produtos a partir da criação de associações, como é o caso dos produtores de leite.

A percepção é de que prevalece, entre os grupos, grande desorganização que envolve tanto o desconhecimento, por parte dos envolvidos, dos objetivos de uma associação quanto das potencialidades que justificam a própria existência desta forma de organização, ou seja, que a união pode proporcionar oportunidades que o isolamento desfavorece. Isso tem resultado no desperdício dos incentivos governamentais recebidos como verbas e maquinários e que hoje poucos resultados trazem, sobretudo pensando-se numa maior autonomia de pessoas dependentes dos programas de transferência de renda. É imprescindível a busca de apoio técnico especializado para que essas associações saiam efetivamente do papel e cumpram seus objetivos.

Por fim, chamou a atenção a natureza exuberante da região de Axixá do Tocantins, um patrimônio natural e cultural com enorme potencialidade para o ecoturismo e o turismo rural, modalidades crescentes em nível mundial, ao passo que, no município, a atividade se desenvolve de forma não organizada, precária e esporádica, além de não contar com representação na estrutura de governo local.

A atividade do turismo pode estimular o comércio, o setor de serviços, além de criar postos de trabalho em setores hoje inexistentes, como no caso de guias turísticos, ampliando as oportunidades de geração de emprego e renda em um município que tem a sua população altamente dependente de programas de transferência de renda e dos empregos públicos municipais.

O turismo apresenta potencial de dinamizar a economia como um todo e aumentar a arrecadação de Imposto sobre Serviços, reforçando o caixa da Prefeitura. Mas, para que isso se viabilize, é necessário um planejamento que busque parceiros que apoiem um projeto estruturado, caso contrário, um fluxo desordenado de turistas pode trazer impactos nocivos à cidade, causando efeito contrário ao esperado.

Nesse sentido, um caminho apontado foi que o poder público local busque apoio técnico e gratuito em instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e as universidades com campus na região. Estas instituições podem orientar sobre diferentes pontos de vista e dotar a Prefeitura de capacidade técnica para captação de recursos junto aos governos estadual e federal mediante submissão de projetos a editais lançados, por exemplo, pelo Ministério do Turismo.

Em termos de estrutura administrativa, a Prefeitura pode criar uma Secretaria do Turismo e Meio Ambiente atribuindo a este órgão a centralização das ações ligadas ao setor.

 

Uma proposta multidisciplinar: Educação Ambiental em foco

 

            A partir das atividades desenvolvidas, na interação da equipe com a comunidade axixaense, e diante dos problemas socioambientais diagnosticados, a rede escolar foi identificada como espaço estratégico de ação.

No Ensino Fundamental, são 25 escolas onde atuam 132 docentes de diferentes áreas e 2.556 alunos matriculados. O Ensino Médio é atendido por apenas uma escola estadual, envolvendo 23 docentes e 740 estudantes. A Educação Infantil é ofertada por 23 escolas, envolvendo 35 docentes e 436 alunos (INEP, 2012). Pelos dados, nota-se que a educação formal atinge diretamente, entre crianças, jovens e adultos, aproximadamente 40% da população axixaense.

Entende-se que as escolas são, portanto, espaços estratégicos para desencadear processos formativos que possam atingir, direta ou indiretamente, os indivíduos do município, estejam estes frequentando a escola ou convivendo com estudantes que possam multiplicar conhecimentos.

Nessa perspectiva, o minicurso de Educação Ambiental desenvolvido durante o Projeto Rondon, foi direcionado a todos os professores dos anos finais do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino, buscando favorecer a formação de dinamizadores ambientais, ou seja, profissionais capazes de construir o ambiente educativo como um dos nós de uma rede para debate, reflexão, aprendizagem e difusão de informações, contribuindo para democratização da sociedade e ampliação do espaço público (GUIMARÃES, 2004).  

A interação com os professores, durante o minicurso, permitiu identificar que o município dispõe de um quadro qualificado de docentes, receptivo à discussão da temática ambiental. Averiguou-se, inclusive, que ações pontuais vêm sendo desenvolvidas nesse campo, embora elas, em geral, se restrinjam a iniciativas individuais em temas tradicionalmente explorados em práticas de sala de aula (reciclagem de papel, artesanato confeccionado com embalagens etc.).

É nessa perspectiva que entra a proposta relativa à Serra do Estrondo, foco deste trabalho. A partir da visita ao local, realizada pela equipe com a participação da comunidade, algumas reflexões emergiram, com destaque para dois pontos: a surpreendente riqueza do patrimônio natural e o processo de degradação em curso.

