Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/06/2014 (Nº 48) CENTRAL DE TRIAGEM DE LIXO DE TAMANDARÉ: UMA ALTERNATIVA AO PLANEJAMENTO DO TURISMO RESPONSÁVEL
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CENTRAL DE TRIAGEM DE LIXO DE TAMANDARÉ: UMA ALTERNATIVA AO PLANEJAMENTO DO TURISMO RESPONSÁVEL

Morgana LEÃO

     Pós-graduada em Educação Ambiental, Professora do Bacharelado e do Curso Superior Tecnológico em Turismo no Instituto Pernambucano de Ensino Superior (IPESU), CEP 50050-050 Recife – PE, Brasil. Telefone: (81) 3241 1522; (81) 99044399.

E-mail: morganaarwen_leao@ig.com.br. URL: http://profamorganaleao.spaces.live.com.

 

“Muito falamos hoje nos progressos e nas promessas da engenharia genética, que conduziriam a uma mutação do homem biológico, algo que ainda é do domínio da história da ciência e da técnica. Pouco, no entanto, se fala das condições, também hoje presentes, que possam assegurar uma mutação filosófica do homem, capaz de atribuir novo sentido à existência de cada pessoa e, também, do planeta.”

J. E. Santos e Michèle Sato (A contribuição da Educação Ambiental à esperança de Pandora)

 

Resumo: Uma das faces do plano para desenvolvimento sócio-econômico, pelo turismo, da região pernambucana onde repousa o município de Tamandaré, é a criação de uma central de triagem e reciclagem de resíduos sólidos, destinada ao tratamento dos dejetos provenientes da cadeia produtiva do turismo, especialmente da hotelaria resortizada a ser fomentada na referida região. Efetivar a inclusão social e econômica da comunidade receptora em questão, a partir de capacitações em Educação Ambiental e em gestão de cooperativas de reciclados, com duração de uma semana e após a implementação dos mega-projetos (resorts), além de negligenciar a construção e entrega da central de lixo à sua comunidade, desconsiderando a indefectível interface imediata do visitante com os autóctones, pela preponderância dos resorts e em detrimento dos empreendedores meios de hospedagem com administração familiar, num completo escamoteamento do tão festejado eco-desenvolvimento, explicitou a carência da esfera pública quanto ao que signifique desenvolvimento real e pleno, bem como a ausência da necessária articulação com o meio acadêmico – alicerce-mestre de planos, políticas e projetos inovadores, consonantes às reais demandas socioambientais da contemporaneidade.

 

Palavras-chave: Turismo; Resíduos Sólidos; Ecodesenvolvimento; Articulação; Academia.

 

Introdução

 

            A problemática socioambiental dos resíduos sólidos na contemporaneidade, conseqüência da cultura adotada nas relações estabelecidas entre os humanos e destes com a Natureza, leva-nos a crer que a humanidade é algoz de si mesma e que qualquer mudança nestas relações passa necessariamente por uma reflexão sobre os padrões culturais que determinam as formas de “desenvolvimento” hegemônicas, imbricadas por todas as atividades sócio-econômicas conhecidas, incluindo o turismo.

 

            A reflexão que induz a soluções conscientes, em se tratando de políticas, planos e projetos turísticos, é possível somente pela intervenção dos princípios da emergente Educação Ambiental (E.A.), que necessitam compreensão por parte dos planejadores do turismo, sejam turismólogos ou não, no intuito da apropriação e contextualização adequada dos projetos às realidades socioambientais que lhe servirão de substrato teórico e prático, o que significa dizer, deverão tais princípios, estar presentes desde a concepção dos empreendimentos turísticos, e não após a sua implementação, como um agregado, um mero componente a conferir “ares” de sustentabilidade aos projetos, mormente traduzidos em estratégias de Marketing delineadas por minicursos em E.A. com a inadequada duração de uma semana. A recorrência aos paradigmas desenvolvimentistas hegemônicos, historicamente situados, que determinam a solução dos aspectos nefandos da atividade turística, especialmente quanto aos resíduos sólidos dela remanescentes, através da criação de centrais de triagem de lixo (gestão ambiental), com capacitação dos autóctones para os trabalhos de triagem, reaproveitamento, reciclagem e comercialização dos materiais descartados pelo trade turístico, é justificada por seus próprios resultados, totalmente dissonantes à exaltação das culturas autóctones e à tão almejada inclusão social destas mesmas comunidades receptoras: premissa básica do turismo responsável ou eco-responsabilidade no exercício da atividade turística.

