Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/12/2013 (Nº 46) ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS E POLÍTICA SOCIOAMBIENTAL NA AMAZÔNIA LEGAL
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Além do Primeiro Lugar em Exportações de Carne Bovina:

 

ATIVIDADES AGROPECUÁRIAS E POLÍTICA SOCIOAMBIENTAL NA AMAZÔNIA LEGAL:

RELATO DO PROJETO LUCAS DO RIO VERDE LEGAL

 

Miguelangelo GIANEZINI[1]

Wylmor Constantino Tives DALFOVO2

César Augustus WINCK3

Silvio SANTOS JÚNIOR4

  

1 Cientista Social, Doutor (UFRGS), Professor UNESC. miguelgianezini@hotmail.com

2 Economista, Doutorando (UFPE), Professor UNEMAT. wylmor.dalfovo@hotmail.com 

3 Med. Veterinário, Doutor (UFRGS), Professor UNOESC. cesar.cepan@gmail.com

4 Eng. Agrônomo, Doutor (UFRGS), Professor UNOESC. silviosantos.junior@unoesc.edu.br

Endereço: UNESC. PPGDS. Av. Universitária, 1105. CEP 88806-000. Criciúma, SC. Tel.48 34312500

 

 

RESUMO

 

A importância de atividades agropecuárias para o processo de desenvolvimento econômico regional vai ao encontro da necessidade de garantir harmonia entre a expansão da produção e os aspectos que envolvem a sustentabilidade a médio e longo prazo. Novas fronteiras agrícolas brasileiras têm buscado este equilíbrio econômico e socioambiental a fim de manter sua competitividade dentro de uma configuração produtiva global. O objetivo deste estudo consiste na descrição do projeto Lucas do Rio Verde Legal e relato de sua prática, enquanto política socioambiental (apoiada nas áreas ambiental, trabalhista e sanitária) desenvolvida na Amazônia Legal mato-grossense. Optou-se por metodologia qualitativa, de estudo de caso exploratório e descritivo. Observando-se os eixos de relatos de práticas e reflexões para a conscientização ambiental, foram pesquisados estudos sobre as políticas socioambientais e sobre a região, além de coleta de dados em documentos oficiais, periódicos e informativos do projeto. Observou-se que as exigências de ordem ambiental, social e política entraram definitivamente na pauta das organizações da região. O estudo apresenta um exemplo da resposta dos agentes à crescente preocupação com a sanidade ou origem sustentável de produtos agropecuários, o que leva regiões produtoras e localidades a (re)pensarem suas configurações produtivas, no intuito de unir forças para igualmente incrementarem sua produção, trocarem experiências e melhorarem a qualidade de vida local, com intenção de ganhos recíprocos.

 

Palavras-chave: Produção Sustentável; Lucas do Rio Verde; Desenvolvimento Socioeconômico.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

A partir da década de 1970, uma considerável parcela do espaço agrícola brasileiro recebe a influência da substituição das formas convencionais de produção por outras, tecnologicamente avançadas.

O país passava por transformações na estrutura de produção agrícola tradicional (MARTINE, 1987) em função de elementos ligados ao preço internacional favorável às culturas de exportação; à disponibilidade de um novo pacote tecnológico advindo da revolução verde; ao amparo de uma coligação de forças para reprimir eventuais oposições; e aos recursos financeiros proporcionados pela captação de investimentos externos e crédito agrícola subsidiado destinado aos produtores “modernos” para a compra de máquinas e insumos igualmente modernos.

No final do século XX e início do século XXI, uma representação do resultado econômico desse processo é a liderança alcançada pelo estado de Mato Grosso, que desponta como o um dos maiores produtores agrícolas do Brasil, em um novo ambiente agroindustrial (BATALHA e SILVA, 2001) onde as propriedades rurais passam a ser entendidas como organizações agroindustriais (CALLADO e CALLADO, 2008), que podem compor alianças estratégicas capazes de garantir a competitividade de uma determinada região ou localidade, perante às corporações ou regiões concorrentes, no ambiente produtivo em que atuam.

