Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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31/05/2013 (Nº 44) A TRILHA INTERPRETATIVA COMO PRÁTICA INOVADORA DE ENSINO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL EM POÇOS DE CALDAS-MG
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A Trilha Interpretativa Como Prática Inovadora de Ensino de Educação Ambiental Para Alunos do Ensino Fundamental em Poços de Caldas-MG

 

Cristhiane Mozer Borges¹, Gláucia Liberali² e Rômulo Magno da Silva³

 

1.           Centro universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos, São João da Boa Vista - SP, cristhianne_borges@hotmail.com,

 

2.            Centro universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos, São João da Boa Vista - SP, glau_liber@hotmail.com

 

 

3.           Universidade Federal de Alfenas, Alfenas - MG, apice_alfa@hotmail.com.

 

 

 

 

RESUMO

 

A Educação Ambiental (EA), nos últimos anos, tem se potencializado como elemento ensejador de discussão e intervenção do homem na natureza. Dela partem novas formas de concepção e atuação do ser humano em seu ambiente. Sua difusão é feita, sobretudo, nos meios oficiais de ensino, já que ela se encontra como elemento obrigatório de currículos da Educação Básica do país. No entanto, as práticas implementadas apresentam discrepância com os reais objetivos da EA. Assim nasceu o presente estudo cujo objetivo é a avaliação da eficiência do emprego de novas técnicas pedagógicas, no caso a Trilha Interpretativa da natureza, como elemento estimulador de novas reflexões e criação de autonomia por parte dos estudantes. O grupo de pesquisa era constituído por alunos de escolas públicas municipais da cidade de Poços de Caldas-MG. Os resultados obtidos confirmam a eficiência da técnica, já que são nítidos o interesse e a mudança de comportamento dos alunos envolvidos. Dessa forma, conclui-se pela valoração positiva da Trilha Interpretativa da Natureza como elemento facilitador do processo de difusão da EA para alunos de ensino fundamental de escolas públicas da cidade de Poços de Caldas-MG.

Palavras-chave: Educação Ambiental; Trilha Ecológica Interpretativa; Mudança de Comportamento.

 

 

 

1     Introdução

 

            Atualmente as comunidades biológicas vêm se extinguindo pela ação do homem, sendo que várias transformações dos sistemas naturais foram provocadas, fazendo com que se buscassem soluções para diminuir os impactos causados, configurando-se assim uma maneira sustentável do uso da natureza pelo homem. (BARROS, 2000).

            Dessa forma, a preocupação com a questão ambiental tem se tornando cada vez maior. Assim, a sociedade tem sido estimulada à prática de discussões e debates a fim de que se tornem mais estreitos os vínculos entre homem e a natureza. Nesse ínterim, a Educação Ambiental (EA) serve como instrumento para a tomada de conscientização, fazendo com que os indivíduos reflitam sobre as relações do homem com o meio ambiente (MENGHINI, 2005).

Em meio a essas discussões, foi criado o conceito de Educação Ambiental Interpretativa, em que os conhecimentos extravasam os ambientes oficiais de ensino e passam a fomentar maior integração dos educandos ao meio natural. Dessa forma, os conhecimentos e técnicas apreciados em sala de aula são efetivamente testados e postos em prática nos mais diversos ambientes, a fim de que os alunos sejam estimulados a interpretar e a atuar através de ações de preservação ambiental. Dessa forma, surgiu a prática das trilhas interpretativas, definidas como um conjunto de vias e percursos com função educativa e vivencional (SANTOS et al., 2011).

            Situa-se na cidade de Poços de Caldas o Parque Municipal da Serra de São Domingos, que atualmente se tornou uma Unidade de Conservação (UC). Tal parque foi criado em maio de 1988, dotado de uma área de 252,74 hectares. A unidade é formada por mata nativa, pertencente ao bioma mata atlântica, onde são encontradas várias espécies de fauna e flora que precisam ser preservadas e protegidas, além de o local ter grande importância histórica e cultural. Deste modo a implantação de programas de interpretação ambiental é de suma importância para a preservação deste ambiente além de servir como um instrumento para a educação (PEREIRA, 2010).

