Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 45) EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O ENSINO DE ECOLOGIA: O QUE MOSTRAM OS LIVROS DIDÁTICOS
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EDUCAÇÃO AMBIENTAL E O ENSINO DE ECOLOGIA: O QUE MOSTRAM OS LIVROS DIDÁTICOS

Sofia Oliveira de Barros Correia, Bacharel em Ciências Ambientais (UFPE);

sofiabarroscorreia@gmail.com.

 

RESUMO

O presente trabalho se caracteriza como um estudo das representações do termo ecologia em uma amostra de livros didáticos da rede pública do Recife. A pesquisa foi realizada partindo do princípio de que o termo ecologia assume diversas e difusas conformações de acordo com o discurso em que está inserido e, muitas vezes, o ensino da ciência Ecologia é confundido com a prática da Educação Ambiental. Além de se confirmar a presença desta confusão, foi visto que esta discussão não está presente nos livros didáticos da amostra de livros por este trabalho analisados e que a abordagem de problemas ecológicos não considera o contexto dos leitores.

Palavras chave: Ecologia; Representações; Educação Ambiental.

 

INTRODUÇÃO

No ano de 1997, as escolas brasileiras deveriam incluir a temática Meio Ambiente como tema transversal ao ensino formal. Fez parte do processo de institucionalização da Educação Ambiental a aprovação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PNCs) no Ensino Fundamental.

O Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) realizado por meio de monitoramento da presença da Educação Ambiental nas escolas brasileiras de Ensino Fundamental, registrou que no ano de 2001, 61,2% das escolas declararam trabalhar com Educação Ambiental; em 2004 este percentual subiu para 94%. As escolas afirmaram que a temática foi inserida no currículo através de projetos ou como disciplina específica (INEP, 2006).

A discussão sobre temas transversais e a inserção de uma disciplina de Educação Ambiental na rotina escolar são questionadas por aqueles que afirmam que esta Educação  deve ser realizada em um ambiente cognitivo que estimule a compreensão do ambiente por meio da interação entre as diferentes áreas do conhecimento escolar (interdisciplinaridade) que vá além da simples integração entre as disciplinas. O debate sobre temas transversais e uma disciplina de Educação Ambiental acabam por fortalecer a estrutura disciplinar de ensino, em que o aprendizado se confunde com a memorização de conceitos científicos.

Mauro Guimarães (2005), quando discorre sobre a prática da educação tradicional brasileira, afirma que esta

 

 

É presa ao conteúdo dos livros sem contextualizar em uma realidade socioambiental, podendo, portanto, ficar restrita à sala de aula ou a uma reserva ecológica, não estimulando a inserção dos indivíduos em um processo de intervenção crítica na realidade socioambiental. É uma educação bancária, conservadora, pouco apta a transformações sociais, conforme denunciava o Mestre Paulo Freire (GUIMARÃES, 2005, p. 101).

 

 

Não podemos declarar que as práticas da Educação Ambiental, nas escolas públicas brasileiras, possuem um caráter homogêneo. No entanto, sabemos que as aulas se diferenciam superficialmente ou estruturalmente, de acordo com princípios e valores que as norteiam. O que pode ser reprimido pelo espaço reduzido que o cumprimento de exigências curriculares impõe ao professor e ao aluno.

As práticas mais frequentes são aquelas baseadas no tripé reduzir / reutilizar / reciclar e no ensino de conceitos oriundos da Ecologia (ciência).  A popularidade dessas iniciativas lhes confere um caráter de "mais adequadas". No entanto, a adoção de uma prática como a "mais adequada" pode conduzir a escola à reprodução de atividades que não contemplam, por exemplo, os problemas da comunidade em seu entorno, suas possíveis soluções e formas de intervenção. Portanto, são atividades sem sentido, descontextualizadas.     

Dias (2004) adverte que a ingenuidade é grande quando se trata das atividades as quais os professores são estimulados a desenvolver e as intitula como “atividades reducionistas”, são elas: falar sobre a poluição, desmatamento, efeito estufa, catar latinhas e reciclar papel artesanalmente.

