Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
04/04/2021 (Nº 47) ENTREVISTA COM RICHARD RASMUSSEN PARA A 47ª EDIÇÃO DA REVISTA VIRTUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO POR BERE ADAMS
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ENTREVISTA COM RICHARD RASMUSSEN PARA A 47ª EDIÇÃO DA REVISTA VIRTUAL EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM AÇÃO

POR BERE ADAMS

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Richard mostra o Tamanduaí para crianças de uma comunidade local.

(Foto: Txai Studios / Sabrina Martins)

(Ingryd - equipe) Foto da página de Richard Rasmussen

 

Apresentação – Cada vez que assisto Richard Rasmussen pelo seu programa Mundo Selvagem, do canal da National Geographic, fico emocionada com a sua sensibilidade para com a vida e com o profundo respeito e conhecimento evidenciados com todos os seres e ambientes. Arrisquei convidá-lo para esta entrevista. Ele aceitou, e cá estou, apresentando-o para vocês, que acompanham a Educação Ambiental em Ação. Richard é natural de São Paulo, economista e biólogo, além de apresentador de programas sobre a vida selvagem. Aqui, teremos oportunidade de conhecê-lo um pouco mais...

Bere  - Richard, é uma imensa alegria e um privilégio tê-lo como entrevistado desta edição da EA em Ação.

Li no website http://www.aventurasdorichard.com.br/ que o seu amor pela natureza começou na infância, pelo seu contato com áreas silvestres, e começo esta entrevista perguntando qual é, para você, a importância de se oportunizar as crianças, vivências e experiências com a vida natural, principalmente para as crianças dos grandes centros urbanos?

Richard – Crianças são o futuro. Parece chavão. E é. Porém, o fato é que as crianças de hoje serão os homens e mulheres de amanhã e serão as pessoas que receberão este planeta de nossas mãos e decidirão o rumo que as coisas vão tomar. As crianças de hoje têm muito mais consciência da necessidade de conservar o planeta e são muito mais educadas ambientalmente do que seus pais e avós. A internet abriu o mundo para elas e a informação é muito mais acessível. Porém esta geração está crescendo em um mundo virtual. Ao mesmo tempo que tem mais acesso à informação, estão antenadas com o que está acontecendo com o planeta, esta relação com os bichos, plantas e gente, até mesmo seus relacionamentos são virtuais. A ligação emocional com este planeta é essencialmente visual, não é prática como foi a de seus pais e avós. Nossos programas sempre foram voltados à família, mas com forte apelo a estas crianças onde tentamos colocar em prática todos os outros sentidos faltantes, que a internet não pode suprir: os cheiros, os gostos, os sons da natureza; a emoção de vivenciar a natureza. Eu tenho filhos que hoje estão com mais de dezoito anos, mas sempre tiveram a oportunidade de explorar o planeta em que vivem e até hoje o fazem quando temos oportunidade. Leve seu filho para fazer coisas triviais como abraçar uma árvore, andar descalço, nadar em uma lagoa.

Bere – Este contato realmente é fundamental, Richard! Grande parte das pessoas que não tiveram contato com a natureza, na infância, não se percebe como parte do meio ambiente, por diversas razões, e como consequência, quando estão em ambientes naturais apresentam medo de animais e não se sentem à vontade, o que você diria para estas pessoas?

Richard –Existe uma memória genética em todos nós, seres humanos. Uma criança sabe instintivamente que uma serpente é um animal que pode representar perigo antes mesmo de seus pais informarem isso a ela. Acho o medo importante. Ele fez com que o ser humano prosperasse juntamente com a criatividade e habilidade de aprender. Acho somente que quando este medo do desconhecido se transforma em pavor ou fobias, ele é nocivo. Eu tenho medo de tubarões e crocodilos. Estes bichos estão na Terra fazem 300 milhões de anos, enquanto nós, seres humanos, estamos a 2 milhões de anos. Os caras são preparados e já foram testados pela natureza de toda maneira possível. Mas eu tenho o conhecimento que me faz entender e orientar adequadamente este meu medo transformando-o em respeito. Se você perde o respeito e desconhece seus limites vai viver pouco na natureza. A chave para poder relacionar-se com a natureza é o conhecimento, de si próprio e do meio que o cerca. Acho muito mais perigoso viver em uma cidade do que em uma floresta. Na cidade temos acidentes de carro e assaltos matando pessoas a cada segundo.

