Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 45) REFLEXÕES SOBRE A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E ENTREVISTAS EM UM ESTUDO DE CASO SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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REFLEXÕES SOBRE A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E ENTREVISTAS EM UM ESTUDO DE CASO SOBRE EDUCAÇÃO AMBIENTAL¹

 

Mariana Cristina da Cunha Souza²

 

Resumo: Para se iniciar um projeto de pesquisa a escolha do tema é o passo inicial, e, uma das etapas mais importantes é a seleção dos procedimentos metodológicos que serão utilizados durante a realização do projeto. Através dos procedimentos metodológicos é que se torna possível a construção dos resultados, logo, fica evidente porque são tão fundamentais. Para uma escolha coerente com os objetivos do projeto, é fundamental que o pesquisador tenha maturidade e empenho em conhecer detalhadamente todos os procedimentos possíveis de serem utilizados, selecionando de forma consciente, os mais condizentes com a sua pesquisa, pois a escolha correta contribui, por exemplo, na diminuição de imprevistos, em melhores adaptações metodológicas, etc. Este artigo demonstra de que maneira a observação participante e a entrevista foram importantes no estudo de caso realizado em uma Unidade de Conservação (UC) no estado do Paraná. Para tanto, através de uma discussão bibliográfica relacionada ao tema deste e, concomitantemente, relacionando-a as experiências vivenciadas durante a pesquisa na UC, evidencia-se aspectos positivos e negativos da utilização de tais procedimentos; refletindo sobre a complexidade da observação participante e das entrevistas e, demonstrando que não são procedimentos fáceis de serem trabalhados, mas o contrário, que requerem paciência, dedicação e atualização periódica do conhecimento, para que sejam conscientemente executadas e levem a construção de informações e dados confiáveis.

 

Palavras-Chaves: Procedimentos metodológicos; Observação participante; Entrevistas.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Este texto tem como objetivo realizar algumas reflexões a respeito da metodologia de observação participante e de entrevista, estabelecendo algumas referências à pesquisa realizada por mim na Estação Ecológica do Caiuá-PR (ESEC Caiuá-PR), localizada no município de Diamante do Norte-PR. A ESEC é uma Unidade de Conservação (UC) de Proteção Integral  e foi criada com o intuito de proteger um dos últimos remanescentes da Floresta Estacional Semidecidual localizada no noroeste do estado do Paraná, proporcionar pesquisas científicas e atividades de Educação Ambiental (EA), entre outras finalidades (Instituto Ambiental do Paraná - IAP, 1999).

É importante destacar em quais circunstâncias o projeto foi pensado. Um ano após ingressar na faculdade de Turismo da UNESP de Rosana, tive a oportunidade de participar de um curso de curta duração sobre o Programa do Voluntariado nas Unidades de Conservação do Paraná (VOU); o curso teve como finalidade selecionar e capacitar graduandos interessados em prestar serviços voluntários na ESEC Caiuá-PR. As atividades que seriam desenvolvidas pelos selecionados eram referentes a alguns procedimentos administrativos, manejo de trilhas e, principalmente, recepção e acompanhamento de grupos que visitavam à UC a fim de participarem de atividades de EA.

O curso, ministrado por um dos principais coordenadores das ações de EA da UC, me proporcionou o primeiro contato com a temática EA. Fui selecionada para ser voluntária e assim participei de outros cursos de capacitação entre os anos de 2008 a 2010, acompanhei grupos em suas visitas: durante as atividades desenvolvidas no centro de visitantes, durante a caminhada nas trilhas interpretativas, acompanhei a rotina dos administradores da UC e contribui participando de outras ações de EA realizadas pela UC. No 4º semestre da faculdade tive uma disciplina denominada Ecoturismo que, dentre os conteúdos abordados estava a EA e, por causa desta disciplina visitei outras UCs localizadas no estado de São Paulo e no Paraná, com o propósito de participar de atividades de EA e conhecer as realidades das UCs visitadas.

