Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 45) DE HUMANOS A MÁQUINAS
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sapateiro cópia.jpgDE HUMANOS A MÁQUINAS

 

Eduardo Beltrão de Lucena Córdula

 

Especialista em Educação; Licenciado em Biologia; Pesquisador do GEPEC-GEPEA da UFPB/CE. e-mail: ecordula@hotmail.com

 

 

 

Um homem bem sucedido morava no país das renovações e possuía uma fábrica de calçados na cidade da luz.

Sua fábrica produzia todos os tipos de calçados que se possa imaginar: botas da criatividade, chinelos da tranqüilidade, sapatos de sabedoria, tamancos do amor, saltos altos da ética e assim por diante. Todos os operários da sua fábrica eram felizes, trabalham com hombridade e amavam o que faziam. Todos os dias transbordavam muita alegria naquele local, e a fábrica como conseqüência tinha uma produção Recorde todos os anos. Pelo carinho, amizade e atenção que o empresário dava aos seus subordinados, todos dizem: este é humano!

Este humano tinha todo cuidado com a origem das matérias primas para a fábrica. Pensava muito na comunidade, natureza e no meio ambiente. E, após dois anos com modestos lucros, as coisas começaram a mudar dentro de seu coração, da sua alma e na sua humanidade.

Houve um aumento na procura de seus produtos, aumentando consequentemente os lucros. Apareceu uma concorrência desleal e desumana e, como todo ser humano, o empresário tornou-se ganancioso e queria sempre alcançar patamares de produção maiores todos os meses, cobrando exageradamente dos seus funcionários.

No setor de criação todos estavam esgotados, sem idéias e nada o satisfazia. No setor de produção nem se fala. Todos estavam cansados e, quando menos esperavam, convocou uma reunião com todos da fábrica.

Em suas duras palavras, colocou todos os funcionários na berlinda, afirmando e intimidando-os para produzirem cada vez mais ou seus dias como empregados daquela empresa estariam contados. Indagou em voz alta: “vocês são minhas máquinas, trabalhem!”.

Lógico que todos se apavoraram, o empresário queria o suor, o esforço, as lágrimas e o sangue dos seus funcionários. Muitos se desesperaram, estavam em situação de estresse, outros começaram a entrar em depressão e as doenças psicossomáticas começaram a surgir. Não queriam mais estar naquela situação humilhante e desgastante. O salário não mais valia a pena, e todos começavam individualmente chegar à mesma conclusão coletiva: pedir demissão!

Individualmente, um por um começaram a pedir demissão da empresa. Bastou o primeiro ir ao RH e a notícia se espalhar, que aos poucos a fábrica foi perdendo sua mão de obra, seu coração. E na cidade, não se falava de outra coisa. Sendo assim, nenhum cidadão se candidatou mais as vagas disponíveis naquela empresa.

O empresário arrogante, não ligava se seus empregados estavam indo embora, pois acreditava cegamente que eles é que precisavam dele. Mas em verdade, a verdade era outra. Os setores da fábrica foram fechando e a produção terminou em menos de um mês.

O empresário tentou trazer pessoas de outras cidades, mas em vão, pois sua fama o precedia e seu negócio faliu. Seu lucro à custa da felicidade dos funcionários acabou logo e teve que vender imóveis, terras, bens dos mais diversas tipos. Acabou em alguns anos se mudando de bairro, indo morar junto daqueles que havia humilhado e explorado. Se tornou um empregado, assalariado, vivendo do suor de seu esforço físico, da labuta diária e desgastante do dia-a-dia.

O empresário, agora empregado, se arrependeu de tudo o que havia feito. Havia ele, perdido a sua dignidade humana, seu amor próprio, sua ética, polidez, honestidade, fraternidade e sua humanidade. Foi corrompido pela ganância e, agora, três anos depois, sentia na pele a vida difícil de ser trabalhador. Arrependeu-se ter trocado a felicidade das pessoas que estavam a sua volta, por bens materiais. Não cultivou as boas relações pessoais, não protegeu os recursos naturais da sua cidade. Envergonhado, chorava todas as noites por longos meses seguidos, até que um dia, encontrou um novo destino em sua vida, ao andar pela praça central da cidade, viu surgir na primavera uma ilha de flores de esperança, que perfumaram seu passeio solitário e colocaram luz em sua vida, mostrando que ele poderia contribuir de alguma forma com tudo de errado que tinha feito.

Passou então, a cuidar da praça todos os dias de manhã bem cedinho, antes de começar a trabalhar. Regava, plantava flores, mudas de árvores nativas e ornamentava e revitalizava silenciosamente aquele lugar. Aos poucos as pessoas começaram a perceber a beleza da praça.

 O ser humano que brotou naquele momento, nunca mais conheceu outra coisa, a não ser a felicidade de ser, fazer e viver a plenitude das belezas sem fim que estão a nossa volta.

Ilustrações: Silvana Santos