Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 45) QUALIDADE DE VIDA: PERSPECTIVAS, PERCEPÇÕES E NECESSIDADES
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QUALIDADE DE VIDA: PERSPECTIVAS, PERCEPÇÕES E NECESSIDADES

 

 

Fábio dos Santos MASSENA1; Jhonnata de Jesus PEREIRA2; Lia Mara Wibelinger3.

 

 

1.    Docente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UESC); fabiomassena@gmail.com

2.    Graduando em Engenharia Ambiental da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); eng.jhonnata@hotmail.com

3.    Docente da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade

de Passo Fundo-UPF-RS; Doutora em Gerontologia Biomédica

 

 

RESUMO

 

Esta pesquisa tem como objetivo apresentar reflexões a respeito dos aspectos conceituais relacionados a qualidade de vida, que é um fator fundamental quando se discute a manutenção dos recursos naturais. A metodologia adotada está baseada em um método descritivo, com dados fundamentados em entrevistas semi-estruturadas. Foram objetivo de estudo, dois grupos distintos, sendo o primeiro, estudantes de uma Universidade Pública da Bahia, do 4º semestre do curso de geografia, com idade entre 20 e 25 anos e o segundo, pré-adolescentes de uma escola pública, de ensino fundamental, com idade entre 9 e 12 anos, do mesmo Estado. Como o tema é amplo e envolve parâmetros subjetivos (bem-estar, felicidade, amor, prazer, realização pessoal) e também objetivos, cujas referências são a satisfação de necessidades básicas e das necessidades criadas pelo grau de desenvolvimento econômico e social de determinada sociedade. Não há consenso sobre o conceito de qualidade de vida, porém, os aspectos de subjetividade e multidimensionalidade são geralmente aceitos pelos pesquisadores. Conclui-se portanto, que o termo qualidade é bastante complexo, pelo que já foi exposto e pela sua empiricidade, mas apesar disso, trata-se de tema atual e muito relevante e merece atenção, uma vez que pode ser uma importante ferramenta de gestão socioambiental.

 

Palavras-Chave: bem estar, saúde, qualidade socioambiental;

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Pigou em 1920 foi um dos primeiros autores a utilizar o termo qualidade de vida, no seu livro “The Economics of Welfare”, sobre economia e bem-estar. Nesse documento propõe-se a discussão sobre o suporte governamental para classes menos favorecidas e o impacto que o mesmo exerce sobre suas vidas e sobre o orçamento do Estado.

A população em geral não deu muita importância ao termo, que com o tempo passou a ser esquecido por não ser utilizado. O conceito só voltou a mídia através de Lyndon Johnson em 1964, presidente dos Estados Unidos naquela época, ao declarar que: [...] os objetivos não podem ser medidos através do balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionaram às pessoas [...].1

Posteriormente os cientistas sociais, os filósofos e os políticos iniciaram estudos e discussões sobre padrão de vida e qualidade de vida, focados principalmente na diminuição da mortalidade ou no aumento da expectativa de vida. Novos parâmetros foram inseridos com o avanço dos debates.

Sen2 destaca que na contemporaneidade, dentre os autores que discutem qualidade de vida, Amartya Sem se destaca quando demonstra uma visão diferenciada dos demais.Em seus estudos ela representa o termo Qualidade de Vida a partir de dois conceitos: a capacitação, que pode ser representado como as possíveis combinações de funções que uma pessoa pode estar apta a exercer ou ser, e as funcionalidades, que podem ser colocadas como partes do estado de uma pessoa – as diversas coisas que ela faz ou é.

Desta forma, a capacitação demonstra, em cada ser, as combinações alternativas de funcionalidades que essa pessoa pode conseguir. Isso significa que a qualidade de vida pode ser qualificada como a habilitação para alcançar funções, tais como as funções básicas (alimentar-se adequadamente, ter um bom lar, uma boa saúde etc.) e é claro as que dizem respeito a integração social e auto-respeito.