O município mato-grossense de Lucas do Rio Verde, por sua vez, é considerado um expoente do desenvolvimento socioeconômico do estado e reconhecidamente integrante da nova fronteira agrícola do Brasil. Mesmo tendo área equivalente a apenas 0,04% do território nacional, colhe mais de 1% da produção de grãos do país, o que equivale a 1,5 milhões de toneladas por ano.

A cada safra, é possível observar o avanço das lavouras e o aumento da produtividade, fator que pode proporcionar como resultados mensuráveis a prosperidade e riqueza de um lado, ou desequilíbrio e exclusão socioeconômica de outro, transformando o panorama do cerrado mato-grossense, considerado até bem pouco tempo, um vazio demográfico.

Observado este contexto, a ideia inicial com a escolha deste objeto – no âmbito da pesquisa agropecuária, educação ambiental e desenvolvimento sustentável – foi a de desenvolver um estudo, partindo não apenas do desenvolvimento de Lucas do Rio Verde, mas também demonstrando um novo momento do resultado socioambiental deste processo, por meio do olhar interdisciplinar acerca da experiência do projeto Lucas do Rio Verde Legal, apoiado em três áreas de atuação (ambiental, trabalhista e sanitária).

Desta forma, o objetivo deste estudo consiste na descrição do projeto Lucas do Rio Verde Legal – enquanto política socioambiental contida na região da Amazônia Legal mato-grossense – contemplado nos eixos de relatos de práticas e reflexões para a conscientização ambiental.

 

2. REFERENCIAL TEÓRICO

 

Nesta seção buscou-se subsídio para melhor compreensão do tema e posterior auxílio na descrição do projeto socioambiental, promovendo uma sintética revisão bibliográfica.

 

2.1 Conceitos de alianças

 

Para Klotzle (2002), existe atualmente uma carência de definições que sejam universalmente aceitas sobre o que constitui uma aliança estratégica. Entretanto, isso não significa que a bibliografia sobre o tema seja incipiente.

De fato, há uma vasta gama de publicações, o que pode ocasionar múltiplas interpretações e definições desta questão. Considerando que o fenômeno da cooperação entre empresas tem despertado grande interesse na comunidade acadêmica e nos meios empresariais (EIRIZ, 2001, p.66) o que se busca hoje então são propostas de tipologias sobre alianças estratégicas. Assim, de maneira geral, observa-se que

 

A literatura é consensual em reconhecer que uma aliança estratégica ocorre quando duas ou mais organizações decidem conjugar esforços para perseguir um objetivo estratégico comum. Quando assim é, os parceiros procuram desenvolver uma vantagem cooperativa que tenha efeitos positivos sobre o seu desempenho individual e coletivo.

 

Em complemento, as alianças são entendidas por Gulati (1998) como acordos voluntários celebrados entre empresas e que envolvem o desenvolvimento conjunto ou o compartilhamento de produtos, tecnologia ou serviços, afim de beneficiar todos os agentes envolvidos.

Por conseguinte, dentro de uma tipologia das redes de cooperação, estão as alianças não-patrimoniais (ROMERO, 2004) nas quais as organizações e agentes parceiros concordam em trabalhar juntos para desenvolver a cooperação mútua em determinadas áreas (FERREIRA; DIVINO; CORREA, 2009), como é o caso da criação e gerenciamento das políticas socioambientais integradas (ou consorciadas) em organizações agroindustriais.

 

2.2 Desenvolvendo alianças regionais

 

Autores como Elmuti e Kathawala (2001, p.205) apontam os benefícios e desafios da aplicabilidade dos conceitos de alianças estratégicas.

 

Strategic alliances can be effective ways to diffuse new technologies rapidly, to enter a new market, to bypass governmental restrictions expeditiously, and to learn quickly from the leading firms in a given field. However, strategic alliances are not simple or easy to create, develop, and support. Strategic alliances projects often fail because of tactical errors made by management. By using a well managed strategic alliances agreement, companies can gain in markets that would otherwise be uneconomical.