Diante desse cenário, elaborou-se uma proposta multidisciplinar, que pode avançar para uma proposta interdisciplinar, com o objetivo de propiciar a articulação de conhecimentos teóricos e práticos a partir de conteúdos relacionados à temática ambiental para enfrentamento de problemas socioambientais locais. O foco multidisciplinar e interdisciplinar se justifica pela compreensão de que, por um lado, as preocupações e responsabilidades ambientais perpassam todas as áreas do conhecimento e, por outro, a busca de soluções exige um olhar abrangente possibilitando contribuições dos diversos campos do saber. Segundo Leff (2001), o ensino interdisciplinar no campo ambiental exige a articulação entre as ciências, possibilitando uma visão integradora da realidade.

Nesse sentido, a proposta, que foi disponibilizada aos professores da rede municipal de ensino, envolve o desenvolvimento de atividade que engloba processos mediados pelos professores de preparação, saída a campo e continuidade em sala de aula a partir das diferentes etapas envolvidas, tendo como público alvo estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

 

DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA

 

Público-alvo: alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio (considerando o teor das atividades de campo propostas, elegeu-se a idade mínima 10 anos).

 

Áreas: Artes, Biologia, Ciências, Educação Física, Filosofia, Física, Geografia, História, Matemática, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Química, Sociologia.

 

Temas relacionados: resíduos sólidos, consumo, relação homem-natureza, percepção ambiental, solo e relevo, evolução geológica, bacia hidrográfica, paisagem, processo histórico de ocupação, fauna e flora, relações ecológicas, conservação, participação e cidadania, potenciais turísticos, desenvolvimento local etc.

 

Objetivo geral: propiciar a articulação de conhecimentos teóricos e práticos a partir de conteúdos relacionados à temática ambiental por meio de uma atividade de campo.

 

Antes e depois da atividade de campo: a dinâmica em cada área

É fundamental que antes e após a atividade de campo o professor desenvolva, juntamente com seus alunos, conteúdos relacionados à temática ambiental, favorecendo uma integração entre teoria e prática. A partir do roteiro fornecido, cabe a cada área identificar possíveis pontos para que ocorra essa integração.

A disciplina de Língua Portuguesa, tendo como perspectiva a comunicação pública, pode estudar mensagens presentes em placas de sinalização, propondo a elaboração de material destinado tanto à informação de frequentadores da Serra do Estrondo quanto à sensibilização da população para a conservação deste importante patrimônio natural.

A área de Artes pode contribuir com atividades que resultem na expressão gráfica desses conteúdos. Além disso, os alunos podem ser estimulados a realizarem registros fotográficos de diferentes aspectos do local voltados tanto para estudo (relevo, paisagem, vegetação, fauna, conservação, vestígios da presença humana etc.) quanto para a divulgação junto à comunidade, considerando que muitos moradores nunca estiveram na Serra.

Para a área de Língua Estrangeira, uma sugestão é trabalhar com uma estratégia de simulação em que os estudantes elaborem pequenos roteiros sobre a Serra do Estrondo para visitantes estrangeiros, bem como façam a tradução do conteúdo das placas de sinalização trabalhadas nas áreas de Língua Portuguesa e Artes.

Para a área de Biologia, uma ideia é explorar a problemática dos impactos gerados pela presença humana no local (lixo, queimada, caça, erosão, alterações na vegetação etc.).

A área de Educação Física pode desenvolver conteúdos relacionados tanto ao condicionamento físico em geral quanto aos aspectos de fisiologia e anatomia humana relacionados ao esforço necessário à subida e descida da Serra.

Nas áreas de História e Sociologia, seria interessante os alunos realizarem pesquisa junto a moradores mais antigos investigando aspectos como o significado atribuído à Serra bem como os possíveis e diferentes usos desse espaço ao longo do tempo.

Estas são apenas algumas possibilidades que não esgotam o potencial de exploração de uma iniciativa subsidiada por uma atividade de campo.

 

Você, professor, pode, em parceria com seus alunos, organizar todo esse material para uma exposição aberta à comunidade, ampliando o raio de ação e os impactos dessa iniciativa. Nesse sentido, essa ação contribuirá tanto para a educação escolar quanto para uma educação que extrapole os muros da escola.

 

Atividade de campo

 

Materiais Necessários: sacos de lixo, luvas, água potável, lanche, câmera fotográfica.