O presente trabalho teve o intuito a compreensão da importância da inclusão de novas práticas de ensino de E.A. no Ensino Fundamental. Buscou-se averiguar a forma como os conhecimentos teóricos obtidos, sobretudo em sala de aula, podem ser potencializados e aprimorados através de projetos que envolvam maior interação dos alunos com o ambiente natural. As descobertas encontradas através do presente trabalho podem ser úteis na ajuda da reestruturação do ensino da disciplina, trazendo melhores condições para os alunos se tornarem parte ativa na criação de sua autonomia e inserção na sociedade.

 

2     Material e Métodos

 

O presente trabalho caracterizou-se por incluir-se no gênero “pesquisa-ação”. Nesse tipo de abordagem, segundo Brandão (1981) as características básicas são a inserção de pesquisadores e pesquisados em um mesmo escalão, trabalhando conjuntamente para a produção de novos conhecimentos, visando a uma transformação social e a uma mudança de atitudes dos pesquisados, após uma intervenção programada e dirigida dos pesquisadores no grupo investigado.

O objeto metodológico de tal estudo baseia-se na utilização de uma trilha monitorada simples, sendo que um estudo do local e pesquisas foram realizadas previamente para facilitar a sua execução posterior. O local de realização do estudo foi o Parque Municipal da Serra de São Domingos, popularmente conhecido como Recanto Japonês, no município de Poços de Caldas. A trilha foi percorrida por alunos dos sexto, sétimo e oitavos anos das do Ensino Fundamental das Escolas Escola Municipal Dr. Haroldo Afonso Junqueira e Escola Municipal Dona Mariquinha Brochado. A escolha foi baseada em estudos de autores que afirmam o deficitário implemento da EA nos currículos da Educação Básica Pública (GRUN, 1996).

Como propugnado por Magro et al. (1998) para a seleção dos pontos interpretativos foi preciso observar o local e realizar um estudo de seus recursos naturais e culturais. Após esta observação foi necessário selecionar os pontos com maior atratividade e acesso seguro. Além disso, foi necessário salientar os perigos a que os alunos estavam expostos, como a presença de animais peçonhentos, insetos, plantas venenosas entre outros. Sendo assim, foi preciso ressaltar aos visitantes os imprevistos que poderiam ser encontrados durante o percurso, os cuidados a serem tomados e a forma como a atividade deveria ser realizada.

Antes de efetivadas as incursões, alguns pontos específicos foram selecionados, na seguinte ordem, do parque que deveriam ser visitados e dos quais se fariam explicações técnicas. Tais pontos foram:

·         Ponto 1:  Presença de “samambaia açu” (Dicksonia sellowiana Hook.),

·         Ponto 2 :  Presença de Araucaria angustifólia,

·          Ponto 3: Presença de exoesqueletos abandonados de “cigarras”  (Carineta fasciculata Gesmar),

·         Ponto 4 Embaúba  (Cecropia hololeuca Miq. )

A escolha de referidos pontos se deu pela facilidade de locomoção até os locais e a facilidade de observação, além de o entorno ser passível de acomodar de forma mais confortável os alunos, de forma que eles pudessem interagir entre si e terem oportunidade de ouvir e ver o elemento explicitado.

O instrumento de atuação dos alunos no parque foi a observação participante, onde os pesquisadores buscaram analisar padrões, atitudes, valores, crenças e conhecimentos dos alunos através da observação de sua atuação e comportamento no meio escolar, nos momentos em que os pesquisadores estiveram presentes na escola.

Para a análise dos resultados foram utilizadas as técnicas inerentes às pesquisas das ciências sociais que são denominadas “qualitativas”. Segundo Minayo (1998) é preciso considerar que os fenômenos sociais nem sempre podem ser quantificáveis, pois, trata-se de um universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a operacionalização de variáveis. O que se busca nesse contexto de pesquisa são as causas (sociais, econômicas, psicológicas) do problema e não meramente sua quantificação. Dessa forma, optou-se por um enfoque maior nos dados qualitativos.

