Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 45) DESENVOLVIMENTO COM SUSTENTABILIDADE: A NECESSIDADE DE UMA ÉTICA PAUTADA NUMA RACIONALIDADE AMBIENTAL
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DESENVOLVIMENTO COM SUSTENTABILIDADE: A NECESSIDADE DE UMA ÉTICA PAUTADA NUMA RACIONALIDADE AMBIENTAL

 

Daniel Richardson de Carvalho Sena

Universidade Federal do Amazonas – UFAM

E-mail: daniel_rcs@hotmail.com

 

Resumo: Este artigo pretende refletir, tomando como base o pensamento de um grupo de autores, sobre os fundamentos de uma ética pautada no conceito de racionalidade ambiental. A ação humana no planeta em nenhum momento foi tão intensa e também nunca houve uma apropriação tão grande de seus recursos naturais. Além disso, a ideia de desenvolvimento sustentável é, na maioria das vezes, sinônimo de crescimento econômico, não contemplando questões sociais e ambientais. A partir da articulação de uma serie de conceitos como ethos, sustentabilidade e racionalidade ambiental seria possível propor uma conduta onde os propósitos econômicos não estivessem em primeiro lugar, mas sim, interagissem com os interesses sociais, políticos e ambientais, sendo possível a existência de um desenvolvimento realmente sustentável. É preciso, entretanto, que ocorra a construção de uma racionalidade alternativa, capaz de guiar nossas ações para que este processo realmente seja possível.

 

Introdução

Em toda a história nunca houve uma apropriação tão grande dos recursos naturais como nas ultimas décadas, a terra não suportará por muito tempo esse ritmo, pois ela possui um tempo de produção diferente do tempo de produção capitalista.  O sistema vigente busca a expansão do capital, sua eficiência produtiva é uma necessidade apesar de todos os problemas ambientais e sociais que acarreta.

A questão ética, ou seja, a maneira como o ser humano conduz suas ações na terra é o ponto central desta discursão, pois, a relação entre as práticas capitalistas e o ambiente envolve, necessariamente, uma discussão sobre pressupostos éticos. O que ameaça a sustentabilidade é o ecossistema, ou seja, o uso predatório da base material põe em risco o futuro da humanidade e da própria vida no planeta.

 Assim, este breve escrito propõe uma reflexão, tomando como base o pensamento de um grupo de autores como Lima Vaz, Leonardo Boff, Ignacy Sachs, Andry Stahel e Enrique Leff, sobre os fundamentos de uma ética pautada no conceito de racionalidade ambiental, onde mudanças estruturais precisam ocorrer para que este processo realmente seja concretizado. A partir da articulação de conceitos como ethos, sustentabilidade e racionalidade ambiental seria possível propor uma conduta onde os propósitos econômicos não estivessem em primeiro lugar, mas sim, interagissem com os interesses sociais, políticos e ambientais, gerando de fato um desenvolvimento sustentável.

 

Ethos: A morada humana

            A Ética é a ciência que trata da conduta humana, ou a parte da filosofia que investiga a moral. Ela seria, assim, uma reflexão que busca encontrar princípios e valores capazes de nortear as práticas humanas dentro de uma sociedade, tendo por finalidade o bem comum e a justiça.

            A palavra ética tem origem na língua grega, derivada da palavra étike, que diz respeito a um saber, no caso um saber prático. Porém, este termo, por sua vez, é uma transliteração de outra palavra, ethos. Esta palavra era utilizada pelos gregos da antiguidade com duas grafias diferentes. Ethos escrito com a letra eta no início possuía o significado de morada, a casa do ser humano. Além disso, significava também o caráter, o jeito de ser, o perfil das pessoas que habitam esta casa.

            Entretanto, a palavra ethos também poderia ser escrita com a letra épsilon no início, que daria significado de hábito e costume. 

            Dessa maneira, o ethos é a casa, a morada do ser humano. Segundo Leonardo Boff (BOFF, 2003, p. 38) “o ethos como morada não deve ser entendido fisicamente, isto é, como as quatro paredes e o teto, mas existencialmente”.  Por sua vez, Lima Vaz, afirma que “o homem habita sobre a terra acolhendo-se ao recesso seguro do ethos” (LIMA VAZ, 1988, p.12), ou seja, o ethos é um abrigo protetor, onde o ser humano é acolhido e o espaço do mundo torna-se habitável. É no ethos onde a individualidade, a maneira de ser de cada indivíduo se constrói baseada em costumes que fazem parte do cotidiano de um determinado lugar e que, por força do hábito, tendem a se repetir e servir de base para a ação de um grupo, construindo-se, desta forma, valores que servirão como norteadores de conduta.

