Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 45) SEGURANÇA NO TRABALHO NA ÓTICA DE TRABALHADORES DE UMA EMPRESA DE RECEPTAÇÃO DE LIXO RECICLÁVEL
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I NTRODUÇÃO

SEGURANÇA NO TRABALHO NA ÓTICA DE TRABALHADORES DE UMA EMPRESA DE RECEPTAÇÃO DE LIXO RECICLÁVEL

 

Rosane Maria Kirchner[i]*, Mateus Sangoi Bastianello[ii], Vagner Neves de Godoy[iii], Joana K. BENITTI[iv], Eniva Miladi F. STUMM[v], Ana Paula Fleig Saidelles[vi], Jaqueline SILINSKE7

 

Resumo

Os catadores de lixo estão expostos, no seu ambiente de trabalho, a agentes físicos, biológicos, químicos, ergonômicos e psicossociais. A utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) é de fundamental importância para garantir sua segurança, prevenir doenças ocupacionais e reduzir acidentes. O estudo busca conhecer o entendimento de trabalhadores que atuam em uma empresa de receptação de lixo reciclável em uma cidade da Fronteira Oeste do RS, acerca do conceito de segurança no trabalho e de cuidados quanto ao uso de EPIs. Pesquisa qualitativa, descritiva, da qual participaram 8 trabalhadores. Os instrumentos utilizados consistem em entrevista aberta e diário de campo. O tratamento dos dados seguiu preceitos da análise temática e resultou na estruturação de duas categorias analíticas, que discute os temas “ambiente de trabalho e saude” e “segurança no trabalho e uso de EPIs”. Os resultados mostram que a maioria gosta do seu ambiente de trabalho e nunca adquiriu nenhuma doença trabalhando, entretanto, no local de trabalho, ressaltam odores desagradáveis e presença de animais. Identificam a necessidade de carteira assinada e plano de saúde. Salientam que são disponibilizados EPIs para os trabalhadores e, principalmente, as mulheres sempre os utilizam.  Considera-se importante, a partir da realidade deste serviço, que os trabalhadores recebam treinamentos específicos referentes ao uso de EPIs e formação continuada.

Palavras-chave: Trabalhadores, Resíduo recicláveis, Catadores de lixo.

 

ABSTRACT

Garbage collectors are exposed, in their work environment, to physical, biological, chemical, ergonomic and psychosocial agents. The use of personal protective equipment (PPEs) is of great importance to guarantee them safety, prevent from occupational diseases and, to reduce the number of accidents. This study aims at knowing the perceptions that workers from a company that receives recyclable waste in a city located at the Fronteira Oeste of RS, have about the concept of safety in work and about the use of PPEs. This is a qualitative, descriptive research with the participation of 8 workers. The instruments used were open interview and field diary notes. The data treatment followed the thematic analysis precept and resulted in two analytical categories which discuss the themes: “work environment and health” and “work safety and the use of PPEs”. The results demonstrate that most of the works like their work environment, never developed any occupational disease but, about the working place they highlight unpleasant odors and the presence of animals. They identify the need of formal working papers and a health care plan. They say they have PPEs available for all workers and, especially the women use them. We consider important that from the reality of this occupation; the workers receive training about the adequate use of PPEs and continued education.

Key words: workers, Recyclable waste, Garbage collectors

 

 

 

INTRODUÇÃO

As degradações ao meio ambiente vêm gerando grandes preocupações ao ser humano e o estilo de vida das pessoas auxilia na produção de resíduos urbanos (Kirchner, 2009). Evidencia-se que a sociedade no consumo de produtos e serviços tem produzido resíduos em excesso (VELLOSO, 2005). Segundo Rios (2008, p.19) “denomina-se lixo os restos das atividades humanas, considerados pelos geradores como inúteis, indesejáveis”. Desta forma existe a necessidade do tratamento dos resíduos urbanos, mantendo assim uma boa relação com o meio ambiente, de forma consciente e responsável.

