Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Trabalhos Enviados
16/12/2013 (Nº 46) O SANEAMENTO NA PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA DA ZONA RURAL DE BELÉM/PA.
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1713 
  

O SANEAMENTO NA PERCEPÇÃO DOS ALUNOS DE ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA DA ZONA RURAL DE BELÉM/PA.

 

 

THAÍS PEREIRA DOS SANTOS

Graduanda em Engª Sanitária e Ambiental pela UFPA; Graduanda em Pedagogia pela UEPA; Coordenadora de Educação Ambiental pelo Projeto Pará Leitura Vai-Quem-Quer.

 

LUIZA NAKAYAMA

Professora do mestrado e do doutorado em Educação em Ciências e Matemáticas do IEMCI/UFPA e em Educação do ICED/UFPA, coordenadora da Sala Verde Pororoca.

 

MARIA LUDETANA DE ARAÚJO

Professora de Educação Ambiental nos cursos de graduação da UFPA e no curso de especialização do PROFIMA/NUMA/UFPA, membro do GEAM/UFPA e coordenadora do PARFOR/PEDAGOGIA.

 

Autor para correspondência: Ludetana Araújo, ludetana@ufpa.br fones: (91) 3201-8752. Universidade Federal do Pará, Campus Universitário do Guamá. Instituto de Ciências da Educação - Campus Profissional. Rua Augusto Corrêa, nº 1, Belém-PA/ 66075-110.

 

 

RESUMO

As atividades desenvolvidas estão concentradas na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Marta da Conceição, situada na ilha de Cotijuba, próxima a cidade de Belém, capital do estado do Pará. Com o objetivo principal de conhecer o nível de percepção sobre saneamento que as crianças do 6º ano/9 desta escola possuem, através de questionários e posteriormente de palestra se pôde levantar as informações e constatar através das trocas de conhecimento durante as atividades as condições de percepção sobre Saneamento que estes alunos demonstram ter.

 

 

SABER LOCAL

A Ilha de Cotijuba - terceira ilha em dimensão territorial - está localizada na região Norte brasileira, no extremo oeste do município de Belém, às margens da Baía do Marajó. Possui uma extensão de 18 km² e uma população de aproximadamente 216,6 hab/km², e vem sendo ocupada de forma intensa e gradativa, desde as duas últimas décadas. (SILVA e MATOS, 2009). Mas, segundo dados não oficiais provenientes da Agência Administrativa do Outeiro – DAOUT, existem, aproximadamente, 9.000 habitantes fixos em Cotijuba.

Em 1990, por meio da Lei Municipal, a Ilha de Cotijuba foi transformada em Área de Proteção Ambiental, fato que obriga a preservação das suas ricas fauna e flora e proíbe a circulação de veículos motorizados, exceto os de segurança e saúde. A regularização do transporte fluvial, em 1994, favoreceu o surgimento de outra função para a ilha que se transformou em estação balneária.

Em vista do exposto, o objetivo do presente trabalho foi atuarmos na Escola Estadual Marta da Conceição situada na ilha de Cotijuba, primeiramente, tentando conhecer a realidade do público alvo sobre saneamento e, posteriormente, ministrarmos uma palestra sobre saneamento básico, que atendesse às necessidades do nosso público-alvo.

Em virtude da situação atual sobre o meio ambiente e pela grande necessidade da implantação da Educação Ambiental, como instrumento que possa construir valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente e para promover melhor qualidade de vida, o presente trabalho propõe-se em atuar na Escola Estadual Marta da Conceição situada na ilha de Cotijuba, com o objetivo primeiramente de conhecer a realidade do público alvo sobre saneamento e posteriormente disseminar ou mesmo implantar uma semente que seja capaz de transcender a atual realidade dos alunos e melhorar o ambiente, a partir do conhecimento e da importância do saneamento.

