Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 45) IMBITUBA (SC) E A BALEIA FRANCA: ONTEM, CENÁRIO DE EXTINÇÃO - HOJE, ÁREA DE PRESERVAÇÃO.
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IMBITUBA (SC) E A BALEIA FRANCA: ONTEM, CENÁRIO DE EXTINÇÃO - HOJE, ÁREA DE PRESERVAÇÃO

 

 

                                               Maria da Conceição Moreira Barreto Raimundo

Mestre em Educação e Cultura – UDESC: Universidade do Estado de Santa Catarina

                                                                                          cm.raimundo@yahoo.com.br

 

 

RESUMO

Trabalho desdobrado na cidade de Imbituba (SC), evidenciando sua trajetória histórica, promovendo reflexões com finalidade de preservar a baleia franca, uma das espécies mais abundantes em águas brasileiras e a proteção do meio ambiente através do Projeto Baleia Franca, APA da Baleia Franca, IBAMA, Leis e Decretos. O estudo sobre o tema denota a importância de desenvolver políticas públicas com finalidade de conscientização, educação e interpretação ambiental. Conhecer e proteger esse inestimável patrimônio é obrigação de todos.

 

Palavras-chave: Imbituba, baleia franca, extinção, preservação

 

INTRODUÇÃO

            O presente trabalho busca contextualizar a história de Imbituba (SC) para o cenário brasileiro no final do século XVIII, quando foi instalada, aqui, a Armação Baleeira por decisão da Coroa portuguesa, onde baleias de grande porte eram arpoadas quase semanalmente e eram rebocadas para os barracões, onde se procedia ao retalhamento e retirava-se a gordura para derreter em grandes caldeiras. O azeite apurado tinha dupla utilidade: era usada para iluminação pública, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo; utilizava-se também como argamassa destinada às construções de fortalezas e edifícios, oferecendo-lhes resistência semelhante ao cimento, inexistente na época. As barbatanas encontravam excelente mercado na França.

 

            Final do século XIX, a Coroa portuguesa decretou o fim dos monopólios, o advento do petróleo, mão de obra escassa, desperdício na Armação, apodrecimento de baleias apresadas à beira mar e modernização levaram a redução da pesca.

 

            Uma virada no século XX viabilizou a criação do Projeto Baleia que vem desenvolvendo atividades de educação e conscientização públicas, visando assegurar a sobrevivência da espécie em águas brasileiras e para proteger este importante ecossistema e as baleias francas, a criação da APA da Baleia Franca, Leis e Decretos. A cidade de Imbituba é reconhecida como principal berçário deste gigante mamífero marinho, presente na região durante o inverno e a primavera, mais especificamente de junho a novembro. E Imbituba tornou-se a “Capital Nacional da Baleia Franca”.

 

AS ARMAÇÕES BALEEIRAS    

Em relação à conjuntura econômico-social portuguesa, Felipe II, rei de Portugal e Espanha, na época da “União Ibérica” (1580-1640), concedeu aos biscainhos (habitantes da Biscaia, província Vascongola espanhola) o privilégio exclusivo da pesca da baleia em águas do Brasil. (PIAZZA, 1983).

 

Por estas razões, em 1602, o Capitão Pero de Urecha, de Biscaia e um grupo de biscainhos introduziram na Bahia a pesca da baleia e os portugueses e brasileiros iniciaram a atividade pesqueira. Daí por diante, passou a um monopólio da Coroa portuguesa, que incluiu esta atividade na economia do Brasil do século XVII ao XIX. Nas proximidades dos povoados marítimos coloniais do litoral baiano, fluminense, paulista e catarinense, foram construídos inúmeros entrepostos de pesca e manufatura do óleo das baleias, as armações (de armar pesca) com seu engenho de frigir ou fábrica, sua casa dos tanques para depósito de óleo, sua casa grande com móveis e utensílios, as casas dos feitores, as casas dos baleeiros, a capela com suas imagens, suas senzalas, os barcos e todo equipamento de pesca e de preparo do óleo da baleia.