Para Possamai et al.(2007), o destino final do lixo são os lixões, definidos como o local de descarga de lixo sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública e sem qualquer tratamento sobre o solo. As práticas impróprias de destinação de resíduos para os lixões têm provocado locais permanentes de poluição do solo, da água e do ar, por meio da liberação de gases poluentes (LIMA, 2005). Para o autor os lixões liberam dióxido de carbono, hidrogênio e gás sulfídrico e metano, este último responsável pela destruição da camada de ozônio.

Os lixões originam elementos da decomposição química e microbiológica dos resíduos sólidos, conhecidos como chorume. Estes elementos são impactantes ao meio ambiente, pois os mesmos apresentam grande variabilidade na composição química. Pode ser considerada uma matriz de extrema complexidade, depende da natureza dos resíduos depositados, da forma de disposição, manejo, idade do aterro, fatores climáticos, dentre outros fatores. (MORAIS et al., 2006).  Se o solo sob o lixão for permeável, o chorume pode atingir o lençol freático, poluindo o recurso hídrico (PossamaI et al., 2007). A reciclagem ou a utilização parcial desses resíduos gera inúmeros benefícios para a natureza e para o homem, tais como proteção da saúde pública, economia e preservação de recursos naturais (FRANÇA & RUARO, 2009).

Profissionais, denominados genericamente catadores de materiais recicláveis, proporcionam vários benefícios à população, nas áreas social e econômica (Kirchner, 2009). Entretanto, para exercer suas atividades, os catadores de lixo são obrigados, diariamente, a lidar com uma realidade crítica, exercem seu trabalho em condições precárias (MEDEIROS & MACEDO, 2006). Eles estão em contato com agentes físicos, químicos e biológicos, além de expostos a perigos relacionados a fatores ergonômicos, tais como a ação de encurvar o corpo para pegar o lixo ou carregar peso demasiado (CAVALCANTE & FRANCO, 2007).

Para Medeiros & Macedo(2006), a catação pode se constituir em possibilidade de inclusão social para uma parcela de trabalhadores, entretanto, o catador de lixo é incluído por ter um trabalho e excluído pela precariedade da sua função, que é realizada em condições impróprias, altamente periculosa e insalubre, sem prestígio social, com riscos irreversíveis à saúde e sem direitos trabalhistas.

Alguns fatores que ocorrem nos processos de manuseio do lixo podem interferir na saúde humana e no meio ambiente, dentre eles, podem-se destacar os agentes físicos (gases, odores e materiais perfurocortantes, objetos pontiagudos, poeiras, ruídos excessivos, exposição ao frio, ao calor, à fumaça e ao monóxido de carbono; posturas forçadas e incômodas), os agentes químicos (líquidos que vazam de pilhas e baterias; pesticidas/herbicidas;....) e os agentes biológicos (vírus, bactérias e fungos) (CAVALCANTE & FRANCO, 2007).

A exposição a esses agentes e, também, os ergonômicos são causadores de doenças nos trabalhadores. Assim, a utilização de EPIs é uma medida imprescindível para a segurança dos mesmos, podendo evitar as doenças ocupacionais (Tipple et al., 2007). Para Hernandes et al. (2009), o uso de EPI’s por estes trabalhadores os protege contra doenças, evita ferimentos, não suja a roupa, impede de machucar os pés e os olhos, se proteger do sol, bem como evita faltas e custos com o trabalhador.

Com a finalidade de obter informações na área da saúde do trabalhador referente catação de lixo, aliada a necessidade de ampliar conhecimentos sobre segurança no trabalho, surgiu a seguinte inquietação, a qual passou a se constituir no nosso objeto de estudo – “qual o entendimento de trabalhadores que atuam em uma empresa de receptação de lixo reciclável acerca do conceito de saúde e segurança no ambiente de trabalho?”  Visando responder ao objeto de estudo, traçamos o seguinte objetivo: O estudo busca conhecer o entendimento de trabalhadores que atuam em uma empresa de receptação de lixo reciclável em uma cidade da Fronteira Oeste do RS, acerca do conceito de segurança no trabalho e de cuidados quanto ao uso de EPIs.