Além da observação sobre as “atividades reducionistas” discutidas, os  autores apontam que a Educação Ambiental, no Brasil, está sendo confundida com o ensino da Ecologia. Reigota (1997) parte do princípio de que a Educação Ambiental, como proposta, tem o potencial de alterar profundamente a educação, o que não corresponde a uma prática reduzida à transmissão de conhecimentos sobre ecologia.

Mello e Heemann (2002), em seu trabalho sobre formalismo e Educação Ambiental, citam Foladori quando discutem a epistemologia da Educação Ambiental:

 

          Mesmo que se acene para uma Educação Ambiental que promova o “desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos” (BRASIL, Lei 9.795, Art. 5º, I, 1999), pode-se perceber, no discurso oficial, uma postura que visa a utilização racional dos recursos naturais e “equipara Educação Ambiental com o ensino da ecologia, assumindo os problemas ambientais como essencialmente técnicos” (FOLADORI apud MELLO & HEEMANN, 2002, p.8).  

 

 

Além do problema da limitação da prática da Educação Ambiental ao ensino de conceitos da Ecologia, é pertinente a ênfase sobre a diversidade de significados que o termo ecologia assume de acordo com os discursos em que ele está inserido, o que torna o problema mais complexo. Os conceitos associados ao termo ecologia podem ser abordados de maneira superficial e descontextualizada e também podem estar associados a um conteúdo que não necessariamente esteja vinculado à ciência Ecologia, já que existem pensadores da ecologia que desenvolvem seus argumentos a partir de conhecimentos não-científicos, ou seja, que não se utilizam dos métodos de obtenção de conhecimentos que a ciência utiliza.

O estudo sobre as representações do termo ecologia em livros didáticos da rede pública da cidade de Recife é uma tentativa de identificar e discutir parte do problema e inspirar soluções, isso implica a dimensionamento da questão, conforme se pode observar em Rangel (1994) quando explica a importância da análise das representações em livros didáticos:

                                

Confirma-se, então, a importância do estudo de representações nos livros didáticos, observando-se o potencial de influência (nas percepções e ações coletivas) dos conceitos e imagens, que se expressam nos seus textos, “representando” e, portanto, intervindo na percepção e aceitação dos fatos (RANGEL, 1994, p.5)

 

A dimensão do problema é discutido por nós no momento em que analisamos dezenove livros didáticos de Ciências, Biologia e Geografia, dos Ensinos Fundamental e Médio, aqueles mais procurados pelos professores das escolas estaduais e municipais do Recife no ano letivo de 2007. Apesar da introdução de Parâmetros Curriculares Nacionais não abranger o Ensino Médio, os livros utilizados neste foram estudados com a intenção de verificar se dão continuidade às abordagens dos livros do Ensino Fundamental.

 

 

COLETA DE DADOS

 

A coleta de dados sobre os livros foi realizada com a ajuda das Secretarias de Educação do Estado de Pernambuco e do Município de Recife, nas quais há setores específicos para tal tarefa. Também foram consultados o sítio eletrônico do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e os guias dos livros didáticos dos Ensinos Fundamental e Médio, disponibilizados pelo Ministério de Educação (MEC).

            Os guias citados indicam uma lista de livros avaliados e fornecidos pelo MEC e pelas Secretarias de Educação, junto ao Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação. A partir desta lista o professor escolhe o livro que vai trabalhar em sala de aula.  Destaca-se a parceria desses órgãos com as Universidades Públicas do Brasil.          

O processo de avaliação dos livros é superficialmente esclarecido nos próprios guias. Os princípios e critérios de avaliação das coleções ou livros são expostos a partir da classificação dos mesmos, juntamente com as resenhas das obras.

            O lançamento dos guias é trienal, porém os estudantes do Ensino Fundamental recebem seus livros em períodos diferentes dos estudantes do Ensino Médio.

             Em relação às disciplinas, os livros são fornecidos pelo MEC através dos critérios abaixo mencionados:

           

Cada aluno do Ensino Fundamental tem direito a um exemplar das disciplinas de língua portuguesa, matemática, ciências, história e geografia, que serão estudadas durante o ano letivo. Além desses livros, os estudantes do primeiro ano recebem uma cartilha de alfabetização. No Ensino Médio, cada aluno recebe um exemplar das disciplinas de português, matemática, história, biologia e química. A partir de 2008, receberá, também, um livro de geografia e um de física (Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, BRASIL, 2008).

