Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
10/09/2018 (Nº 45) ENTREVISTA COM CLÁUDIO LOES
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Entrevista com Cláudio Loes para a 45ª edição da revista virtual Educação Ambiental em Ação

Por Bere Adams

Apresentação:  Cláudio Loes é Engenheiro Elétrico, filósofo e especialista em Educação Ambiental e se dedica de forma aprofundada ao estudo e prática da Compostagem como instrumento de Educação Ambiental, além do aproveitamento de resíduos orgânicos. É sócio proprietário da Ecophysis, onde desenvolve vários projetos, entre eles: Projeto de Compostagem, Eco da Minhoca e Educação Ambiental pelo Monitoramento de Águas. Vamos, então, conhecer um pouco mais sobre esta experiência exemplar.

Bere – Olá, Cláudio, é um grande prazer tê-lo como nosso entrevistado para compartilharmos suas experiências com Educação Ambiental. Para começar, vou te perguntar sobre o nome Ecophysis, qual o significado?

Cláudio – Inicialmente agradeço pela oportunidade de partilhar com você e com os leitores sobre Educação Ambiental. “Eco” é a casa e a “physis” é a substância das coisas, a disposição natural, a força produtora. Assim, Ecophysis foi emergindo como o ambiente da condição natural, onde na possibilidade e oportunidade que a natureza concede dinamicamente se desenvolve nosso modo de ser num processo constante de aprender.

Bere – E quando começou o seu interesse pela Educação Ambiental, pela Compostagem, como isso despertou em você?

Cláudio – Hoje penso que as raízes que foram me nutrindo para chegar aqui estavam em ação desde os tempos do ginásio com o laboratório de ciências e de matemática, nas aulas de biologia do Professor Arno Wortmeyer, em Blumenau-SC, nas feiras de ciências e o no clube de ciências do colégio. Quando com a família mudamos para Francisco Beltrão, no final de 2008, decidi buscar atuar formalmente com o que sempre gostei de fazer, atividades de maior contato com a natureza, caminhadas, acampamentos, defesa ambiental e principalmente trabalho com crianças. Aprendi muito e atuei no Movimento Escoteiro. Decisão tomada, encontrar o curso de Especialização em Educação Ambiental aqui mesmo foi um indicador de que era isso mesmo.

Bere – E a especialização em Educação Ambiental deu-lhe o suporte que você esperava encontrar para suas atividades práticas?

Cláudio – A especialização para mim foi muito rica nos seus conteúdos e com interesse sempre é possível encontrar aquele algo a mais que até então não teria sido percebido. Isto aconteceu com a metodologia para as atividades e a métrica encontrada. A comparação entre a percepção ambiental antes e após o desenvolvimento da prática de compostagem foram este algo novo. Preciso aproveitar e reconhecer a participação do Professor Carlos Antonio Bonamigo na orientaçãao da pesquisa e também das trocas com o Professor Marcos Reigota. O que percebi que precisa ser melhorado e isto talvez possa ser até de alcance mais amplo é a questão do protagonismo, do retorno social e ambiental daquilo que se estuda. No meu caso estou realizado por estar fazendo algo com o que resolvi me engajar. Um trabalho pequeno, mas que não está simplesmente como mais um artigo na estante da biblioteca. Esta questão deveria ser melhor tratada e penso que não é fácil porque todos costumamos ficar enredados com o dia a dia e o novo, o possível, acaba sendo perdido e a janela de oportunidade se fecha sem que tenhamos percebido.

Bere – Como você desenvolve este projeto com as escolas? Há uma faixa etária específica como público alvo ou envolve crianças de todas as idades?

Cláudio – O Projeto de Compostagem surgiu na Especialização porque ouvi muito o mesmo mote diversas vezes de que um evento, dia do meio ambiente, dia da árvore, ou outro não faziam diferença, eram só um evento. Minha formação em filosofia e engenharia contribuiu, precisava de uma ideia e uma métrica. As conversas com os outros participantes de certa forma não trouxeram respostas, ai pensei com relação aos ciclos da natureza. A compostagem de resíduos orgânicos domiciliares se encaixou porque tem duração aproximada de 3 a 4 meses e faz a ligação com o que acontece numa mata, por exemplo. Tinha, então, uma prática que se encaixava num semestre escolar.