 

MÉTODO

 

A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, exploratória, tipo estudo de caso, realizada em uma cidade da Fronteira-Oeste do Rio Grande do Sul, fazendo parte do Bioma Pampa, com atualmente, cerca de  63 mil habitantes.

Os sujeitos da pesquisa foram oito (08) catadores de material reciclável que atuam em uma empresa de receptação de lixo reciclável da referida cidade e que, voluntariamente, aceitaram participar da mesma.

Para coleta de dados foi realizada uma entrevista aberta na qual, segundo Minayo (2002) o informante aborda livremente sobre o tema proposto. Foram utilizadas as seguintes questões norteadoras: Fale-me, o que entendes por segurança no ambiente de trabalho? Quais os cuidados que observas, referentes ao uso de EPIs, considerando a função que exerce? Foi utilizado o método de exaustão para definir o término da coleta de dados, ou seja, a partir do momento em que as falas começaram a se repetir, deu-se por concluída a referida etapa. Após, as entrevistas foram transcritas na íntegra e analisadas (Minayo, 2002).

A coleta de dados foi realizada nos meses de maio e junho de 2009. Atendendo os aspectos éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, os catadores foram convidados a assinar um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias, uma em poder deles e outra dos pesquisadores. Foi garantido aos mesmos que não correriam risco algum, nem teriam custos e/ou benefícios monetários ao integrarem-se à população pesquisada e que poderiam desistir da mesma a qualquer momento, se o desejassem.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

 

Participaram da pesquisa oito trabalhadores (E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7 e E8) do setor de separação, coleta e reciclagem do lixo da referida empresa, duas do sexo feminino e 6 do masculino, com idade entre 20 a 40 anos, sendo 4 analfabetos e 4 que cursaram o ensino fundamental incompleto.

A apreensão da essência dos depoimentos resultou na estruturação de duas categorias de análise: primeira “ambiente de trabalho e saúde” e a segunda “segurança no trabalho e uso de EPIs” de trabalhadores que atuam na empresa de receptação de lixo reciclável.

 

Primeira categoria - Ambiente de trabalho e saúde

 

O trabalho não é somente uma forma de ganhar a vida, mas também uma forma de inserção social podendo influenciar tanto em aspectos psíquicos como físicos. Este pode ser um fator desencadeador de doenças e/ou acidentes bem como um fator de equilíbrio e desenvolvimento.  Quando se trata de um ambiente onde o trabalhador esta exposto constantemente a fatores de risco, este pode representar um perigo à sua saúde. Na empresa de coleta de lixo reciclável em estudo, os trabalhadores afirmam de forma otimista que nunca adquiriram nenhuma doença, somente chama atenção o perigo de contato com pedaços de vidro ou de garrafas que vem misturado no interior de sacolas. Pode-se observar nos seguintes depoimentos: ..... graças a Deus nunca peguei nenhuma doença trabalhando...nosso problema alí na esteira é o perigo de se cortar com vidro quebrado de garrafa, copo...” (E1); ...o perigo é se cortar ou pegar alguma contaminação. Eu nunca tive acidente aqui no meu serviço e nunca peguei alguma doença. (E2); Aqui nunca peguei nenhuma doença, no meu setor(esteira) não tem perigo, o único é se cortar”.(E3)

Porto (2004), em estudo de caso com catadores de um aterro metropolitano no Rio de Janeiro, verificou que 20,1% deles referiram ter tido alguma doença nos últimos 15 dias ou 6 meses, antes do período de realização das entrevistas. Em pesquisa realizada com 08 (oito) catadores de lixo do Bairro Dias Macêdo, foi constatado que 75% desses catadores já foram contaminados pelo lixo, demonstrando o quanto este material é perigoso e como os catadores colocam sua saúde em risco, podendo contrair doenças. Inchaço nas mãos, micoses e verminoses foram algumas das doenças citadas por eles. (FERREIRA et al., 2010). Para Martins(2007) neste ambiente de trabalho as condições são precárias tornando-se propício  para ocorrer ferimentos e perdas de membros por atropelamentos e prensagem em equipamentos de compactação e veículos automotores, além de mordidas de animais (cães, ratos) e picadas de insetos. O mesmo autor salienta que as questões da aparência desse ambiente, nem sempre lembrada, pode também causar náuseas e desconforto ao trabalhador.