 

Esta aplicabilidade pode se dar em organizações e agentes rurais, que além da questão econômica de acesso a mercados mencionada, precisa contemplar exigências de ordem ambiental, social e política façam parte da pauta de um determinado grupo, ao passo que são necessários espaços de articulação inter setorial nos quais se possam equacionar dos diversos interesses, necessidades e pontos de vista sobre o processo de desenvolvimento local.

Portanto, construir modelos, “testá-los” e gerenciar estas iniciativas, adaptando-as às distintas realidades inter e intra-regionais brasileiras, constitui-se como um complexo desafio tanto para os gestores quanto para os que estudam esta questão.

Na esfera acadêmica internacional, recentes publicações demonstram a contribuição do cultivo de grãos para o crescimento econômico e melhoria da qualidade de vida das regiões produtoras, mas alertam para os severos impactos sociais e ambientais implicados neste avanço (SCHENK e CRUZ, 2008); identificam os processos e dinâmicas de (re)produção e relação rural-urbano através da reestruturação e gerencia de redes agro-industriais globalizadas (ELIAS, 2008); e assinalam a significativa influência de fatores sociais internos, externos e políticos nos sistemas agrícolas (ARCHER et al., 2008).

Na esfera acadêmica nacional, há estudos que buscam analisar como está se dando o processo inovativo em diversas cadeias produtiva, principalmente, no que diz respeito à sua orientação sustentável. Um exemplo são os estudos nos espaço da Amazônia Legal, como o de Sampaio; Kaoto; Nascimento e Silva (2007, p.02), no qual se busca identificar nas alianças estratégicas e alternativas de gestão no contexto dos agroecossistemas sustentáveis amazônicos.

 

O processo de formação de alianças vem ocorrendo nos mais diversos níveis. Os países formam blocos estratégicos para sua inserção no mercado global; empresas de países diferentes se unem em joint ventures, consórcios e outras formas de parceria para enfrentar concorrentes mais poderosos; universidades, empresas e governos se juntam para obter benefícios comuns e aumentar a sua inserção na sociedade.

 

Por conseguinte, na região em que se desenvolve o projeto Lucas do Rio Verde Legal, acredita-se que este desafio perpassa pelo estabelecimento de uma agenda comum entre diversos atores sociais do setor produtivo; empresas e produtores rurais, organizações de pesquisa, governo (em suas diferentes esferas), sociedade civil e organizações ambientalistas, no sentido de “testar um modelo” de desenvolvimento que respeite os direitos trabalhistas e garanta harmonia entre a produção e conservação ambiental, visto ainda como resultado da evolução de eventos sobre meio ambiente e seus reflexos na responsabilidade socioambiental (GIANEZINI et.al., 2012).

Assim, testar modelos de políticas públicas como o projeto Lucas do Rio Verde Legal, pode permitir que a “segunda onda” do desenvolvimento da região seja pautada por uma política de desenvolvimento sustentável em que sociedade, governo, empresas, trabalhadores e em especial, produtores rurais, reconheçam a necessidade de reverter o impacto socioambiental da agropecuária, definindo juntos, alternativas para potencializar os ganhos socioambientais oportunizados por esta atividade.

Antes de finalizar a seção – ainda que este estudo careça de um aprofundamento da questão da sustentabilidade agrícola – é importante mencionar sinteticamente a inclusão e compreensão do termo “socioambientalismo”, que no Brasil é caracterizado “pela busca do desenvolvimento não só da sustentabilidade de ecossistemas, espécies e processos ecológicos, mas também a sustentabilidade social e cultural por meio de políticas públicas sociais” (VIEIRA, 2006, on-line).