Os maiores problemas que envolvem a questão da ética se ligam à impossibilidade desta contemplar a universalidade e a necessidade, isto é, que seja válida em todo lugar e em qualquer época, já que os valores que norteiam a conduta de determinado grupo são restritos a estes e também são mutáveis no tempo.

O momento presente encontra-se marcado por uma profunda crise de valores. A palavra crise, não significa, necessariamente, algo negativo, mas sim, um momento de mudanças onde há a necessidade de tempo para que haja equilíbrio e compreensão desse novo devir.  No último século (XX) a humanidade passou por mudanças nunca vistas antes em nenhum momento da história. O dinamismo nos meios de transporte, a vasta informação, o enorme desenvolvimento das comunicações e o desenvolvimento tecnológico afetaram diretamente a relação entre as pessoas em seu cotidiano. Esse turbilhão de acontecimentos contribuiu para uma mudança na forma de compreendermos e de interagirmos com a realidade.

Segundo Lima Vaz,

A transposição metafórica do ethos para o mundo humano dos costumes é extremamente significativa e é fruto de uma intuição profunda sobre a natureza e sobre as condições de nosso agir (práxis), ao qual ficam confiadas a edificação e preservação de nossa verdadeira residência no mundo como seres inteligentes e livres: a morada do ethos cuja destruição significaria o fim de todo sentido para a vida propriamente humana (LIMA VAZ, 1999, p.13).

            Essa ideia a respeito da ética como morada, como a casa do ser humano é de suma importância para refletirmos sobre os rumos da humanidade numa cultura pautada no consumismo e na apropriação dos recursos naturais, que não respeita a biodiversidade, nem se preocupa com as futuras gerações. Além disso, hoje há o imprescindível imperativo de mudarmos os nossos hábitos como a única maneira de revertermos a situação em que se encontra nossa casa.

Nesta perspectiva, o planeta terra ou a própria natureza não é vista como mero objeto a ser utilizado e transformado pelo ser humano na busca de suprir suas necessidades, mas como um sistema complexo, onde suas partes interagem com o todo de forma harmônica.

A terra também é chamada de gaia, uma referencia a divindade grega. Segundo James Lovelock, gaia é “um sistema em evolução, constituído por todos os seres vivos e seu ambiente na superfície terrestre” (LOVELOCK, J, 2006, p.12).  Ou seja, gaia seria um sistema autorregulado, onde o clima e demais fatores interagem automaticamente através dos tempos e das mudanças que ocorrem. Essa hipótese de gaia, isto é, da terra ser vista como um organismo vivo, independente da vontade humana, é um argumento que deve ser levado em conta.

James Lovelock afirma que a hipótese de gaia “tornou-se possível graças aos novos conhecimentos a respeito da terra obtidos a partir do espaço e das investigações a respeito da superfície da terra, dos oceanos e da atmosfera, durante décadas” (LOVELOCK, J, 2006, p.12). Esse desenvolvimento tecnológico nos permite ampliar nossa visão e enxergar a realidade de forma não fragmentada. Assim, essa visão do planeta terra, segundo o autor deve ser essencialmente fisiológica, ou seja, devemos compreender nossa morada semelhante ao funcionamento de um organismo vivo, um sistema integrado e não de suas partes separadas.

A ação humana neste organismo, nesta casa ou nesta nossa morada comum, em nenhum momento da história foi tão intensa e também nunca houve uma apropriação tão grande de seus recursos naturais. Desse modo, a ideia da terra como morada do ser, deve ser pautada por uma ética não apenas pessoal, mas planetária, onde é necessário haver esforços coletivos para a conscientização e para a realização de ações capazes de englobar os vários segmentos sociais, o poder político, os alinhamentos econômicos e também todo o aparato tecnológico-científico que dispomos.

