Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/06/2014 (Nº 48) A MATA ATLÂNTICA COMO OBJETO DE ESTUDO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
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A MATA ATLÂNTICA COMO OBJETO DE ESTUDO NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA

 

Lucivânia Francini da Silva

Mestranda em Desenvolvimento Regional

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

francinisilva@ymail.com

 

Miguel Angelo Perondi

Doutor em Desenvolvimento Rural pela UFRGS

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional

miguelangeloperondi@gmail.com

 

Nilvânia Aparecida de Mello

Doutora em Ciência do Solo pela UFRGS

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional

nilvania@utfpr.edu.br

 

Edival Sebastião Teixeira

Doutor em Educação pela USP

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional

edival@utfpr.edu.br

 

RESUMO

A supervalorização do desenvolvimento econômico ao longo dos anos, com a racionalidade voltada ao lucro de alguns em prejuízo de outros, causou a degradação ambiental. A Educação Ambiental constitui-se como um canal, uma instância de extrema importância, através da qual poderão ocorrer mudanças de paradigmas no sentido de que o cenário ambiental degradante atual possa modificar-se. O presente artigo relata experiência de um projeto de Educação Ambiental, cujo tema era Mata Atlântica, o qual foi desenvolvido com crianças de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, de uma escola comunitária do município de Pato Branco, Paraná.

 

Palavras-chave: Mata Atlântica. Educação Ambiental. Racionalidade Ambiental.

 

INTRODUÇÃO

 

A supervalorização do desenvolvimento econômico ao longo dos anos, com a racionalidade voltada ao lucro de alguns em prejuízo de outros, causou a degradação ambiental e o avanço da desigualdade e da pobreza, que aparecem como sinais do mundo globalizado. O desenvolvimento econômico e o processo de acumulação de capital estão intimamente ligados ao sistema de organização da produção, às formas de distribuição e utilização da renda, enfim a um processo histórico em que diversos elementos são identificados (FURTADO, 2000). Logo, ao pensar sobre o desenvolvimento econômico emerge uma reflexão sobre a construção social do mundo atual, para a qual converge uma série de processos desencadeados pela intervenção humana na economia, na ciência e na tecnologia.

O mundo de hoje é o mundo da complexidade, “no qual se amalgamam a natureza, a tecnologia e a textualidade, onde sobrevivem e tomam novo significado reflexões filosóficas e identidades culturais no torvelinho da cibernética, da comunicação eletrônica e da biotecnologia” (LEFF, 2009, p. 9). Conforme esse autor percebe-se a tecnologização da vida e a economização da natureza.  Mas é isso tudo fruto do desenvolvimento? Que desenvolvimento?

A racionalidade moderna, se expressa através do consumo destrutivo da natureza, comprometendo as condições de sustentabilidade do planeta Terra, provocando a degradação ambiental, resultado das formas de apropriação e usufruto da natureza. E a problemática ambiental requer a transformação dos conhecimentos teóricos e consequentemente práticos. Perspectivas culturais, ideológicas e políticas poderão determinar estratégias para a produção de conhecimentos de modo a construir uma racionalidade ambiental, pois esta deriva justamente de um processo de construção. Leff (2010) diz que os processos ecológicos, culturais e tecnológicos que constroem uma racionalidade ambiental estão integrados por valores, princípios produtivos, estruturas institucionais e interesses sociais diversos, onde se articulam e se concretizam o que conduz às práticas do desenvolvimento sustentável.

                Como o momento é de buscas, tem-se a perspectiva de desenvolvimento como liberdade, apresentada por Amartya Sen. “O desenvolvimento tem que estar relacionado, sobretudo, com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos” (SEN, 2010, p. 29). E ainda diz: “Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento” (SEN, 2010, p. 33). A liberdade a que o autor se refere é a liberdade substantiva, na qual o sujeito é constituinte do desenvolvimento e não sujeito sujeitado.

É importante ressaltar que sempre existiu a vontade do ser humano de se reproduzir, de crescer e de melhorar de vida. O homem, indivíduo que age e transforma o mundo em que vive, é um ser histórico, social, cultural que foi construindo o seu meio e a sociedade em que esse homem faz parte tem a lógica no modo de produção capitalista.