 

3. MÉTODO

 

Para o desenvolvimento deste estudo, optou-se por uma metodologia qualitativa, de estudo de caso predominantemente exploratória, considerando que a mesma é preferida quando o foco temporal está em “fenômenos contemporâneos dentro do contexto de vida real” (YIN, 2001, p. 21). Além disso, as pesquisas exploratórias, também “buscam uma aproximação com o fenômeno, pelo levantamento de informações que poderão levar o pesquisador a conhecer mais a seu respeito” Também utilizou-se a estratégia descritiva, uma vez que estudos deste tipo são “realizadas com o intuito, de descrever as características do fenômeno” (DOXEY e RIZ, 2003, p. 27).

Quanto ao desenvolvimento, a pesquisa foi realizada mediante atividades metodologicamente distintas. Primeiramente, optou-se por uma divisão da pesquisa em um momento de estudo bibliográfico teórico, como mencionado, para aprofundar conceitos de alianças e sua aplicabilidade a temática estudada. E depois observando-se os eixos de relatos de práticas e reflexões para a conscientização ambiental, foram buscados estudos existentes sobre as políticas socioambientais e sobre a região, além de uma coleta de dados em documentos oficiais, periódicos, informativos e material de divulgação do projeto Lucas do Rio Verde Legal.

 

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

Nesta seção são abordados o contexto estadual e local no qual o projeto Lucas do Rio Verde Legal está inserido, além da descrição de sua configuração e outros aspectos pertinentes para este estudo.

 

 

4.1 Contexto estadual: Mato Grosso

 

Mato Grosso (MT) é considerado “centro da América do Sul” e “Portal da Amazônia” pela posição estratégica que ocupa em relação às Américas. Além disso, o estado reúne fatores diferenciados e peculiares para projeção internacional do seu mercado agrícola e turístico, como o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães e o Pantanal Mato-grossense.

As principais transformações históricas ocorridas no estado ao longo das últimas décadas estão ligadas ao fluxo migratório e início do cultivo de grãos em larga escala, que se dá também em toda a região centro-oeste. Dessa forma, é possível afirmar que foi somente a partir dos anos 70, do século XX, que o ritmo de ocupação de MT e do Centro-Oeste como um todo se acelerou, com o aproveitamento dos cerrados (até então considerados improdutivos) e a abertura de novas terras com base na política do governo militar de expansão das fronteiras para a exploração agrícola e pecuária. A partir também de dados demográficos, autores como Moreyra (2001, p.04) fazem ponderações coerentes sobre essa ocupação no Centro-Oeste:

 

[...] que tem sido atingido especialmente a partir dos anos 80, por um processo intenso de monopolização dos meios de produção e, como em outras regiões do país, por uma urbanização muito rápida, ligada ao avanço do capital; esse processo vem degradando e desagregando a organização agrária tradicional, que vai sendo substituída por outra, ajustada e subordinada ao mundo do capital.

 

Este é um ponto controverso do rápido desenvolvimento que se realizou, de forma peculiar, dado que a ocupação espacial foi associada, em parte, à rápida modernização da pecuária e agricultura, que esteve baseada em um modelo caracterizado pela prioridade de monoculturas, com grande aplicação de insumos modernos e mecanização, sem que tenha sido incorporada a esse processo a devida consideração aos aspectos sociais e ambientais.

Desta forma, há uma tendência de que questões relacionadas à responsabilidade ambiental e social sejam cada vez mais pauta de negociação para o acesso a mercados internacionais, podendo servir inclusive como pretexto para dificultar o acesso brasileiro e mato-grossense a mercados como a União Européia.

E isto tem gerado crescente preocupação nos diversos agentes sociais que estão ligados direta e indiretamente com as atividades agropecuárias locais, no que tange aos impactos ambientais associados ao aumento de exportações agrícolas mato-grossenses.