 

            Conseqüência da dissertação monográfica referente à Especialização em Educação Ambiental, de mesmo título, orientada pela Professora Annara Perboire e executada pela aluna Morgana Leão, no ano de 2009, o presente artigo enquista-se na gênese, trajetória e sucumbência da Central de Triagem de Lixo de Tamandaré, no Estado de Pernambuco, Brasil; e nas relações intrínsecas da referida central com o planejamento turístico da região onde repousa, através de uma acalorada discussão epistemológica que nos levará aos porquês do seu insucesso e à proposição de alternativa viável, tanto do ponto de vista turístico quanto à gestão ambiental, parte integrante do eco-desenvolvimento.

 

Central de Triagem de Lixo de Tamandaré, Tamandaré, Pernambuco, Brasil

 

            De acordo com as colocações anteriores, a Central de Triagem de Lixo de Tamandaré (CTLT) é uma das faces do plano estadual para desenvolvimento sócio-econômico, através do turismo, pretendido para a Mesorregião da Mata pernambucana, especificamente a Microrregião Meridional da Mata pernambucana (MACHADO; JÚNIOR, 2009); social e economicamente em crise, sobretudo após a decadência da cultura canavieira, pela falência das usinas de beneficiamento de açúcar (substrato ambiental sobre o qual estruturou-se secularmente). Considerando o fato de tratar-se, Tamandaré, um município litorâneo, distante da capital do Estado, apenas 100Km, dotado de auspiciosas peculiaridades tropicais (estuários, mata atlântica e ecossistemas associados) que lhe conferem naturalmente o aspecto referencial turístico do “sol e mar” e do ecoturismo, doravante, pela urgência em desenvolver a mencionada região, sob  balizas econômicas, captando investimentos através da implementação de mega-estruturas hoteleiras (resorts), a atividade turística foi a alternativa escolhida.

 

            Elementar é que a gestão pública estadual tenha optado pelo turismo em tal desiderato, especialmente no tocante à captação da alta hotelaria internacional, representada pelos resorts, haja vista, este tem sido o modus operandi da secular parceria entre o Estado (em sentido lato) e a burguesia capitalista, representada na pós-modernidade, entre outros atores, pelas holdings hoteleiras transnacionais. Trata-se do paradigma industrial/progressista moderno, alicerçado sobre o aforismo de que é possível desenvolver um lugar, uma região, um Estado ou um país vocacionado preponderantemente para o “turismo de sol e mar”, considerando a injeção de altas cifras na consecução de mega-empreendimentos, sem as necessárias contrapartidas em termos de mecanismos institucionalizados, estruturados e coerentes, de inclusão social e econômica quanto às comunidades receptoras.

           

            Em considerando a forma como pretendeu-se efetivar a inclusão sócio-econômica da comunidade receptora do município de Tamandaré, pela captação de investimentos em hotéis do tipo resorts, cabem algumas ponderações. O fomento à criação de empregos e o incremento na geração de renda alternativa à comunidade tamandareense, especialmente os assentados pelo INCRA (Instituto Nacional para Colonização e Reforma Agrária), ex-cortadores nas lavouras de cana-de-açúcar; seria feito a partir da criação de uma central de triagem de lixo, no município, idéia que seria ampliada aos vários municípios da Zona da Mata pernambucana (através de vários consórcios intermunicipais de lixo) (PROMATA, 2007), para trabalhos com coleta seletiva, triagem, reaproveitamento, reciclagem e comercialização de artigos reciclados, ressaltando o fato de que a produção de resíduos sólidos tende a aumentar sensivelmente a partir dos fluxos turísticos em ascese. A interface imediata turista→←cultura autóctone (no contexto original da sua criação/manifestação),  portanto, permanece impossibilitada diante da realidade de que os moldes sobre os quais estrutura-se o resort, aviltram a prescindibilidade da transposição das dependências do hotel para compra de artigos artesanais, alimentação, indumentárias típicas, ou mesmo para assistir espetáculos em manifestações culturais locais, pois os primeiros, são confortavelmente disponibilizados em lojas padronizadas situadas no interior daquele, e os segundos, da mesma forma, são postos à apreciação dos hóspedes/espectadores, em saguões e teatros constantes nas dependências do hotel. Na terminologia técnico-turística e geográfica, os resorts são exemplares ilibados de “não-lugar”.