 

Roteiro:

Recomenda-se que a atividade seja realizada a partir do início da manhã, evitando-se um desgaste físico maior em razão do forte sol e da alta temperatura da região. Cuidados como uso de filtro solar, chapéu e vestimentas e calçados adequados são fundamentais para se evitar problemas com queimaduras e desconforto durante a atividade. É importante, ainda, que se providencie água em quantidade suficiente para subida e descida pois, na trilha, não há água potável para consumo.

O grupo deve ser acompanhado por alguém que conheça o trajeto a ser percorrido e tenha a preocupação de orientar para pontos que exijam maior atenção para garantir a segurança dos visitantes.

O trabalho pedagógico deve se iniciar na entrada da trilha, quando então se trava um primeiro contato com o local. Nesse momento deve ser retomado o objetivo da visita, sensibilizando os alunos para a importância da atividade.

Na sequência, os estudantes são convidados para, durante a trilha, ficarem atentos para uma adequada percepção do ambiente. Isso envolve ativar todos os sentidos, estando atentos para os diferentes sons, cores, texturas e aromas ao longo do trajeto. Para auxiliar nesse processo de percepção, podem ser usados instrumentos de medida de luminosidade, temperatura e umidade, propiciando comparar a variação dessas características nos diferentes pontos da trilha (vegetação com dossel fechado ou aberto, menor ou maior altitude etc.). Instrumentos de medida como luxímetro e termo-higrômetro podem ser adquiridos em lojas especializadas por um baixo custo. Paralelamente, podem ser feitos registros fotográficos de pontos de interesse. Não é necessário que os alunos façam anotações, exceto em caso de propostas que envolvam a coleta de dados específicos conforme previsto pelo professor.

Vencida a subida, o alto da Serra propicia um olhar sobre a paisagem: o ambiente rural e urbano de Axixá, as vias de acesso à cidade, as formações do relevo, as diferentes manchas de vegetação, a cidade de Imperatriz – MA, possível de ser avistada do alto. Além disso, é possível explorar as características de ocupação da própria Serra (os impactos humanos no alto e nas encostas).

Uma roda de conversa permitirá a discussão sobre os pontos observados e marcantes, com destaque para a problemática da degradação desse ambiente, visível na alteração da vegetação e pelos resíduos deixados por visitantes (garrafas PET, embalagens, latas de bebida etc). Nesse momento, organiza-se um mutirão para recolha desses materiais no alto e na trilha de descida da Serra. Equipes de três ou quatro estudantes, munidas de sacos de lixo e luvas, coletarão os resíduos encontrados no caminho que deverão ser levados para um ponto onde haja coleta pelos caminhões da Prefeitura.

 

Considerações Finais

 

Sem desconsiderar as limitações impostas por uma presença pontual com a participação no Projeto Rondon, sob uma perspectiva de possibilidades de transformação, desenvolveu-se a atuação da equipe da UNESP em Axixá do Tocantins. Como abordado, essa atuação se valeu de uma visão que privilegiou apontar caminhos, muito mais que procurar oferecer soluções prontas e acabadas, dado o entendimento que transformações mais efetivas nessa realidade seriam promovidas a partir de processos desencadeados, mas, sobretudo, construídos ao longo do tempo, tempo esse que em muito superaria a breve estada naquela localidade.  

Nesse sentido se deu a construção da proposta multidisciplinar, elaborada durante a estada da equipe da UNESP Araraquara em Axixá do Tocantins, como um primeiro passo para enfrentamento dos problemas socioambientais locais, especialmente pensando-se na Serra do Estrondo, patrimônio natural do município.

Levando-se em conta as condições locais, elegeu-se a rede de ensino municipal como estratégica para implementação de uma proposta desse tipo. Dessa forma, considerou-se que a abordagem e o conteúdo da proposta favoreceriam uma integração entre teoria e prática e, muito mais que isso, possibilitariam extrapolar os limites de sala de aula, constituindo-se numa iniciativa para transformação das relações envolvendo ser humano-ambiente, sensibilização ambiental e percepção do espaço como patrimônio natural, inclusive com potencial turístico gerador de emprego e renda.

Essa compreensão fundamenta-se no fato de que se, por um lado, as preocupações e responsabilidades ambientais perpassam todas as áreas do conhecimento, por outro, a busca de soluções exige um olhar abrangente possibilitando contribuições dos diversos campos do saber. Assim, o desenvolvimento dessas atividades proporcionaria um olhar privilegiado sobre a realidade local, permitindo o estabelecimento de novas dinâmicas no enfrentamento dos desafios do município, com um maior envolvimento da população e, neste caso específico, com a ampliação do senso de pertencimento relativo à Serra do Estrondo.