 

Em paralelo com a instalação do governo da Capitania de Santa Catarina, apareceu no litoral o primeiro núcleo baleeiro e foram criadas seis armações: Piedade, Lagoinha, Itapocoróia, Garopaba, Imbituba e a da Ilha da Graça que foram cedidas a concessionários privilegiados. A atividade pesqueira foi grande e a renda dos contratadores era compensadora.

           

A pesca da baleia, segundo (ELLIS, 1969) foi a atividade que mais articulou economicamente a faixa litorânea e agregou um grande número de escravos, que representavam um investimento de capital para as armações. A mão de obra escrava era utilizada no trabalho da armação, na maior parte das atividades terrestres, enquanto os homens livres, às atividades marítimas, recebiam salário e uma importância correspondente ao alimento consumido ou comercializado.

 

As armações foram instaladas para legalizar uma prática lucrativa e a Coroa portuguesa outorgou o monopólio da pesca da baleia em águas catarinenses.

 

A instalação da Armação de Imbituba ocorreu em 1796, no distrito da freguesia de Sant’Ana de Vila Nova, junto à Ponta de Imbituba, com condições favoráveis à atracação de barcos e à pesca de baleia. Conforme relatos de (CABRAL, 1970), Imbituba era a terra capaz de comportar muitos milhares de moradores e, por isso, seria conveniente povoá-la. A sua lagoa era tão abundante de pescado, a vila era habitada por poucos moradores e anualmente saiam 3 a 4 embarcações carregadas de peixe salgado.

            A armação em Imbituba foi fundada por Pedro Quintela e João Ferreira Sola, os quais pagavam uma taxa de exploração à Coroa portuguesa. Os lucros eram compensadores. Baleias de grande porte eram arpoadas quase semanalmente e rebocadas para os barracões, onde se procedia ao retalhamento e retirava-se a gordura para derreter em grandes caldeiras. O azeite apurado tinha dupla utilidade: era usado para iluminação pública das poucas cidades brasileiras, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo; utilizava-se também argamassa destinada ás construções de fortalezas e sobrados, oferecendo-lhes resistência semelhante ao cimento, inexistente na época. As barbatanas encontravam excelente mercado na França.

 

Caça-povo

           

 

Figura 1 - Pesca da baleia na Armação de Imbituba/SC

 

            Iniciou o período contratual dos Quintela, que organizaram com outros sócios, inclusive Francisco Peres de Sousa, antigo concessionário, a Companhia da Pescaria das Baleias sob a direção do Marquês de Pombal, visando um desenvolvimento econômico para Portugal.

 

            A mão de obra escrava era empregada na Armação de Imbituba, assim como em todas as armações de Santa Catarina. Os homens livres recebiam, muitas vezes, ao final do período da captura da baleia, escravos como forma de pagamento. Além disso, o trabalho livre, segundo (ELLIS, 1969) afirma: a mão de obra era remunerada, recrutavam-na os administradores do Real Monopólio da Pesca da Baleia entre as populações litorâneas de pescadores e pequenos agricultores, estavam incluídos os açorianos, de ínfimo nível de vida, para vários misteres da armação, principalmente para tripular as lanças baleeiras nas lidas marítimas da pesca da baleia. No contexto, foram utilizados para proporcionar lucros aos detentores do monopólio português.

 

            Em tais circunstâncias, a indústria baleeira do Brasil Colônia, incluindo neste cenário a Armação de Imbituba, nem sempre recorreu ou pôde recorrer à prática de métodos de trabalhos essencialmente adequados e racionais, quer nas  pescarias, quer no manejo do toucinho e na apuração do óleo. As técnicas eram seculares, empíricas, obsoletas e antieconômicas, consolidadas pelo tempo e pelo uso, sempre manejadas por homens sem prática, feitores, apadrinhados, escravos, que imprimiam à indústria certas características de uma economia mal orientada, imprevidente e predatória.