O contato contínuo com a EA e por há algum tempo já realizar serviços voluntários na ESEC, possibilitou que eu começasse a identificar diferenças relevantes entre a teoria e a prática, principalmente, relacionadas às informações transmitidas pelo guia ao visitante durante uma visita, a forma como as atividades eram praticadas, entre outros fatores que durante a disciplina de Ecoturismo I foram destacados pelo professor, mas que não se relacionavam coerentemente com a EA desenvolvida pela ESEC Caiuá-PR junto aos grupos que a visitavam e, portanto, me dediquei a compreender este antagonismo.

A pesquisa teve como objetivo geral analisar os processos de planejamento e práticos de EA desenvolvidos na ESEC Caiuá/PR, prioritariamente no contexto Não Formal e, consequentemente, de que forma ocorria a sensibilização do público visitante por meio da EA. Os objetivos específicos foram o de caracterizar a EA desenvolvida na ESEC, verificar o desenvolvimento prático da EA Não Formal, analisar a percepção dos visitantes a respeito da visita, identificar indicadores de avaliação do processo educativo que poderiam ser considerados para as atividades de EA, e por fim, sugerir mudanças que contribuíssem para o planejamento da EA e, consequentemente, de sensibilização dos grupos visitantes.

           

OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE E ENTREVISTAS

 

Para iniciar uma pesquisa científica, uma das etapas mais importantes é a identificação de autores e trabalhos que abordam a temática que se pretende estudar, sendo possível uma familiarização do pesquisador com as teorias relacionadas ao seu objeto de estudo, com os conceitos que poderão ser trabalhados, enfim, há uma aproximação com o tema escolhido (MARRE, 1991; MARCONI e LAKATOS, 2001; SILVA, 2007).

Quando me propus a realizar a pesquisa na ESEC Caiuá-PR, esta fase da pesquisa foi fundamental porque me levou a conhecer os principais autores que vinham contribuindo para o debate sobre a EA, majoritariamente em UC e dos principais conceitos relacionados ao tema. Era necessário que eu aprofundasse o conhecimento e entendimento do conteúdo científico, bem como quais as perspectivas que a EA era abordada nos estudos. Foi fundamental que eu me identificasse com autores e teorias que pudessem ser utilizadas como referências ao longo do desenvolvimento do trabalho e que me proporcionassem um esclarecimento metodológico para uma análise de EA, além disso, me permitiu um melhor direcionamento na abordagem do objeto de estudo e na identificação e escolha dos procedimentos metodológicos mais coerentes com os objetivos propostos.

            Nesta etapa emergem as principais metodologias já empregadas em outras pesquisas sobre ou relacionadas ao objeto de estudo. No meu caso não foi diferente, ao ter acesso aos trabalhos já realizados, algumas metodologias estiveram em destaque nas pesquisas sobre EA, dentre elas, a observação participante e as entrevistas. Estas metodologias são mais comumente utilizadas em abordagens qualitativas e quando empregadas conscientemente pelo pesquisador, dão acesso a um universo pouco conhecido do seu objeto de estudo, através de novas abordagens e sob diferentes aspectos novas interpretações sobre o tema.

A observação participante, apesar de ter sua origem assimilada à antropologia social, começou a ser empregada pela Escola de Chicago de pesquisa social. Na Chicago dos anos 20 e 30, Robert Park incitou seus alunos a estudarem os fenômenos sociais da cidade - em constante transformação - através da observação (MAY, 2004). A observação participante pode ser entendida como:

 

O processo no qual um investigador estabelece um relacionamento multilateral e de prazo relativamente longo com uma associação humana na sua situação natural com o propósito de desenvolver um entendimento científico daquela associação (LOFLAND e LOFLAND, 1984, p. 12 apud MAY, 2004, p. 177).

 

Assim, os dados e informações são coletados durante um período relativamente grande através da participação do pesquisador na vida cotidiana do grupo ou da organização que ele decidiu estudar e entender. Não é uma metodologia simples, pois a análise é sequencial, ou seja, conforme a pesquisa se desenvolve devem ser realizadas análises e interpretações dos dados e informações já construídos e, assim continuar construindo dados e informações. É a partir das experiências, vivências do pesquisador e da investigação realizada por ele que se chega ao conhecimento e, posteriormente, entendimento do que se esta observando. Para o observador é imprescindível fazer parte das relações sociais e tentar entender as ações no contexto do grupo ou da organização estudada (MAY, 2004; BECKER, 1999).