Bere – Seus programas são verdadeiras surpresas, pela sua forma de interagir com os diferentes ambientes e com os animais. Temos a impressão de que você estabelece - com muita espontaneidade - uma comunicação com eles, como você sente isso?

Richard – Eu li em algum lugar que 60% da comunicação entre os seres humanos não é verbal. Pode ser que este percentual seja um pouco menor ou maior e pode haver divergências, mas certamente pelo menos 50% da comunicação entre os seres humanos é gestual e composta de expressões. Imaginem, se 50% da comunicação entre pessoas que falam mais que os cotovelos (aliás, de onde saiu esta expressão? Não faz qualquer sentido!), são seres essencialmente verbais, não é feita com palavras, como ficam os animais, que não sabem falar. Assim, acredito que a postura corporal têm uma importância fundamental quando pensamos em relação de comunicação homem-animal. Certamente eu faço uso dela.

Bere – Certamente, Richard, a sua comunicação com os animais é incrível. Considerando que muitos animais selvagens podem ser perigosos, há momentos em que você sente medo?

Richard –Como já antecipei em resposta anterior, naturalmente, e não tenho vergonha em admitir. Como acha que foi minha primeira vez manejando com minhas mãos uma serpente extremamente peçonhenta, ou colocando na palma de minha mão um escorpião, ou nadando sem proteção com um tubarão-tigre? Claro que dá uma pontinha de medo.

Bere – Cada experiência que você vive e disponibiliza para as pessoas através dos programas é um verdadeiro tesouro, principalmente pela emoção que você nos passa. Mas, tem uma destas experiências que assisti  e que considero mais do que especial, foi quando uma arraia, surpreendentemente, deu à luz e você pode até pegar um dos filhotes. Como você descreve este momento?

Richard –Você é muito observadora Bere. Foi a primeira vez em tantos anos viajando para gravar animais que me deparei com uma situação como esta. Estávamos gravando um especial sobre grandes peixes de couro e no rio Amazonas, os pescadores estavam de sobreaviso que se pegassem um grande peixe como uma piraíba ou jaú grande, que não o matassem, que se comunicassem comigo antes. O pescador em questão nos ligou dizendo ter um grande peixe preso na linha e eu fui sem saber do que se tratava, quando tiraram aquele “monstro” de arraia da água. Eu nunca tinha visto uma arraia de água doce tão grande em minha vida. Imediatamente comprei a arraia do pescador pelo preço que ele conseguiria no mercado e pedi ajuda para soltá-la, o que causou grande surpresa nele e em seu filho. Como alguém compra um peixe para soltá-lo? A arraia ainda, depois que tiramos o anzol da sua boca e iniciamos a descê-la de volta ao rio, pariu dois filhotes bem na nossa frente devido ao stress. Tudo novidade para mim. Eu já sabia que isso seria possível, mas nunca tinha testemunhado de perto. Mas o melhor foi colocar a arraia mãe de volta à água com a ajuda do pescador. Ele nunca tinha estado em sua vida com este animal, dentro da água de uma forma tão tranquila e segura como a que passei para ele. Sua relação com a fauna, especialmente peixes sempre foi muito bruta. A primeira coisa que ele teria feito seria cortar o ferrão com o facão. De repente, ele está na água com este colosso de arraia que ele morre de medo, vendo um cara segurar o bicho por este mesmo ferrão, soltando o bicho vivo. Então, ele chamou o filho pra dentro da água para poder participar daquele momento que tenho certeza mudou a forma que ele enxergará a natureza.

Bere – Realmente uma experiência fantástica e uma maravilhosa demonstração de cidadania ambiental que você passou para este pescador e o filho dele, uma inesquecível “aula de Educação Ambiental”! E a sensação de surfar na pororoca? Deve ter sido incrível, fale um pouco sobre este feito.

Richard –Não foi minha primeira vez que subi na prancha para surfar a pororoca. Foi difícil. É uma onda instável quando quebrada, puxando e empurrando ao mesmo tempo. Mas, estar surfando no meio da Amazônia, com a onda quebrando o barranco ao lado…como descrever a emoção?

Bere – Suas produções são excelentes suportes pedagógicos para a Educação Ambiental. Há outros projetos que você desenvolve, além dos programas, que se relacionem a educação?