 

Os setores de livros didáticos das Secretarias Municipal e Estadual são responsáveis tanto pela distribuição dos livros escolhidos pelos professores para as escolas, quanto por quaisquer remanejamentos de livros, caso estes estejam sobrando em uma escola e faltando em outra.

Com o objetivo de analisar as abordagens e as representações do termo ecologia nos livros didáticos, procuramos responder às questões apresentadas abaixo:

 

- As diversas representações possíveis do termo ecologia estão sendo discutidas no conteúdo do livro?

- Em qual contexto a ecologia está sendo abordada?

- Os conceitos de ecologia apresentados nos livros estão de acordo com o contexto escolar brasileiro?

- Os livros discutem os problemas ecológicos causados pelo ser humano, sugerindo possíveis soluções para os problemas?

- As possíveis soluções para esses problemas ecológicos estão ao alcance do público leitor?

- A ecologia está vinculada, de alguma forma, à Educação Ambiental?

 

ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS

 

Foram analisados, em sua maioria, livros didáticos destinados aos professores (Manuais dos Professores). Foi possível obter informações, no próprio livro, de como os autores, em suas abordagens tradicionais, introduzem os temas transversais exigidos pelo MEC, sobre como deveriam ser tratados em sala de aula e sobre como avaliar o aprendizado.

            A Coleção Projeto Pitanguá: Ciências (DA CRUZ, 2005) é composta de quatro livros, de primeira a quarta séries. As unidades possuem glossário e seções que propõem atividades, jogos, livros, entre outras fontes de informação que abordam os temas transversais. Estes temas são Cidadania, Pluralidade Cultural, Saúde e Meio Ambiente. Os autores da coleção expõem suas intenções relacionadas à abordagem: tem o “objetivo de formar atitude e valores voltados para as chamadas virtudes cidadãs: o diálogo, a conscientização, o respeito, a responsabilidade, a tolerância e a solidariedade” (DA CRUZ, 2005, p.9).

A Coleção Projeto Pitanguá: Geografia (AOKI, 2005) segue o mesmo padrão de organização da coleção de ciências acima citada, no entanto a razão de abordar temas transversais se distingue da outra:

 

Acreditamos que a formação de atitudes de preservação ambiental é parte do exercício pleno da cidadania, pois a conduta antiecológica é incompatível com a consciência cidadã. Assim, desenvolver o respeito ao meio ambiente e levar à formação de uma consciência ecológica é um trabalho educativo imprescindível em qualquer disciplina” (AOKI, 2005, p.11).

 

            Da Coleção Porta Aberta: Geografia (Lima, 2005), foi analisado somente o livro da primeira série. Suas unidades trazem seções especiais para tratar de temas relacionados aos PNCs.

            Da Coleção Geografia (CASTELAR & MAESTRO, 2002), foi analisado o livro da sétima série. As unidades do livro possuem seções que, segundo os autores, se destinam ao aprofundamento e sistematização de conceitos que estão sendo discutidos. A seção Projeto “envolve conhecimentos e habilidades interdisciplinares e se relaciona aos temas transversais propostos nos Parâmetros Nacionais Curriculares” (CASTELAR & MAESTRO, 2002, p.14).

            Da Coleção Geografia (GARCIA & GARAVELLO, 2005), foram analisados os livros destinados aos estudantes de quinta a oitava séries. Os conteúdos das unidades são aprofundados através de textos complementares, em “boxes”. Há seções que propõe reflexões sobre os conteúdos. Na seção “Atividade”, os autores expõem o seu objetivo: “ procurou-se atender ao tripé de dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais” (GARCIA & GARAVELLO, 2005, p.4)”.