A intenção2 com o uso do termo capacitação é a de destacar a análise política e social das privações, ela demonstra em sua pesquisa que a capacitação de uma pessoa dependerá de diversos fatores, dentre eles as características de personalidade, mas principalmente, de arranjos sociais.

Se uma pessoa pode viver livre do perigo de ser contaminada por algum tipo de doença, isso significa que ele esta apita a alcançar uma boa qualidade de vida, sendo que isto só acontece graças a ação de outros, tais como a dos pesquisadores de medicamentos, epidemiologistas, da saúde publica e etc. Desta forma, para Amartya Sem, a qualidade de vida de um ser não deve ser vista como um mero conjunto de bens, confortos e serviços, mas através destes, das oportunidades reais das quais o individuo dispõem para viver.

Nos dias atuais a Organização Mundial da Saúde (OMS) define qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.

Em alguns textos a OMS também afirma que não existe um conceito universal para qualidade de vida, visto que o mesmo se baseia inicialmente na percepção intima e subjetiva de como o individuo se vê na vida. Basicamente o termo para a OMS compreende quatro campos principais: físico, psicológico, ambiental e de relação social.

            Dentre tantas formas de qualificar o termo, a mais utilizada, talvez por ser a mais conhecida, é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), esse índice foi elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Ele foi criado com a intenção de tentar mudar essa mentalidade de que qualidade de vida esta ligada apenas a aspectos econômicos como nível renda, produto interno bruto, nível de emprego, para aspectos culturais e de natureza social. Nesse indicador encontra-se o entendimento de que renda, saúde e educação são três meios fundamentais da qualidade de vida de uma população, segundo o PNUD (1998)

Tentando tornar o mais simples possível a complexa noção do que vêm a ser qualidade de vida, visto que isso envolve diferentes culturas, religiões e realidades sociais, vários instrumentos têm sido criados. A maioria trata a saúde como indicador principal visto que se o indivíduo tem uma boa saúde, não sofre de nem um problema grave de saúde, fica subentendido que o mesmo tem uma qualidade de vida boa.

A expressão qualidade de vida ligada à saúde como o valor que atribuímos a vida, avaliada pelos desgastes funcionais; as percepções e condições sociais que são guiadas pela doença, agravos, tratamentos e a organização político e econômica do sistema assistencial.3

Gianchello4 tem uma visão bastante similar a de Auquier, ele define o termo como o valor que o indivíduo atribui à duração de sua vida quando modificada pelo entendimento de limitações psicológicas, físicas, funções sociais e ocasiões influenciadas pela doença, tornando-se o maior indicador para a pesquisa avaliativa sobre o resultado de intervenções.

Nos dias atuais tem se usado duas técnicas para mensurar qualidade de vida, através de instrumentos genéricos e instrumentos específicos. Normalmente esses instrumentos são empregados concomitantemente visto que fornecem informações diferentes. Na maioria das vezes os instrumentos genéricos são mais amplos, pois o mesmo procura identificar sempre todos os aspectos importantes ligados à saúde e analisam o impacto de uma doença em específico sobre o indivíduo.

Esse tipo de instrumento normalmente é usado para estudar indivíduos da população em geral ou de grupos específicos, por exemplo, portadores de doenças crônicas como HIV. Esse tipo de estudo permite comparar a qualidade de vida entre indivíduos doentes e sadios, sendo expostos a diferentes contextos sociais e culturais. Sua desvantagem é que não é capaz de detectar aspectos específicos e particulares de uma determinada doença.

Já os instrumentos específicos se destacam pela vantagem de ter a capacidade de analisar particularidades da qualidade de vida em situações especificas. Ele basicamente avalia de maneira individual e específica alguns aspectos como funções física e sexual, a fadiga, o sono etc.

Entendendo que o conceito de qualidade de vida ainda está longe de ser um paradigma aos moldes de Thomas Kun, este artigo está pautado no seguinte questionamento: Como qualidade de vida é definida e caracterizada por diferentes grupos sociais e como influencia em sua conduta de vida?