 

            É possível que as refutações ao que se expõe aqui, incidam sobre a máxima de que o hóspede do resort pode, além de contribuir com os trabalhos de reciclagem, por intermédio da geração de quantidades cada vez maiores de lixo; utilizar os serviços dos jangadeiros/pescadores nos passeios pelas piscinas naturais ou ainda, gerar mais empregos para camareiras, garçons, barmen, por exemplo, a partir da perspectiva de que volte anualmente, trazendo mais pessoas consigo, incrementando um pouco mais a geração de lixo a ser tratado pelas centrais de triagem implementadas, geridas e operadas por autóctones. Pode-se ainda argumentar que as divisas geradas por insumos fiscais, se habilitarão às melhorias em sinalização turística, saneamento ambiental, educação, et cetera. Destarte, os resorts conseguirão absorver toda a mão-de-obra capacitada nas funções de camareira, garçom, barmen, auxiliares de serviços gerais? Onde repousa a interface do visitante com a genuína cultura do destino visitado, simbolizado pelo contato frontal com a comunidade receptora e seus costumes – verdadeira mola propulsora no empreendedorismo e da geração de renda alternativa autóctone?  Estamos falando de turismo e sua base, desde suas primaciais manifestações, na Antigüidade, sempre alicerçou-se no pressuposto da interação imediata, excetuando-se a “prolífica” fase moderna (modernidade), sobremaneira, a partir do século XVII, às margens européias do Mar Mediterrâneo, quando delinearam-se ideológica e objetivamente os pilares da resortização dos lugares turísticos (balneários).

 

            Ainda que tenham ocorrido capacitações em Educação Ambiental (E.A.), esta, objetivando a redução na geração dos resíduos pela população tamandareense, e a capacitação para geração de pequenos negócios, no intuito da formação de cooperativas e catadores de resíduos recicláveis, caberão mais duas indagações: somente a população receptora necessita saber que a redução na geração e o reaproveitamento de objetos descartáveis são um imperativo face à crise socioambiental, prescindindo o turista deste mesmo esclarecimento? Para o preparo quanto à criação e gestão de uma cooperativa, como em qualquer empreendimento, conseguirão os professores fazê-lo, em relação aos capacitandos, a grande maioria, carente até mesmo da formação escolar básica, em um curso com duração de uma semana, conforme ocorreu?

 

            Doravante, os moldes sobre os quais pretendeu-se incrementar o turismo em Tamandaré, em perfeita sinergia ao paradigma moderno da resortização dos lugares turísticos, e a despeito de todos os prognósticos científicos (GOELDNER; RITCHIE; McINTOCH, 2002) que apontam para um turista preocupado com questões socioambientais, como a qualidade de vida, dos serviços ambientalmente inofensivos, da auto-estima das comunidades visitadas e o contato imediato com seus valores sócio-culturais; explicitam o equívoco conceptual dos idealizadores do Projeto Costa Dourada, posteriormente substituído pelo Projeto Centro Turístico de Guadalupe (CT-Guadalupe), quanto ao que signifique eco-desenvolvimento, a partir do momento que os caracterizaram em tese, como projetos eco-turísticos, numa alusão às propostas centrais de triagem de lixo, à coleta seletiva, à cooperativa de reciclados, ao padrão arquitetônico polinésio, imposto por legislação municipal (plano diretor de Tamandaré) aos resorts, bem como aludindo à pretensão de fomentar o ecoturismo no município. Aqui também, cabem algumas ponderações sobre o que significa eco-desenvolvimento, ecoturismo e E.A., mormente confundidos com crescimento econômico e desenvolvimento sustentável.