 

 

SABERES METODOLÓGICOS

A escolha deste lócus deu-se por meio das experiências vivenciadas na ilha de Cotijuba envolvidas à extensão universitária aplicada a algumas comunidades situadas na ilha. A opção pela escola Marta da Conceição se deve ao fato de ser a escola matriz da região, que recebe alunos oriundos das escolas anexo e de outras ilhas próximas a Cotijuba, sendo assim centrada na parte mais acessível da ilha e envolta dos problemas de ordem sanitária mais visíveis e preocupantes. A figura 1 mostra um mapa com a localização de Cotijuba, próxima a Belém e com o deslocamento das crianças até a ilha para estudar, oriundas de outras ilhas próximas.

Nova Imagem (3)

Figura 1: Deslocamento dos alunos residentes nas ilhas adjacentes até a Escola Marta da Conceição na Ilha de Cotijuba.

Fonte: www.skyscrapercity.com

 

Para a realização desta proposta, foi selecionada uma classe com o auxílio da coordenação pedagógica da escola, a turma escolhida corresponde ao 6º ano/9.

As atividades iniciaram-se por meio de levantamento de dados através do uso de questionários que buscavam compreender a partir do ponto de vista dos próprios alunos, moradores da região ribeirinha, em que situação o saneamento na ilha se encontra e qual a percepção/entendimento que possuem sobre o tema.

Também foi utilizada para coleta de dados a observação in loco tanto das condições de infraestrutura ao redor da escola e a participação dos alunos no momento do preenchimento dos questionários. Bem como diálogos livres durante a execução das atividades.

A iniciativa desta pesquisa primeiramente é de ordem qualitativa, pois pretende-se apenas verificar o nível de percepção que os alunos possuem a partir de um tema gerador, pois para Freire (2005) a investigação da temática através do tema gerador envolve a investigação do próprio pensar do povo, neste caso o pensar na perspectiva do Saneamento. Posteriormente, através dos breves resultados obtidos em questionário, uma palestra foi apresentada a fim de esclarecer as prerrogativas do saneamento em comunidades ribeirinhas, de modo que os alunos também possam contribuir com seus conhecimentos, experiências e dúvidas. Sendo assim além de pesquisa a proposta também possui cunho interventor através de uma ação (palestra) que objetiva a reflexão (transformação).

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A maior parte dos alunos do 6º ano/9 corresponde à idade escolar, apenas 23% não se enquadram nesta estatística. Na Escola Estadual Marta da Conceição estão matriculados alunos residentes da própria ilha de Cotijuba, das diversas comunidades longínquas ali distribuídas, como também alunos de outras ilhas próximas da mesma, que deslocam-se todos os dias à Cotijuba e com a possibilidade de depararem-se com situações ocorridas diferentemente das encontradas nas ilhas onde residem.

 

Redescobrindo o Saneamento

O primeiro conceito trabalho foi o do próprio saneamento. Afinal, o que é saneamento? Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) o saneamento é visto como o princípio orientador, instrumento para a promoção de Saúde que é o completo bem estar físico, mental e social, não restringindo-se à doenças (OMS, 1986 apud FUNASA, 2006).

Pelo questionário, 94% dos entrevistados responderam conhecer sobre o saneamento. Um número bem satisfatório, porém apenas reflete no conhecido da palavra e não em seu significado. Este conhecimento deve-se pelo fato de que o tema Ambiental é conteúdo do 6º ano/9 dentro de disciplinas curriculares que abordam superficialmente a temática, já que a Educação Ambiental é tratada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) como tema Transversal, deste modo não sendo trabalhada na maioria dos casos com a devida importância que esta requer, tendo em vista as necessidades que o local possui, por ser APA.

Para Yus (1998), a importância de se introduzir um tema transversal, neste caso em uma comunidade ribeirinha, é que toda a problemática que circunda a região seja vista dentro e fora da sala de aula. Entretanto, não sendo vista como uma disciplinar exclusivamente avaliativa, mais principalmente com um olhar crítico, orientador e dinâmico.