          Foram analisados os livros de quinta a oitava séries da Coleção Ciências (BARROS & PAULINO, 2002). Permeando as unidades do livro há pequenos textos que, segundo os autores, resumem ou enfocam assuntos do conteúdo abordado no capítulo. A seção “Para ir mais longe” é de enfoque e aprofundamento de conceitos. Já a seção “Desafios do Passado”, os autores se propõem a retratar conquistas científicas ou tecnológicas ocorridas no passado e “Desafios do presente”. Os autores declaram suas intenções: “retratar algum aspecto cotidiano do aluno, no âmbito científico, tecnológico ou social e instigar sua participação no encontro de alternativas para o problema abordado” (BARROS & PAULINO, 2002, p.5).

Do Ensino Médio, o livro Biologia: Volume Único (LOPES & ROSSO, 2002) traz o conteúdo principal dos capítulos permeados por pequenos textos de aprofundamento e esclarecimento de algum tema já abordado. Há seções que propõem questões para estudo, textos para discussão e testes. No Manual do Professor, os autores falam sobre a estrutura da obra: “atenção especial foi dada à abordagem evolutiva e ecológica, presente ao longo de todo o livro e não apenas nas respectivas unidades” (LOPES & ROSSO, 2002, p.11).

Em relação às representações do termo ecologia, a Coleção Ciências (BARROS & ROBERTO, 2002), no livro da 5ª série de título O meio ambiente, traz no seu primeiro capítulo o tema “Quanta vida na Terra”, a concepção de ecologia como ciência: “ecologia é a ciência que estuda as casas naturais, isto é, os diversos ambientes da natureza, incluindo as relações dos seres vivos entre si e com o ambiente”. (BARROS & ROBERTO, 2002, p.10).

Neste caso, o termo ecologia está inserido em um contexto global, no qual a natureza parece indefinida e distante do leitor que se encontra em um ambiente urbano, a cidade de Recife. A linguagem científica utilizada no trecho citado exige conhecimentos prévios sobre determinados conceitos e assuntos, como, por exemplo, a definição de ambiente, das relações entre os seres vivos, dentre outros conceitos que podem dificultar ainda mais a compreensão do leitor.

O livro da terceira série da Coleção Projeto Pitanguá: Ciências (BARROS & ROBERTO, 2002) possui quinta unidade intitulada “As relações ecológicas entre os seres vivos”. Nela a ecologia é relacionada à perspectiva de “natureza intocada”, além de ser concebida como um instrumento de estudo das relações entre os seres vivos. As relações ecológicas estudadas foram: predação, parasitismo, inquilinismo, protocooperação e mutualismo. Nesta mesma unidade, os ecossistemas são abordados de forma mais ampla, porém desconectada da questão humana, mas, de qualquer modo, os ecossistemas brasileiros são citados, o que já é um diferencial em si. A lacuna continua sendo o fato de o ser humano não integrar os estudos que referem a relação entre os seres vivos. Ou seja, as pessoas não são parte consistente da natureza, portanto tratar delas não seria conteúdo da ciência Ecologia.

O livro Biologia: Volume Único (LOPES & ROSSO, 2002), o primeiro capítulo se refere à Ecologia como uma subdivisão da Biologia. O trigésimo oitavo capítulo, “Ecologia: introdução, fluxo de energia e ciclo de matéria”, fala sobre a origem do termo ecologia e a sua definição como “estudo adequado para casa”. A ecologia como uma ciência que está em pleno desenvolvimento e que se torna mais importante por causa da interferência humana sobre os ecossistemas, mas mesmo assim, a prioridade não é uma discussão política em torno da ecologia.

Nos demais livros o termo não é definido, e outros conceitos científicos diretamente relacionados à ciência Ecologia são abordados superficialmente. Por exemplo, o livro da primeira série, da Coleção Projeto Pitanguá: Ciências  (BARROS & ROBERTO, 2002), não se remete ao termo ecologia, mas há discussão sobre os seres vivos e suas relações com o ambiente (água, luz, calor, solo).

O livro da segunda série desta mesma coleção, apesar do termo não possuir o termo, possui definições das expressões ambiente, adaptação ao ambiente e ambiente dos seres vivos. Nesta mesma unidade, são abordados os temas lixo, extinção e controle biológico.