Os trabalhadores da empresa de reciclagem convivem no dia-a-dia, com o forte mau cheiro e presença de cães no local. Estes animais são abandonados e se aglomeram próximos a este local a procura de alimentos. Também relatam a presença de porcos, que são criados neste lugar, alimentando-se de resíduos. As falas a seguir evidenciam isso: ...um dos problemas aqui é o cheiro... muito forte, mas eu acho que não causa nada para a saúde.(E4); .... desconforto no meu setor é o fedor por causa do lixo que já chega aqui fedendo....aqui tem uma cadelada, esses cachorro aparecem aqui, as pessoa largam eles tudos aqui, por isso que tem esse monte.”(E5); ......o cheiro aqui é muito forte, mas eu acho que não dá nada”. (E3)

Rêgo et al. (2002), salienta que o lixo é um problema resultante da forma como o mesmo é acumulado na natureza, produzindo odor desagradável, contribuindo com mecanismos que provocam desastres como enchentes e alagamentos. Afirma também que o mesmo serve como foco de atração de animais, tais como gatos, cães, ratos, baratas, cobras e insetos que podem causar doenças. Neste mesmo estudo foram citados como agravos à saúde decorrentes deste ambiente: verminoses, infecção intestinal (diarréia), gripe, leptospirose, dengue, meningite, dor de cabeça, dor de dente, febre, alergia e náusea. Corroborando, Porto (2004) em sua pesquisa verificou que os principais problemas encontrados pelos trabalhadores no ambiente de trabalho foram: sujeira, poeira,  cheiro forte, risco de contaminações que podem ser causadas pela presença de moscas, mosquitos e ratos, quanto pelo gás oriundo do lixo.

Quando os trabalhadores possuem empregos regulares os mesmos têm expectativas em relação ao futuro e a sua proteção social, tanto na área da saúde como quanto a sua aposentadoria. Tendo “carteira assinada”, isto é, contribuir para a Previdência Social, o trabalhador terá direito à aposentadoria e segurança de enfrentar uma eventualidade de doença ou acidente que interrompam o trabalho que realizam, tendo assim o direito da obtenção de rendimento. Na presente pesquisa os trabalhadores mostram-se desanimados por não possuir carteira assinada, a falta de um plano de saúde, que disponibiliza aos empregados uma garantia de segurança no local de trabalho. Face a essa situação, eles relatam: ...Eu não tenho cartera assinada, plano de saúde e agente não ganha transporte até aqui a empresa”. (E6); .... Aqui é só trabalhar....a empresa não da nada de segurança e ajuda .... se ficar doente tem que enfrentar a fila do Posto de Saúde....” (E3).....Eu não tenho carteira assinada, nunca tive, plano de saúde, nem pensar..... Aqui no meu serviço eu nunca tive nenhum tipo de doença”.(E5)   

O trabalho de catador não é reconhecido, o sujeito é "desqualificado" socialmente (PAIXÃO, 2005).  Esta classe de trabalhadores realiza sua função sem contrato de trabalho, isto é, sem carteira assinada ou assistência médica (CAVALCANTE & FRANCO, 2007). O ato de se alimentar não satisfaz apenas a necessidade biológica, mas preenche também funções simbólicas e sociais.  A deficiência de alimentos, em qualquer etapa da vida, exerce profundas repercussões no crescimento, no desenvolvimento e nas diversas  atividades que o ser humano possa vir a desempenhar(WIELEWSKI el al., 2007). Desse modo, “para se promover a saúde da população, a alimentação necessita ser saudável” (ALMEIDA et al., 2009).