 

            Primacialmente, o discurso do desenvolvimento sustentável traduz-se na manutenção dos aforismos neoliberais, engendrando uma ilusão de que se está em tempos de mudança. Em outras palavras, mantém os moldes sobre os quais tem-se pautado o “desenvolvimento” ao longo das centúrias que nos antecedem, indubitavelmente ineficazes na promoção do bem-estar social geral, outrossim, das frações ínfimas da coletividade constituídas pelos setores sociais detentores do poder político e econômico (SATO, 1997; BLANCO, 2001). Sumariamente, total conformidade ao plano de desenvolvimento turístico proposto para o município de Tamandaré e adjacências.

 

            Na contra-mão da manutenção do discurso neoliberal, o eco-desenvolvimento engendra uma pletórica reavaliação da ideologia de desenvolvimento vigente e a apropriação dos princípios da Educação Ambiental (E.A.) na gênese de qualquer plano, projeto ou política pública, refutando o preconizado pela falácia do desenvolvimento sustentável que agrega minicursos em E.A. após implantadas as estruturas pertinentes aos mega-empreendimentos do turismo. Educação Ambiental não se resume à coleta seletiva, reaproveitamento, reciclagem de materiais descartados pela sociedade ou redução na geração dos mesmos, tão pouco incide apenas sobre a sensibilização face à magnificência da Mãe-Natureza, ou atividades de ecoturismo esparsas em áreas naturais, quando este viés mercadológico do turismo pode e deve ser trabalhado também em áreas urbanas, grandes e pequenas, metrópoles e zonas rurais; destarte, vai muito mais além, vai até a “raiz” de todos estes fatos socioambientais, refletindo, questionando, exigindo que se cumpram as leis, que se respeite a população, que sejam modificados padrões de desenvolvimento cujas repercussões têm sido irrefutavelmente nefandas à qualidade ambiental da raça humana.

 

            Então, pensar o mesmo plano de desenvolvimento para Tamandaré, através do turismo, sob a égide dos princípios em Educação Ambiental, institucionalizados na Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA; Lei 9795/99) (BRASIL, 2008), é perceber que embasar a inclusão sócio-econômica daqueles autóctones ou de quaisquer outros que apresentem as mesmas características socioambientais, através da implantação de resorts, acreditando que a eco-responsabilidade do projeto turístico será atendida por centrais de lixo, geridas e operadas por indivíduos carentes de tudo quanto se possa imaginar, condicionando tal implantação à criação de Unidades de Conservação da Natureza (Área de Proteção Ambiental - APA de Guadalupe: Tamandaré, Rio Formoso, Sirinhaém e Barreiros; Decreto Estadual – DE 19635/97) (PERNAMBUCO, 1997)  sem recursos para auto-manutenção, é, no mínimo, equívoco conceitual, ingenuidade ou Marketing verde, pois não atende ao propalado desenvolvimento social e economicamente inclusivo, a não ser, conforme dito, para um número incipiente de indivíduos pertencentes às comunidades receptoras e a totalidade dos detentores do poder de decisão político-econômica.

 

            Além dos fatos supramencionados, a CTLT não foi efetivada, tão pouco entregue à coletividade capacitada para geri-la e operá-la, por uma amálgama de motivos que vão desde a ausência de acordos entre as prefeituras participantes do pretenso consórcio de lixo (PROMATA, 2007), à não-imputação dos responsáveis pelo abandono das obras na CTLT, o que onerou acintosamente a qualidade socioambiental local, a partir do momento que continuam aqueles agentes capacitados a viver exclusivamente da deficitária agricultura de subsistência, sem apoio técnico-agrícola no incremento da produção comercial e logística necessárias à disponibilização nas feiras locais e circunvizinhas (inclua-se aqui, Caruaru e Recife), além do agravamento das queimadas, desflorestamentos, extinção de nascentes e a reativação do lixão municipal, após a sucumbência do aterro sanitário do município de Rio Formoso, inicialmente responsável pela destinação adequada dos seus próprios resíduos sólidos e os de Tamandaré (FALCÃO, 2007).