            Sobre a abordagem de problemas e possíveis soluções, na coleção Projeto Pitanguá: Geografia (AOKI, 2005), na unidade “Ambientes ameaçados”, são tratados “Problemas ambientais na cidade”, como lixo, superpopulação, aumento de fábricas e veículos, aumento de fumaça e fuligem, poluição da água, poluição visual, sonora, presença de lixões. Nessa coleção, percebemos um avanço de visão social e política no trato com a ciência ecologia, em relação a outros livros analisados. O capítulo que referimos até indica soluções para os problemas que as pessoas enfrentam em decorrência do descontrole ambiental. A coleta seletiva, a reciclagem e a produção de adubo ou gás combustível são alguns dos caminhos sinalizados.

O livro da quarta série desta coleção, na quinta unidade, o texto “A preservação do rio é tarefa de todos nós”, fala sobre rios contaminados por esgoto doméstico, industrial e por produtos químicos da agricultura e do garimpo. Além disso, o texto fala sobre o uso inadequado e exagerado da água. O autor adverte sobre a necessidade de mudança de atitude em relação ao uso da água e à produção e destinação do lixo, como também ao tratamento das redes de esgoto e dejetos químicos.

A seção “Atividades” traz texto sobre hidrelétricas que aborda a inundação de áreas florestadas e consequente alteração do ecossistema. Não propõe solução. A sexta unidade expõe a devastação da Mata Atlântica como a maior devastação de vegetação brasileira e encaminha solução ou discussões mais amplas. Logo abaixo do assunto, há um quadro falando sobre a SOS Mata Atlântica que, segundo o autor, tem como objetivo preservar o que resta da mata e defender as comunidades que se sustentam dela, sem destruí-la. Na seção “Atividades” desse tópico, há um texto sobre a devastação dos manguezais, atribuindo-a ao crescimento urbano e industrial.

            Na oitava unidade, a seção “Meio Ambiente” fala sobre a exploração dos recursos naturais como decorrente da invenção de máquinas e do avanço tecnológico, que causa muitos problemas ambientais, principalmente em relação à exploração de recursos minerais.

             A nona unidade discute a exploração da riqueza da região Norte, que provoca desmatamento, erosão, queimadas e contaminação de rios. Atribui-se pouca intervenção prejudicial aos povos da floresta (indígenas, seringueiros, castanheiros e ribeirinhos “que se autodenominam assim”) e, às grandes empresas agropecuárias e extrativistas que atuam na região, “danos consideráveis”. A seção “Meio ambiente” deste tópico versa sobre a criação de reservas extrativistas como forma de conservação dos recursos naturais.

Sobre a região Centro-Oeste, na seção “meio ambiente”, associa-se ameaça de extinção de espécies do Cerrado e grande impacto ambiental às atividades agropecuárias, à exploração mineral e madeireira. Ressalta-se que o equilíbrio ecológico do Pantanal está sendo afetado também e que o turismo, o garimpo, a caça, a pesca e os agronegócios estão sendo praticados de forma inadequada e predatória. Não há sugestão de soluções.

Na Coleção Geografia (CASTELAR & MAESTRO, 2002), o livro da sétima série fala sobre os problemas no capítulo “A organização do espaço americano”. Neste capítulo há um mapa temático que associa áreas de extinção às áreas de biodiversidade. O capítulo “As diversas paisagens da América” possui tópico chamado “Ação antrópica”, que trata das novas formas de intervenção na natureza que a humanidade criou que resultou, rapidamente, em impactos negativos. Um dos exemplos mostrados foi um mapa com a vegetação original do continente americano ao lado de outro representando a ocupação humana e a descaracterização das áreas de florestadas. Atribui a destruição ao estabelecimento de áreas agrícolas e de criação de animais, além do crescimento das cidades e dos complexos industriais. Não sugere solução.

O mesmo capítulo, na seção “Projeto”, afirma que toda intervenção humana deve ser precedida de estudos para avaliar os impactos ambientais relacionados a ela e propõe estudo de mapas para a simulação de uma avaliação de impactos ambientais.

Nenhum dos livros faz abordagem sobre as diversas representações possíveis do termo ecologia, muito menos sobre conceitos não científicos relacionados ao termo. Como foi dito anteriormente, apenas três livros falam sobre a origem da expressão, restringindo a ecologia a uma ciência, um ramo da Biologia. Esta ciência estaria, teoricamente, encarregada de estudar as relações estabelecidas entre os seres vivos, bem como entre os seres vivos e o meio em que vivem.