Sendo assim foram estudados dois grupos distintos: um de estudantes de uma Universidade Pública da Bahia, do 4º semestre do curso de geografia, com idade entre 20 e 25 anos e o outro de pré-adolescentes de uma escola pública, de ensino fundamental, com idade entre 9 e 12 anos, do mesmo Estado. Os dados foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas. É importante salientar que os resultados aqui apresentados, ainda são preliminares, pois estudos mais aprofundados serão realizados.

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

O grupo de estudantes universitários apresenta como maior indicador de qualidade medidas bioestatísticas, psicométricas e econômicas, fundamentadas em uma lógica de custo-benefício. Eles não levam em conta o contexto cultural, social, de história de vida e do percurso que cada individuo venha a ter.

De certa forma eles mantém uma opinião “pré moldada”  pelos padrões que a sociedade sugere como sendo satisfatórios, eles definem qualidade de vida como algo diretamente ligado a situação financeira, status sociais e saúde. Observou-se que em todos os casos as opiniões eram as similares, não havendo particularidade em nenhuma das respostas.

            As respostam traziam de certa forma um medo em falar algo errado, eles tentaram ser o mais impessoal possível, não demonstrando talvez o que o tema realmente significava pra eles.

            Do grupo de universitários entrevistados 60% consideraram viver em harmonia com o meio ambiente e com a sociedade como algo fundamental para se obter uma qualidade de vida satisfatória, na maioria dos casos eles sempre usam a palavra “sociedade”, o que demonstra ser uma tendência para os dias atuais visto que tem se imposto que o pensar no todo e não somente em si é o correto para os padrões da sociedade atual. Outros 35% consideraram que a educação conciliada ao trabalho e lazer, podem ser o caminho para uma boa qualidade de vida. E apenas 15% destacaram que a qualidade de vida esta diretamente ligada ao conforto, segurança e uma boa alimentação.

Dentre tantas repostas que foram apresentadas, pode se observar que existe uma homogeneidade no conceito do termo para eles, a resposta do grupo basicamente foi: Qualidade de vida é viver harmonicamente com a sociedade e com a natureza, desfrutando dos prazeres e necessidades pessoais e coletivas, sem agredir a se mesmo ou aos outros.  

O grupo de estudantes de ensino fundamental segue uma linha de pensamento bem parecida com as ideias de Auquier3 que definia o termo como algo que abrange muitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em variadas épocas, espaços e histórias diferentes, sendo, portanto uma construção social com a marca da relatividade cultural.

Embora o grupo seja formado por crianças entre 13 a 15 anos, eles demonstram um cuidado maior ao falar sobre o tema qualidade de vida, suas respostam seguem sempre um padrão voltado para a família, eles não almejam sonhos matérias muito grandes e acreditam que qualidade de vida não esta diretamente ligada ao consumismo, mas sim a pequenas atitudes como viver em harmonia com seus vizinhos, morar próximo ao mar, poder jogar bola sempre que sentir vontade e etc.

Outro tópico bastante citado pelos mesmos foi a educação, talvez por saberem que a maioria dos seus pais não tiveram acesso a um ensino de qualidade, eles sentem necessidade de se dedicarem mais, veem a educação como algo fundamental, observam que a única forma de mudar aquela realidade é através da educação.

Embora a palavra trabalho tenha sido muitas vezes citada, sempre veio seguida de frases como “trabalhar para sustentar minha família”, observa-se ai que o termo família sempre esta presente, eles não querem um bom emprego apenas por status sociais e financeiros, mas sim para dar uma vida com conforto aos seus familiares e uma educação de qualidade aos seus filhos.

            Esse grupo se destaca pela riqueza de detalhes em suas respostas, 15% dos entrevistados acreditam que viver perto do mar é algo de fundamental importância, eles acreditam que não devemos nos distanciar de nossas raízes, veem no mar um ponto de equilíbrio, uma espécie de lembrete de que devemos dar valor aos pequenos detalhes, aos pequenos momentos de felicidade e bem estar.