 

A DECADÊNCIA DAS ARMAÇÕES

A Coroa portuguesa decretou, em 1801, o fim dos monopólios, devendo ser os escravos, fábricas e utensílios inventariados e postos à venda. Assim, as armações poderiam ser exploradas sem nenhum privilégio, mas com pagamento de direitos. Se não houvesse interessados, caberia a Fazenda Real controlar diretamente as armações, assinalando o que ocorreu em Santa Catarina. Como resultado, as Armações da Bahia foram vendidas, as do Rio de Janeiro foram abandonadas e segundo relatos de (CABRAL, 1970) somente as de Santa Catarina foram avaliadas em 176 contos e alguns réis, inclusive 526 escravos continuaram sob a administração da Fazenda Real.

 

Todavia, a administração era complicada, difícil, arriscada e as Armações de Imbituba e Garopaba foram arrematadas em 1829 por Antonio Mendes de Carvalho, que sofreram prejuízos e danos. Vendeu-as, por 20 contos, a Antonio Claudino e Manuel Francisco de Souza Medeiros. Estes registraram que os rendimentos foram reduzidos e, até 1851, estavam em dificuldades para efetuar o pagamento que deviam à Coroa portuguesa.

 

No período em que permaneceram sob a administração da Fazenda Real, as Armações Baleeiras sofreram um declínio da captura de baleias, devido à ineficácia administrativa e desorganização. As Armações de Garopaba e Imbituba acusaram déficit, os trabalhadores assalariados endividados, era o grande desperdício, pois, em época das safras abundantes, era comum o abandono nas praias de baleias apresadas que apodreciam à beira mar.

 

O advento do petróleo, em meados do século XIX, influenciava cada vez mais a atividade pesqueira. Antes da fabricação do querosene, nenhum produto conseguira concorrer efetivamente com o óleo da baleia. Na concorrência entre o produto animal e o mineral, venciam os derivados do petróleo, geradores de maior eficiência e menos dispendiosa iluminação, atingindo e abalando o cotidiano dos pescadores, obrigando-os a se encaixar em uma nova atividade econômica.

 

Em Imbituba, na praia do Porto, a atividade exploratória da pesca baleeira continuou após o declínio das outras armações. Atrelada às outras atividades, ela se desenvolvia. Diversos proprietários exploraram o barracão da baleia, sendo que um dos últimos foi o Sr. Domingos Costa, imigrante português, que iniciou a modernização da extração, com um sistema de autoclave, onde o óleo era retirado por altas temperaturas. Em 1956, vendeu para o Sr. Hermes Ksemodew, descendente de família alemã, industrial de Joinville. Este, por sua vez, ampliou as modernizações, introduzindo a pesca por meio de canhão, aumentando, assim, a probabilidade de acerto. O barracão não tinha empregados fixos, quando aparecia uma baleia é que contratavam pessoas para o serviço e o salário era conforme o tamanho da baleia. O óleo tinha destino certo, era vendido para a Indústria Química do Rio Grande do Sul e a barbatana era aproveitada apenas para a produção de agulhas destinadas a produzir redes de pesca, para uso local.

 

A pesca da baleia continuou até 1960, embora em menor escala, devido a redução drástica no número de baleias capturadas e a utilização cada vez reduzido de produtos oriundos desta atividade.

 

 

IMBITUBA: BERÇÁRIO DA BALEIA FRANCA

O litoral Sul do Brasil, especialmente a costa catarinense, é uma das áreas importantes do planeta para reprodução da Baleia Franca Austral, uma das espécies mais ameaçadas de extinção. Aqui é que as baleias francas veem ter seus filhotes, amamentá-los e se fortalecem para a longa jornada de volta às áreas de alimentação dos adultos, em direção à Antártica.

 

O Projeto Baleia Franca iniciou suas atividades em1982 com a redescoberta da população produtiva da espécie em Santa Catarina. Desde então, o Projeto vem desenvolvendo atividades de “educação e conscientização públicas”, visando assegurar a sobrevivência da espécie em águas brasileiras.

 

Para proteger este importante ecossistema e as baleias francas, foi criada a APA (Área de Proteção Ambiental), abrangendo 1.516.100 hectares adjacentes e conjuntos de dunas, praias e lagoas entre o Sul de Florianópolis e o Balneário Rincão, ao Sul do Cabo de Santa Marta. A responsabilidade desta Unidade de Conservação é regular as atividades humanas com a finalidade de preservar o equilíbrio de ecossistemas vários para o ciclo reprodutivo de espécies migratórias, como a baleia franca, além de proteger importantes áreas terrestres como costões rochosos, dunas, banhados e lagoas. Este santuário natural deve ainda servir de educação e interpretação ambiental.

