Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/06/2014 (Nº 48) POR UMA MORALIDADE AMBIENTAL
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POR UMA MORALIDADE AMBIENTAL

 

 

Flávio Roberto Chaddad

 

Mestre em Educação pela PUC-Campinas e Mestrando em Educação Escolar pela UNESP/Araraquara.

frchaddad@gmail.com

 

 

RESUMO

Este texto tem como objetivo uma pequena discussão sobre a importância da fundamentação de uma moralidade ambiental baseado, sobretudo, no texto de Adorno e Horkheimer – O conceito de Iluminismo. Procura deixar claro que um dos passos para esta fundamentação está em conhecer historicamente as raízes da crise ambiental para que os homens, em conjunto, reconheçam e analisem os seus problemas ambientais, bem como proponham novas formas de existência que não as encontradas ou dadas pelo sistema capitalista.

 

Palavras-Chave: Moralidade Ambiental; Mitos; Razão; Adorno; Horkheimer.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Hoje esta se vivendo uma grande crise ambiental. Seus efeitos drásticos começam a ser sentido nos quatro cantos do mundo. Ela abala o que Guattari (2001) denominou como os três registros ecológicos: o homem em sua singularidade; em suas relações sociais e a natureza, que sofre diretamente as interferências desastrosas deste em seu cerne, bem como as retribui, pois como se vê – nos dias de hoje – ela não é apenas uma mãe nutridora, que se auto-equilíbra, ela é Pandora, uma deusa que está se vingando de seu uso desordenado pelo homem.

A questão ambiental suscita, então, muitas discussões sobre quais são os fatores responsáveis por ela, onde devemos nos mirar para que parte deste espírito catastrófico não se torne a mais sombria realidade do mundo. Mas, também, devemos analisar e fazer um exercício mental, para vislumbrar como podemos equacioná-la, como podemos solucionar parte dela. Neste aspecto levanto três observações a respeito da questão ambiental que se faz mais que necessárias hoje se pensar: a questão técnica; a questão relacional (que engloba a questão moral) e o capitalismo.

Neste sentido, a técnica ingenuamente tem sido referendada como um mecanismo que pode modificar este fenômeno destrutivo que está sendo submetido o planeta. Porém, como se disse acima, é um pensamento ingênuo. A meu ver, a ciência não é neutra, não está livre de interesses. Esta sim envolta deles, portanto, ela é contraditória e dialética. Este é o grande passo. Entender a ciência não como livre de valores, mas sim perpassada por eles e muitas vezes representativa deles. Exemplos de utilização da ciência de forma antiética não nos faltam em nossa história. As armas de destruição em massa, a morte de milhares de judeus nos campos de concentração nazista, as explosões das bombas atômicas em Hiroshima e Nagazaki, sem dúvida, nada mais foram que o iluminismo levado as últimas consequências, ou seja, a razão pela razão sem ética, que desembocou naquilo que foi chamado por Adorno, Horkheimer e Marcuse como razão instrumental. Este conceito de razão é essencial na teoria destes filósofos. Mas, não foram apenas estes filósofos que, pela primeira vez, fizeram críticas severas a ciência sem ética, a ciência sem arte. Nietzsche em seu “Livro do Filósofo” faz grandes críticas à ciência, mas não a abandona, ou seja, não adota um discurso pós-moderno como muitos querem. Pelo contrário, conforme afirma diz que se deve apropriar da ciência com a arte, o ser humano, em suas palavras, deve determinar o valor da ciência e não a ciência deve determinar a vida dos seres humanos.

Outra questão que a ecologia e uma moralidade ambiental devem pensar é no relacionamento do homem com o seu meio natural. Quase nunca o ser humano buscou atribuir um valor intrínseco, um valor de identidade entre ele e a matéria. Pelo contrário, produto da história, as concepções de natureza que foram construídas pelos seres humanos mostram a natureza como algo apartado, externo, a vida dos homens. Se ainda com alguns dos filósofos pré-socráticos hilozoístas, aqueles que pensam que a matéria é viva, existia uma relação de identidade entre homem e a natureza e suas concepções transmitiam uma cosmovisão panteísta, com os filósofos que os sucederam isto foi completamente modificado, transformado e a natureza, como todo processo que deu origem ao iluminismo e a razão instrumental, foi considerada a desalmada para o cristianismo e a diferença e o irracional para o cientificismo dos séculos XVI e XVII, vigorando até os nossos dias. Mas não podemos apenas pensar nestes aspectos pelo prisma pós-moderno, como querem alguns teóricos, pois a pós-modernidade nega a apreensão totalizante da realidade, o que não permite que entendamos outro fator, que conjuntamente com os outros dois, faz com que a crise ambiental tome proporções alarmantes, o capitalismo.