  Somos sensíveis aos pequenos assuntos que nos afetam diariamente, porém, questões maiores, muitas vezes sequer são percebidas. Nossa visão imediatista nos impede de antever problemas iminentes.  O comprometimento com as futuras gerações e com a natureza se apresentam como um imperativo categórico.  Segundo Ignacy Sachs,

à “ética imperativa da solidariedade sincrônica com a geração atual somou-se a solidariedade diacrônica com as gerações futuras e, para alguns, o postulado ético de responsabilidade  para com o futuro de todas as espécies vivas na terra. Em outras palavras, o contrato social no qual se baseia a governabilidade de nossa sociedade deve ser complementado por um contrato natural” (SACHS, 2008, P. 49).

 A terra se encontra doente. Como não destruir a morada do ser, sendo esta finita em seus recursos? Está é uma questão que o ser humano não pode mais adiar, pois envolve sua própria existência e também a dos demais seres.

Capitalismo e sustentabilidade

Na ultimas décadas a humanidade tem expressado grande preocupação em relação a temas como preservação de recursos naturais, crescimento populacional, aquecimento global, consumo e desenvolvimento sustentável. É possível encontrar referencias a esses temas praticamente todos os dias e nos mais diferentes meios de comunicação. As soluções para esses problemas, porém, parecem ainda bem distantes de efetivamente acontecer, devido, principalmente à complexidade que envolve estas questões e o cenário atual.

Dentre os vários temas citados anteriormente, o conceito de desenvolvimento sustentável se apresenta como uma dos mais discutidos, principalmente por envolver questões econômicas, sociais e ambientais. Sua definição mais conhecida é a que trata o desenvolvimento sustentável como aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Essa definição, entretanto é bastante simplória e repleta de contradições. A ideia de desenvolvimento sustentável, na maioria das vezes, é um sinônimo de crescimento econômico, sendo este discurso uma prática corrente entre os governos.

Segundo Andri Stahel,

Ao buscar-se um desenvolvimento sustentável hoje está-se, ao menos implicitamente, em um desenvolvimento capitalista sustentável, ou seja, uma sustentabilidade dentro do quadro institucional de mercado. No entanto, não se colocando a questão básica quanto à própria possibilidade de uma sustentabilidade, o conceito corre o risco de tornar-se um conceito vazio servindo apenas para dar uma nova legitimidade para a expansão insustentável do capitalismo (STAHEL, 1995, p. 104).

A discursão sobre o desenvolvimento sustentável deve ir além do ponto de vista do sistema industrial capitalista, ela deve abranger além dos aspectos do crescimento econômico e produtivo, questões envolvendo o desenvolvimento social e a conservação ambiental, levando também em consideração o contexto politico, visando à manutenção e a sobrevivência da diversidade de formas de vida na terra, bem como da base material de recursos. Além disso, os acordos de natureza politica sobre o que é desenvolvimento, em grande parte não tratam das causas reais do problema ambiental. A atual crise ambiental é uma crise da razão e o problema é mais sério que o proposto nos encontros internacionais.

 Para ilustrar a insustentabilidade do modo de produção capitalista, o conceito de entropia parece ser um ótimo exemplo. Este conceito oriundo da física é utilizado para indicar “um movimento irreversível, unidirecional e para uma mudança qualitativa” (STAHEL, 1995), ou seja, a utilização dos recursos naturais da maneira como a produção capitalista procede quebra o ciclo da natureza, causando uma mudança onde a matéria não se conserva, mas se transforma e torna-se não utilizável. Essa alteração de ordem qualitativa leva a matéria a um movimento irreversível. A entropia se refere à degradação e ao desgaste de energia em todo processo produtivo, ou seja, da perda de energia utilizável para produzir. Esse princípio pode ser interpretado como uma medida de desordem no sistema.

O homem produz a entropia historicamente. Porém, em nenhum outro momento da história se utilizou uma quantidade tão grande de recursos. O que ameaça a sustentabilidade é o ecossistema, a base material, seus recursos e alimentos, pois o planeta passa pelo esgotamento profundo dos seus recursos naturais.               

A terra não suportará por muito tempo este ritmo produtivo, oriundo do modelo hegemônico, pois ela possui um tempo de produção diferente do tempo de produção capitalista. É necessário que o modo de vida humano esteja em sintonia como o tempo no qual a natureza precisa para realizar seu ciclo, ou seja, deve existir harmonia do uso da base material com o tempo ecológico.