O primeiro Projeto de Compostagem foi realizado com alunos do Ensino Médio. Foi muito bom, mesmo sendo o primeiro, mas resolvi também aplicar com o sexto ano do Ensino Fundamental e foi melhor ainda. Hoje se aplica o Projeto de Compostagem com alunos de sexto a oitavo ano do Ensino Fundamental. Um princípio é de que o projeto não é obrigatório, inscreve-se quem quer participar.

Bere – Você pensa em levar este projeto às séries iniciais da educação? Por quê?

Claudio – O Projeto de Compostagem como acontece atualmente nas séries iniciais teria algumas dificuldades de logística para trazer o resíduo orgânico de casa. No mais não existe problema, o importante é começar a prática da compostagem desde cedo. Gosto de uma comparação com a música. Se na gestação a mãe ouvir música, existem coleções clássicas belíssimas, a criança terá melhores habilidades de concentração e audição. Ela não vai nascer sabendo notas musicais, mas gostando de música. Com a compostagem é a mesma coisa, se for feito cedo, mesmo não sabendo tudo o que acontece, a criança irá participar e aqui entra um fator importante, quanto mais todos que convivem com ela participarem melhor.

Bere – E os professores, há um trabalho focado para eles ou eles se engajam nas atividades com as crianças?

Cláudio – Como tenho o foco dos projetos nos(as) alunos(as), o engajamento dos professores acontece por livre iniciativa. Os professores de um lado tem o conteúdo que precisa ser trabalhado em sala de aula e de outro entrar com mais um trabalho é algo complicado, mas não impossível. Digo isto porque encontrei professores que deram conta de seus conteúdos e ainda participaram ativamente do projeto, ressaltando que o mesmo acontece com pedagogos e diretores. Como eu não venho da academia, esta é uma questão que até o momento não abordei especificamente. Acredito que funciona mais pelo exemplo e as conexões com os conteúdos das séries que vão acontecendo.

 Bere – Realmente é muito bom quando os professores participam por livre iniciativa tornando o projeto ainda mais significativo. Agora, fale-nos sobre o processo da compostagem propriamente dito. Por mais que já conheçamos este processo, por sermos da área ambiental, ainda tem muitas pessoas que não o conhecem. Por favor, explique-nos de uma forma resumida o que vem a ser Compostagem.

Cláudio – Buscar referência ou conteúdo, isto é fácil nos nossos dias com o uso da Internet. Vou procurar apresentar a compostagem como um religar com os ciclos naturais. Na natureza, se olharmos para uma árvore, com o tempo a folha desta árvore, após seu ciclo de vida, cai no chão. Ali as bactérias, fungos e outros seres vivos vão se alimentar desta folha. O resultado deste banquete são os nutrientes que novamente serão absorvidos pelas raízes e levados para formação de novas folhas, frutos ou ramos. Esta é a conversa inicial com os participantes do projeto. Em seguida, vamos para nossa prática, qualquer canto no jardim, local abrigado, tambor com furos, um caixão de madeira sem fundo onde possamos ir misturando resíduos orgânicos vegetais, aqueles restos da cozinha, folhas, serragem, que possam no mínimo uma vez por semana ser revolvidos. É necessário manter sempre úmido, mas não encharcar. No primeiro mês esquenta bastante e isto indica que está funcionando. Com o tempo, a temperatura diminui até próxima do ambiente e vai aparecendo algo como terra escura, de cheiro agradável, é o composto pronto.

Bere – E Cláudio, existem elementos orgânicos que não podem ir para a compostagem?

Cláudio – Tudo o que é orgânico pode ser degradado, os cuidados que precisamos ter é para não introduzir elementos poluentes como pilhas, óleos e graxas. Não utilizar restos de alimentos temperados, plantas doentes ou daninhas. Existem sementes de daninhas que podem passar pelo processo sem se degradar e acabam se proliferando nos locais onde o adubo produzido for aplicado. No projeto de compostagem utilizamos somente serragem, folhas e restos vegetais da cozinha para que os participantes possam manusear a vontade. O maior cuidado está em não usar no projeto qualquer elemento orgânico que possa causar contaminação ou doença, exemplo: urina, excrementos animais ou mesmo humanos. Frisando que estes podem ser compostados, mas precisam de maior atenção e cuidados, vide os toaletes secos.