Anos de degradação do meio ambiente, poluição e destruição da natureza em busca de um desenvolvimento desenfreado, favorecendo o lucro de alguns em prejuízo de outros. Assim foi se construindo um cenário degradante, no qual as consequências são inúmeras e as mudanças são urgentes. Com base nisso, movimentos, pesquisas científicas, políticas públicas internacionais, nacionais, estaduais, regionais e locais se mobilizam na tentativa de modificar a situação degradante do planeta.

Faz-se necessário vislumbrar o desenvolvimento para além do progresso (SEN, 2010) e isso se vincula a ideia de sustentabilidade. Abramovay (2010) faz uma abordagem sobre desenvolvimento sustentável mencionando ser este um processo de ampliação permanente das liberdades dos indivíduos de modo a estimular a manutenção e a regeneração dos serviços prestados pelos ecossistemas às sociedades humanas. Abramovay (2010) entende que o sucesso brasileiro em reduzir as queimadas da Amazônia, por exemplo, e o trunfo de sua matriz energética é importante, mas nem de longe caracterizam uma dinâmica própria ao desenvolvimento sustentável. O Brasil passou, nos últimos anos, por um processo expressivo de redução da pobreza e da desigualdade de renda, mas os avanços nesse sentido, não se apoiam em formas de desenvolvimento econômico voltadas ao menor uso de energia e de materiais.

Vários componentes estratégicos de desenvolvimento sustentável podem ser encontrados em políticas governamentais, em práticas de empresas públicas e privados, em trabalhos de diversas organizações que compõem a sociedade brasileira, mas o andamento e as efetivas mudanças dependem de visão, ou seja, da presença de um olhar estratégico de seus protagonistas e de suas explícitas atuações.

Considera-se, assim, que a educação formal constitui-se como um canal, uma instância de extrema importância, através da qual poderão ocorrer mudanças de paradigmas no que tange ao desenvolvimento e ao desenvolvimento sustentável, de modo que o cenário ambiental degradante atual possa modificar-se.

Na perspectiva de que o campo educacional é um campo de vários saberes e que estes saberes dialogam entre si em um processo interdisciplinar, a abordagem ambiental no meio escolar pode ser muito fértil, e essa é uma das tarefas da Educação Ambiental.

Com objetivos educacionais de desenvolvimento de uma racionalidade ambiental com crianças de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, uma escola comunitária de pais, alunos e professores do município de Pato Branco – Paraná desenvolveu um projeto pedagógico no 4º bimestre de 2012 sobre a Mata Atlântica. Vários materiais foram utilizados para garantir que os assuntos pertinentes à temática fossem adequados à faixa etária das crianças da escola no que se refere às curiosidades e informações científicas. O presente artigo relata essa experiência.

 

 

A EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO PRÁTICA SOCIAL

 

Atualmente, o problema ambiental se torna cada vez mais visível e as pessoas em sua maioria, ainda mantém um comportamento de desrespeito com os ambientes naturais. A utilização exagerada dos recursos naturais, a serviço do capital, do lucro e do desenvolvimento admitido como perspectiva meramente econômica, desvinculada da sustentabilidade, com uma racionalidade que dissocia a natureza do contexto social da humanidade, desencadeou por meio de diversos fatores a chamada crise ambiental. Este cenário degradante indica um contexto cultural, social, histórico que está em crise. Crise esta que “remete-nos a uma pergunta sobre o mundo, sobre o ser e o saber que nos leva a repensar e a reaprender o mundo” (LEFF, 2007, p. 196).

Dias (1994, p. 21) lembra que na Conferência de Estocolmo (Suécia) – considerada um marco histórico político internacional para o surgimento de políticas de gerenciamento ambiental – o desenvolvimento da Educação Ambiental foi reconhecido “como elemento crítico para o combate à crise ambiental no mundo” e enfatizou-se “a urgência da necessidade do homem reordenar suas prioridades” (Idem, p. 22); desde então a Educação Ambiental vem sendo muito discutida e apresentada sob diversas concepções.

            A Educação Ambiental pode ser abordada de muitas formas e em qualquer disciplina, pois, sua institucionalização na sociedade brasileira vem se concretizando principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, que demandou a necessidade de “promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino” (artigo 225, parágrafo 1º, inciso VI). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, então diz que a Educação Ambiental deve ser uma diretriz para os conteúdos curriculares da Educação Fundamental. O Ministério da Educação (MEC) elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), onde a educação nessa perspectiva é apresentada como tema transversal para o currículo escolar. No ano de 1999 foi publicada a Política Nacional de Educação Ambiental e o seu artigo 2º diz: “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal” (BRASIL, 1999).