 

3     Resultados e Discussão

 

No total, 142 alunos participaram da trilha ecológica, estudantes das escolas já mencionadas, sendo 32 do 5º Ano, 66 do 6º Ano e 42 do 7º Ano. Os quintos anos estavam matriculados na Escola Haroldo Affonso Junqueira e os sextos e sétimos anos na Escola Municipal Dona Mariquinha Brochado. Os alunos foram acompanhados pelos professores da matéria Ciências Físicas e Biológicas.

Apesar das diferentes séries e escolas, a maioria dos alunos, em pesquisa prévia em sala de aula, afirmaram não ter tido contato formal com a o eixo Educação Ambiental. Alguns alunos, chegando a um grupo de 28 (vinte e oito) levantaram algumas questões relativas ao tema, como preservação da natureza, desperdício de água e formas de manuseio do lixo. No entanto, nenhum deles soube precisar a global dimensão da EA, crendo que a mesma se relacionava apenas a temas relativos à natureza, esquecendo-se de sua íntima relação com o homem e sua construção como ser social. Dessa forma, notou-se certa defasagem que a maioria dos alunos apresentava sobre o assunto, motivo pelo qual se fez necessário um restabelecimento do ensino da matéria, nas aulas de Ciências Físicas e Biológicas a partir do início do ano letivo, o qual se estendeu até duas semanas após a realização das caminhadas ecológicas. Em tais períodos foram realizadas atividades relacionadas à caminhada, tais como discussões, elaboração de relatórios e apresentação de comentários por parte dos alunos.

As incursões na mata foram realizadas exclusivamente no período vespertino, tendo se iniciado por volta das treze horas e se encerrado por volta da dezessete horas. Foram realizadas incursões em 3 (três) datas diferentes: 05, 07 e 08 de abril do ano de 2012.

Nos pontos selecionados foram realizadas explanações sobre as espécies ali encontradas e sua importância ecológica para a manutenção do bioma.

Deste modo os alunos e seus professores percorreram o caminho previamente escolhido. Vários tipos de árvores e insetos puderam ser observados pelos alunos, que demonstraram interesse pelo assunto. Havia sido ministrada uma aula sobre os diferentes tipos de vegetação e os recursos naturais.

Além disso, foi explicada a função da cobertura vegetal no solo da floresta. Nesse momento, foi perguntado aos alunos qual era a importância das folhas que caiam no solo e de árvores mortas, e a maioria dos alunos possuía o conhecimento de sua importância, já que tais elementos ajudam na manutenção da fertilidade do solo.

Foi salientado também o problema do lixo espalhado pelo parque, a incursão indevida de turistas e caminhantes em determinados pontos da mata e o problemas da poluição dos cursos d’água locais que recebiam descargas de esgoto doméstico.

Observou-se que os resultados obtidos refletem a opinião que vários estudiosos têm mostrado e previsto sobre o tema, classificando as práticas de E.A. como “engessadas”, pouco articuladas entre as diversas áreas do saber e pouco dialéticas. Sendo assim, atividades atípicas são ao mesmo tempo prazerosas e estimulantes, além de serem eficazes no implemento da consciência ambienta e autonomia humana.

Autores como Grun (1996) e Guimarães (1995) comprovam em suas obras a tendência de pouco dialogo e apontam que há certa desconectividade entre os reais objetivos da E. A. e a forma que com que ela é abordada nas escolas. Dias (2004). No entanto atividades mais práticas (extraclasse) como “caminhadas interpretativas socioambientais”, são bem vistas pelos alunos, além de apresentarem resultados muito mais satisfatórios que aqueles obtidos pelo ensino exclusivo em salas de aula.