Logo em seguida explanou-se sobre as ações nas quais o Saneamento abrange. No que diz respeito ao Abastecimento de Água os alunos rapidamente remeteram-se a água oriunda de poços. O que direcionou a abordagem para a desmitificação do uso de poços artesianos, pois em muitas residências das ilhas de Belém se dizem usuárias de poços tubolares, o que na maioria dos casos é equivocado, já que a perfuração destes poços geralmente ocorrem de maneira inadequada, por pessoas que não são capacitadas a esta atividade, sendo assim tais poços são caracterizados como poços amazonas por serem superficiais. E devido a esta insegurança da água dos poços, os alunos foram instruídos à medidas preventivas para com o uso da água de consumo humano, cuidados de higiene e armazenamento desta água. Este momento gerou espanto aos alunos, pois sempre acreditaram que a água de poço que eles costumam consumir era de excelente qualidade por ser incolor, sem odor e sem sabor.

Sobre Esgotamento Sanitário, certamente a medida mais distante a ser adotada nestas regiões ribeirinhas, já que em Belém, capital do estado do Pará, a população residente possui apenas 6% de esgotamento sanitário (A Verdade, 2012), ou seja, a maior parte da população vive desprovida de redes coletoras de esgoto, nas ilhas este percentual é de 0%. Como todo esse resíduo é lançado diretamente no corpo receptor, sem nenhum tipo de tratamento, este item palestrado foi bastante incisivo quanto a precauções aos usos múltiplos da água, a fim de prevenir doenças de veiculação hídrica, como a hepatite A, cólera, esquistossomose, entre outras. Alguns alunos comentaram que já tiveram algumas dessas doenças ou que algum parente ou pessoa próxima também já esteve doente. A mais corriqueira apontada por eles foi a diarreia.

A questão dos Resíduos Sólidos é uma das mais preocupantes na ilha de Cotijuba. Ao abordar este item muitos alunos manifestaram-se contra a ineficiência da coleta de lixo e com a existência de um antigo lixão que não mais é concentrado, mais que hoje ainda permeia de modo descentralizado. Em Cotijuba facilmente se encontra lixo disperso nas ruas, porém não mais amontoado em um único lugar, e sim espalhado em proporções médias pela ilha. Pelo próprio questionário, 33% dos alunos apontam que em suas casas preferem queimar o lixo por não receberem a coleta domiciliar. Nesta palestra enfatizou-se o Princípio dos 3R’s: Reduzir, Reciclar e Reutilizar. Como auxílio pedagógico utilizou-se uma animação da Turma da Mônica “Um plano para salvar o planeta” que aborda este tema, o que foi bem satisfatório, pois prendeu a atenção total dos alunos, proporcionando além de tudo um momento de descontração.

Neste tópico, a questão da drenagem foi levada em consideração, pois apesar de não existir um sistema de drenagem nesta zona rural, até mesmo por ser proibida a pavimentação da ilha, existem muitas áreas que são alagadas em Cotijuba pela concentração de resíduos sólidos dispersos nas ruas, retendo uma significativa quantidade de água da chuva e sendo foco de proliferação de vetores. O que não foi surpresa para os alunos, pois muitos teceram o seguinte comentário: “perto da minha casa isso acontece muito!”.

O controle de pragas foi o último tópico a ser debatido. A Dengue foi uma das doenças mais mencionada pelos alunos, talvez pela maior propagação na mídia em favor ao combate do mosquito vetor. 93% dos alunos afirmaram que já tiveram ou que conhecem alguém que já sofreu com a dengue. Entretanto, o Departamento de Vigilância à Saúde de Belém (DEVS) aponta em seus dados estatísticos a confirmação de apenas 3 casos de dengue em 2012 notificados no posto de saúde de Cotijuba, o que torna contraditório à afirmação dos alunos, mais que pode ser compreendido com a falta de procura médica para o tratamento dos casos, ou com a não conclusão do tratamento, já que o sistema de saúde pública só torna oficial a incidência de casos através da comprovação em diagnóstico clínico. E até mesmo o tratamento da doença em outros postos de saúde em Belém.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A resposta obtida através da palestra sem dúvida demonstrou que pequenas intervenções como esta surtem muito efeito. Os alunos demonstraram total interesse pelo tema e apontam a falta de discussão sobre saneamento na escola.