A Educação Ambiental é atualmente uma realidade na educação brasileira em todos os níveis e sua execução está diretamente relacionada com as concepções de mundo, de homem, de sociedade e de educação dos educadores. Nesse sentido, autores como Carvalho (2004), Loureiro (2004), Jacobi (2003), Lima (2009) e Guimarães (2011), apontam a presença no Brasil de duas concepções que balizam as práticas pedagógicas: a concepção conservadora, hegemônica no país, e a concepção crítica.

A Educação Ambiental conservadora focaliza o indivíduo e sua ação no ambiente no sentido de sensibiliza-lo para uma relação homem-natureza mais sustentável, a qual consiste numa visão dualista que separa em polos distintos a sociedade e a natureza (LOUREIRO, 2004; GUIMARÃES, 2007). Nessa visão a prática acaba se tornando simplista, pois, ao focalizar apenas o comportamento dos indivíduos em relação às suas práticas ambientais não propicia meios para que os educandos percebam as “relações de poder que engendram a realidade socioambiental, e simplista por estabelecer relações lineares (não complexas) de causa e efeito dos fatos sociais” (GUIMARÃES, 2011, p. 25).

Na visão conservadora, os educadores geralmente apresentam temas ambientais de forma abstrata, neutra e descontextualizada da realidade social. Os alunos recebem, assim, grande quantidade de informações desconexas, com inúmeros relatos sobre o estado de miséria e da degradação ambiental, ou ainda, e mais frequentemente, abordando aspectos pontuais, com temáticas predominantes como o lixo, a proteção do verde, o uso e a degradação de mananciais e ações para conscientizar a população em relação a poluição do ar, tais como apontam os estudos realizados por Kus (2012) e Sander (2012) sobre representações sociais de meio ambiente e práticas pedagógicas em Educação Ambiental com professores do Ensino Médio e do Ensino Fundamental, respectivamente.

Por sua vez, na vertente crítica, para além da necessária discussão sobre a importância da preservação e conservação da natureza, o foco recai sobre a dimensão política da problemática ambiental. Ou seja, a prática pedagógica leva ao questionamento do modelo econômico vigente, concebendo-o como motivador das formas de relação social que engendram e mantém os problemas ambientais, os quais são, portanto, problemas sociais. Desta forma, para Guimarães (2007, p. 19), as propostas da educação ambiental crítica são “voltadas para as transformações da sociedade em direção à igualdade e à justiça social”.

              Tendo que o conhecimento é uma construção social, historicamente datada, não neutra, que atende a diferentes fins reproduzindo e produzindo relações sociais (LOUREIRO, 2006), a Educação Ambiental nessa vertente se constitui como uma ação política orientada para a transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas vigentes. E é por essa razão que a prática pedagógica crítica visa muito mais do que a mudança de atitude para com o meio ambiente imediato. Com efeito, como a compreende Carvalho (2004), na Educação Ambiental crítica as dimensões éticas e políticas são essenciais, tendo em vista a necessária construção de uma cidadania ativa a qual implica a formação de um sujeito capaz de agir em defesa dos direitos de camadas mais amplas da população. Direitos estes, que se diga, incluem a manutenção de um ambiente saudável para si e para os outros e que seja capaz de sustentar a vida com uma boa qualidade.

Embora a Educação Ambiental possa ser abordada de muitas formas e em qualquer disciplina e unidade temática, é muito importante que se promova no interior das instituições escolares, articulação de ações educativas que busquem atividades de proteção, recuperação socioambiental como uma forma de potencializar a função da educação formal para mudanças culturais e sociais na perspectiva de um desenvolvimento sustentável.

É imprescindível que o educador torne-se um pesquisador, que investigue a sua realidade, que conheça como o meio educacional está inserido no contexto das problemáticas sociais. É necessário que o educador tenha visão do real e o real é holístico. Dessa maneira, ele não pode constituir seu saber fazer se não a partir do seu próprio fazer e a educação precisa intervir seriamente na formação do sujeito de modo que forme cidadãos críticos, que participem do desenvolvimento da sociedade de maneira responsável e consciente.

É necessário compreender que as representações de realidade, se constituem, modificam, destroem e se regeneram a partir de forças contrárias onde ordem e desordem não podem ser pensadas separadamente, mas sim como um par que se relaciona dialogando, produzindo infinitas configurações e modificações do real (MORIN, 2010). Tem-se aí a pertinência de uma abordagem que torne possível a percepção da complexidade ambiental, que leve em conta o sujeito na construção do objeto, pois sujeito e objeto, natureza e sociedade são termos que se inter-relacionam e se incluem. Neste sentido, é preciso pensar e repensar os processos educativos, sensibilizando sobre a importância da relação de bases sustentáveis que deve haver na interação entre a sociedade e o meio ambiente. “A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino” (MORIN, 2009, p. 20).

A Educação Ambiental crítica propõe uma profunda renovação de todo o ambiente educacional, a partir de seus paradigmas e princípios epistemológicos, conteúdos curriculares, métodos, sistema de ensino-aprendizagem e suas relações com o meio inserido. E a adoção de princípios interdisciplinares e de transversalidade, são alguns dos desafios a ser conquistados, considerando que a escola é uma instituição que se encontra em um contexto social amplo.                 

Logo, faz-se necessário o diálogo de saberes através da interdisciplinaridade, onde os objetos e assuntos se relacionam e são reconhecidos a partir de uma condição social onde a realidade é considerada. Quando se leva em conta a necessidade de incorporar as questões ambientais na formulação das políticas de desenvolvimento, de modo a contemplar objetivos econômicos, sanitários, sociais e éticos com a preservação da natureza  a  interdisciplinaridade faz-se ainda mais presente, abrindo-se para um espaço mais amplo. “A abordagem sobre Educação Ambiental nesta perspectiva encontra campo fértil, porém trata-se de campo de pesquisa em construção” (RAYNAUT, 2004, p. 21).

 A inter-relação entre as ciências se torna necessária, ao se tratar da complexidade dos sistemas e também das suas interações com as sociedades. Conforme são colocadas no centro das preocupações as relações entre as sociedades humanas e o meio natural que elas ocupam e exploram, “o ser humano não pode mais ser considerado como hóspede do meio que habita. Ele apresenta-se necessariamente como parte integrante desse meio, do qual é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, ator e produto.” (RAYNAUT, 2004, p.28).

O propósito de insistir na variedade de circunstâncias às ciências, quando as disciplinas rompem com o isolamento entre si, contribui para a constituição de concepções que permitem articular os domínios disciplinares em um sistema teórico comum (MORIN, 2009). Nessa perspectiva as realidades globais serão evidenciadas, ou seja, os múltiplos aspectos de uma realidade irão adquirir maior sentido.

Ao considerar complexa a dinâmica das relações sociedade e natureza, na perspectiva interdisciplinar dos problemas ambientais e de desenvolvimento, a Educação Ambiental poderá contribuir de forma crítica nesse processo em construção, objetivando o desenvolvimento sustentável.

 Em uma sociedade capitalista, em circunstâncias da concentração populacional, desemprego, degradação de recursos naturais, do avanço tecnológico, tudo ou quase tudo acaba tomando proporções de ser visto na ótica da luta por sobrevivência para uns e busca de lucro para outros. O primado por uma racionalidade ambiental frequentemente fica relegado, despontando a um paradigma consolidado da lógica de produção capitalista. As articulações referentes ao paradigma dominante de organização e reorganização do capital implicam no contexto da crise, pelas mediações do trabalho, pelo consumo, pela cultura, pela opção em relação às tecnologias utilizadas e pela educação. Por estes motivos a Educação Ambiental possui entre suas prioridades, e como tarefa por excelência, a construção de uma racionalidade reflexiva no uso dos recursos naturais, bem como à condição saudável de vida entre os seres humanos.

 

 

PROJETO MATA ATLÂNTICA: UMA EXPERIÊNCIA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

 

           Cabral e sua tripulação, ao chegar ao Brasil em 1500, desembarcaram no litoral do sul da Bahia e ficaram maravilhados com o que avistaram. Provavelmente se produziu aí uma das primeiras visões registradas sobre a Mata Atlântica que em sua originalidade e exuberância, se estendia pela costa brasileira desde o atual Estado do Rio Grande do Norte até o atual Estado do Rio Grande do Sul e ocupava mais de 1 milhão de quilômetros quadrados (DREYER, 2013).

Essa imensa floresta era ocupada por grupos indígenas tupis, como os tupinambás, que já praticavam a agricultura em perfeito estado de harmonia com a vida vegetal e animal. E de 1500 para os dias atuais, muita coisa mudou. A Mata Atlântica foi quase que totalmente devastada e a população indígena também foi muito reduzida (DREYER, 2013).