Apesar de ser uma metodologia mais complexa do que se imagina, quando empregada conscientemente é bastante benéfica e pode levar o pesquisador a se importar, por exemplo, com acontecimentos considerados comuns, mas que quando analisados com rigor, revelam informações importantes; e há o fato de que a tendência de o pesquisador impor a sua própria realidade ao mundo social que estuda, é reduzida. Para May (2004) esta metodologia é corrente na pesquisa social porque em outras metodologias, por exemplo, o processo de entendimento da ação é omitido e o como e por que as pessoas mudam não é entendido.

Cabe aqui fazer algumas relações com a observação participante na ESEC Caiuá-PR porque estar em contato com os grupos durante as atividades, principalmente durante a caminhada nas trilhas interpretativas, mereceu destaque na minha pesquisa, possibilitou que diferentes situações pudessem ser visualizadas, como em relação às visitas: mesmo quando a visita era programada com antecedência haviam alterações, devido à dispersão da atenção dos visitantes, aos atrasos ou até pelo fato de as atividades serem realizadas rapidamente etc.; à abordagem dos grupos: cada grupo recebia uma abordagem diferente, mesmo o guia sendo o mesmo para todas elas, cada visita era única e dependendo de cada abordagem, a visita tomava rumos diferentes. Essas situações só puderam ser identificadas através da observação participante, de outra forma, por exemplo, apenas com a metodologia de entrevista, acredito que não seriam consideradas na pesquisa.

Era através deste contato que se tornava possível uma maior aproximação com os visitantes, permitindo que eu conversasse com eles em vários momentos e identificasse algumas agitações, dúvidas, pensamentos sobre a visita e as atividades das quais estavam participando. Cada grupo possuía diferentes anseios e expectativas e a participação dos membros do grupo durante as atividades variava. Através da observação identifiquei que os grupos que participavam de uma visita com atividades mais dinâmicas, eram mais dinâmicos, tomavam mais a iniciativa no momento de socializar suas experiências, percepções e vivências decorrentes da visita à UC; já os grupos que participavam de visitas menos dinâmicas, se comportavam de forma mais distraída e menos interessada durante a socialização.

É importante destacar que tudo o que é observado em campo precisa ser anotado, sistematizado ao longo da pesquisa, pois o registro de diferentes experiências auxilia no entendimento do que é estudado e possivelmente contribui na elaboração do trabalho final. Quando realizei a pesquisa na UC, não tinha a consciência de que as anotações eram tão fundamentais para a construção de dados e informações, de tal modo que não as realizava sistematicamente, creio que algumas experiências não foram registradas devido a essa falha de conhecimento, elementar no emprego da metodologia de observação participante.

Tais anotações são fundamentais e devem ser realizadas constantemente e metodicamente, para que possam ser consultadas em momentos posteriores e quando se fizer necessário. Para Amanda Coffey (1999, p. 119-120 apud May, 2004, p. 185) “as anotações de campo são o lugar contextual onde nós, pelo menos privadamente, reconhecemos a nossa presença e consciência. O eu é parte da realidade das anotações em campo”, assim anotações realizadas em campo sempre apresentarão os aspectos pessoais do pesquisador, elas podem se relacionar as descrições dos lugares em que eventos importantes ocorreram, às interações entre as pessoas, enfim, do que se julgar pertinente. Esta característica da observação participante levanta alguns questionamentos porque o que se espera em uma pesquisa é que a teoria oriente as interpretações do pesquisador, porém, no emprego desta metodologia a teoria pode ser estabelecida de acordo com o que é visualizado em campo e, através das observações anotadas o pesquisador pode ter diferentes direcionamentos na pesquisa (MAY, 2004).