 

4.2 Contexto local: Lucas do Rio Verde e sua área de polarização

 

Lucas do Rio Verde, está localizado as margens da BR 163 – Km 680 (Cuiabá/Santarém), distante da capital mato-grossense 340 Km, na Região Centro Oeste do Estado de Mato Grosso. Conta com 45.000 habitantes (2010) e tem 22 anos de emancipação política. A área territorial do município corresponde a um perímetro de 270.000 hectares. Mesmo tendo área equivalente a apenas 0,04% do território nacional, colhe mais de 1% da produção de grãos do país, o que equivale a 1,5 milhões de toneladas por ano.

De acordo com a história oficial, pode-se afirmar que a ocupação física efetiva e do território onde hoje se encontra a cidade teve início com os primeiros “posseiros” que chegaram às margens do Rio Verde na década de setenta do século XX, acompanhando a abertura da rodovia federal BR-163. 

 

Esta obra foi determinante no processo de independência da região, autonomia de Lucas perante municípios mais antigos, e é claro, de sua emancipação político-administrativa, além de fundamental para o posterior escoamento da produção para exportação e conseqüentemente, para seu rápido desenvolvimento (GIANEZINI, 2003, p. 41).

 

No ano de 1976 o 9º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção do Exército) montou um acampamento na área para a construção oficial e definitiva (até então, o trânsito pela estrada que viria a ser a BR-163 ficava sujeita a sazonalidade) da rodovia federal BR–163, atraindo também aqueles que são considerados os primeiros colonizadores, conhecidos como “parceleiros” (eram Colonos do sul do Brasil que chegavam em leva. Foram denominados assim, porque haviam conquistado uma parcela no Programa de Colonização). a colonização teve seu reconhecimento a partir de cinco de agosto de 1982, quando o INCRA, através do PAC (Projeto de Ação Concentrada), cria a agrovila e assenta 85 famílias de “colonos sem-terra”, principalmente aqueles provenientes da região de Ronda Alta, estado do Rio Grande do Sul.

 

Em dezessete de março de 1986 é criado o Distrito de Lucas do Rio Verde, desenvolvendo-se outro projeto de colonização, através do PRODECER II (Programa de Desenvolvimento do Cerrado). Com este projeto foram atraídos mais 40 produtores do sul do país, tendo sido criadas condições para a implantação de infra-estrutura de armazenagem através da COOPERLUCAS, impulsionando o desenvolvimento das lavouras de soja na região (Prefeitura de LRV, 2002).

 

Por fim, em cinco de julho de 1988, ocorre a emancipação política (Lei n° 5.318) do agora Município de Lucas do Rio Verde, com a eleição de seu primeiro prefeito. Com doze anos, o município já contava com 19.316 habitantes, distribuídos em 83,58% na zona urbana e somente 16,42% na rural, sendo o 22º município brasileiro que mais cresceu na década de noventa (IBGE, 2000).

Assim, com uma localização geográfica privilegiada, boas condições de clima, relevo, solo, hidrografia e outras peculiaridades, Lucas do Rio Verde tem se destacado como um dos principais pólos de desenvolvimento do estado de Mato Grosso, como pode se observar nos dados do projeto (quadro 1).

 

Quadro 1: Características do município

 

 

Fonte: Projeto Lucas do Rio Verde Legal, 2008

 

A atividade agropecuária, alicerce da economia local, alcançou nos últimos anos, altos níveis de tecnificação e produtividade, ampliando horizontes locais para o competitivo mundo da produção de alimentos, que devido as suas exigências, serve como estímulo para a criação do projeto Lucas do Rio Verde Legal.

 

4.3 Configuração e relato do projeto Lucas do Rio Verde Legal

 

Considerando todo o contexto estadual e municipal inserido na economia global até aqui descrito, Lucas do Rio Verde avança para seu segundo ciclo de desenvolvimento econômico pautado pelo processo de verticalização da produção através da transformação de proteína vegetal (grãos) em proteína animal (carnes). E como parece acontecer em regiões com contexto similar, esta etapa tem sido acelerada com os diversos incentivos para a instalação de novas indústrias.