 

Na APA da Baleia Franca, as operadoras dessa modalidade de turismo são obrigadas por lei a dar um caráter eminentemente educativo à atividade e manter registro atualizado no IBAMA e pela Lei Federal nº 7.643 de 1987 e pela Portaria do IBAMA nº 117 de 1996, que proíbem sua perseguição, captura e/ou molestamento intencional sob pena de prisão, multa e apreensão da embarcação. O Decreto Estadual nº171, de 06 de junho de 1995, declara como Monumento Natural do Estado de Santa Catarina a Baleia Franca “Enbalaerna Australis”. Protegidas, as baleias francas, que no passado foram mortas para sustentarem a economia de nosso litoral, são hoje mais importantes vivas, um inestimável patrimônio.

 

Atualmente, Imbituba, última estação baleeira do Sul do Brasil, possui um barracão na praia do Porto que foi restaurado para servir de Museu da Baleia, para contar a história das baleias na região, da extinção, à preservação e a praia da Vila, local de frequentes avistagens de baleias.

           

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Figura 2 - Museu da Baleia – Praia do Porto, Imbituba/SC

 

 

Após quatro séculos levou a espécie à beira da extinção. Seu reaparecimento motivou atividades de pesquisa, conservação, educação e conscientização, no sentido de garantir a recuperação populacional dessa espécie em águas brasileiras.

 


                                                           

Figura 3 - Baleia Franca em Imbituba/SC

Todo ano, durante o inverno e a primavera, mais especificamente de julho a novembro, estes fantásticos animais visitam o litoral de Imbituba em busca por águas mais quentes, ideais no período de acasalamento, procriar e amamentar seus filhotes. Conhecer e proteger esse inestimável patrimônio é obrigação de todos. Imbituba tornou-se a “Capital Nacional da Baleia Franca”. E a vida continua...

 

 


          

Figura 4 - Fachada da Prefeitura Municipal de Imbituba/SC

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            O presente trabalho evidencia Imbituba como uma das seis Armações Baleeiras no litoral catarinense, legalizando uma prática lucrativa, por isso a Coroa portuguesa outorgou o monopólio da pesca, estimulando atividades comerciais e os lucros eram compensadores.

 

            Início do século XIX, por motivos de ordem econômica e política, a atividade exploratória da pesca da baleia entrou em declínio, devido a redução drástica no número de baleias capturadas e a utilização cada vez mais reduzido de produtos provenientes desta atividade.

 

Para reverter esta situação, o Projeto Baleia Franca iniciou suas atividades em1982 com a redescoberta da população produtiva da espécie em Santa Catarina. Desde então, o Projeto vem desenvolvendo atividades de “educação e conscientização públicas”, visando assegurar a sobrevivência da espécie em águas brasileiras.

 

            Com perspectivas de proteção dos ambientes naturais à costa catarinense com a criação da área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, Leis e Decretos objetivando fazer desta região um berçário para as baleias, desenvolvendo atividades de “educação e conscientização públicas”, o turismo de observação das baleias, tornando uma das atividades econômicas sustentáveis.

 

            A cidade de Imbituba é reconhecida como o principal berçário deste gigante mamífero marinho, presente na região durante os meses de junho a novembro. As baleias francas têm corpo negro e arredondado, podem medir até 18 metros de comprimento e pesar 60 toneladas. Proteger este mamífero marinho é dever de todos.

           

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Lei Federal 7643. Brasília. 18/12/1987.

 

CABRAL, Oswaldo Rodrigues. História de Santa Catarina. Rio de Janeiro: Laudes. 1970.

 

ELLIS, Myriam. A Baleia no Brasil Colonial. São Paulo: Melhoramentos. 1969.

 

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Nacional. 27ª Ed. 1998.

 

PIAZZA, Walter Fernando. Santa Catarina: Sua História. Florianópolis: Ed. UFSC. 1983.

 

Ilustrações: Silvana Santos