Alguns críticos também se questionam a respeito das interpretações obtidas com a observação participante, pois os resultados não podem ser generalizados, todavia, é fundamental lembrar que generalizar não é a intenção do pesquisador que opta em utilizar esta metodologia. A Observação pode proporcionar diferentes considerações e interpretações sobre o mesmo objeto de estudo, mas nunca iguais. Becker (1999) esclarece que:

 

Estas disparidades podem ocorrer simplesmente porque as organizações não são de fato as mesmas [...] nunca devemos pressupor que duas instituições são iguais simplesmente porque pertencem à mesma categoria social convencionalmente definida [...] as pessoas muitas vezes estudam organizações idênticas ou semelhantes usando métodos de pesquisa de campo, mas tem em mente teorias diferentes e perguntas diferentes. Os dados nos dois estudos serão de fato diferentes, mas a diferença não indica que as informações não são dignas de confiança. Demonstra apenas que o observador esta observando uma coisa diferente (BECKER, 1999, p. 67).

 

            Creio que esta flexibilidade da metodologia seja um ponto forte porque ela possibilita novas abordagens sobre o objeto e que durante a pesquisa novas questões sejam pensadas, questões que inicialmente pareciam insignificantes ou nem foram consideradas pelo pesquisador antes da ida a campo, mas que no desenvolvimento do estudo tornaram-se relevantes.

Em contrapartida, no que tange à observação participante:

Os críticos argumentam que os pesquisadores que empregam esse método supõem que já sabem o que é importante. Por outro lado, é dito que a observação participante não faz suposições firmes sobre o que é importante. Em contraste, o método encoraja os pesquisadores a mergulharem nas atividades do dia-a-dia das pessoas as quais eles tentam entender. Diferentemente da testagem de ideias (dedução), elas podem ser desenvolvidas a partir das observações (indução) (MAY, 2004, p. 175).

 

Como visto, quando se utiliza desta metodologia as análises e interpretações são necessariamente realizadas simultaneamente a construção dos dados e informações e, para que isso seja possível é essencial a aceitação do pesquisador pelo grupo ou organização que será estudada por ele. Essa aceitação é influenciada pelo mediador desta relação, exemplificando, o pesquisador pode ter acesso ao grupo ou organização através de alguém que seja mais influente ou o contrário, menos influente, isso pode prejudicar ou beneficiar a forma como se tem acesso às informações do grupo ou organização. Neste caso, é fundamental que o pesquisador se empenhe em ser aceito pelo grupo, na medida em que for possível e respeitando o tempo da relação e seus limites.

Ao iniciar a observação participante na ESEC Caiuá-PR não tive problemas em ser aceita pelo grupo por já participar de algumas atividades realizadas pela UC como voluntária. Acredito que esta característica foi importante para que eu compreendesse melhor algumas relações e situações e as transformassem em evidências para alguns fenômenos. Como no caso do processo de sensibilização que será citado neste trabalho um pouco mais a frente.

A partir de estudos realizados em uma Escola de Medicina, Becker (1999) considerou que quando observadas, as pessoas em geral tendem a se sentirem constrangidas agindo de maneira diferente do seu habitual. A observação participante recebe críticas por isso, ainda mais quando é comparada a outras metodologias mais rígidas que infere-se que inibem essa situação de constrangimento dos observados. Porém, já se sabe que mesmo o pesquisador que utiliza, por exemplo, de questionários (mais utilizados em pesquisas com abordagens quantitativas) pode constranger o investigado e influenciar em suas respostas devido à sua presença: ao responderem uma pergunta sobre raça, acredita-se que os respondentes agem de maneira diferente quando o pesquisador é de uma cor ou de outra; de qualquer forma ou em qualquer situação de interação há influência pela presença do pesquisador, é inevitável, mas ela também pode ser amenizada.

Para May (2004) é função do pesquisador observador convencer as pessoas a quem ele observa de que suas observações não influenciam em nada em suas relações habituais, de tal modo que elas ajam normalmente, mesmo na presença dele. É importante que o pesquisador saiba estimular e não forçar conversas e situações casuais no ambiente em que esta sendo realizada a observação, evitando conflitos durante a realização de seus estudos. Becker (1999) também chama a atenção para este fato, de que quando as pessoas acreditam que o que o pesquisador observa não terá influência em sua vida, em seu cotidiano, mais à vontade elas se sentem para fazerem o que fariam se o pesquisador não estivesse lá. E afirma que:

 