            Sobre esse tipo de abordagem da ecologia, Marcelo L. Pelizzoli (2001) argumenta que ela divulga uma concepção precária da ecologia e da Educação Ambiental:

 

Ecologia seria um ramo da Biologia, e Educação Ambiental é o ensino dos e nos ecossistemas naturais e de sua relação com os homens. Esta é uma noção também capturada de Educação Ambiental e ecologia por muitos biólogos e acadêmicos que, desde as suas áreas técnicas, almejam cooptar o entendimento maior do que sejam os problemas ambientais e as suas soluções que devem exclusivamente pelas metodologias, abordagens e projetos tecnicistas. Há uma dificuldade aqui certamente em ligar as questões da ecologia com as necessidades dos indivíduos em suas comunidades, geografias e culturas próprias (PELIZZOLI, 2001, p. 73).

 

Percebemos que a Ecologia é representada sob um contexto global, deixando de tratar de aspectos particulares das cidades e do país dos leitores. O estudo das relações ecológicas é feito como sendo a exploração de uma natureza intocada. Os autores dos livros didáticos enfatizam a importância do estudo dessas relações para a preservação da natureza e não dos sujeitos.  O fato de a grande maioria dos livros adotados nas escolas brasileiras ser produzida em São Paulo pode explicar a ausência de discussão mais detalhada sobre diferentes realidades e ecossistemas existentes no Brasil. Novamente, a ecologia é abordada de modo precariamente conceitual e vago para que o leitor se identifique e se comprometa com ela.

Os trabalhos de Raquel Baptista (2005) e Michele Morimura (2006) expressam essas limitações dos livros didáticos, sugerindo aos autores locais um maior engajamento na produção de material didático que possa ser adotado nas escolas.

            Na realidade nordestina, dois ecossistemas muito importantes do ponto de vista ecológico e social, os Manguezais e os Brejos de Altitude, são abordados nesses livros de forma extremamente reducionista, a qual contém erros e omissões.

A abordagem sobre meio ambiente adotada pelos livros também se distancia da realidade dos leitores, por não inseri-los no processo de apropriação dos conhecimentos ecológicos, estes informados pelos cientistas como verdades absolutas.

As expressões utilizadas pelos autores em referência ao impacto negativo das ações humanas na natureza foram: impactos ambientais, problemas ambientais, desequilíbrios ambientais, desequilíbrios ecológicos e problemas ecológicos. Apenas um deles define o que é um desequilíbrio ecológico sem afirmar que o desequilíbrio pode ser causado, tanto direta como indiretamente, pela humanidade.

As demais expressões não são definidas, mas exemplificadas como lixo, poluição, desmatamento, etc. O aparente consenso de que tais expressões sejam sinônimas reprime possíveis reflexões sobre particularidades destas expressões. Elas aparecem, predominantemente, nas seções complementares dos livros, que são o principal instrumento de abordagem dos temas transversais (relacionados ao meio ambiente) para os organizadores das coleções que visam o cumprimento dos Parâmetros Nacionais Curriculares exigidos pelo MEC.

Apenas um dos livros analisados não aborda fatos que comprovem o impacto negativo das ações humanas sob os ambientes “naturais” e urbanos. Geralmente, os problemas abordados não são acompanhados de possíveis soluções. Muitas soluções são dependentes de um técnico e do acesso à tecnologia, porém esse acesso é restrito, nos contextos mundial e local, como afirma Leonardo Boff (2000):

 

Nos últimos tempos conseguiram-se tecnologias mais avançadas e menos predadoras, praticamente restritas aos países ricos. No sistema atual hoje mundialmente integrado, a tecnologia não é socialmente integrada, vale dizer, não produz benefícios para todas as sociedades, mas apenas para aquelas que detêm a produção técnico-científica, excluindo os demais ou cedendo-lhes as informações sob pesados tributos (royalties) (BOFF, 2000, p.103-104).