 O modo de produção capitalista busca sempre a expansão do capital e visa á eficiência produtiva, o que é um imperativo, apesar dos problemas ambientais e sociais que isso causa. Assim, de acordo com essa lógica, deve-se acumular, produzir e apropriar-se cada vez mais da base material. À medida que a sociedade capitalista avança ela aumenta o desenvolvimento tecnologico e prescinde de força de trabalho, gerando o desemprego estrutural, devido sua lógica iminente. Isso ocorre em todos os sistemas onde o capitalismo está presente em diferentes graus.

Boff , acerca da conduta hegemônica na atualidade, reflete:

Restringimo-nos à mais vigente e hegemônica hoje, á ética e á moral capitalista. A ética capitalista diz: bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em meno         tempo possível. A moral capitalista concreta reza: empregar menos gente possível, pagar menos salários e impostos e explorar melhor a natureza para acumular mais meios de vida e riqueza (BOFF, 2003, p. 41).

            Esse tipo de ethos é insustentável pela sua própria natureza, pois além de acumular, explorar o trabalhador e perpetuar a desigualdade, ele se apropria dos recursos do planeta que são um direito de todos.

Ignacy Sachs observa que o “uso produtivo não necessariamente precisa prejudicar o ambiente ou destruir a diversidade, se tivermos consciência de que todas as nossas atividades econômicas estão solidamente fincadas no ambiente natural” (SACHS, 2008, P. 32). Esse tipo de pensamento deveria permear a conduta de nossa sociedade, pois nos encontramos numa verdadeira encruzilhada civilizatória, onde é a própria existência que esta em jogo. É necessário haver um desenvolvimento comprometido não apenas com os interesses do modo de produção dominante, mas com o bem estar e com a dignidade das pessoas, tentando atenuar as diferenças sociais e erradicar a miséria.

Para isso, no entanto, a questão política se torna de primeira ordem. Ela é importante para recuperar a dimensão qualitativa do desenvolvimento. É necessária a construção de uma nova cultura politica onde as prioridades do planeta e da humanidade se contraponham aos interesses do sistema vigente. Por meio de uma visão sistêmica da realidade, pautada do planejamento e numa visão de futuro, seria possível enfrentar os problema econômicos, ambientais e sociais em toda a sua complexidade. Esse tipo de governo deve ser mais participativo, capaz de se relacionar com a sociedade civil. Porém, esta mudança estrutural deve necessariamente passar por uma mudança na forma de pensar, ou seja, é preciso também a construção de uma nova racionalidade.

 

A Racionalidade ambiental

            O escritor mexicano Enrique Leff utiliza o conceito de Racionalidade Ambiental como uma alternativa à crise civilizatória em que estamos imersos.  Crise, esta, oriunda da degradação ambiental proveniente do modo de produção capitalista. A racionalidade ambiental “aponta para um conjunto de mudanças institucionais e sociais necessárias para conter os efeitos ecodestrutivos e assegurar um desenvolvimento sustentável” (LEFF, 2001, p.124).  A construção deste conceito se reporta a Max Weber, pensador de origem alemã.

            Segundo Weber, existem três tipos de racionalidades, a racionalidade formal-teórica, que se relaciona com a ciência na constituição do aparelho conceitual para compreender o mundo e se materializa em diversas esferas da vida social; a racionalidade instrumental, que se relaciona aos meios e fins, ou seja, possui uma finalidade pragmática; e a razão substantiva, ligada á pluralidade cultural e á diversidade do mundo. Essas três dimensões encontram-se imersas na ordem social, são modos dos sujeitos agirem a partir de sua racionalidade.

             Henrique Leff busca articular a racionalidade ambiental, também chamada de racionalidade produtiva alternativa com a análise sociológica. Nesta articulação as várias racionalidades de Weber se inter-relacionam, ou seja, não existe uma hierarquia de fins entre elas. Leff afirma que

o conceito de racionalidade em Webber abre importantes perspectivas para a análise da problemática ambiental (...) porque permite pensar de maneira integrada os diferentes processos sociais que dão coerência e eficácia aos princípios materiais e aos valores culturais       que organizam uma formação social ambientalmente sustentável (LEFF, 2001, p.122).