O capitalismo é um sistema extremamente predatório, que vive à custa do homem e da natureza. É a razão instrumental colocada para funcionar da forma mais avassaladora. Hoje em dia, como já mencionei acima, estamos vivendo e vai-se acentuar, cada vez mais profundamente, a crise ambiental. Estamos vivendo em um momento que temos que mudar nossa matriz energética, utilizar menos recursos naturais, diminuir o crescimento da população e, com isto, a demanda de recursos naturais. Mas, se por um lampejo de sustentabilidade, mudança de consciência, reduzíssemos a compra de mercadorias, com certeza, o capitalismo iria poder entrar em uma recessão, porque o que faz com que ele se mantenha e gere empregos e subempregos para bilhões de seres humanos no mundo, sem dúvida nenhuma, é a criação de necessidades através do processo midiático e a sua conseqüente venda. Sem estes dois fatores o processo capitalista iria ruir e muitas pessoas se tornariam desempregadas. Mais ainda, vejo que toda onda do capitalismo verde que vem sendo proposto desde o Relatório Brundtland, elaborado em 1987, é insustentável e ideológico. Só para um exemplo, os EUA têm uma pegada ecológica que beira 9,5 hectare/pessoa/ano. O máximo que a Terra agüenta, segundo estimativas, é de 2,1. Ou seja, se universalizasse o desenvolvimento econômico dos EUA para o mundo precisar-se-ia de cinco planetas Terra. Algo impensável.  A natureza não tem condições de suportar a pressão deste sistema e de seus aparatos.

Estas questões devem ser pensadas pela humanidade nos dias de hoje em direção a construção de uma moralidade ambiental. Não adianta se pensar apenas que o conhecimento por si só fará a função de uma mudança de concepção de mundo das pessoas, como querem os teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica. Exige-se mais que o simples conhecimento. Exige-se que se pense o conhecimento e como foram construídos os mecanismos de apropriação da natureza apenas como recurso, livre de uma concepção sagrada de mundo, bem como a também reificação do homem, que, como se afirmou aqui, compõe uma das três ecologias. O conhecimento é importante, é importante dominarmos a técnica. Mas como bem lembrou Nietzsche, em seu Livro do Filósofo: “é necessário ditar o valor da ciência e não nos deixarmos nos conduzir por ela”.

Por isto se faz necessário uma filosofia da moral. Uma análise dos fundamentos que nos conduziram desde a antiguidade, os primórdios do homem, por uma relação instrumental entre o homem e a natureza. Não apenas homem e natureza, mas entre homem e homem - é bom que se diga. Assim, dada a impossibilidade desta filosofia moral de abarcar todas as três relações explicitas acima neste texto, este trabalho centrar-se-á apenas no conceito de razão instrumental proposta por Adorno e Horkheimer e contida em seu texto Dialética do Esclarecimento – O Conceito de Iluminismo, cuja categoria de análise será a relação contraditória entre razão e natureza. Neste sentido, este texto será abordado em apenas algumas passagens, que se creia configura-se em uma forma de entender os passos que a humanidade percorreu desde os seus primórdios em direção ao completo rompimento entre o ser humano e o natural, a externalização do natural, que conforme Adorno afirma foi colocado ao lado de fora, no lugar da diferença e da não identidade pelo mecanismo racionalizador, onde atuou a razão e a religião.

 

2. A RAZÃO INSTRUMENTAL E A NATUREZA

 

Segundo Giroux (1983), os princípios básicos da ideologia instrumental são deduzidos da lógica e do método de investigação às ciências naturais, especialmente os princípios de predição, eficiência e controle técnico, derivado das ciências naturais do século XVIII, ou seja, vindos através do iluminismo. Este tipo de conhecimento se edificou a tal forma que deu origem ao positivismo e a um conhecimento que pode ser tido como acrítico, pois se constrói sem uma negatividade sana. Conforme Habermas apud Giroux (1983), a razão alcança seu mais alto grau e a sua mais complexa expressão no trabalho de karl Marx, depois do que é degenerada e reduzida, de um conceito abrangente de racionalidade, a um instrumento particularizado a serviço da sociedade industrializada. Sustentando esses interesses, está a noção de que há um método científico unitário que não reconhece distinção entre o mundo físico e humano. No centro desta ideologia acômoda-se uma visão operacional da teoria e do conhecimento. Isto é, nesta perspectiva, a teoria é reduzida a uma concepção linear de causalidade, cujo poder explanatório reside no uso de técnicas empíricas rigorosas para descobrir a lógica e a generalidade das assim chamadas ciências naturais.