Bere – Para você, o que é mais importante nos programas de Educação Ambiental, como estes que você desenvolve?

Cláudio – O ponto inicial é que eu mesmo queira estar neste processo constante de Educação Ambiental. Afinal, só posso propor aquilo em que também acredito e procuro viver no dia a dia. Do contrário fica um discurso vazio e inútil, as crianças são ótimas para perceber isto.

O outro é pensar os projetos, programas, sempre dentro dos ciclos da natureza, porque nós nos afastamos, o sujeito está separado daquilo que observa e para muitos a natureza ainda precisa ser dominada. A natureza não é um inimigo a ser vencido. Ela é que garante nossa existência enquanto espécie humana.

Deve-se começar o quanto antes. Isto é, trabalhar com alunos mais novos para provocar mudanças já na base, caso contrário, nós estaremos somente remediando. Você olhando para os meus 53 anos poderá dizer, mas você é adulto, começou a atuar mais recentemente, então é possível. Sim, é possível, mas se pegarmos todos da minha geração, quantos estão neste engajamento? Se começarmos antes, a chance de propagação é maior.

- Bere – Concordo plenamente, Cláudio, quanto antes nos envolvermos com práticas ambientais, melhor para o todo...

- Cláudio (prosseguindo) - Outro ponto importante e que busco compreender melhor é quanto ao tempo de participação nos projetos. Os programas de Educação Ambiental, mesmo já não sendo somente uma data comemorativa, precisam estar mais presentes no dia a dia de todos, assim como a Educação de modo geral. Toda vez que leio uma pesquisa sobre onde as pessoas passam o tempo de suas vidas, fico com dúvidas. Os projetos, programas de EA e a Educação ocupam pouco do tempo que as pessoas dispõem, salvo exceções. Uma integração maior entre disciplinas, os diversos grupos sociais, as famílias, é urgentemente necessário, porque a melhor estratégia de vida é a cooperação. Precisamos de educação e tempo dedicado para tudo isso que foi elencado.

Bere – Você consegue perceber diferença de comportamento nas crianças e professores, após desenvolver este projeto?

Cláudio – Se eu disser para você que percebo diferenças de comportamento poderia soar duvidoso. Então vamos lá, se aplicar a metodologia de avaliação que desenvolvi no projeto de pesquisa e que é a base do Projeto de Compostagem, é possível mensurar e verificar a melhora da percepção ambiental. Engenheiros precisam de métrica. [Risos]. Durante o decorrer do projeto e mesmo no final fico sempre atento com o que vai acontecendo. Se o grupo como um todo tem determinada deficiência, por exemplo, são excessivamente competitivos, então as atividades são modificadas para buscar aumentar a cooperação e vice-versa, porque é necessário um equilíbrio dinâmico entre competição e cooperação. No final, faz-se uma avaliação junto a professores, pedagogos e diretores de modo formal ou mesmo informal. A diferença de comportamento é percebida e ajustes são feitos também em relação a aplicação do projeto em si visando uma melhoria contínua. Como algumas vezes tem-se limite de participantes por questões estruturais, outra constatação positiva é quando tem aquele grupo que sem participar fica por perto e gosta de estar lá. Isto acontece também com relação aos participantes quando não querem ir embora.

Bere – Cláudio, você coloca que é necessário haver um equilíbrio dinâmico entre competição e cooperação. Por quê?

Cláudio – Os estudos tem revelado que a melhor estratégia é a cooperação entre os membros de uma espécie justamente para que a espécie tenha chances de sobreviver. Em determinados momentos é preciso competir pela espécie como um todo, porque o predador dificilmente pensará em cooperar. No entanto, existe uma diferença astronômica da espécie humana para as outras. Nós acumulamos e somos excessivamente competidores, competimos entre nós mesmos de modo destrutivo. Tanto a competição como a cooperação precisam de equilíbrio para evitar os extremos. Por isso é necessário este equilíbrio dinâmico, um movimento constante entre os extremos sem ficar em algum deles.

Bere – Você já falou no início da entrevista, que você introduz o assunto da compostagem usando o exemplo do ciclo das folhas de uma árvore, mas fale-nos mais um pouco sobre a importância dos ciclos da natureza e como eles são introduzidos nos projetos de Educação Ambiental que você desenvolve?