            Weber, na ótica de Leff, vê a possibilidade de, no estudo da racionalidade, haver uma abertura para a análise da diversidade cultural que engloba a racionalidade ambiental. Dentro desta diversidade existiriam motivações e forças capazes de operar mudanças estruturais para uma construção de valores ambientalistas.

             Assim, racionalidade deve ser entendida como um sistema de valores, normas, meios e fins para uma construção teórica em torno de uma questão, no caso, a sustentabilidade. Embora este conceito, o de racionalidade ambiental, esteja em construção, ou ainda não acabado, ele possibilitaria uma sistematização de saberes ambientais capazes de mobilizar processos e ações concretas para a criação de padrões alternativos de produção, consumo, estilo de vida e até de uma ética, ou de uma estética existencial comprometida com o ambiente.

            Segundo Leff, a racionalidade ambiental seria uma pratica social e cultural diversa e heterogênea:

Uma racionalidade ambiental não é expressão de uma lógica, mas o efeito de um conjunto de práticas sociais e culturais diversas e heterogêneas, que dão sentido e organizam os processos sociais, por intermédio de certas regras, meios e fins que ultrapassam as leis da estrutura de um modo de produção (LEFF, 2001, p. 125).

            A racionalidade ambiental questiona a civilização moderna. A sociedade capitalista gerou um crescente processo de racionalização formal e instrumental, que moldou todos os ambitos da racionalidade. Porém existem espaços, ou seja, espécies de rachaduras, para se pensar e agir de forma diferente.

            Sabemos que o paradigma capitalista é hegemônico e que a racionalidade ambiental ainda esta em formação, desse modo, é preciso que sejam criadas as formas de consolidação deste novo paradigma. Leff propõe quatro premissas para a consolidação de uma nova racionalidade:

A formação de uma consciência ecológica ou ambiental, a transformação democrática do Estado que permeia a participação direta da sociedade e das comunidades na autogestão e cogestão de seu patrimônio de recursos, a reorganização transetorial da administração pública          e a reelaboração interdisciplinar do saber (LEFF, 2001, p.126).

            Essas premissas expressam as diversas instancias que permeariam essa maneira de pensar e de agir: a subjetiva, a pública, a social e a do conhecimento. Estas instancias se articuladas, possibilitariam a construção de uma nova realidade. Porém, é no campo práxis, ou seja, na união de teoria e prática, que os homens devem atuar para a construção de uma racionalidade ambiental.

            O processo em que estamos imersos é dominado por uma racionalidade formal e instrumental, isto é, uma racionalidade capitalista. Segundo Leff, a racionalidade ambiental é por natureza antagônica, se constitui mediante a articulação de quatro níveis de racionalidades: a substantiva, a teórica, a técnica e a cultural. Ela é uma alternativa ao processo hegemônico vigente.

            A racionalidade substantiva seria

o sistema axiológico dos valores que normatizam as ações e orientam os processos sociais para a construção de uma racionalidade ambiental fundada nos princípios de um desenvolvimento ecologicamente sustentável, socialmente equitativo, culturalmente diverso e politicamente democrático (LEFF, 2001, p.130);

A racionalidade teórica é a

que constrói os conceitos que articulam os valores da racionalidade substantiva  com os processos materiais que dão suporte a uma racionalidade produtiva fundada numa produtividade ecotecnológica e um potencial ambiental de desenvolvimento (LEFF, 2001, p.130);

A racionalidade técnica é a

que produz os vínculos funcionais e operacionais entre os objetivos sociais e as bases materiais do desenvolvimento sustentável por meio de um sistema tecnológico adequado, de procedimentos jurídicos para a defesa dos direitos ambientais e de meios ideológicos e políticos que legitimem a transição para uma racionalidade ambiental, incluindo as estratégias de poder do movimento ambiental(LEFF, 2001, p.130);

E a racionalidade cultural seria

um sistema de significações que produzem a identidade e a integridade interna das diversas formações culturais, que dão coerência a suas praticas sociais e produtivas; estas estabelecem a singularidade de racionalidades ambientais heterogêneas que não se submetem a uma lógica ambiental geral e que cobram sentido e realidade no nível das ações locais(LEFF, 2001, p.130).

Esses quatro níveis de racionalidade articulados constituem a base da racionalidade ambiental, isto é a construção da racionalidade ambiental seria um processo de envolve diferentes instâncias, lhe conferindo legitimidade em relação ao uso e transformação da natureza, bem como seu melhor aproveitamento.