Neste sentido – como apontado pelos grupos que pesquisam esta temática dentro e fora de Mato Grosso – procura-se a articulação da inovação, da criação de valor e da formação de relacionamentos para o desenvolvimento de estratégias coletivas que possibilitem auxiliar na tomada de decisões para o setor.

E também no desenvolvimento de políticas públicas, como é o caso do projeto tratado neste estudo, que objetiva promover a regularização sócio ambiental das propriedades rurais do município de Lucas do Rio Verde perante o novo código florestal – zerando os passivos trabalhistas e o uso incorreto de agroquímicos por meio da ação e educação ambiental – compatibilizando o desenvolvimento agropecuário e a conservação ambiental da região.

Trata-se de uma iniciativa da The Nature Conservancy (TNC) e da prefeitura Municipal, em parceria com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema-MT), Sindicato Rural de Lucas do Rio Verde, Promotoria de Justiça, Instituto Sadia de Solidariedade, BRfoods, Syngenta e Fiagril.

 

4.3.1 Metas de implementação do programa de regularização ambiental

O projeto Lucas do Rio Verde Legal nasceu através da parceria entre a Prefeitura de Lucas do Rio Verde e a ONG The Nature Conservancy (TNC), formalizado em junho de 2006. Outros atores se juntaram à iniciativa, como três grandes empresas implantadas localmente (Syngenta, Fiagril,  e Sadia), a Promotoria de Justiça, a Secretária de Meio Ambiente do estado de Mato Grosso, o Sindicato Rural do município e a Fundação de Pesquisas Rio Verde.

O intuito desta iniciativa consiste em regularizar as propriedades rurais de Lucas do Rio Verde, inserindo-as na base do Sistema Integrado de Licenciamento Ambiental de Mato Grosso, a fim de demonstrar a origem legal, social e ambiental dos produtos.

Assim, do ponto de vista técnico, um diagnóstico foi o primeiro passo realizado para que o projeto criasse uma linha de ação visando solucionar os problemas ambientais existentes (CLEMENTE, 2008). Para isso, todos os participantes – produtores rurais, governo municipal, governo estadual, ONG´s e setor privado – tiveram seu grau de envolvimento e comprometimento.

Esta preocupação resultou em um ambiente econômico, político e social favorável para implantação de ações de conservação, entre elas a regularização das reservas legais e áreas de preservação permanente, permitindo que o projeto seja executado em duas fases:

 

·           A primeira, onde buscou-se levantar a situação ambiental e trabalhista das propriedades rurais, identificando os passivos nestas áreas e as melhores formas para solucioná-los; e

·           A segunda, na qual são identificados mecanismos de financiamento e fontes de recursos que permitam implementar efetivamente acordos firmados em relação à sustentabilidade socioambiental e à melhoria dos aspectos tecnológicos voltados à produção sustentável.

 

De acordo com informações do projeto, o município tem 363.189,59 hectares de área territorial, sendo dividido em 370 proprietários (805 fazendas). O mesmo possui 2077,03 quilômetros de rios, 703 nascentes e 262 açudes ou reservatórios.

Levantamentos iniciais e documentos técnicos, como o de atualização cartográfica com mapeamento do uso e cobertura do solo demonstram que o município possui a maior área de agricultura, com 65,88% e as demais classes distribuídas da seguinte forma: Cerrado (savana arborizada) com 2,68%; Cerrado (savana gramineo-lenhosa) com 0,45%; Cerradão (savana floresta) com 12,71%; Corpo D´agua 0,15% Formação justafluvial com 15,18%; Pecuária com 2,35%; Reflorestamento com 0,03%; e Área urbana ou construída com 0,39% (CLEMENTE, 2008).

Outros levantamentos demonstram ainda que 2.783,35 hectares de APPs que deveriam estar preservadas estavam degradados. No esforço de encontrar soluções para resolver esse passivo, foram estabelecidas inicialmente às seguintes ações:

 

·           Conclusão do mapa de uso do solo do município, visando localizar as áreas irregulares a serem recuperadas;

·           Elaboração do manual de recuperação de mata ciliar para esclarecer quaisquer dúvidas referentes a este trabalho;

·           Realização de cursos de recuperação de mata ciliar para agrônomos e técnicos, com o intuito de nivelar o conhecimento em relação às propostas do projeto;

·           Investimento em manejo adequado no uso de defensivos agrícolas;

·           Programa municipal de uso adequado de defensivos;

·           Entrega de diagnósticos ambientais de cada propriedade rural (requisito para Licença Ambiental Única (LAU);

·           Assessoria da tramitação de processos de LAU;

·           Termo de referência para contratação de projetos ambientais;

·           Identificação de áreas de compensação de reserva legal;

·           Elaboração de Manual Trabalhista com normas e procedimentos;

·           Atendimento de mais de 200 proprietários;

·           Orientação para regeneração de mata ciliar; e

·           Divulgação do projeto.

 

Desta maneira o projeto busca aproximar as entidades envolvidas através de um esforço conjunto, com o intuito de combinar agricultura e conservação ambiental.

  

4.3.2 Análise preliminar do impacto das mudanças do programa  

 

No âmbito deste estudo, cabe destacar a transformação agroindustrial pela qual o município vem passando. Nos últimos anos, indústrias de grande porte foram instaladas na cidade, passando a conquistar novos mercados consumidores (inclusive no exterior) e exercendo influência direta sobre o PIB local. Neste cenário, a empresa que mais tem se destacado é o Grupo BRFoods, que possui desde 2008, uma planta com capacidade de abate de 500 mil aves/dia e 10 mil suínos/dia.

Como resultado deste processo, observa-se na tabela 1 que a participação percentual do PIB agropecuário em relação ao PIB municipal vem reduzindo devido justamente à grande influência da indústria na região.

 

Tabela 1: PIB Total, PIB Agropecuário e % da participação do PIB agropecuário

em relação ao PIB total de Lucas do Rio Verde - MT (2003 a 2008)

 

 

Fonte: IBGE (2010), SEPLAN (2010).

 

Este processo tem ocasionado impactos positivos e negativos na implantação do programa de regularização ambiental das propriedades rurais. Se por um lado, alguns critérios tiveram que ser revisados, retardando a implementação das iniciativas; por outro, acredita-se que as exigências dos mercados consumidores permite imprimir maior critério nos resultados do projeto.

Por fim, cabe ressaltar que o principal desafio é o fato que, depois de concluídos os trabalhos do projeto Lucas do Rio Verde Legal, o município sofrerá uma redução de área agricultável de aproximadamente 50.000 hectares (19.98% da área atual), sendo o mesmo um elemento que precisa ser muito bem equacionado dentro desta configuração produtiva.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Algumas considerações finais são necessárias para reflexão acerca dos motivos que levam as organizações e agentes locais a se integrarem em projetos socioambientais em todo o mundo e em especial, em regiões com potencial de desenvolvimento econômico ainda não plenamente explorado.

O estudo realizado demonstra um exemplo da resposta dos agentes à crescente preocupação com a sanidade ou origem sustentável de produtos agropecuários, o que leva regiões produtoras e localidades a (re)pensar suas configurações produtivas, no intuito de unir forças para igualmente incrementarem sua produção, trocarem experiências e melhorarem a qualidade de vida local, com intenção de ganhos recíprocos.

Observa-se assim, que a importância das atividades agropecuárias no processo de desenvolvimento econômico de municípios como Lucas do Rio Verde – que já possui uma estrutura fundiária diferenciada e uma origem sócio-histórica e cultural propícia à formação de alianças a parcerias – pode ser guiada por cadeias produtivas calcadas na cooperação, organização e comprometimento nas quais a educação ambiental esteja presente na difusão dos projetos e ações locais.

 

 

 

 

 

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Ilustrações: Silvana Santos