 Na empresa em questão os trabalhadores recebem três refeições, café da manhã, almoço e café da tarde. Este é um dos pontos positivos da mesma como relatado: .....A gente só ganha as refeições  aqui mesmo no serviço, tomamos café da manhã, almoçamos ao meio dia e ganhamos café da tarde”. (E6). O bom é que nos podemos  comer no serviço.....é bom ... ajuda na despesa da casa... se gasta menos.. (E2).

Dentre as políticas para beneficiar os trabalhadores de baixa renda, por meio do fornecimento de refeições pelas empresas em que trabalham, com custo reduzido, destaca-se o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, criado na década de 70. Neste programa eles recebem uma alimentação saudável e balanceada, de acordo com o tipo de atividade física e gasto energético. Segundo Geraldo et al. (2008), o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) tem como objetivo principal a melhoria das condições nutricionais dos trabalhadores, com repercussões positivas na qualidade de vida,  redução de acidentes de trabalho e aumento da produtividade.

Mesmo este estabelecimento não participando do programa de alimentação citado anteriormente, para os trabalhadores estas refeições são consideradas fundamentais, talvez as únicas do dia.

 

 

 

Segunda categoria - segurança no trabalho e uso de EPIs”

 

Todos os trabalhadores afirmaram que nunca sofreram nenhum tipo de doença, fratura ou contaminação no seu trabalho. Todos afirmam que a empresa disponibiliza equipamentos de segurança. Na visita à empresa verificou-se que todos ou a maioria dos funcionários trabalham de forma irregular, não usam luvas, trabalham de chinelos, sem qualquer tipo de proteção.

Ao entrevistar um funcionário que trabalha no setor da esteira, que fica na separação do lixo, ele afirma de forma otimista que nunca sofreu com nenhuma doença. Ele relata o perigo de cortar-se com pedaços de vidro ou de garrafas que vem misturado no interior de sacolas. O próprio entrevistado nos revela que a empresa destina os equipamentos de segurança, mas ele é um dos funcionários que não os utiliza, com o motivo de que no verão ou em dias quentes não se sente bem por causa do calor para utilizá-los.

Nos depoimentos a seguir fica clara a posição dos funcionários: “a nossa empresa dá pra gente os equipamentos de segurança, mas a gente não gosta de usar... e não se sente muito bem... porque no verão é muito quente para usar luva, bota e mais aquele monte de coisas, mas eu até que uso as vezes....” (E1); Eu fico na parte da esteira, separando o lixo que chega todos os dias. A empresa dá o material de segurança que, são luva, capacete, botas... mas as vezes  a gente usa, mas é muito ruim de usar, mas o cara se sente bem protegido.” (E5) 

Segundo Oliveira (2003) “a trajetória dos programas de Segurança do Trabalho concebidos e implementados no Brasil, observou-se a falta de consistência e desenvoltura encontradas nos demais segmentos das gestões empresariais, sobretudo, no que se refere à organização da produção”. Os trabalhadores devem receber, no momento da admissão e periodicamente, dos empresários os EPIs adequados para reduzir os riscos aos quais estes estão expostos e também programas de treinamento quanto à correta uti­lização desses equipamentos (carvalho & Chaves, 2010)       A maioria dos coletores de lixo utiliza basicamente como equipamentos de proteção as botas, segundo pesquisa realizada em Soledade/Pb por Oliveira & Silva (2009).

            Quando entrevistadas as mulheres, percebeu-se uma melhor adesão aos EPIs. No setor da reciclagem a funcionária E2 relatou do perigo de se cortar no seu setor, diariamente chega uma grande quantidade de lixo, com vários pedaços de vidro, a mesma garante que a empresa disponibiliza os equipamentos, mas nenhum dos funcionários usa. “Eu trabalho no setor de reciclagem, gosto do meu serviço. A nossa empresa dá pra gente usar o material de segurança, é um pouco chato de usar, mas é o jeito da gente se prevenir de algum acidente, mas a maioria não usa, mas a gente se sente bem seguro.(E2); “Eu fico na parte da esteira, gosto do meu serviço. A empresa dá pra gente os materiais de segurança, eu sempre uso, mas aqui a maioria não usa. Eu me sinto segura usando. Aqui na empresa nunca sofri algum acidente por falta dos equipamento de segurança.”. (E3)