Como ponto central da lógica da ideologia instrumental e em sua visão de teoria, há a idéia de que todas as relações sociais devem estar sujeitas à quantificação, uma vez que o conhecimento da natureza (o sagrado aqui dissociado), inclusive da natureza humana (reificação do homem) deve ser expresso em linguagem matemática. O conhecimento nessa visão é considerado objetivo, afastado da existência do pesquisador, e sujeito às exigências de uma formulação precisa e exata, como, por exemplo, os postulados elaborados pelo Relatório Brundtland para as soluções ambientais, cuja raiz, como no positivismo, se banha na escola Parmenidica.

Mais que isto também, pois aqui este conhecimento como uma entidade metafísica ou um fetiche separa-se do mundo dos valores, aquilo que Nietzsche - antecipando Adorno e Horkheimer – já atribuía a ciência e o como o homem deveria lidar com estas questões, ou seja, determinar um valor para a ciência e não deixar que esta sociedade se ponha de joelhos aos pés da técnica, como quer os donos do capital. Portanto, segundo Giroux (1983), a ideologia instrumental, como todas as ideologias, deve ser abordada não somente pelos princípios que governam as questões que propõe, mas também pelos temas que ignore e pelas questões que não propõe. Por exemplo, a sua insistência na definição de uma verdade, como sinônimo de verificação empírica e investigação metodológica objetiva, torna-a inoperante para identificar os interesses normativos que modelam sua noção de teoria e investigação social.  Isto é, atrás de sua fachada de separação de valores, existe uma lógica reducionista que não se interessa pela base do conhecimento. Assim, nas palavras de Giroux (1983): “o silêncio da ideologia instrumental, com respeito ao principio normativo do conhecimento, resulta em um discurso que suprime a noção de ética e o valor da história” (p.63).

Assim, os teóricos de Frankfurt dizem que em primeiro lugar deve-se desenvolver uma noção plenamente consciente de razão, noção que abranja tanto a crítica como o elemento da vontade humana e da ação transformadora. Em segundo lugar, significa confiar a teoria à tarefa de resgatar a razão da lógica da racionalidade tecnocrática ou do positivismo. Segundo afirmam, o positivismo emergiu como expressão ideológica final do Iluminismo. A vitória a esta degradação da razão representou o grau inferior do pensamento iluminista. Ao invés de ser o agente da razão, tornou-se seu inimigo e emergiu no século XX como uma nova forma de administração e dominação social. Segundo Horkheimer apud Giroux (1983), o positivismo apresentou uma visão de conhecimento e da ciência que despiu ambos de suas possibilidades críticas. O conhecimento foi reduzido ao domínio exclusivo da ciência e a própria ciência foi submetida a uma metodologia que limitou a “atividade científica” à descrição, à classificação e a generalização do fenômeno, sem o cuidado de distinguir o que é periférico daquilo que é essencial. Essa visão, portanto, corresponde à noção de que o conhecimento deriva da experiência dos sentidos e que o ideal que procura está na “forma de um universo expresso matematicamente, dedutível do menor número possível de axiomas, um sistema que assegure o cálculo da ocorrência provável de todos os eventos, ou seja, elementos presentes em Parmênides e Pitágoras de Samos – raízes da matematização do universo.

Neste sentido, depois de se elaborar uma pequena discussão a respeito da questão ambiental e da razão instrumental e como ela representou a degradação da razão – do iluminismo, faz-se necessário pensar como se comporta a razão instrumental e seus mecanismos administradores e ideológicos perante as questões ambientais. Hoje muito se discute o desenvolvimento sustentável. Mas a noção que vigora entre a sociedade mundial é a de um tecno-desenvolvimento, ou seja, existe um fetiche propalado pelos órgãos governamentais e pela mídia de que o desenvolvimento sustentável será alcançado simplesmente e apenas pela tecnologia, controle da fecundidade das mulheres do terceiro mundo e por políticas de ajustes financeiras. Questões como colocadas acima fazem pensar realmente que as questões ambientais não são levadas a sério, como, por exemplo, a questão da técnica com ética; a questão relacional que emerge das raízes históricas do homem e o capitalismo. Ou seja, tenta-se de todas as formas encobrir as reais raízes da degradação ambiental vigente. Nenhuma, mas nenhuma crítica a este sistema é feito. Ele permanece como algo metafísico cuja solução para os problemas ambientais dependem somente e apenas dos fatores acima citados.