O princípio geral, então, é que, na situação de pesquisa, os sujeitos reagem mais às coisas que parecem ser mais importantes para eles. Se você, o pesquisador, for muito importante – seja porque cuidadosamente se preveniu para garantir que nada mais importante interferisse, ou porque eles temem que seus achados se tornarão conhecidos pelas pessoas que podem afetar seus destinos – seus dados refletirão esta importância, no sentido de que os sujeitos polidamente conforma suas respostas às pistas que você lhes dá do que precisa ser dito ou mostrado. Se você for menos ou nada importante do ponto de vista deles, eles farão o que fariam se você não estivesse lá (BECKER, 1999, p. 78).

 

Nesta perspectiva, Becker (1999) também afirma que o pesquisador que é observador participante, pelas próprias restrições sociais cujos efeitos interessam a ele, como em uma observação realizada em um ambiente de trabalho, por exemplo, não consegue exercer influência sobre as ações e o comportamento dos observados, pois há outras forças mais poderosas em operação, então, o que o pesquisador observa possivelmente será a realidade e não artificialidade.

Outra característica da observação participante é que por se tratar de uma metodologia fundamentada na observação, produz um número muito elevado de dados e informações e bem detalhados. Logo, é indispensável um rigor metodológico para analisá-los, identificando os que realmente contribuem para a pesquisa e leva com confiabilidade à compreensão do objeto de estudo. No entanto, esta etapa de análises e interpretações pode se tornar para o pesquisador um grande obstáculo, pois se ele não tratar os dados e informações corretamente, pode construir resultados equivocados. É de suma importância que o pesquisador saiba contemplar em seu trabalho as evidências que expliquem os processos da observação.

Becker (1999) chama a atenção para a seleção de indicadores, por exemplo, para as variáveis mais abstratas que podem contribuir no entendimento de algum fenômeno, relação e/ou evento. O autor afirma que elas podem ocorrer de formas diferentes: a partir do momento em que o pesquisador observador notar que algum fato ou fenômeno específico ajuda na compreensão de fenômenos mais amplos, ele deve ser considerado; ou o contrário, o pesquisador já pode ter consciência a respeito de algum fato ou fenômeno e a partir da observação, buscar indicadores para utilizá-los em sua pesquisa.

Quando realizei a pesquisa na ESEC Caiuá-PR um dos objetivos propostos foi o de identificar alguns indicadores de avaliação das atividades de EA realizadas pela UC que diziam respeito ao processo de sensibilização dos visitantes por meio da participação das atividades de EA. Durante a observação foi possível perceber que a ESEC Caiuá-PR não possuía indicadores de avaliação para as atividades que realizava, entretanto, através da observação e do contato com os grupos, pude observar alguns comportamentos e manifestações que, após análises e  interpretações, foram considerados como indicadores de avaliação para as atividades de EA: satisfação, agitação, os relatos de experiência e a participação. Estes indicadores também apareceram, de forma indireta, nas entrevistas realizadas com os responsáveis pelas atividades de EA da UC.

            Assim, para auxiliar na construção dos dados e informações e torná-los mais confiáveis, uma metodologia que pode ser utilizada em conjunto com a observação participante e contribuir para o enriquecimento das evidências é a entrevista. Na observação a entrevista mais utilizada é a não diretiva/não padronizada.

Compreende-se como entrevista um processo onde há interação entre o investigador e o investigado, uma relação que visa obter informações consideradas de valor, principalmente, para se compreender o objeto de estudo. Trata-se de “uma conversa interessada” e “orientada” através da qual se busca um entendimento do comportamento, dos pensamentos, da “consciência dos sujeitos investigados, tanto possível em seu estado dado, objetivo” (COLOGNESE e MÉLO, 1998, p. 143). Segundo os autores, a entrevista pode ser dividida em três tipos e que levam a diferentes resultados: não diretiva, semi-diretiva e padronizada.