            Também nas falas de E4 e E7 que trabalham no setor da prensa, identifica-se a percepção da importância do uso de EPIs: .......nunca tive nenhum acidente aqui no serviço, a empresa me dá os equipamentos de segurança...a gente usa para não sofrer nada, mas não é muito confortável de usar. (E8); .....“estoo satisfeito com meu serviço, a empresa me dá o material de segurança e eu estou sempre usando, me sinto bem protegido para que não sofra acidente. Nunca aconteceu nada que tenha provocado pela falta de equipamento de segurança e nunca peguei nenhuma doença aqui.(E7)

A via ocupacional particulariza-se pela contaminação dos catadores, que manipulam substâncias consideradas perigosas, sem nenhuma proteção. Embora atinja uma parcela reduzida da população, esta via manifesta a forma mais agressiva de contaminação (GONÇALVES, 2005).

Uma das formas mais eficientes que leve o trabalhador a se proteger no local de trabalho é o processo educativo. A partir do momento em que ele obtem as informações adequadas por meio de cursos, palestras, seminários, conversas informações com pessoas especializadas, dentre outros, poderá tentar reverter ou minimizar os acidentes de trabalho, bem como evitar agravos à saúde. A abordagem educativa deve ser transformadora da realidade do trabalhador, discutindo as causas da ocorrência de acidentes e estratégias de conscientização do risco aos trabalhadores, enfatizando assim a importância da utilização dos EPIs (Ribeiro, 2010).

As condições de trabalho devem ser consideradas de forma mais integrada e global, avaliando todos os fatores relativos ao processo de trabalho, isto é, a sua organização, as condições ambientais, bem como as características dos individuos, levando em conta a sua idade, sexo, nível de aprendizagem, estado de saúde física e emocional.

 

CONCLUSÃO

 

O processo de trabalho de coleta de lixo é constituído de uma tecnologia precária, praticamente manual, onde o corpo do trabalhador transforma-se em instrumento de carregar o lixo. O trabalho que os catadores de lixo realizam não é reconhecido socialmente. A vida deste trabalhador é de luta cotidiana, isto é, luta pela sobrevivência e pela tentativa de provar aos outros e a si que são trabalhadores dignos.

Observou-se que em sua maioria, mesmo que a empresa forneça EPIs, os pesquisados não os utilizam, sempre com uma justificativa. Reclamam da falta de um plano de saúde e de carteira assinada. Consideram como aspecto positivo o fato de terem as três refeições fornecidas pela empresa.

Os resultado obtidos com essa pesquisa podem ser importantes no sentido de desencadear reflexões, discussões e ações de empresários e de  gestores públicos no sentido de refletir e de proporcionar aos trabalhadores treinamentos específicos quanto ao uso dos EPIs,  criacão de programas de formação permanente, bem como melhorar as condições de trabalho, minimizando riscos à saúde dos trabalhadores e danos à natureza.

 

 

 

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[i]* Professora Doutora da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM-CESNORS-Palmeiras das Missões/RS. rosanekirchner@gmail.com

[ii] Graduando do Curso de Gestão Ambiental. mateus_bastianello@hotmail.com

[iii] Graduando do Curso de Gestão Ambiental. vagnergodoy_@hotmail.com

[iv] Engenheira Civil. joanakbenetti@yahoo.com.br

[v] Professora do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Regional do Noroeste do RS-UNIJUI. eniva@unijui.edu.br

[vi] Professora Doutora da Universidade Federal do Pampa-UNIPAMPA-São Gabriel-RS. anasaidelles@gmail.com

7 Graduanda do Curso de Administração. jaquelinesilinske@yahoo.com.br

Ilustrações: Silvana Santos