Atualmente a Mata Atlântica sobrevive em cerca de 100 mil km². Seus principais remanescentes concentram-se nos estados das regiões Sul e Sudeste, recobrindo parte da Serra do Mar e da Mantiqueira, onde o processo de ocupação foi dificultado pelo relevo acidentado e pela pouca infraestrutura de transporte (DREYER, 2013). Este ecossistema foi reduzido a menos de 7% de sua extensão original e está disposto de forma fragmentada ao longo da costa brasileira, no interior das regiões acima citadas, além de trechos nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul e no interior dos estados nordestinos (MMA, 2000). Do que se perdeu pouco se sabe, talvez milhares de espécies tenham sido sequer conhecidas.

Contudo, apenas cerca de 3% da área remanescente do Bioma estão protegidos em unidades de conservação de proteção integral. É consenso mundial que as unidades de conservação representam a forma mais efetiva de conservar a biodiversidade e isso indica a importância de um esforço imediato para proteger todas as principais áreas bem conservadas de remanescentes do Bioma. Demonstra também a necessidade de adoção de medidas para promover a recuperação de áreas degradadas, principalmente para interligar os fragmentos e permitir o fluxo gênico de fauna e flora (APOENA, 2013).

Ao longo de anos a floresta foi sendo devastada devido ao crescimento populacional, urbanização, agricultura, industrialização, poluição, construção de rodovias, pesca predatória, turismo desordenado, comércio ilegal de plantas e animais nativos, desenvolvimento econômico, social entre outros, sem os cuidados e respeito com os ambientes naturais. Somente há poucos anos é que os agentes de transformação, os indivíduos, decorrente de várias consequências desastrosas enfrentadas, se deram conta da importância de se preservar os ambientes naturais e da necessidade de apropriação respeitosa desses ambientes.

Assim, como parte de um conjunto de ações que visa o desenvolvimento de outra racionalidade ambiental com crianças de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, uma escola comunitária de pais, alunos e professores do município de Pato Branco, Paraná, desenvolveu um projeto pedagógico no 4º bimestre de 2012 sobre a Mata Atlântica. O projeto atingiu todas as áreas do conhecimento, agregando as disciplinas curriculares de acordo com a faixa etária de cada turma, sendo, portanto, multidisciplinar e interdisciplinar.

Por meio desse projeto, através de atividades, recursos diversos e estratégias pedagógicas, os alunos tiveram a oportunidade de conhecer a diversidade natural do país em que vivem e raciocinar sobre os problemas que o planeta está enfrentando em virtude da degradação ambiental. Assim, as crianças, vivenciaram um processo de construção da consciência pessoal, tendo em vista que a identidade do indivíduo é construída no decorrer de sua vida e formada pelas experiências em sociedade, principalmente na infância. Ou seja, a escola utilizou um tema riquíssimo que agrega vários assuntos importantes sobre o Brasil para, também, auxiliar a criança a se reconhecer como um que deve atuar criticamente sobre o mundo em que vive.

O projeto teve como principal inspiração a literatura infantil: “De olho na Mata Atlântica”, de Ingrid Biesemeyer Bellinghausen (2011). A obra aborda através de belíssimas ilustrações e produção textual apropriada à infância, a descoberta da Mata Atlântica pelos portugueses em 1500, como ela era naquela época e o que aconteceu com o passar do tempo como consequência da ação dos homens, desmatamento, desenvolvimento, queimadas. O texto também trata sobre a biodiversidade do ecossistema e a área atual dessa floresta brasileira.

As crianças, coordenadas pelos seus professores realizaram várias atividades pedagógicas. Os conteúdos de matemática e língua portuguesa, bem como outros conteúdos do currículo escolar para a faixa etária, tais como: crescimento demográfico, população urbana e rural, o desenvolvimento econômico, social e seus efeitos no meio natural, foram desenvolvidos por meio de atividades áudio visuais, artísticas envolvendo as artes plásticas e a musicalização, além de pesquisas e produções textuais.

As crianças tiveram contato com outros profissionais de áreas vinculadas com o tema através de palestras, viram filmes educativos, visualizaram mapas da ocupação da Mata Atlântica em diferentes épocas, realizaram debates com os colegas e os professores em sala de aula, realizaram pesquisas e tarefas de casa instigando também às famílias sobre a problemática ambiental. Esse conjunto de atividades possibilitou a construção do conhecimento através da problematização, do levantamento de hipóteses, da observação, da comparação de experiências e de conclusões.