Dessa forma, a inclusão efetiva da E.A. nos currículos escolares é um problema que atinge toda a educação básica brasileira. Vê-se como afirma Saviani (2008) uma decadência na educação publica brasileira que, apesar dos recentes investimentos, não houve grandes mudanças, já que esse investimentos não são satisfatórios e além do que os problemas educacionais brasileiros não são decorrentes apenas de causas financeiras, mas também de falta de preparação e comprometimento dos professores, além do uso de novas práticas educativas que levem o aluno a pensar e a refletir sobre seu lugar no mundo e de que forma sua atuação pode mudar o ambiente em que vive. Na questão da EA, o problema se vê ainda mais agravado, pois muitas vezes o tema se encontra fajutamente inserido nos meios de ensino, além de ser tantas vezes ignorada sua maior função social e de serem subexploradas certas práticas motivadores e desafiadores.

Tal foi o que se verificou em tal estudo. Do desinteresse e passividade de diversos alunos durante as aulas estritamente teóricas em sala de aula, passou para uma postura ativa de verdadeiros agentes sociais durante a caminhada, já todos participaram efetivamente da atividade proposta. Dessa, acredita-se que o objetivo principal do estudo foi obtido, à medida que se comprovou a efetividade de tal prática como estimulante da aquisição de conhecimentos e assunção de papeis empenhados com a responsabilidade socioambiental.

 

4     Conclusões

 

A Educação Ambiental tem o papel de mediadora entre o homem e o meio ambiente, o que a torna um fator de modificação de atitudes e tomada de novas posturas e modos de pensar. Ela estimula atitudes que visem a conservação, a melhoria da qualidade de vida e enfoca temas controversos, como a “sustentabilidade. No campo da educação, o diálogo e a discussão, formas extremamente úteis de produção e irradiação de conhecimento, são muitas vezes negligenciados em detrimento do tradicionalismo da sala de aula.

            Dessa forma, as trilhas interpretativas podem ser utilizadas na prática de ensino de E.A., sendo uma forma estimulante de se aprende, através de experiências e vivências dos ensinamentos. Isso leva os alunos a uma profunda assimilação dos temas inseridos no contexto e se mostrarem estimulados à preservação ambiental.

Um novo redimensionamento da forma com que se divulga e se lida com a E.A. nas escolas torna-se necessário. A dimensão discursiva e interpretativa das questões devem ser tomadas em conta. Para que práticas de ensino em E.A. atinjam os objetivos almejados, é preciso, portanto, uma revisão das práticas de ensino adotadas no Ensino Fundamental.

 

Referências Bibliográficas

 

BARROS, M. I. A. Outdoor education: uma alternativa para a educação ambiental através do turismo de aventura. In: SERRANO, Célia. A educação pelas pedras: ecoturismo e educação ambiental. São Paulo: Chronos, p.85-110, 2000.

 

BRANDÃO, C. R. Pesquisa Participante. 3. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

 

DIAS, G. F. Educação Ambiental: Princípios e Práticas. 9 ed. Rio de Janeiro, Gaia, 2004. 551 p.

 

GRUN, M. Ética e Educação Ambiental: a conexão necessária. 11 ed. Campinas: Papirus, 1996. 114p. 

 

GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. 8 ed. Campinas: Papirus, 1995. 102 p.

 

MAGRO, T. C.; FREIXÊDAS, V. M. Trilhas: Como Facilitar a Seleção de Pontos Interpretativos. Departamento de Ciências Florestais. Circular Técnica IPEF, ESALQ/USP,Nº 186, p. 4-10. 1998.

 

MENGHINI, F. B. As trilhas interpretativas como recurso pedagógico: caminhos traçados para a Educação Ambiental. 103 p. Dissertação de Mestrado (Educação)- UNIVALI, 2005.

 

MINAYO, M.C. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1998. 212 p.

 

PEREIRA, J. A. A., FONTES, M. A. L. Plano de manejo do parque municipal da serra de São Domingos. Lavras: Editora da UFLA, 2010. 148 p.

 

SANTOS, M. C; FLORES, M. D, ZANIN, El. M. Trilhas interpretativas: instrumento pedagógico de ensino para educação ambiental. Revista Eletrônica de Extensão da URI, Erechim, N.13: p.189-197, Outubro/2011.

 

SAVIANI, D. Educação Brasileira: Estrutura e Sistema. 10 ed. Campinas: Editores Associados, 2008. 358 p.                                                                                                                                                                                                                                                  

Ilustrações: Silvana Santos