 

            Não se trata de abortar o Projeto CT-Guadalupe, nem obstruir a instalação dos resorts, muito embora fosse até pertinente cogitar tal hipótese, tendo em vista, além de todas as colocações proferidas anteriormente, a “engorda e privatização de praias” tão comuns a este tipo de hotel, sub-repticiamente, práticas inconstitucionais. Trata-se pois, de não alicerçar o desenvolvimento sócio-econômico pelo turismo, naquela região e noutras ambientalmente similares, apenas na consecução de megaresorts. Claro está que os objetivos da inclusão sócio-econômica não foram e nem serão atingidos, caso o modelo de desenvolvimento permaneça encouraçado. 

 

            A partir da realidade de que uma mudança ideológico-paradigmática quanto a percepção do que seja, de fato, desenvolvimento ou, em linguagem pós-moderna, eco-desenvolvimento, demandará décadas, talvez séculos, imperativo é agir sobre o substrato ambiental (econômico, político, cultural) hegemônico, pois, de outra forma, haverão riscos de uma incursão socialmente suicida.

 

Buscando a eco-responsabilidade do turismo tamandareense

 

            Consoante o exposto na seção anterior, inviável é o abandono do Projeto CT-Guadalupe, face os investimentos já efetivados, bem como as promessas e acordos assumidos pelo Estado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com as holdings transnacionais do setor de hospedagem (MENEZES, 2002).

 

            A proposta criação da CTLT e do consórcio de lixo idealizado pelo PROMATA/PE (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável da Zona da Mata), entre os municípios de Rio Formoso (central de triagem e aterro sanitário), Tamandaré (central de triagem) e Sirinhaém (central de triagem), coadunam-se à mitigação dos impactos negativos causados pela deposição irregular de resíduos sólidos (gestão ambiental), como medida paliativa/compensatória aos passivos ambientais dela oriundas, doravante, face a não-consecução tanto do aterro sanitário quanto das centrais de triagem de lixo, urge, primacialmente, que ambos cheguem à prática. Há mecanismos legais garantidos pelo arcabouço legal pátrio (Constituição Federal de 1988 que regulamentou as Leis 4.717/65 e 7.347/85 - Ação Popular e Ação Civil Pública, respectivamente) (BRASIL, 1988), os quais, os cidadãos interessados podem valer-se na salvaguarda do direito à qualidade ambiental e à economia popular, entrementes, não serão discutidas neste artigo por demandarem exegese, o que oneraria o espaço imprescindível à proposta inserção da CTLT como base de um turismo responsável para Tamandaré, além do fato de já se encontrarem detalhadas na monografia geratriz do presente.

 

            Em tempo, é irrefutável que a CTLT seja concluída e entregue à sua comunidade, para que, então, possibilite a sua ampliação como um Centro de Excelência em Educação Ambiental, potencial atrativo turístico principal ou secundário em roteiros e rotas com as mais diversas temáticas ambientais, a saber,  em roteiros específicos ao turismo pedagógico, ecoturismo, turismo científico (gestão ambiental de resíduos sólidos e biotecnologia: biogás), engenharia, arquitetura, biologia, biossegurança, turismo de aventura (trekking), turismo histórico-cultural, turismo gastronômico e de eventos; em biogeografia e sociologia, comunidades receptoras com suas respectivas culturas/modos de apropriação dos espaços; planejamento urbano e planos de manejo (gestão e engenharia ambiental), com estudos da capacidade de suporte para visitação em ambientes imediatamente vulneráveis à ação antrópica ou vulneráveis à longo prazo; agronegócio, entre inúmeros temas, os pressupostos da Educação Ambiental (PNEA, Lei 9795/99) (BRASIL, 2008) são transpassados pela visita à CTLT e ao Centro de Excelência em E.A., cujos ingressos cobrados se prestariam à manutenção das atividades empreendidas nas suas dependências. A implementação do FUMTUR (Fundo Municipal de Turismo), a ser alimentado por taxas para licença de implantação da hotelaria rezortizada, poderá, da mesma forma, subsidiar as atividades do Centro de E.A. da CTLT, além de subsidiar serviços turísticos acordados com o mercado, como sinalização turística e infra-estrutura urbana básica (estradas, iluminação, saneamento básico às comunidades, por exemplo).