As ilustrações a seguir são exemplos de produção textual das crianças.

 

 

Figura 1 – produção textual após atividade sobre a Mata Atlântica.

 

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Fonte: produção textual do projeto (reprodução autorizada pelos pais da criança).

 

 

Na figura 1 observa-se a produção de uma criança de 7 anos, matriculada em turma de 3º ano. A atividade em questão foi solicitada após uma palestra proferida às crianças sobre a Mata Atlântica, na qual o professor palestrante falou sobre a biodiversidade da mata, mostrou mapas que ilustraram a área da Mata Atlântica antigamente e atualmente. As crianças também assistiram vídeos educativos sobre preservação e respeito ao meio ambiente. Em vários momentos os alunos manifestaram-se de forma participativa, contribuindo com colocações e esclarecendo dúvidas. Para registrar a atividade as crianças construíram e ilustraram um texto, conforme figura acima.

 

 

Figura 2 – produção textual após atividade sobre desmatamento.

Description: C:\Users\User\Pictures\2014-02-25\189.JPG

 

Fonte: produção textual do projeto (reprodução autorizada pelos pais da criança).

 

 

Na figura 2 observa-se outra produção da mesma criança, que derivou de explorações feitas pela professora em sala de aula durante atividade cujo tema era o desmatamento.

 Além das atividades mencionadas e exemplificadas nas ilustrações, as crianças acompanhadas de seus professores fizeram várias incursões em uma área de preservação pertencente à escola, com fauna e flora nativas da região.

Para culminar o trabalho as crianças e seus professores compuseram canções que contemplaram em suas letras a biodiversidade da Mata Atlântica, sua descoberta e história ao longo dos anos. Do mesmo modo as produções oportunizaram reflexões sobre as atitudes dos indivíduos sobre o meio em que fazem parte, relatando de forma musicada as consequências dessas atitudes que hoje são enfrentadas. O que resultou então, na gravação de um CD musical.

Em um momento coletivo pais, crianças e professores fizeram o lançamento do CD que se intitulou: Natureza Musicada. Concluiu-se dessa forma o projeto.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Neste artigo relatamos uma experiência através de um projeto de Educação Ambiental que foi desenvolvido com crianças de Educação Infantil e do Ensino Fundamental, de uma escola comunitária do município de Pato Branco, Paraná.

Considera-se que o desenvolvimento de projetos que abordem os desafios ambientais no ambiente escolar, possibilitando a percepção sobre as formas de habitar, construir, transformar, desenvolver e de produzir, auxiliará na construção de uma racionalidade ambiental que promova pensar a realidade de modo a  compreender o ambiente natural em sua grande diversidade e complexidade.

               Entender que a degradação ambiental deve-se mais aos padrões e níveis de consumo, do que ao crescimento demográfico, e que o crescimento da população não produz, por si só o desmatamento, mas sim os padrões de uso do solo com objetivos capitalistas, e o uso de tecnologias impróprias aos ecossistemas tropicais ocasionaram sua destruição e instabilidade (LEFF, 2009), é de extrema importância.  Assim, a Educação Ambiental é uma temática que deve estar inserida no dia a dia das instituições de ensino, de modo a fazer parte do sistema educacional das escolas naturalmente e permanentemente. O trabalho direcionado auxiliará na familiarização, na reflexão e no envolvimento com os temas propostos, contribuindo com a construção de uma racionalidade ambiental crítica impulsionada para as mudanças necessárias.

               Por meio desse projeto, através de atividades, recursos diversos e estratégias pedagógicas, os alunos tiveram a oportunidade de conhecer a diversidade natural do país em que vivem e raciocinar sobre os problemas que o planeta está enfrentando em virtude da degradação ambiental. Assim, as crianças, vivenciaram um processo de construção da consciência pessoal, tendo em vista que a identidade do indivíduo é construída no decorrer de sua vida e formada pelas experiências em sociedade, principalmente na infância. Ou seja, a escola utilizou um tema riquíssimo que agrega vários assuntos importantes sobre o Brasil para, também, auxiliar a criança a se reconhecer como um ser que deve atuar criticamente sobre o mundo em que vive.

 

 

REFERÊNCIAS

 

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<http://www.educacional.com.br/reportagens/mataatlantica/default.asp> Acesso em: 25 jun. 2013.

 

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Ilustrações: Silvana Santos