Cláudio – Nós temos um pensamento fragmentado, separamos o sujeito do objeto que está sendo observado. Esquecemos que o fato de observar um animal próximo modifica seu comportamento pela nossa presença. Por isso o foco principal é ter sempre em mente a questão de religar com os ciclos da natureza, a natureza como um todo. Em cada projeto este é um ponto central, a prática rotineira sempre está ligada com algum ciclo natural. Exemplificando: trazer resíduo orgânico duas vezes por semana é uma rotina e ela também imita a das folhas que caem todos os dias de alguma árvore.

 Bere – Atualmente, como você percebe nas pessoas em relação à sensibilidade ambiental. As mudanças desejadas vêm acontecendo?

Cláudio – Pessoalmente o que percebo é que existe muito discurso, material para leitura não falta e diga-se também muitas pesquisas e publicações ótimas. A própria Revista Educação Ambiental em Ação penso que já tem este questionamento implícito desde que acessei a primeira vez. Isto não acontece só aqui. Outro dia encontrei um manual para professores de uma escola da Inglaterra, onde eles apresentavam uma lista de atividades em cada disciplina relacionada com a prática da compostagem desenvolvida na escola. Uma maneira para os professores fazerem uso sem atrapalhar a rotina curricular. Achei interessante porque venho pensando nisto, rascunhando algumas coisas para aquela questão do envolvimento dos professores. As pessoas, de modo geral, estão mais sensíveis, porém isto não quer dizer que suas atitudes tenham correspondência direta. É uma sensibilidade do intelecto que ainda falta conectar com a ação. Estamos tão imersos no sistema econômico-financeiro que ainda precisaremos de outras rupturas para que a mudança possa acontecer. Nós achamos que o sistema econômico é maior que a natureza, mas sem o suporte natural, qual será nossa chance de existência? E ainda, temos o agravante da crença no herói, na conquista individual. Precisamos pensar mais como espécie humana.

 Bere – Cláudio, ao que me parece, muito além de conhecimento e produções acadêmicas, precisamos urgentemente deste “religar”, que você traz em sua prática com tanta propriedade. E sobre a continuidade do seu trabalho, tem alguns projetos novos despontando?

Cláudio – O Projeto de Compostagem está mais consolidado e acontece desde 2009. Em 2012 começamos com o Eco da Minhoca para alunos do quarto ano do Ensino Fundamental. Este ano estamos fazendo um piloto do Projeto Monitágua com um grupo de alunos do primeiro ano do Ensino Médio. O Monitágua busca fazer Educação Ambiental pelo monitoramento de águas intercalado com estudos, dentre os quais o ciclo hidrológico, enquanto que o Eco da Minhoca como o próprio nome sugere tem foco nas minhocas, seu ciclo de vida e principalmente sua importância para melhoria do solo. Tenho feito estudos e experimentos com aquaponia, criação de peixes integrada com plantio, pensando num projeto futuro que poderia integrar a Educação Ambiental e o Desenvolvimento Sustentável. Tenho uma preocupação com os nutrientes para que permaneçam nos ciclos dos quais participamos e dependemos com um olhar voltado para a segurança alimentar.

 Bere – Cláudio, deixa uma frase, um pensamento, uma palavra para os nossos leitores, que para você, sintetize sobre o que tratamos aqui na nossa entrevista.

Cláudio – A Educação Ambiental é a oportunidade que temos de nos religar com a natureza, com nossa espécie como um todo, com tudo e com todos, para melhor nos adaptarmos com tudo aquilo que é diferente, incerto e que muda constantemente no tecer a possibilidade de continuarmos existindo enquanto espécie humana.

Bere –  Cláudio, somos muito gratos a você pelo compartilhamento de sua experiência nesta gostosa e esclarecedora entrevista. Desejamos que seus projetos possam ser replicados para que, cada vez mais, possamos atuar de forma saudável e consciente. Aproveito para deixar seus endereços de contato e para que nossos leitores possam saber mais sobre sua prática exemplar, Parabéns e muito obrigada, Bere Adams e equipe da revista Educação Ambiental em Ação.

Site: www.ecophysis.com.br

E-mail:  claudio.loes@gmail.com

Skype: claudio.loes

Telefone: (46) 9923-3094

 

Ilustrações: Silvana Santos