Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Entrevistas
04/06/2014 (Nº 48) ENTREVISTA COM MARIO MANTOVANI PARA A 48ª EDIÇÃO DA REVISTA VIRTUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1789 
  

ENTREVISTA COM MARIO MANTOVANI PARA A 48ª EDIÇÃO DA REVISTA VIRTUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

 

POR ALICE GEHLEN ADAMS

 

O entrevistado desta edição é um dos mais atuantes ambientalistas brasileiros dos últimos tempos. Trata-se do geógrafo Mario Mantovani. Ele é o atual diretor da Fundação SOS Mata Atlântica e há 35 anos está na luta pela conservação deste bioma brasileiro, que revela uma das florestas mais ricas em biodiversidade e também, é um dos biomas mais ameaçados do Planeta.

 

 

Alice Adams – Mario Montovani, é uma enorme honra tê-lo como entrevistado desta edição e agradecemos muito por ter aceitado o nosso convite. Vamos começar falando sobre a sua infância. Você sempre teve contato e interesse pelo meio ambiente, desde pequeno?

Mario Mantovani – Sempre, olha que louco. Minha mãe até falava que desde os 10 anos eu dizia isso. E eu acampava muito naquele tempo. Tanto que depois fui trabalhar com escoteiros. Até porque na época, em 1970, não tinha movimento ambientalista e quem tocava as conferências, como a primeira conferência mundial, a Conferência de Estocolmo – que tinha o tema pensar global agir local – eram tocadas pelos escoteiros. Eu me aproximei e tive muito contato por conta disso.

Alice Adams – Você considera importante que as crianças tenham mais oportunidades para estar em contato com os ambientes naturais?

Mario Mantovani – É fundamental. Eu mesmo estou vindo de um Congresso Mundial de Ecoturismo. E teve uma coisa que me assustou lá. A gente tinha como referência todo mundo indo tentar a vida outdoor. Mas, aquela geração, que é a minha, está ficando velha, e hoje o pessoal está fugindo do outdoor, e isto esta virando um grande problema. Precisamos urgentemente reconquistar isso, principalmente aqui no Brasil, que tem muita natureza.

Alice Adams – Em sua longa trajetória nos movimentos ambientalistas, quais foram as suas maiores dificuldades?

Mario Mantovani – Acho que é a questão do tempo. Por exemplo: naquela época (no começo do envolvimento com o ambientalismo) quando se falava em meio ambiente o cara te achava um “ET”. Hoje eu vejo, por exemplo, mais atraso até, de certa forma. Você tem, ainda, gente falando: “Ah, vocês são contra o desenvolvimento.” Eu ouvia isso nos anos 70, dos militares, a gente falava contra usinas nucleares, era mal visto. Se travaram conflitos. Acho que é o mesmo argumento, só que piorado. Neste nível é muito ruim. Tem o outro nível que é o da sociedade, que gosto mais. Hoje temos o Código de Defesa do Consumidor, uma legislação. Hoje a questão ambiental está intimamente ligada com a empresa: responsabilidade socioambiental, isso mostra grande evolução. A questão da educação, informação é fundamental, porque há aqueles que ainda estão querendo viver naquela coisa de transferir, dizer: “olha, o meio ambiente atrapalha”. O mundo não vai parar a discussão sobre questões energéticas, tecnologias, de consumir menos energia...

Alice Adams – E qual foi a sua maior satisfação ou conquista alcançada nesta caminhada?

Mario Mantovani – Conquista, ver que a questão ambiental está incorporada no dia a dia. Era um grande desafio da gente, não é mais só pra meia dúzia de malucos. O cara olhava pra você e dizia: “Ô, você come comidinha natureba”. Coisa de querer rotular: “O cara é verde por fora e não é verde por dentro”. Cada um inventava uma história pra te rotular. Atualmente, tem muito mais preocupação evidente com o ambiente e não tem nenhum aspecto na sociedade em que o tema ambiental não esteja presente. E claro, a minha maior conquista é viver disso. Vou fazer 35 anos vivendo do meio ambiente.

Alice Adams – Há um conhecido “slogan” que diz: “ É preciso conhecer para preservar”, e atualmente muitas crianças vivem distantes de ambientes naturais, convivendo apenas em ambientes urbanos e assim, nem sequer conhecem in loco aquilo que buscamos preservar. O que você pensa disso?

Mario Mantovani – Esse é o desafio, agora, com a questão da tecnologia a coisa complica. Minha filha tem vídeogame interativo. Temos seis computadores em casa. É muita coisa, e de repente tudo isso acaba tomando muito seu tempo que poderia estar sendo aproveitado junto a esses ambientes. Vejo a gurizada, até na escola, mandando mensagem para os colegas da própria sala. É um fenômeno que ainda teremos que entender. Ninguém sabe se essa evolução é boa ou ruim, mas eu não acho isso muito saudável.

Alice Adams – Qual é, para você, a importância da Educação Ambiental (EA) nos ambientes de ensino?

Mario Mantovani – Primeiro que é obrigatório. A EA é obrigatória em todos os níveis do ensino. Isso vale tanto para o ensino público quanto para o privado. O que é ruim? Não existe isso, não se aplica. Passa a ser aquele direito que está na Constituição, mas acabam não fazendo. Temos que batalhar pra trazer esse tema de volta. Foi difícil conquistar isso e não pode deixar de ter essa formação.

Alice Adams – Qual é o principal objetivo da Fundação SOS Mata Atlântica e quais as principais estratégias para alcançá-lo?