 

            Um centro de excelência em E.A., por sua própria natureza epistemológica, implica muito mais que triagem, reciclagem, reaproveitamento de materiais descartados, trilhas na mata e minicursos em E.A. com duração de uma semana, outrossim, o ideário de uma estrutura devidamente licenciada pela Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos - CPRH (EIA/RIMA: Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (Resolução CONAMA 001/86) (BRASIL, 1986), apta ao ministério de cursos, palestras, oficinas lúdicas ou não, que induzam à reflexão/sensibilização/conscientização de turistas e autóctones sobre as condições atuais da comunidade receptora, seus direitos e deveres constitucionalmente assegurados, alternativas em atividades econômicas consonantes à preservação dos ecossistemas (APA de Guadalupe), cuja existência sadia é sinônimo de qualidade de vida para as populações que neles residam; é local que serve aos propósitos das capacitações, seja em E.A., seja quanto a formação e gestão de associações/cooperativas entre os atores da comunidade local; é estrutura apta a recepção de estudantes do ensino fundamental, médio e ensino superior, no intuito dos primeiros ou segundos insights quanto a revisão do modus operandi vigente sobre os mais diversos temas os quais se possa açambarcar na amplitude dos problemas socioambientais.

 

            Em uma usina de reciclagem de resíduos sólidos, um Centro de Excelência em E.A. significa campo farto à atuação de docentes, pesquisadores ou não, discentes em busca de estágio profissional, futuros pesquisadores ou não, ONG's nacionais e internacionais interessadas em contribuir com doações ou pelo conhecimento acerca do projeto do consórcio de lixo pretendido pelo PROMATA (Tamandaré, Rio Formoso e Sirinhaém) (PROMATA, 2007); ao ministério de cursos livres na área ambiental, turismo, hotelaria e lazer, além de outros temas ligados aos interesses regionais; infra-estrutura para hospedagem e alimentação, infra-estrutura e logística para o desenvolvimento de projetos educacionais e científicos; prestação de serviços (consultoria econômica e ecológica para os agentes de ecoturismo local, o que certamente, captaria investimentos privados em ecopousadas e roteiros ecoturísticos); parcerias com instituições educacionais, transformando sua área e instalações em “campus avançado” para que aqueles realizem pesquisas práticas e programas de educação na área socioambiental, promovam atividades guiadas fora dos limites da CTLT, com a profissionalização de monitores turísticos oriundos da própria comunidade; cessão de espaços pagos para que indústrias e empresas possam divulgar suas pesquisas e produtos (ecotécnicos) compatíveis com a manutenção dos processos ecológicos (transferindo ecotecnologia para a comunidade receptora); criação de um centro de documentação, onde estarão catalogados e disponíveis para consulta e pesquisa a produção artística local, documentos e objetos pertencentes à cultura e ecossistemas, coordenação de estudos temáticos, seminários, debates, painéis, elaboração de publicações, material didático e pedagógico, construção de um banco de dados destinado a subsidiar estudos, pesquisas, realização de convênios para o desenvolvimento de pesquisas e projetos com instituições públicas e privadas em geral.

 

            No contexto da criação de um Centro de Educação Ambiental na CTLT, pode-se estabelecer parcerias entre entidades representativas do poder público (PROMATA, CPRH e prefeituras, sobretudo a de Tamandaré), ONG's e universidades/faculdades de turismo, Sociologia, História, Geografia, Educação Ambiental, para estudo de demanda educacional, montagem de equipe de trabalho para sua implementação e desenvolvimento de imagem institucional com a criação de logomarca e site na Internet para divulgação dos trabalhos, captação de recursos financeiros, doações, podendo-se contar também com a experiência de agências de publicidade e/ou consultorias especializadas para criação da identidade visual do Centro de Excelência em E.A, além de  faculdades de Engenharia, para desenvolvimento de projeto arquitetônico e de viabilização financeira.