E onde se deve mirar para se vislumbrar os reais fundamentos que promovem a crise ambiental. Como se disse, este texto tenta resgatar algumas reflexões sobre a relação entre o homem e a natureza que estão expressas no texto “A dialética do esclarecimento – O conceito de iluminismo” de Adorno e Horkheimer, para que assim se possam levantar alguns elementos historicamente determinantes dos mecanismos de externalização e diferenciação entre o homem e natureza, promovidos principalmente pela cultura ocidental. Não se pode deixar aqui o conceito de razão instrumental e sua relação com o meio ambiente. É disto que este trabalho trata.

Assim, Adorno e Hokheimer (1999) vêm questionar e adicionar mais idéias ou contribuições a estes comentários sobre a contradição que a razão, como a única e imparcial forma de conhecer, estabelece com a natureza. Para eles, a razão, ao substituir os mitos, tornou-se o próprio mito. O desenfeitiçamento do mundo é a erradicação do animismo, que encontrava respaldo na filosofia dos primeiros filósofos gregos ou mesmo os primeiros filósofos panteístas. O homem aos poucos foi racionalizando o conhecimento, na visão destes autores, e dando lugar à razão que se transformou em uma das grandes correntes do pensamento europeu – o Iluminismo e, hoje, a sociedade tecnoficada, criticada por Eric Fromm em seu livro “A Revolução da Esperança”.

Eles discutem que através dos mitos o homem buscava ter o poder total sobre as entidades – biológicas ou não – e realizar o irrealizável, algo que estava fora do alcance da realidade. Note-se que aqui havia uma identidade entre o animado e inanimado com o ser humano, o que irá desaparecer com a Ciência dos séculos XVI e XVII. Assim, se mesmo com os mitos o homem buscava um poder total sobre os acontecimentos mais corriqueiros da vida, com o advento do poder racionalizador, proposto pelo Iluminismo, ele consegue e todas as entidades passam agora – para este homem da ciência – representar coisas, conforme afirmam estes autores:

 

 

Um átomo não é desintegrado enquanto representante, mas enquanto espécimen (espécie) da matéria. E o coelho não assume qualquer função representativa, mas incompreendido – pois irracional para a ciência – atravessa a via crucis do laboratório como um mero exemplar (p.26).

 

 

Por ai vislumbra-se como o mecanismo racionalizador operou, completamente, a separação do homem e da natureza, subjugando esta ao domínio daquele. O que não se pode negar, portanto, é o gritante processo racionalizador que tem suas origens no mito e se transforma em outro mito – o culto ao pensamento científico, que explica tudo e transforma as entidades que eram idênticas ao ser humano em coisas – que não cabe ou se encaixa em lugar algum. Assim, conforme afirma Adorno e Hokheimer (1999) quando discutem a questão do mito em relação à ciência, na ânsia do homem ter o domínio sobre todas as coisas na Terra. Aqui também há a comparação entre a religião olímpica com o monoteísmo judaico-cristão que têm ambos o dever “moral” de dominar a natureza:

 

 

O mito pretendia relatar, denominar, dizer a origem; e assim, expor, fixar, explicar. Com a escrita e a compilação dos mitos, essa tendência se fortaleceu. De um relato que eram, eles logo passaram a ser doutrina. Todo ritual inclui uma representação do acontecer enquanto processo determinado que se destine a ser influenciado pelo feitiço. Este elemento teórico do ritual tornou-se independente nas mais antigas epopéias dos povos. Os mitos, tais como encontrados pelos autores trágicos, já estavam sob o signo daquela disciplina e daquele poder louvados por Bacon (ciência) como o objetivo a ser perseguido. Em lugar dos deuses e demônios locais, aparecem o céu e sua hierarquia, em lugar das práticas de conjuração do feiticeiro e da tribo, surgem os sacrifícios de vários níveis hierárquicos e o trabalho dos escravos mediatizados pelo mundo. As divindades olímpicas não são mais imediatamente idênticas aos elementos, elas os significam. Em Homero, Zeus preside o céu diurno, Apolo guia o Sol, Hélio e Eros já derivam para o alegórico. Desde então, o ser se decompõe, por um lado, em logos que, com o progresso da filosofia, se comprime na mônada, num mero ponto de referência, e, por outro lado, na massa de todas as coisas e criaturas lá fora. Uma única diferença, a diferença entre a própria existência e a realidade, absorve todas as outras. Sem que sejam respeitadas as diferenças, o mundo torna-se sujeito ao homem. Neste ponto, concordam a história da criação judaica e a religião olímpica. “E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, os animais selvagens e todos os répteis que rastejam sobre a terra (p.23). 