Mario Mantovani – Primeiro, proteger o que resta da floresta (Mata Atlântica), que foi praticamente devastada. E, lógico, com isso vem as políticas públicas e muitos programas para interagir com a sociedade: o atlas – que mostra o que está acontecendo –; o monitoramento de águas; o programa de educação ambiental; turismo – como fomos fazer agora para chamar atenção para os parques; plantio – temos aí um grande trabalho. Esse plantio de árvores é fundamental e muito interativo. O próprio Clique Árvore, maior campanha de plantio já feita no Brasil é exemplo. Mesmo o Atlas, foi sendo aperfeiçoado. Temos que ter muitas estratégias. Todos os aspectos e questões do dia a dia da sociedade tentamos buscar, inclusive interagindo na Internet, que é pra não ficar defasado.

Alice Adams – Qual é o engajamento da Fundação SOS Mata Atlântica com a Educação Ambiental?

Mario Mantovani - Todos os aspectos da SOS Mata Atlântica tem EA. O trabalho de água, por exemplo, é feito só com jovens que monitoram os rios. Ele foi desenhado pra EA. O caminhão que está em todos os lugares. Todos os nossos projetos têm este componente. Mesmo em Brasília, com as políticas públicas, a gente está sempre trazendo jovens.

Alice Adams – Há alguma atividade específica para capacitação de professores?

Mario Mantovani - Já tivemos, agora não mais, diretamente.

Alice Adams – Qual é o vínculo da Fundação SOS Mata Atlântica com as escolas?

Mario Mantovani - Somos chamados em tudo, desde escolas mais primárias – que vêm visitar o caminhão –, até universidades, onde vamos fazer palestras. A ligação com as escolas é o caminho natural.

Alice Adams – Em relação aos recursos tecnológicos e seus avanços, que possibilitam não somente a disseminação da informação (que devem ser bem filtradas para evitar equívocos), mas também a mobilização pelas redes sociais, qual a importância destes para os movimentos de preservação ambiental como por exemplo, em relação as alterações do Código Florestal Brasileiro?

Mario Mantovani - Antigamente os assuntos não ganhavam essa proporção. Sem falar que hoje temos muito mais demanda para tudo. A questão do código foi a maior avalanche que o Brasil já viu de apoio ao MP. Isso foi muito interessante. Tem coisa que você tem que analisar muito bem, ver como faz a convocação. Hoje com um flashmob você consegue reunir milhares de pessoas. Vejo, por exemplo, que o número de pessoas que entra no Facebook é exponencial, cresce de maneira absurda. Você tem muito mais presença. Vou em lugares e as pessoas dizem: “Tô lá te acompanhando!”. Acho que tem muito a explorar, é um caminho legal, abrange muitas localidades. Proporciona muita dinâmica, muita troca. É uma coisa muito nova, não dá pra fugir mais disso. Ninguém mais vai viver sem isso. Ontem estava em uma escola de Campo Grande, falando para criar um APP (aplicativo) pra fazer acompanhamento da política da Mata Atlântica.

Alice Adams – O que mais te preocupa nas alterações do Código Florestal?

Mario Mantovani – Preocupa a incompetência do governo! Preocupa a anistia que foi dada, o mau exemplo, para todos! E preocupa, por exemplo, a coisa mais terrível: ter tirado a proteção das margens dos rios. Se falamos em biodiversidade pode ser meio intangível, podem não entender, mas por favor, água, que é a coisa mais determinante para todas as atividade, alimentação, dia a dia. Esse é o nosso grande desafio, de água – preservar a água! E foi tirado a proteção, simplesmente para atender interesses de um determinado grupo. Considero esse um dos maiores crimes contra a natureza.

Alice Adams – Sobre o movimento ambientalista global, como você percebe a comunidade brasileira no cenário do exercício da cidadania planetária?

Mario Mantovani - Estava agora em uma reunião com mais de 40 países. O Brasil é a maior potência ambiental do Planeta, não tem como comparar. Acho que o que diferencia a gente dos outros países mais desenvolvidos é o caso da gente colocar a questão ambiental ligada na questão cultural e social, e a comunidade, e tem lugares no Brasil onde vivemos como nos tempo antigos. Vivem de coleta... Impressionante, em lugar nenhum no mundo tem isso.

Alice Adams - Quais avanços significativos você percebe em relação à conscientização ou sensibilização ambiental do povo brasileiro?

Mario Mantovani – O tema ambiental está presente em qualquer esfera atualmente. Responsabilidade socioambiental das empresas. Processo que não tem mais volta. Cada dia mais o tema vai estar presente na vida de todos.

Alice Adams – Com uma frase, uma citação ou uma ideia, deixe uma mensagem bem especial para nossos leitores:

Mario Mantovani – A questão ambiental não é pra ser contemplativa, é pra ser vivida. Esse é o grande desafio. É o nosso dia a dia que vai definir como é a nossa qualidade. O meu padrão de consumo é que vai definir como eu me relaciono com a natureza. Não é indo lá na mata, vendo bichinho. Se eu não tenho bom hábito de consumo, vou estar agredindo a natureza de alguma forma. A natureza é pra ser vivenciada e merece ser cuidada!

 

Entrevista realizada por telefone no dia 29 de abril de 2014, e transcrita para a revista virtual Educação Ambiental em Ação, por Alice Gehlen Adams

 



Ilustrações: Silvana Santos