 

            Portanto, muito mais que uma “universidade livre” e um centro de visitação turística, a CTLT, pretende-se, seja uma proposta nova em gestão de resíduos sólidos e Educação Ambiental, que envolva além de cursos, uma série de produtos e serviços como alojamento para estudantes e ponto de apoio turístico para agências de viagem em suas rotas e roteiros, material didático, exposições e eventos.

 

            Tudo isto com a ativa e preponderante participação da coletividade tamandareense, institucionalizada através do conselho gestor da APA de Guadalupe (D.E. 21.135/98) (PERNAMBUCO, 1998), além das balizas legais preconizadas pela Constituição Federal de 1988 (Artigos 5 e 225) (BRASIL, 1988; ANGHER, 2003) e pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC, Lei 9.985/00) (BRASIL, 2000).

 

            À guisa de conclusão, cabe exaltar que tal proposição não é pioneira, havendo exemplo exitoso deste modelo de planejamento turístico e gestão ambiental, alicerçados nos princípios, na transversalidade e na amplitude da E.A., no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR/SP), além de ser possível coadunar à visita ao Centro de Excelência em Educação Ambiental da CTLT, roteiros turísticos das mais diversas temáticas, a partir das incontroversas possibilidades culturais do município de Tamandaré, em termos de história, arquitetura colonial, gastronomia, artesanato e folguedos, bem como a partir dos sérios problemas sociais e ambientais (resortização, exclusão sócio-econômica, provável degeneração cultural, degradação dos ecossistemas costeiros e da Floresta Atlântica) enfrentados por aquele. Face a transversalidade/amplitude da Educação Ambiental e da crise socioambiental, “nada deve ficar isento de exame e possível reconstrução” (DEWEY, 1958), além do que o ideário da presente proposta, pormenorizada na monografia precursora deste artigo e referenciada a seguir, tem respaldo legal no Programa de Regionalização do Turismo, proposto pelo Ministério do Turismo, e pode, indubitavelmente, ser estendida à toda  Região Turística do Litoral Sul pernambucano (BRASIL, 2005) e a outros projetos em turismo responsável pelo Estado de Pernambuco, Brasil, América do Sul, mundo - quem sabe assegurando uma mutação filosófica do homem capaz de atribuir novo sentido à existência de cada pessoa e, também, do planeta, através dos fortes “braços” (cadeia produtiva) do turismo?

 

Bibliografia

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17:00:00.

 

PERNAMBUCO (Estado). Decreto nº 21.135, de 16 de dezembro de 1998. Dispõe sobre o zoneamento ecológico-econômico e cria o Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental - APA- de Guadalupe, estabelecendo mecanismos de gestão ambiental e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cprh.pe.gov.br/downloads/dec21135.doc> Acessado em out. 2007.

 

____________. Decreto nº 19.635, de 13 de março de 1997. Dispõe sobre a criação da Área de Proteção Ambiental na região situada nos municípios de Sirinhaém, Rio Formoso, Tamandaré e Barreiros, sob a denominação de APA de Guadalupe e dá outras providências. Disponível em: <http://www.cprh.pe.gov.br/downloads/dec19635.doc > Acessado em out. 2007.

 

PROMATA – PROGRAMA DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ZONA DA MATA. Notícias, 2007. Disponível em Acesso em 24 nov. 2008.

 

__________. Notícias, 2007. Disponível em Acesso em 24 nov. 2008.

 

SALVATI, Sérgio Salazar. O Ecoturismo: Conceitos e Princípios. Disponível em <http://www.ecosfera.sites.uol.com.br>. Acesso em: 15 mar.2006.

 

SATO, M. Educação para o Ambiente Amazônico. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de São Carlos, 1997. Disponível em <http://googleacademico.com.br> Acesso em set. 2008.

 

 

Ilustrações: Silvana Santos