A coordenação pedagógica e os próprios professores afirmam que muitos pesquisadores frequentam a escola para fins de diversas análises educacionais, mais poucos propõem práticas extensionistas, de intervenção para contribuir com o ensino-aprendizagem de professores e alunos na Escola Marta da Conceição.

Através da observação, do diálogo com os alunos e da aplicação dos questionários, percebeu-se que a percepção e entendimento dos alunos acerca do saneamento e da relação que os mesmos fazem com suas realidades são distintas, pois mesmo não sabendo o significado intrínseco de Saneamento, eles entendem que é relevante para o meio ambiente. Sabendo desta importância, outra problemática é que tais situações onde há ausência de saneamento, antes da palestra alguns alunos não conseguiam identificar que tal situação encontrava-se em não conformidade com as medidas mais coerentes a serem adotadas do saneamento, como é o caso da suposta má qualidade da água dos poços que não são artesianos, como eles pensavam que fosse. Esta constatação já foi realizada através de outros trabalhos acadêmicos dos alunos de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFPa.

 Mizukami (1986) afirma que estas situações nas quais os homens tendem a ter dificuldades em enxergar o que há por trás, são chamadas de “situações-limites”, aquelas que não são percebidas com clareza no dia a dia.

Todavia, com a intervenção da palestra algumas medidas básicas a partir de então puderam ser conhecidas pelos alunos para que eles próprios possam zelar pela prevenção da saúde deles e de seus familiares.

Em níveis classificatórios, sobre as categorias pesquisadas do saneamento, conclui-se que a percepção encontra-se a níveis positivos e negativos da seguinte maneira:

 

 

Figura 2: Gráfico sobre a percepção do saneamento, quanto às categorias pesquisadas.

 

Entende-se que pequenas intervenções também geram pequenos resultados, porém estes podem ser amplificados se a prática de desenvolver temas ligados a Educação Ambiental ocorrerem com maior frequência, já que é imprescindível para a formação de qualquer cidadão, muito mais daqueles que vivem em ambientes que necessitam de um olhar e cuidados bem maiores para a manutenção de sua Qualidade de Vida.

 

Figura 3: Palestra sobre saneamento realizada com a classe do 6º ano/9 da escola EEEFM Marta da Conceição em Cotijuba no ano de 2012.

 

 

REFERÊNCIAS

COTIJUBA. Disponível em <www.cotijuba.com>. Acesso em 05 Fev. 2013.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Manual de Saneamento. 3 ed. Brasília, 2006.

MIZUKAMI, Maria da Graça N. Ensino – As abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.

REIGOTA, Marcos. O que é educação ambiental. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 2009.

SECRETATIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Ambiente Saúde. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental. 1997.

SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE BELÉM. Casos e Óbitos por Dengue Segundo o Bairro de Residência - Belém – 2012. Belém: Departamento de Vigilância à Saúde (DEVS), 2012.

SILVA, Breno M. P. da; MATOS, Renata E. S. Análise qualitativa dos problemas ambientais configurados pelo uso e ocupação da ilha de Cotijuba, Belém do Pará. In: I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA. Anais. Manaus-AM: UFAM, 2009.

VERDADE, A. (jornal). Disponível em <http://averdade.org.br/2012/03/apenas-6-dos-domicilios-em-belem-tem-acesso-ao-esgotamento-sanitario/>. Acesso em 20 Nov. 2012.

YUS, Rafael. Temas transversais: em busca de uma nova escola. Porto Alegre: ArtMed, 1998.

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos