Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/12/2013 (Nº 46) CONSTRUINDO O SABER AGROECOLÓGICO: UMA PROPOSTA NO VALE DO APODI-RN
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PROGRAMA DE FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DE JOVENS EM AGENTES DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL

 

CONSTRUINDO O SABER AGROECOLÓGICO: UMA PROPOSTA NO VALE DO APODI-RN

 

Vania Christina Nascimento Porto1 e Luiz Leonardo Ferreira2

 

1Universidade Federal Rural do Semiárido, vania@ufersa.edu.br; 2Universidade Federal Rural do Semiárido, leoagrozoo@hotmail.com

 

Resumo: A Escola do campo é uma concepção política pedagógica voltada para dinamizar, conhecer e aprofundar as relações do cotidiano. Nesse sentido, o papel da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais tem sido de fundamental importância para a implantação da educação contextualizada. Contextualizar significa, antes de tudo, levar em consideração as potencialidades sócio-culturais, econômicas e ambientais do Semi-Árido e dos sujeitos que o compõem. Nesse contexto, objetivou-se à formação integral de jovens rurais do vale do Apodi-RN, em uma proposta de construção do indivíduo crítico, reflexivo, competente, técnico e eticamente comprometido com as transformações sociais, políticas e culturais nos conceitos da agroecologia. O trabalho foi realizado entre os dias 21 e 23 de março de 2013 no município de Apodi-RN, e executado pelo Núcleo Macambira de Agroecologia (NUMA). O público alvo constou de estudantes da rede publica que tivessem moradia na zona rural, foram então selecionados 30 jovens. A equipe de educadores foi constituída por um grupo de animação com finalidade de possibilitar a integração, cultura e lazer dentro da proposta de valorização da identidade e costumes locais dos educandos; e facilitadores palestrantes na qualidade de divulgadores do conhecimento empírico-científico rural, aplicados a agroecologia. As informações obtidas neste trabalho foram analisadas e expressas de forma descritiva. No processo de discussão da conscientização agroecológica, o entendimento do comportamento e funcionamento dos saberes sócio-político-cultural local pelos educandos é de extrema importância como proposta inicial de situação do individuo no meio o qual se insere.

Palavras-Chave: Agroecologia, meio rural, formação de jovens, sustentabilidade.

 

Introdução

 

Atualmente observa-se que a saída do camponês para os grandes centros continua ocorrendo, então como assegurar a questão produtiva na agricultura, como oportunizar o direito a ocupação do homem do campo na sociedade atual? Talvez uma das explicações seja a organização político-social das comunidades rurais, buscando espaços de formação que possam contribuir com a qualificação para que o jovem camponês possa concorrer à educação e emprego com iguais condições.

É preciso compreender que a saída do jovem do campo para ser assalariado na cidade, traz consigo outra forma de discutir as relações de trabalho numa perspectiva diferente. Então há concepções e teorias que as tornam questionáveis e entendíveis.  Porem a escola do campo tem concepção política pedagógica voltada para dinamizar, conhecer e aprofundar as relações do cotidiano do saber com o individuo local.

A Escola do campo é uma concepção política pedagógica voltada para dinamizar, conhecer e aprofundar as relações do cotidiano. Não se trata de reinventar e sim de valorização dos valores locais e do saber. O papel da escola não é só de passar o código escrito ou os princípios básicos matemáticos. É sobretudo, construir valores humanos que aplicados em sociedade possam progredir num ambiente produtivo e sustentável.

Alguns professores estabelecem uma relação com seus alunos de forma diferente de sua cultura e faz com que as populações do campo percam a sua cultura e que as nações mais jovens percam essa identidade. No entanto, o estudante precisa se sentir parte e sujeito da história à partir da educação contextualizada, tornando-o participativo e ativo na preposição do aprendizado.

Assim as especificidades do campo não é uma realidade provisória que tende a desaparecer, muito pelo contrário, existe uma diversidade cultural, resultante de gerações passadas, onde parte deste conhecimento é refletido nas gerações futuras seja por eventos práticos ou simplesmente relatada por estes. 

Nesse sentido, o papel da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais tem sido de fundamental importância para a implantação da educação contextualizada, remontando ao processo de redemocratização da sociedade desde o final da década de 1970 (FARIAS, 2009).

Contextualizar significa, antes de tudo, levar em consideração as potencialidades sócio-culturais, econômicas e ambientais do Semi-Árido e dos sujeitos que o compõem. E a luta por uma educação contextualizada para a Convivência com o Semi-Árido, segundo Braga (2007), deve se caracterizar por três dimensões: 1) a do estar junto para, na liberdade da existência, construir identidades e compartilhar a vida; 2) a do viver comum, que é mais do que estar junto, pois implica aceitar o outro ser vivo (homem e natureza) como legítimo outro, na sua “existencialidade”, identidade e subjetividade e 3) a da contestação e da luta, da dialética da existência e da afirmação da diferença, onde buscamos o equilíbrio entre as forças opostas da vida.

Acredita-se que um dos grandes desafios a ser enfrentado é cumprir de forma íntegra com a formação de profissionais que sejam capazes de lidar com a rapidez da produção dos conhecimentos científicos e técnicos e sua transferência e aplicação na sociedade em geral e no mundo do trabalho. Todas estas questões, tendo como elemento norteador a solução de problemas ambientais decorrentes das atividades rurais – não esquecendo, também, das urbanas e industriais – que se caracterizam pelo desequilíbrio e exploração excessiva dos recursos naturais, gerando impactos no ar, na água e no solo.

Surge então como ciência alternativa a agroecologia que segundo Gliessman (2008), proporciona o conhecimento e a metodologia necessários para desenvolver uma agricultura ambientalmente consistente, altamente produtiva e economicamente viável. Além disso, valoriza o conhecimento local e empírico dos agricultores, a socialização desse conhecimento e sua aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade.

Nesse contexto, objetivou-se à formação integral de jovens rurais do vale do Apodi-RN, em uma proposta de construção do indivíduo crítico, reflexivo, competente, técnico e eticamente comprometido com as transformações sociais, políticas e culturais nos conceitos da agroecologia. Nessa pesquisa abordam-se temas próprios da identidade local como: água, terra, origem da família e da comunidade, associativismo e cooperativismo e cultural.

 

Material e Métodos

 

O trabalho foi realizado entre os dias 21 e 23 de março de 2013 no município de Apodi-RN, referente ao I Módulo do Programa de Formação e Qualificação de Jovens em Agentes de Desenvolvimento Rural Sustentável do Programa de Extensão Universitária PROEXT 2013 da Universidade Federal Rural do Semiárido executado pelo Núcleo Macambira de Agroecologia (NUMA), com as parcerias do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi (STTR- Apodi), CENTRO TERRA VIVA e Cooperativa COOPERVIDA.

A escolha dos participantes do trabalho foi realizada mediante prévio contato com os Sindicatos dos Trabalhadores rurais e posterior entrevista com preenchimento de questionário e formulário, seguido de entrevista oral. Este público alvo constou de estudantes da rede publica que tivessem moradia na zona rural. Estes se encontraram em faixa etária de 12 a 16 anos. Foram então selecionados 30 jovens.

Neste buscou-se estabelecer um espaço de diálogo com a juventude rural a partir da educação contextualizada e metodologias participativas. Assim, a equipe de educadores foi constituída por um grupo de animação com finalidade de possibilitar a integração, cultura e lazer dentro da proposta de valorização da identidade e costumes locais dos educandos; e facilitadores palestrantes na qualidade de divulgadores do conhecimento empírico-científico rural, aplicados a agroecologia. As informações obtidas neste trabalho foram analisadas e expressas de forma descritiva.

 

Resultados e Discussão

 

Na apresentação dos participantes, cada um destes desenhou em sua mão sobre ma folha de papel, escrevendo ao centro o seu nome e nos dedos as expectativas que trazem para o módulo de formação. Em seguida foi confeccionado um grande painel com os desenhos traçados pelos educandos.

“A dinâmica de reconhecimento e identificação pessoal faz parte de um diagnóstico expositivo a qual os jovens relataram a sua naturalidade, as experiência que precisam ser compartilhadas e que os mesmos possuem ao longo de toda essa vivência com a realidade do campo. Momento importante de se saber as expectativas que o programa traz como forma de ser uma medida que envolve a instituição acadêmica e que integra a participação do público alvo”.

Foram utilizados símbolos que representaram a vinculação com o meio rural. Os jovens então foram dispostos a um breve resgate de suas origens e correlação com o objetivo do curso de formação, assim como suas expectativas para o referente encontro.

 “Vivemos num mundo globalizado onde as pessoas compartilham das mesmas informações, onde os meios de comunicação e científicos já são mais integralizados, mesmo nas pessoas que vivem em comunidades rurais, sendo que já é uma realidade o advento de tecnologias na vida dessas pessoas, neste sentido há uma maior integralização que é compartilhada, e o quanto isso é bom ou ruim, como forma de se perder as origens, e até mesmo os traços culturais e o quanto essas tecnologias afetam a cultura das pessoas que vivem na zona rural”.

Discussão dialogada sobre a formação do mundo, da constituição do átomo e da presença do homem nesse ambiente. Apresenta aspectos relativos à forma como cada indivíduo percebe o ambiente e os objetos reguladores do tempo. É discutido como surgiram os primeiros pensamentos acerca da origem do universo, do átomo e dos princípios religiosos como forma de expor o desenvolvimento da ciência. Relatos que ajudam a perceber o avanço científico e como podemos utilizar os conhecimentos para benefício social.

 “A abordagem foi realizada dando como exemplo a estrutura física de uma mandala mediante a disposição dos anéis concêntricos, congruência nas formas, plantas trabalhadas neste sistema, interação da agricultura com a pecuária e espaçamento das culturas”.

Nas etapas de grupo foi feita a construção de uma colcha trabalhada com os ícones que retratam o rural e o urbano. Os grupos abordaram temáticas referentes aos elementos presentes no meio rural e urbano, além das interseções entre esses dois ambientes. Em seguida foi aberto o espaço de perguntas a fim de potencializar a discussão.

Os grupos discutiram os elementos ligados aos cultivos de hortas, criação de pequenos animais, captação de água de chuva, rios e nos aspectos culturais os festejos regionais tais como quadrilhas juninas. Nos ícones urbanos foram elencados: presença de indústrias, poluição, violência, drogas, comércio, mercado, estradas asfaltadas e carros.

Momento após a discussão os grupos passaram a expressar as suas mensagens por meio de pinturas. Neste os aspectos mais citados foram à questão dos recursos hídricos, acompanhado da possibilita do cultivo de alimentos tais como macaxeira, milho, arroz, feijão e hortaliças, alem da criação de animais e preservação da flora nativa “Caatinga”.

Quando colocado em pauta sobre qual o exemplo familiar marcante, foi relatado pelos educandos, “O elemento mais importante são os nossos pais, devido à luta pela terra, a educação que nos passaram e passa seguida das experiências que são alinhadas aos mesmos ao longo do tempo”.

“Sentimento: Sentimento como forma de fazer nascer brotar dentro de cada jovem a ideia de saber valorizar suas raízes, suas realidades que estão guardadas dentro de cada um. Esse sentimento de valoração se faz presente, de acordo com a opinião de todos os jovens”.

Nos problemas relacionados ao enfoque urbano, foi colocado o grande contingente de veículos, a utilização de drogas, grande poluição por parte dos efluentes líquidos e sólidos que tem por destino os reservatórios de água.

Após a abordagem o meio rural como o urbano foi alencado alguns fatores de interseção, tais como o setor de construção civil; acesso a informação como internet, aparelho celular, televisão e rádio; a educação contemplando apenas o 1º grau completo; e serviço de saúde restrito apenas a postos de saúde.

“Infelizmente a questão das drogas e violências e prostituição já começam a chegar ao rural. A problemática do lixo já existe tanto na zona urbana como na rural e no rural é muito mais preocupante porque os animais ingerem as sacolas plásticas que ocasionam a sua morte”.

Outra dinâmica bem repercutida foi o desenhando o relógio da vida, consistiu na distribuição de folhas A4 aos participantes dos quais todos desenharam sobre a folha uma figura em formato de relógio, deixando espaço pra escrever. Cada participante então marcaram encontro as 8:00h; 10:00h; 14:00h; 16:00h e 19:00h. Depois de concluído esta etapa o facilitador atuou como mediador dos encontros, contemplando em cada deste dois educandos. Nos encontros foram discutidos os temas: educação o que é e para que serve?, Futuro: como estou construindo?, Como participo da vida em sociedade?, Quais são as minhas referências?, Políticas e políticos?.

Dentro do que foi discutido e refletido nos depoimentos dos jovens, pode – se notar um ativismo atuante por parte da juventude, sendo essa atuação de forma organizada e estruturada, representado por grupos e sindicatos. Percebe- se também que a atuação dos jovens é uma consequência de experiências familiar de cada um, sendo essa experiência de participação repassada ao longo do tempo. Como citado abaixo.

‘’A participação dentro da minha comunidade é algo que foi transmitido dos meus pais, eu apenas sigo o exemplo deles de atuação, sempre em busca de melhorias a nível social. “É uma participação atuante e que vem sendo transmitida ao longo do tempo.” (Miriam – comunidade Santa Cruz).

Trabalhar com o grupo a percepção ambiental e leitura de paisagem utilizando metodologias participativas e ferramentas utilizadas em apoio à pesquisa participativa. Nesta foi utilizado o mapa biorregional trazendo os elementos que contam a história local.

“Síntese da assessoria: A proposta de construção de mapas biorregionais é um método proposto por Aberley et al., (1999), onde os elementos cartográficos, relevos, recursos hídricos funcionam como elementos base para caracterização de determinado espaço geográfico. O mapa pode ser representado e característico de dimensões das mais diferentes ordens. No trabalho com os jovens educandos, foram discutidos os elementos paisagístico, econômicos, sociais e recursos hídricos. O mapa foi construído a partir de uma projeção da cidade de Apodi com auxilio de desenhos e imagens ícones e informações sobre a história do município”.

O desfio que se põe em questão para os alunos é fazer acontecer a transposição do conhecimento universal para sua regionalidade, realidade, ou seja, é um trabalho que constrói um “olhar glocalizado”, no dizer de Pontes Neto (2006).

 

Considerações

 

No processo de discussão da conscientização agroecológica, o entendimento do comportamento e funcionamento dos saberes sócio-político-cultural local pelos educandos é de extrema importância como proposta inicial de situação do individuo no meio o qual se insere.

Esse avanço na forma de pensar é condição fundamental para a efetivação de uma agricultura de base ecológica, refletindo numa ruptura de paradigmas evidenciados pelo modelo de agricultura desenvolvido através de pacotes tecnológicos que em nada valorizam o saber local e que apenas expropriam o conhecimento das populações campesinas.

 

Literatura citada

 

BRAGA, O. R. Educação e convivência com o semi-árido: introdução aos fundamentos do trabalho político-educativo no semi-árido Brasileiro. In: Educação no contexto do Semi- árido. KÜSTER; MATTOS (Org). Juazeiro-BA: Fundação Konrad Adenauer: Selo Editorial da RESAB, 2007, p.27-46.

FARIAS, A.E.M. Educação contextualizada e a convivência com o semi-árido no assentamento acauã - PB. 100f. 2009. Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, João Pessoa-PB, 2009.

GLIESSMAN, S.R. Agroecologia: Processos ecológicos em agricultura sustentável. 3ª. Ed. Porto Alegre. Editora da UFRGS, 2008.

PONTES NETO, J.A.S. Teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel: perguntas e respostas. In: Dossiê do I Encontro Nacional de Aprendizagem Significativa.  Série Estudos, UCDB, Campo Grande, n.21, p.117-130, 2006.

Ilustrações: Silvana Santos