 

Mostrar os problemas causados pela humanidade aos ecossistemas e a ela mesma, sem sugerir soluções ou sugerindo, predominantemente, soluções que estão fora do alcance do estudante, pode dar abertura a uma compreensão de que o leitor é incapaz de interferir nessa realidade. As soluções que estão ao alcance do público leitor seguem um padrão, sem que haja uma reflexão sobre os contextos possíveis de suas realizações.

As soluções mais sugeridas pelos livros são: reduzir/ reutilizar/ reciclar, economizar água, separar o lixo para a realização da coleta seletiva e plantar árvores. Em relação a esse tipo de padronização de “atitudes ambientalmente corretas”, Pelizzoli (2001) se refere à noção de ecologia como verdismo e conservacionismo, que se restringe à proteção das árvores e dos animais. O autor argumenta que esta concepção de ecologia é uma construção midiática, que desloca a atenção da dimensão socioeconômica para a preocupação exclusiva com a estética natural e com as possibilidades de lazer em áreas naturais.

Dois livros analisados sugerem a mudança de modo de vida da humanidade e o estabelecimento de uma relação humana harmônica com a natureza como solução dos problemas "ambientais ou ecológicos". Contudo, os autores não explicitam como se dará essa mudança e não estimulam a reflexão do leitor sobre sua responsabilidade diante dessa mudança. Em nenhum dos livros a ecologia é diretamente vinculada à Educação Ambiental. Somente dois deles falam sobre programas de Educação Ambiental, porém sem caracterizá-los.

 Como foi dito na introdução, a Educação Ambiental não se realiza se a abordagem tradicional não for seriamente revista. Os conteúdos dos livros devem ser apresentados por meio de contextos locais nos quais o leitor esteja inserido e identifique sua realidade neles. Os saberes e concepções de mundo não científicos, culturais das regiões precisam ser abordados. Para identificar elementos que corroborem a tese de os livros carregam a noção de que a Educação Ambiental se realiza por meio do ensino de conceitos elaborados por cientistas ecólogos, foi investigado se os livros discutem problemas ecológicos causados pelo ser humano e se sugerem possíveis soluções para os problemas.

Todos os livros se referiram a problemas, desequilíbrios, impactos ecológicos causados pelos seres humanos à natureza e alguns sugerem soluções. Essa discussão parece equivaler à introdução de temas transversais, predominantemente presentes em “seções especiais” que, como já foi dito, foram destinadas ao trabalho desses temas.

Em relação à concepção de natureza passada pelos livros didáticos estudados, é necessária a inclusão de discussão sobre os métodos de estudo que a ciência utiliza para construir esta noção e como a ciência torna a natureza “perfeita”, exata, o que não corresponde à realidade. A natureza urbana, a natureza rural, a natureza domesticada e a natureza intocada devem ser abordadas, suas diferenças analisadas e suas relações observadas.

O impacto negativo do ser humano deve ser discutido de forma mais ampla, incluindo os conteúdos políticos e sociais relacionados a esses problemas. As soluções devem ser elaboradas pelos leitores no processo de compreensão dos conhecimentos apresentados nos livros e esta atitude deve ser estimulada por eles, como já vem acontecendo.

Sem dúvida, estes conhecimentos devem estar associados a um conteúdo prático que faça da reflexão a ação, fazendo valer o conceito de educação

 

[...] como um processo contínuo, gerador de reflexão e ação, que se   reflete em um crescimento mútuo do educador e do educando. Nesse processo educativo, o diálogo é a principal ferramenta para coibir as práticas autoritárias (CORREIA, 2008, p.13).

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A abordagem dos livros didáticos estudados se restringe a concepção do termo ecologia como um ramo das Ciências Biológicas. Este fato reflete uma tendência mundial à reprodução do discurso da necessidade urgente de preservação dos recursos naturais e da solução desta crise pela indústria científico-tecnológica.

O cumprimento dos parâmetros curriculares fortalece a estagnação do processo educativo como um processo de reprodução de conhecimentos que não contribuem com a transformação das realidades em que os leitores estão inseridos. Isto se o professor se limitar a transmitir o conteúdo do livro didático escolhido e não estimular um olhar crítico dos alunos sobre esses conhecimentos.

