Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Dicas e Curiosidades
04/06/2014 (Nº 48) SEBASTIÃO E LÉLIA: PLANTADORES DE FLORESTAS E DO FUTURO
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SEBASTIÃO E LÉLIA: PLANTADORES DE FLORESTAS E DO FUTURO

 

Obra e mérito do casal Sebastião e Lélia Salgado, fundador do Instituto Terra, que já plantou mais de 1 milhão de mudas de espécies da Mata Atlântica

 

 

Saindo do aeroporto de Vitória, a viagem de 132 quilômetros até Aimorés (MG) leva duas horas e tem uma cor. É o tom amarelado da poeira que recobre cada centímetro de uma estrada margeada por fazendas quase vazias de gado, de plantações e de gente. O ar é quente e sufocante; o solo, exposto e ressecado. Esse é o Vale do Rio Doce - nome a recordar um outro tempo dessa região, que hoje concentra algumas das áreas em processo de desertificação mais acelerado do país. A bacia reúne 228 municípios, pouco mais de 83 mil quilômetros quadrados, divididos entre Minas Gerais (86%) e Espírito Santo (14%). Até o início do século 20, havia ali um santuário de Mata Atlântica, preservado pela presença dos índios botocudos.

 

Essas tribos foram dizimadas com a chegada da estrada de ferro e restam só comunidades isoladas. Hoje apenas 7% do território mantém cobertura vegetal - cerca de 1% de Mata Atlântica. Fora isso, pastos, pequenos focos de mata degradada e terra nua. História de um milagre Uma mostra do que foi o vale, porém, pode ser vislumbrada em Aimorés, quando se cruzam as porteiras da Fazenda Bulcão, sede do Instituto Terra (IT) - ONG voltada a projetos de educação e recuperação ambiental, criada pelo fotógrafo Sebastião Salgado e sua mulher, a arquiteta Lélia Deluiz Wanick Salgado, presidente da entidade. Ali, a temperatura é amena e dezenas de espécies depássaros e animais silvestres encontram refúgio em uma densa floresta que se espalha por mais de 300 hectares da propriedade. O contraste com o entorno é tão grande que a gente se pergunta como aquele paraíso sobreviveu.

 

E aí está o milagre: ele não tinha sobrevivido. Há menos de dez anos, a Bulcão era uma típica representante da economia rural de Aimorés, carac terizada por pequenas propriedades devastadas pela exploração indiscriminada dos recursos naturais, agricultura de subsistência e pecuária de baixa produtividade. Foi quando passou para Lélia e Sebastião. O casal planejava implantar um modelo de pecuária sustentável que inspirasse outros proprietários a verem a mata como aliada da produtividade e não empecilho à ampliação do pasto. A idéia ganhou a adesão de amigos, que viu na formação de um núcleo de reflorestamento e educação ambiental o ponto de partida para um projeto de desenvolvimento da região.

 

Os resultados vieram rápidos. Ideais e realização. Desde 1999, foi plantado mais de 1 milhão de mudas na área prevista para reflorestamento, que está a meio caminho do total previsto e se tornou um laboratório de pesquisa e desenvolvimento de técnicas de manejo florestal. A única nascente que sobrevivia no início do projeto já dobrou sua vazão e outras seis ressurgiram. Não podia ser melhor para vencer a desconfiança dos fazendeiros, que cada vez mais procuram assessoria para reflorestar áreas de reserva mínima nas suas propriedades, adotar técnicas que aumentem a produtividade e descobrir alternativas para acelerar a economia local.

 

Há ainda um viveiro para produzir 800 mil mudas anuais, biblioteca, auditório com cineteatro, centros de estudos e alojamento para alunos e visitantes. "Quem vê o IT hoje pensa que havia uma meta clara. A verdade é que tínhamos um pedaço de terra e, aos poucos, idéias surgiram", diz Sebastião. Uma dessas idéias bem-sucedidas foi a de formalizar a Bulcão como Reserva Particular de Patrimônio Natural (RPPN). O título garante a perpetuação de áreas privadas como unidades de conservação florestal. Inusitado: no momento da aprovação oficial, nem uma árvore havia sido plantada. A obtenção do título, porém, facilitou o acesso ao apoio (inclusive financeiro) de parceiros como as empresas Phillips, Arcelor Mittal e Vale, além das fundações Natura, S.O.S. Mata Atlântica e Windfall, do ator Robin Williams.

 

Outra iniciativa que deu certo foi a recuperação prévia do solo pelo plantio de leguminosas de crescimento rápido. Por não trabalhar só com espécies nativas, o método causa arrepios nos
ambientalistas ortodoxos. Mas tem a vantagem da rapidez, que permite reconstituir grandes trechos de floresta em pouco tempo. Para o IT, a recuperação florestal não é o objetivo em si, mas o caminho para restabelecer as condições de vida dos moradores do vale. "É preciso dar às pessoas a oportunidade de reconquistar a dignidade e de viver em paz com a natureza", afirma Lélia. Não é uma preocupação secundária. Aimorés surgiu no início do século 20 de um modelo de ocupação calcado na extração dos recursos naturais. A necessidade de abastecer com madeira e carvão a estrada de ferro que ligava Vitória a Minas iniciou a dizimação da mata.

 

Nova onda exploratória veio com a extração de madeiras nobres para a reconstrução da Europa e do Japão após a Segunda Guerra. Nos anos 1950, as árvores restantes foram queimadas para dar lugar a fazendas de café. Em pouco tempo, a falta da vegetação original e o uso excessivo de queimadas degradaram a terra de tal forma que ela só serviria para pasto. Mas, sem a floresta para proteger os lençóis subterrâneos de água, a maioria das nascentes secou, deixando o gado à míngua. Sem perspectivas, entre 1970 e 1990, mais de 500 mil pessoas abandonaram o vale. Na região do IT, 40% da população mudou-se.

 

EDUCAR, EDUCAR, EDUCAR

 

 

Desde o início, vimos a necessidade de chamar a atenção das pessoas para o seu papel nessa degradação", lembra Lélia. Foi daí que o IT extraiu sua outra vocação: educação ambiental. "A intenção é conciliar a atividade agrícola com oreflorestamento: gerar informações que permitam aos produtores rurais ter um vínculo ecológico com a agricultura", diz Sebastião. Para realizar esse objetivo, o IT mantém dois centros de formação. Um capacita professores e desenvolve projetos e atividades de motivação ecológica para as escolas da região. Outro ensina técnicas de reflorestamento, manejo ambiental e produção agroecológica a alunos formados pelos colégios agrícolas locais. Cada uma dessas iniciativas bem-sucedidas aumenta a esperança de que os mapas do futuro não precisem apresentar mais um deserto para as próximas gerações.

 

CASAL NOTÁVEL

 

 

O mineiro Sebastião Salgado conquistou o mundo com suas fotos sempre reveladoras de uma realidade de devastação humana e ambiental. Desde 1973, quando começou a carreira de fotógrafo em Paris, passou pelas mais importantes agências internacionais e suas lentes registraram momentos decisivos da história, como a Revolução dos Cravos, em Portugal, e as guerras civis de Angola e Moçambique. Em 1994, criou com a mulher, Lélia Wanick Salgado, a agência Imagens da Amazônia. É Lélia também que realiza os projetos gráficos dos livros do marido, que incluem títulos como Trabalhadores, Outras Américas e Êxodos - todos da Cia. das Letras. Atualmente, o casal vive na França, mas visita o Brasil regularmente.

 

Fonte: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/atitude/conteudo_272599.shtml?func=2

 

 

Ilustrações: Silvana Santos