            Para Colognese e Melo (1998), na entrevista padronizada e semi-diretiva o entrevistador tem uma participação mais ativa, o roteiro é estabelecido previamente e ele pode ser mais rígido (entrevista padronizada) ou mais ou menos rígido (semi-diretiva). Na observação participante utiliza-se mais a entrevista não diretiva/ não padronizada que tem como características principais: 1) a finalidade de detalhar questões/problemas e a formulação/organização mais precisa dos conceitos relacionados; 2) sua estruturação é reduzida ao mínimo; 3) há o mínimo de interferência do entrevistador na fala do entrevistado.

Quando realizei as entrevistas com os responsáveis pelas ações de EA da ESEC Caiuá-PR devido a falta de maturidade quanto as metodologias, optei pela entrevista semi-diretiva, acreditando que era a melhor opção para compreender: os motivos que levaram tais profissionais a trabalharem com a temática ambiental, principalmente, EA; entender, na visão deles, como as atividades voltadas à EA deveriam ser planejadas, estruturadas e operacionalizadas em relação à finalidades e objetivos, aos visitantes; outros aspectos abordados tentaram identificar, na visão deles, os momentos mais importantes em uma visita, quais as principais informações que deveriam ser transmitidas aos grupos durante a mesma e, sobretudo, durante a caminhada nas trilhas (já que ao desenvolver a pesquisa, observei que era um dos momentos mais importantes para que houvesse sensibilização dos membros dos grupos), além dos indicadores que deveriam ser considerados para que se reconhecesse que houve sensibilização, mesmo de forma imediata, entre outros aspectos julgados relevantes.

 Porém, a entrevista não diretiva teria sido a mais adequada, por possibilitar uma maior liberdade na fala dos entrevistados, o que poderia contribuir para que eu obtivesse informações mais ricas e detalhadas, de qualquer forma as informações adquiridas através das entrevistas semi-diretivas foram de extrema importância para a pesquisa.  Colognese e Mélo ainda (1998, p. 144) esclarecem que na entrevista a posição do informante é privilegiada e a seleção do mesmo, fundamental:

 

Isto porque se supõe a priori, que as informações recebidas tem valor irrefutável, não apenas porque testemunham fatos e acontecimentos, mas também porque atestam relações implícitas, tensões, conflitos, sentimentos e ideologias que revelam traços de uma época e seu contexto. Assim, o mais importante que o número de entrevistados é a sua posição privilegiada no contexto das relações sociais em abordagem.

 

Nesta perspectiva, acredito que a escolha dos informantes foi realizada de maneira consciente, uma vez que os selecionados eram os principais responsáveis pelas ações de EA da ESEC Caiuá-PR: o gerente geral da ESEC Caiuá-PR, o profissional que era o principal responsável pela seleção das atividades de EA, o guia que se responsabilizava pela caminhada nas trilhas e a estagiária que estava ligada mais aos procedimentos administrativos.

As entrevistas são igualmente criticadas quanto à confiabilidade de seus resultados, argumenta-se que o investigado pode dissimular informações e comportamentos quando na presença do entrevistador e quando na presença de outras pessoas. É aqui que a experiência do pesquisador enquanto observador se torna um diferencial, pois através das evidências identificadas por ele, pode-se verificar se o comportamento ocorre em ambas as situações. Becker (1999) alerta:

 

Por um lado, um informante pode, enquanto esta sozinho com o observador, dizer ou fazer coisas que reflitam com exatidão sua perspectiva, mas que seriam inibidas pela presença do grupo. Por outro lado, a presença de outros pode estimular comportamentos que revelam mais exatamente a perspectiva da pessoa, mas que não seriam verificados exclusivamente na presença do observador (BECKER, 1999, p. 54).

 

Tanto na observação quanto na entrevista é fundamental que o pesquisador tenha sensibilidade e considere a possibilidade acima descrita. May (2004) traz para o debate a questão da intimidade, para o autor quanto maior o envolvimento com o grupo ou organização observada, mais o pesquisador saberá discernir os diferentes significados das ações e relações observadas.  Becker (1999) também fala sobre a forma de julgar tais situações: elas devem ser interpretadas como dados válidos em si mesmo, porém utilizados na pesquisa de forma relativizada, daí a importância de se anotar em quais circunstâncias os fatos, eventos e entrevistas ocorreram ou foram realizadas.