Richard –Participo da ação de alguns poucos projetos de conservação que acho bem legais, quando posso, como da SOS Mata Atlântica, da AMPA, uma instituição que protege e estuda os peixes-bois amazônicos e o boto cor-de-rosa (ou vermelho) e qualquer atividade/iniciativa que possa conservar tubarões. Também tenho minhas doações financeiras pessoais a determinadas pessoas/instituições e iniciativas que acredito serem importantes para conservação, e que, às vezes, precisam apenas de uma ajuda. Atualmente estou com um projeto de livro e de um espaço itinerante desenvolvido para Shoppings Centers que vai mostrar os cinco biomas brasileiros através da recriação do espaço, seus bichos, plantas e culturas, atividades e oficinas. É minha menina dos olhos, atualmente, e deve sair do papel para todo Brasil até no máximo julho/2014. Tenho várias palestras que dou a empresas que são remuneradas e outras que consigo conciliar com a agenda de viagens quando estou no Brasil para escolas públicas, de forma gratuita.

Bere – E quando você vai às escolas, para palestras, o que mais lhe chama a atenção nos professores e alunos?

Richard –A admiração pelo meu trabalho. Esta consciência, da importância de meu trabalho é bastante recente. Nos primeiros anos de TV, eu não tinha noção de que nosso trabalho mexia tanto com as pessoas, especialmente as crianças. Após o início de um trabalho junto às escolas e público em geral, comecei a tomar ciência da penetração e visibilidade do trabalho. Fico lisonjeado com este carinho, de verdade.

Bere – Com suas viagens você pode ter uma boa noção sobre a interferência humana na biodiversidade.  O convívio com diferentes “tribos” pode trazer ótimos exemplos. Sobre isto, tem algum exemplo que lhe chamou mais a atenção?

Eu ainda fico bastante surpreso com a ignorância, teimosia e egoísmo de pessoas que querem tirar o máximo proveito da natureza, sem qualquer escrúpulo. Eu não sou contra o manejo florestal, acho que quando bem feito e democratizado, pode ser uma excelente fonte de receita para as populações isoladas na floresta. Acho somente que não devemos vender a madeira e sim vender os produtos que podem ser extraídos dela, como móveis por exemplo, pois isso agrega valor ao produto e traz mais riqueza para a região. Eu não sou idiota e sei que para alimentar toda uma população e criar riqueza para a Nação temos de sacrificar algo. O cerrado está pagando a conta do agronegócio e pode ser otimizado. Para que entrar na Amazônia? Não precisamos! Para que usar 100% de áreas que eram de floresta para plantar soja e criar gado? Não podemos usar 80% e planejar os 20% restantes para criar corredores ecológicos para que a Fauna que aí vive possa deslocar-se entre as diferentes propriedades? Por que ser tão imediatista e capitalista nesta relação? O que é necessário para nos considerarmos satisfeitos? Enfim, poderia levantar diversas questões que na verdade não tem resposta a não ser o trinômio: ignorância, teimosia e egoísmo. O pior é estar descendo a serra do mar, numa estradinha que corta um Parque Nacional e ver o carro da frente, um automóvel importado, supostamente alguém com educação, abrir a janela pra jogar uma latinha de cerveja fora. Vai dizer o que pra um cara destes?

Bere – Para você, qual é o maior problema ambiental que vivenciamos, atualmente?

Richard –Eu acredito que o desflorestamento e o lixo são os dois principais problemas que estamos enfrentando.

Bere -  E o que é fundamental para que possamos preservar a vida?

Richard –Entender que a felicidade e alegria de viver estão nas pequenas coisas. Que a vida é passageira e que vivemos em um planeta que é um ser vivo. Cuidar dele é cuidar de si mesmo na pior hipótese.

Bere – Para concluir, Richard, deixe um recado, pode ser uma palavra, uma frase, uma ideia, algo que cutuque o coração de nossos leitores!

Richard – O seu filho não vai lembrar de você pela quantidade de dinheiro que você têm, nem respeitá-lo por isso. O herói dele é o cara de atitude que sabe dar atenção a ele, ao próximo, aos animais e plantas. Seja o herói de seu filho. Obrigado pelo espaço e carinho Bere e pela oportunidade que tive aqui de discutir coisas que normalmente não cabem nos programas de TV. Seja feliz!

Bere – Em nome da equipe da revista Educação Ambiental em Ação, te agradeço. Muito obrigada pela entrevista. Que este seu exemplo de vida possa auxiliar para promover uma ampla transformação da nossa forma de ver e viver o mundo, para que possamos nos religar à nossa essência, que é pura natureza. Que a sua sensibilidade e sua gentileza sejam contagiantes e que seus projetos e programas sejam cada vez mais um sucesso, grande abraço, Bere Adams.

Ilustrações: Silvana Santos