 

 

A filosofia panteísta que existia na forma de conceber a ciência dos primeiros pré-socráticos – onde o modo de conceber a ciência não se separava e não coisificava o Todo – foi completamente separada da natureza, ainda no começo da humanidade, e tornou, no século XVI e XVII, uma das maiores correntes filosóficas do mundo, que, de uma vez por todas, separou o mito – como forma de conhecer – do método científico, o que tem validade, colocando-o em um patamar de crença, sem valor algum. Não se pode deixar de lado que, mesmo com esta filosofia panteísta – típica da filosofia destes primeiros filósofos – existiam as epopéias homéricas, onde, conforme Adorno e Hokheimer, Deus não se identificava com a matéria para a grande maioria dos gregos. Pelo contrário, como estes pensadores afirmam os deuses controlava os fenômenos naturais. Este modo de “ver” o mundo foi se racionalizando cada vez mais e deu origem tanto ao monoteísmo judaico-cristão quanto a ciência dos séculos XVI e XVII que teve em Galileu, Descartes, Bacon e Newton seus grandes representantes.

Assim, não há que se negar – segundo estes autores – que mesmo os mitos possuem um processo racionalizante, em que o homem busca o domínio sobre algo. Não há distinção, de acordo com isto, entre o mito e a ciência em seus pressupostos, quando utilizados para o domínio – neste caso específico que trata este trabalho – da natureza, a morte e a dor. Estas bases são idênticas uma da outra, em seu substrato. Apenas a ciência, porém, é muita agressiva ao meio, pois ela tem o ônus da prova. Mesmo que ela carregue a subjetividade do pesquisador, mesmo que ela seja influenciada pela ideologia – segundo Marx, falso conhecimento – e pelo inconsciente de Freud, ela ainda se intitula como uma verdade inabalável. Neste sentido, o que é o observador a não ser um sujeito que sofre as influências diretas do seu meio?

Há que se ressaltar também aqui que as ciências estão sempre passando por transformações, que a ciência dura – de base positivista – esta se transformando e se reestruturando constantemente. Haja vista, o que foi dito acima sobre a ideologia de Marx e o inconsciente de Freud. Estas só foram dois dos limites impostos pela própria ciência a ciência. Hoje, com as novas descobertas científicas já há novas imposições a ciência clássica – que tudo conhece. Aqui não se propõe abdicar da ciência clássica. Ela contribuiu e contribui muito para a nossa civilização, mas, porém, há nela limites que devem ser reconhecidos. Como alternativa não se deve propor uma ciência pós-moderna. Deve-se, no entanto, se apropriar criticamente da razão – apontar os seus limites e possibilidades – para que possamos viver com mais ética e com sabedoria e é isto que a escola de Frankfurt nos recomenda ou nos impõem diante dos dilemas hoje presentes na humanidade.

E qual educação deve se proposta para que se efetive uma moral ou uma filosofia moral para o meio ambiente? Não se pode como querem os defensores da Pedagogia Histórico-Crítica deixar de lado o conhecimento. O conhecimento em suas formas mais desenvolvidas deve se ensinado nos meios formais de educação. É necessário perceber que sem este conhecimento não há mudança. Mas vejo, também, que deve existir com relação ao meio ambiente uma pedagogia diferenciada do que a simples transmissão do que há de mais desenvolvido na cultura humana. As questões ambientais envolvem discussões de forma coletiva para os problemas ambientais. Envolvem metodologias em que os homens consigam juntos compartilhar informações e vivências a respeito de seus problemas ambientais, ou seja, estes processos, portanto, radicam-se nas metodologias participativas.