De maneira geral, importante salientar que, ainda que a proposta apresentada possa caracterizar-se por uma aparente simplicidade, se implementada ela poderia imprimir significativos avanços por carregar consigo a possibilidade de convidar os professores a práticas mais integradas. Essa integração apresenta, entre outros, pelo menos dois pontos importantes: um relativo à possibilidade de superação de atividades pontuais voltadas à temática ambiental e, ligado a esta, a consideração de aspectos cotidianos mais relevantes para uma potencial transformação da realidade local que evidencia um cenário problemático no tocante a gestão dos resíduos sólidos, que se espalham pelas ruas da cidade, inclusive no entorno das escolas.

Essa integração, portanto, visaria favorecer a superação das dicotomias entre teoria e prática; entre disciplinas; entre sala de aula e entorno; entre atividades pontuais muitas vezes desconectadas da realidade local em termos de uma significação mais profunda. Assim, poderia abrir possibilidades no tocante a propostas multidisciplinares, que num processo de maior maturidade poderiam avançar para atividades interdisciplinares. Mas, em síntese, utiliza-se dessa projeção apenas para enfatizar que, como dito, apesar da aparente simplicidade da proposta apresentada, ela se articula com uma visão mais ampla.

Na prática, o pretendido num plano mais imediato foi o de possibilitar o início de um processo, favorecendo um movimento numa localidade que, como outras pelo país afora, condensa problemas complexos, ao mesmo tempo em que possui significativo potencial para transformação de sua realidade enquanto município pobre. Pequenos municípios com menos de 10 mil habitantes, como Axixá do Tocantins, representam aproximadamente 46% dos entes da federação. Fato é que o porte desses municípios não afasta a existência de problemas complexos, agravados pela capacidade deficiente e estrutura limitada do poder público local, bem como pelo desalinhamento entre o capital social tradicional e as novas condições impostas pela modernidade, que em geral atingem de forma avassaladora muitas dessas localidades.

Ao mesmo tempo em que se faz essa constatação, é necessário considerar que não há um determinismo que conduza a um inexorável fracasso, mesmo quando se considera a diversa condição dos municípios do país, havendo um rol de potenciais soluções para que os entes federados superarem seus desafios. Mas para que isso ocorra, torna-se necessário formular e implementar soluções que muitas vezes não surgem espontaneamente, sendo fundamental um processo de indução por meio de atores sociais detentores de conhecimentos que possibilitem imprimir um olhar inovador sobre a realidade local (GONÇALVES JUNIOR, 2012).

Ainda que caiba ao futuro mostrar em que grau se deu sua apropriação e seus impactos transformadores, o desenvolvimento de uma proposta desse tipo motiva a reflexão e traz significados outros ao colocar frente a frente conhecimentos acadêmicos e problemas concretos, docentes, alunos, gestores e população, fatores positivos por si só por ampliarem e aproximarem práticas e atores sociais distintos, favorecendo um aprendizado mútuo entre mundos não raro apartados.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ABREU, Raphael Lorenzeto de. Mapas do estado do Tocantins. Wikimedia commons, 2006. Disponível em: . Acesso em: 19.mar.2014.

 

BRASIL. Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010. Institui a Política nacional de resíduos Sólidos; altera a lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, nº 147, p. 3, 03 de agosto de 2010.

 

BRASIL. Ministério da Defesa. Projeto Rondon. Brasília: Ministério da Defesa, [s.d.]. Disponível em: . Acesso em: 27.fev.2014.         

 

CARRAZZA, Luis Roberto; SILVA, Mariane Lima da; ÁVILA, João Carlos Cruz. Manual tecnológico de aproveitamento integral do fruto do babaçu. Brasília: Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), 2012.

 

CIDADE BRASIL. Vista aérea – Axixá do Tocantins. Disponível em: . Acesso em: 27.mar.2014.

 

GONÇALVES JUNIOR, Oswaldo. Da tradição ao mercado: construção social e caprinovinocultura no Semiárido. São Paulo: Hucitec, 2012.

 

GUIMARÃES, Mauro. A formação de educadores ambientais. 3. ed. Campinas: Papirus, 2004. (Coleção Papirus Educação)

 

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Ilustrações: Silvana Santos