            Leff afirma que a racionalidade ambiental “implica numa ‘outra razão’, que parte da critica da racionalidade tecnológica e do cálculo econômico, que conformam o instrumental da civilização moderna orientada pelos princípios do lucro, da eficiência e da produtividade imediatas” (LEFF, 2001, p. 136). A racionalidade ambiental consequentemente situa-se numa outra razão, numa critica à racionalidade tecnológica  e economicista. Ela, em seu projeto, também propõe incorporar demandas populares de participação contra a desigualdade, a marginalização e a exploração que são geradas pelos processos econômicos e políticos.

A racionalidade capitalista é marcada por uma grande dose de irracionalidade, pois ela não respeita os limites da gaia. Para se contrapor a isso é necessário a racionalidade ambiental ou racionalidade alternativa. Essa racionalidade busca incorporar novas possibilidades para se pensar o mundo. Uma racionalidade que seja inclusiva, como o antagonismo da exclusão, capaz de contemplar tanto a diversidade biológica, quanto a sócio-diversidade. Porém, com foi expresso anteriormente, é no campo na práxis, ou seja, na união da teoria e da prática, que os homens devem agir na racionalidade ambiental. A questão ética esta presente para a materialização desta forma de pensar e de agir, permeando a atuação politica, os movimentos sociais e as ações individuais.

 

Considerações Finais

A atual crise ecológica pode ser vista como um sintoma de crise na cultura ocidental. Há, portanto, a necessidade de se refletir sobre os valores que sustentam essa cultura e pensar numa ética que rejeite a exploração, o consumismo e a exaltação da produção como um fim em si mesmo, pois não há futuro em longo prazo para uma sociedade consumista que age de maneira predatória em relação aos seus recursos naturais, nem trata de suas reais prioridades. A questão ética está, assim, na base da questão vida versus morte, se a humanidade não operar uma profunda mudança de conduta, nosso futuro comum estará comprometido.

A exploração predatória do meio ambiente não pode ser impedida com a simples imposição da ideia de intocabilidade ou contenção do uso de recursos naturais. É preciso a intervenção de ações politicas capazes de unir a inclusão social e o desenvolvimento econômico. Além disso, não é mais possível almejarmos o utópico retorno a um passado remoto, onde o ser humano vivia em absoluta harmonia com uma natureza intocada. Pois, o caminho no qual está inserida a humanidade não permite retorno a esse tipo de realidade. Assim, todo o sofisticado aparato técnico do qual o ser humano faz uso deve ser um aliado na busca por soluções aos problemas ambientais, sociais e econômicos. Um desenvolvimento realmente sustentável será possível por meio da articulação de produtividade, ecologia, tecnologia e cultura e no respeito à diversidade.

A educação das novas e futuras gerações possui uma posição de extrema relevância neste processo de mudança de pensamento e de atitudes, pois é através dela que será possível construir uma forma de pensar pautada numa racionalidade alternativa ao modelo hegemônico, além de promover conhecimentos dos problemas ligados ao ambiente, vinculando-os a uma visão global, onde ambiente e sociedade encontrem-se intimamente associados.    

Referências Bibliográficas

BOFF, Leonardo. Ética e Moral: A Busca dos Fundamentos. Petrópolis, Vozes, 2003.

LEFF, E. Pensamento sociológico, racionalidade ambiental e transformação no conhecimento. In: LEFF, Epistemologia ambiental. Trad. Sandra Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2001.

LIMA VAZ, Henrique Claudio, Ética e Cultura. Escritos de Filosofia II. São Paulo, Loyola, 1988.

LIMA VAZ, Henrique Claudio. Escritos de Filosofia IV: Introdução à Ética Filosófica. São Paulo, Loyola, 1999.

LOVELOCK, James. Prefácio: algo de sórdido na estufa e Introdução. IN: LOVELOCK, J. Gaia: cura para um planeta doente. Trad. Aleph Teruya Eichemberg e Newton Roberval  Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006.

SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. 3. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

STAHEL, Andri Werner. Capitalismo e entropia: os aspectos ideológicos de uma contradição e a busca de alternativas sustentáveis. In: CAVALCANTI. C. (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável: São Paulo: Cortez, 1995.

 

Ilustrações: Silvana Santos