 Assim, a participação política popular é imprescindível na construção de uma nova sociedade, mais solidária e justa, e democrática. Para tanto, calcada nas metodologias participativas e críticas privilegia a resolução de problemas enquanto tema gerador - pois a Verdade se constitui historicamente, não é um dado posto e acabado, o final de um percurso. Assentando-se em uma práxis transformadora, na medida em que partindo dos fatores cotidianos e locais, de seu meio ambiente ou realidade concreta, os homens ampliam a discussão atingindo níveis cada vez mais complexos e globais de conhecimento e ação, visando através da crítica ao sistema capitalista e aos seus aparatos ideológicos, científicos, políticos, sociais e religiosos criar as sociedades sustentáveis (ANDRÉ, 1995; CAMPOS, 2000; GUIMARÃES, 2001; OLIVEIRA; NOVICK, 2004; CHADDAD; SILVA, 2010; CHADDAD; CHADDAD; GHILARDI, 2011).

As metodologias de pesquisa que atendem a uma proposta de educação ambiental crítica e transformadora, que se sustenta nas relações sociais para a resolução dos problemas ambientais, se referem às metodologias participativas. Segundo Stamato (2002) e Moacir Gadotti apud Oliveira e Novicki (2004), estas metodologias requerem o conhecimento e emergem tendo como eixo comum à realidade local e visam à intervenção conjunta, envolvendo o pesquisador e os membros da situação estudada para a solução de problemas concretos, que têm em vista a conscientização dos participantes e a transformação da realidade. O efeito deste processo de construção de conhecimento coletivo e participação nas decisões, numa leitura gramsciana, objetiva forjar o intelectual das classes populares. A educação ambiental, realizada através destes parâmetros, deixa de ser vista por uma ótica conservadora passando a ser definida como eminentemente política: enfatizadora do “porque fazer” do “como fazer”. A práxis desta educação ambiental gera uma pedagogia que se diferencia da concepção de educação que se edifica no positivismo instrumental ou mesmo na linha teórica da pós-modernidade, em que apenas os fatores naturais ou então integração do homem com a natureza são levados a cabo, deixando de lado as questões históricas e economicistas e seus aparatos supressores da transformação radical da sociedade. Ou seja, uma práxis que gera uma educação transformadora que se radica em uma antropologia que considera o homem um ser social e criador de sua realidade, sujeito da história, e que se transforma na medida em que transforma o mundo.

 

3. CONCLUSÃO

 

Com base neste esboço torna-se importante reforçar a idéia de que uma moralidade ambiental deve se sustentar no conhecimento das raízes históricas que fez com que o ser humano se dissociasse cada vez mais da natureza, transformando-a no lugar da diferença e do irracional – sem nenhuma identidade com o ser humano. Além disso, também, levantou-se a idéia neste texto de que não basta apenas conhecer é necessário que os homens em conjunto, pois somos animais políticos, reconheçam, analisem seus problemas ambientais e proponham modificações em suas vidas, procurando novas formas de estar e se relacionar com o mundo.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

ADORNO, T; HORKHEIMER, M. O conceito de iluminismo. São Paulo: Abril Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores).

 

ANDRÉ, MEDA. Etnografia da prática escolar: diferentes tipos de pesquisa qualitativa. Campinas: Papirus, 1995.

 

CHADDAD, FR; SILVA, RHA. Concepções de educação ambiental em alunos de um curso de ciências biológicas. Enciclopédia biosfera, v.6, n.10, p.1-9, 2010.

 

CHADDAD, FR; CHADDAD, MC; GHILARDI, RP. Problemas e questionamentos a educação ambiental crítica. 1ed. Pará de Minas: Virtualbooks, 2011.

 

CAMPOS, MF. Educação ambiental e paradigmas de interpretação da realidade: tendências reveladas. [tese de doutorado] Campinas, 2000. 389p.

 

GUATTARI, F. As três ecologias. Campinas: Papirus, 2001.

 

GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. Campinas: papirus, 2001.

 

NIETZSCHE, F. O livro do filosofo. São Paulo: Escala, 2013.

 

OLIVEIRA, M. G. B; NOVICKI, V. Educação ambiental no programa de despoluição da baia de Guanabara. Anped Sudeste. Rio de Janeiro: 02 a 06/05/2004. (CD-ROM).

 

STAMATO, B. texto de aula-palestra: investigação ação participativa na comunidade. Universidade Estadual Paulista (UNESP). Botucatu: 18/03/2002.

Ilustrações: Silvana Santos