De acordo com o pensamento de Thiollent (1987) a entrevista, de modo geral, não é uma metodologia de fácil aplicação e ele problematiza a respeito da situação da entrevista, pois a interação entre dois indivíduos manifesta certo condicionamento das respostas e das interpretações possíveis, pois há um ser social que investiga e outro que é investigado. Outros problemas levantados tratam das distorções produzidas pela situação psicológica da entrevista, pois há influências pela simples interação entre o investigador e o investigado.

Os efeitos da interação entre entrevistador e entrevistado na situação da entrevista não se limita apenas ao que foi dito e quando o entrevistador já tem certa familiarização com o contexto social do entrevistado, consegue entender na verbalização das respostas, a diferença entre o que Colognese e Mélo (1998, p. 151) chamam de “denotação” que faz referência direta ao que foi verbalizado pelo entrevistado e “conotação”, que ao contrário não faz referência direta, apresentando elementos não necessariamente verbalizados. Na pesquisa que realizei, por exemplo, muitas vezes os entrevistados, implicitamente, faziam referência a algumas situações de trabalho e, por eu já ser voluntária há algum tempo, era mais fácil relacioná-las ao que eu havia presenciado durante a participação no cotidiano da UC.

            A observação participante e as entrevistas são metodologias estratégicas quando se trata de conhecer e compreender profundamente um grupo ou organização, mas para que isso ocorra é fundamental que sejam empregadas de maneira consciente.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

De acordo com os objetivos que foram propostos para o estudo de caso na ESEC Caiuá-PR, acredito que o emprego da metodologia de  observação participante e de entrevistas foram de extrema importância para atender aos objetivos e compreender o objeto de estudo. Acrescento o fato de que na escolha de metodologias de cunho qualitativo, se faz necessário que o pesquisador seja versátil, sabendo adaptar cada metodologia à sua realidade, uma vez que são procedimentos, meios que auxiliam e norteiam a pesquisa, não constituindo-se fórmulas prontas. Cada realidade é composta por distintas relações dinâmicas que ganham significado naquela realidade específica e, justamente esta característica, a torna singular, impossível de ser generalizada (GEERTZ, 1978).

 

REFERÊNCIAS

 

BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. São Paulo: HUCITEC, 1999.

 

COLOGNESE, S. A.; MÉLO, J. L. B. de. A técnica de entrevista na pesquisa social. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, p. 143 – 159, 1998.

 

DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas – 9. ed. – São Paulo: Gaia, 2004.

 

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

 

MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. (Org.). Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos.– 6. ed. – São Paulo:  Atlas, 2001.

 

IAP. Plano de Manejo: Estação Ecológica do Caiuá. Paranavaí-PR, 1999.

 

MARRE, J. A. L. A construção do objeto científico na investigação empírica. Cascavel: Seminário de Pesquisa do Oeste do Paraná – UNIOESTE, 1991.

 

MAY, T. Pesquisa social: questões, métodos e processos. Porto Alegre: ArtMed, 2004.

 

PEREIRA, A. G.; BESSA, N. G. F. EA Formal e Não Formal praticado pelo PEAPA: Análise quanto aos procedimentos metodológicos utilizados. Revista eletrônica. Mestr. Educ. Ambient. ISSN1517-1250. v. 21, Julho/Dez, 2008.

 

SIVA, E. R.; PEDRINI, A. G. (Org.). Metodologias em Educação Ambiental. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. – (Coleção Educação Ambiental).

 

Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Lei nº 9.985, 18 de julho de 2000; decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. 5. ed. aum. Brasília: MMA/SBF, 2004. 56 p.

 

THIOLLENT, M. J. M. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. São Paulo: Editora Polis, 1980. (Coleção Teoria e História 6).

 

 

 

¹Artigo elaborado durante a disciplina Metodologia de Pesquisa Qualitativa para Geografia, no programa de Pós-Graduação da FCT- UNESP de Presidente Prudente-SP, em junho de 2012.

[1]²Bacharel em Turismo pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Rosana. Endereço para correspondência: Rua José Cupertino, Nº 132, Jardim Marupiara, Presidente Prudente/SP, CEP: 19060090. E-mail: mariana-csouza@live.com

 

Ilustrações: Silvana Santos