A partir deste estudo, fica claro que a abordagem sobre conhecimentos ecológicos nos livros se apresenta como uma tentativa de introdução da Educação Ambiental nas escolas públicas recifenses, ou seja, a Educação Ambiental está sendo confundida com o ensino da Ecologia (ciência), mesmo que não se apresente nestes livros uma relação direta entre Educação Ambiental e Ecologia.

Por fim, os livros não relacionam diretamente a Educação Ambiental à Ecologia, e isso restringe ou impede formas de Educação Ambiental em níveis que possam refletir uma transformação da realidade dos sujeitos e a correção dos danos ao ambiente.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BAPTISTA,Raquel .V.N. O ecossistema brejo de altitude e suas representações nos livros didáticos: uma contribuição pra programas de Educação Ambiental. 45f. Monografia (Bacharelado em Ciências Biológicas), Universidade Federal de Pernambuco, 2005.

 

BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres. 3ªed. São Paulo: Editora Ática, 2000.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Programas de livros didáticos. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2008.

 

CORREIA, Sofia Oliveira. KOURY, D. M. M. Representações de conceitos de Ecologia em uma amostra de livros didáticos da rede pública do Recife: Uma Reflexão para a prática da Educação Ambiental. Monografia (Bacharelado em Ciências Ambientais). Universidade Federal de Pernambuco, 2008.

 

DIAS, Gerebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9a ed. São Paulo: Gaia, 2004.

 

 GUIMARÃES, Mauro. Sustentabilidade e Educação Ambiental. In: CUNHA, Sandra Baptista(org); GUERRA, Antônio José Teixeira(org). A questão ambiental: diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, pp. 81-105, 2005.

 

MELLO, Lílian Medeiros de; HEEMANN, Ademar. Indagando sobre o formalismo na Educação Ambiental. In: ENCONTRO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM AMBIENTE E SOCIEDADE (ANPPAS), 2002, Campinas. Anais eletrônicos. Campinas, 2002. Disponível em: http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/sociedade_do_conhecimento/lilian%20medeiros%20de%20mello.pdf. Acesso em: 16 fev. 2008.

 

MORIMURA, Michele. M; KOURY, D. M. M. O Ecossistema Manguezal e suas representações em comunidades pesqueiras e em livros didáticos: uma contribuição para programas de Educação Ambiental. Monografia (Bacharelado em Ciências Biológicas). Universidade Federal de Pernambuco, 2006.

 

PNEA, Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental. Portifólio Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental. Série Documentos Técnicos. Brasília, nº7, 2006.

 

PELIZZOLI, Marcelo L. A emergência do paradigma sócio-ambiental: desafios filosóficos-éticos e civilizatórios. Revista Perspectiva Filosófica. Recife, v.8, jan./jun., pp. 69-88, 2001.

 

RANGEL. Mary. Representação e leitura crítica do mundo nos livros didáticos.  Brasília, ano 14, n.61, jan./mar., 1994.

 

REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1997.

 

LIVROS DIDÁTICOS ANALISADOS

 

AOKI, Virgínea. Coleção Projeto Pitanguá: Geografia (Manual do professor). 1ª a 4ª séries. São Paulo: Moderna, 2005.

 

BARROS, Carlos; PAULINO, Wilson Roberto. Coleção Ciências (Manual do professor); 5ª a 8ª séries. São Paulo: Ática, 2002.

 

DA CRUZ, José Luiz Carvalho. Coleção Projeto Pitanguá: Ciências (Manual do professor); 1ª a 4ª séries; São Paulo: Moderna, 2005.

 

CASTELLAR, Sônia; MAESTRO, Valter. Coleção Geografia (Manual do professor); 7ª série; São Paulo: Quinteto Editorial, 2002.

 

GARCIA, Helio Carlos; GARAVELLO, Tito Marcio. Coleção Geografia (Manual do professor); 5ª a 8ª séries; São Paulo: Editora Scipione, 2005.

 

LIMA, Mirna. Coleção Porta Aberta: Geografia (Manual do professor); 4ª série; São Paulo: FTD, 2005.

 

LOPES, Sônia; ROSSO, Sérgio. Biologia: Volume Único. São Paulo: Saraiva, 2005.

Ilustrações: Silvana Santos