            30% acredita que o trabalho é uma coisa importante se tratando de qualidade de vida, mas diferente do que muitos sonham, eles não almejam ter um emprego que lhe traga status sociais, ser rico e etc. Apenas almejam um trabalho que possibilitem dar uma vida confortável e um ensino de qualidade para seus familiares.

            Um ponto muito importante, que foi citado em 45% das respostas esta ligado a viver bem com seus familiares, muitos destacam que pretendem continuar morando próximo aos seus pais quando chegarem a fase adulta. É perceptível o cuidado que eles demonstram para com seus familiares, em uma das respostas um dos alunos citou “morar junto com minha família e ajudar meu pai a largar o vicio do alcoolismo”, demonstrando assim que pra ele qualidade de vida não é apenas ter tudo o que precisa, ter uma boa saúde e etc. Mas também saber que os que estão ao seu redor também estão bem.

            O grupo também demonstra uma certa preocupação com o lazer, 10% deles destaca que brincar, praticar esportes e conhecer outros lugares é importante pois não podemos viver apenas voltado para o trabalho e estudos, ou seja sempre deve existir um equilíbrio em tudo. Basicamente qualidade de vida pra o grupo dois é viver em equilíbrio com tudo, seja com a natureza, com seus familiares e etc. Uma das respostas que melhor define o grupo é: “Qualidade de vida é jogar bola, estudar, morar perto da praia, ter uma família unida, tomar banho de praia sempre que sentir vontade, não me envolver com drogas, viver dignamente e não deixar a família passar necessidades.”

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Com a análise das informações coletadas nos dois grupos pesquisados e discussão dos artigos estudados, foi possível avaliar algumas abordagens que diversos autores tem com relação aos conceitos da qualidade de vida, entre eles aqueles que estão relacionados às características individuais, dentro do seu contexto, como cultura, raça, crença, sonhos realizados, medos, experiências, conceitos, entre outros fatores. Como também aqueles relacionados às características materiais, lazer, educação, trabalho, saúde, bem-estar, que perfazem, juntos, os conceitos objetivos e subjetivos da qualidade de vida, podendo ser mensuráveis, haja vista o contexto de cada indivíduo.

Entretanto, não há consenso sobre um conceito único e formal de qualidade de vida, haja vista que o conceito é algo pessoal, e vai de cada individuo qualifica-lo de sua forma, visto que o que pra uns é importante para outros não.

Por exemplo, o grupo de universitários, embora manteve uma opinião um pouco homogenia de que qualidade de vida se resume a ter um bom emprego, status sociais, educação e etc. Eles sempre pontuavam as coisas de formar diferentes, pra uns o emprego era o mais importante pra outros saúde era a base de tudo.

Pode se ver com mais clareza essa diferença do conceito pra cada um no grupo de estudantes de ensino fundamental, visto que eles demonstram uma opinião bem especifica, sempre ligada a sua realidade, ao seu cotidiano. Visando que, para se obter uma boa qualidade de vida as mudanças devem ser especificas, pois não existe um modelo pré estabelecido já que toda realidade é diferente uma da outra.

Não tendo intenção de esgotar o tema, espera-se que esta breve reflexão sirva de estímulo para novas pesquisas relacionadas à qualidade de vida.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

1. FLECK, M. P. A.; LEAL, O. F.; LOUZADA, S.; XAVIER, M.; CHACHAMOVICH, E.; VIEIRA, G.; SANTOS, L. e PINZON, V. Desenvolvimento da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS (WHOQOL-100). Rev. Bras. Psiquiatria, 21 (1): 19-28, 1999.

 

2. SEN, A. The concept of development. In: Chenery H & Srinivasan TN (org.). Handbook of development economics. vol. 1. North Holland, Amsterdã, 1988.

 

3. AUQUIER, P, SIMEONI M. C. e MENDIZABAL, H. Approches théoriques ET méthodologiques de la qualité de vie liée à la santé. Revue Prevenir 33:77-86, 1997.

 

4. GIANCHELLO, A. L. Health outcomes research in hispaniccs/Latinos. Journal of Medical Systems 21(5): 235-254, 1996.

Ilustrações: Silvana Santos