Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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31/05/2013 (Nº 44) A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL A PARTIR DA BOVINOCULTURA DE CORTE: DAS NECESSIDADES HUMANAS À EMERGÊNCIA DE UMA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
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A PROBLEMÁTICA AMBIENTAL A PARTIR DA BOVINOCULTURA DE CORTE: DAS NECESSIDADES HUMANAS À EMERGÊNCIA DE UMA AGRICULTURA SUSTENTÁVEL

 

Letícia Paludo Vargas

 Zootecnista. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Extensão Rural – PPGExR - UFSM. Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural. Faixa de Camobi, Km 09 – Campus, Prédio 44, Sala 5106, CEP: 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil. Telefone: (55)3220.8165  E-mail: leticiavargas@zootecnista.com.br

 

 

Filipe Augusto Xavier Lima

Engenheiro Agrônomo. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Extensão Rural – PPGExR - UFSM. Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural. Faixa de Camobi, Km 09 – Campus, Prédio 44, Sala 5106, CEP: 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: filipeaxlima@hotmail.com

 

 

Vicente Celestino Pires Silveira

Médico Veterinário. PhD Manejo de Recursos pela Edinburgh University – Scotland. Professor do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural e do Programa de Pós-graduação em Extensão Rural - PPGExR- UFSM. Faixa de Camobi, Km 09 – Campus, Prédio 44, Sala 5110, CEP: 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil. Telefone: (55)3220.8165. E-mail: vcpsilveira@gmail.com

 

Jozé Geraldo Wizniewsky

Professor do Programa de Pós-graduação em Extensão Rural – PPGExR - UFSM. Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural. Faixa de Camobi, Km 09 – Campus, Prédio 44, Sala 5106, CEP: 97105-900 - Santa Maria, RS, Brasil. Telefone: (55)3220.8165. E-mail: zecowiz@gmail.com

 

 

 

 

Resumo: O presente artigo teve como principal objetivo analisar os problemas ambientais decorrentes da bovinocultura de corte. A partir disso, foi realizada uma abordagem descritiva no intuito de situar os problemas e limitações ambientais provocados por essa atividade. A realidade empírica da pesquisa foi o Bioma Pampa, localizado na Região Sul do Estado do Rio Grande do Sul, pois essa região, ao mesmo tempo em que apresenta um dos melhores índices produtivos de carne bovina no Estado, possui também uma Área de Proteção Ambiental (APA), o que se torna um desafio tanto para o crescimento econômico, como para a sustentabilidade ambiental, norteados pelos princípios do desenvolvimento sustentável. A partir deste cenário teórico traçado, coube-nos questionar: que efeitos a atividade da bovinocultura de corte vem provocando no meio ambiente?; como esses efeitos podem ser minimizados?. Nesse sentido, a relevância deste trabalho está na possibilidade de contribuir para a compreensão e aprofundamento em torno dos aspectos relacionados aos possíveis impactos ambientais provocados pela bovinocultura de corte na Região Sul do Estado do Rio Grande do Sul. Embora a pesquisa tenha sido desenvolvida tendo como referência um caso especifico e não permita generalizações, é possível afirmar que, na maioria das vezes, existe uma grande dificuldade por parte dos produtores brasileiros em se adequarem a uma produção economicamente viável e ambientalmente sustentável

 

 

Introdução

 

            Este artigo teve como principal objetivo analisar os principais problemas ambientais decorrentes da pecuária, particularmente no que diz respeito à criação de bovinos de corte. A partir disso, foi realizada uma abordagem descritiva no intuito de situar os problemas e limitações ambientais provocados por essa atividade. A realidade empírica da pesquisa foi o Bioma Pampa, localizado na Região Sul do Estado do Rio Grande do Sul, pois essa região, ao mesmo tempo em que apresenta um dos melhores índices produtivos de carne bovina no Estado, possui também uma Área de Proteção Ambiental (APA), o que se torna um desafio tanto para o crescimento econômico, como para a sustentabilidade ambiental, norteados pelos princípios do desenvolvimento sustentável.

            Conforme discutido na literatura especializada, a problemática ambiental compreende um questionamento do pensamento e do entendimento, da ontologia e da epistemologia, do qual a civilização ocidental usa para compreender o ser, e, a partir disso, almejar uma solução para a atual crise ambiental, o que não poderá dar-se somente pela gestão racional da natureza, pois essa nos permite interrogar o conhecimento do mundo, questionando o seu projeto epistemológico (LEFF, 2000).

            Em sua obra Meio ambiente e desenvolvimento sustentável: além do Relatório Brundtland, Goodland (1992) destaca algumas das condições necessárias para o crescimento com sustentabilidade, apontadas no relatório: produzir mais com menos (conservação, eficiência, tecnologia e reciclagem); reduzir a explosão demográfica; redistribuir em favor dos mais pobres o excesso dos sobreconsumidores; fazer com que ocorra a transição no uso dos recursos e na escala econômica e; estabelecer uma coerência entre as capacidades regenerativas e assimilativas dos sistemas globais que sustentam a vida. Porém, ainda de acordo com o relatório, mesmo com a possível melhoria nos aspectos citados, o progresso ainda será insuficiente, pelos seguintes fatores: toda forma de crescimento consome recursos e gera resíduos; o tamanho dos serviços em relação a produção de bens tem limites; e muitos serviços consomem recursos com bastante intensidade (GOODLAND, 1992).

            No que diz respeito à bovinocultura de corte, a modernização da atividade ocorreu de forma muito acentuada, principalmente no uso de implementos e maquinários agrícolas, onde o solo é utilizado de maneira intensiva e, desse modo, o esgotamento dos recursos naturais e os efeitos socioeconômicos negativos tornam-se praticamente inevitáveis nessa atividade (SEVERO; MIGUEL, 2006). Por outro lado, nos sistemas de produção extensivos, como é o caso da área de estudo, os impactos ambientais podem ser menos expressivos, na medida em que são realizadas algumas práticas para minimizar os efeitos negativos da atividade, como por exemplo, a utilização da pastagem natural, reduzindo assim as intervenções que podem levar a degradação do solo.

            A partir deste cenário teórico traçado, coube-nos questionar: que efeitos a atividade da bovinocultura de corte vem provocando no meio ambiente?; como esses efeitos podem ser minimizados?

            A relevância deste trabalho está na possibilidade de contribuir para a compreensão e aprofundamento em torno dos aspectos relacionados aos possíveis impactos ambientais provocados pela bovinocultura de corte na Região Sul do Estado do Rio Grande do Sul.

            O artigo está estruturado em quatro partes. Primeiramente foi feita uma abordagem sobre alguns problemas e limitações ambientais identificados no contexto atual. Em seguida, procurou-se estabelecer uma relação entre a bovinocultura de corte e o meio ambiente, procurando apresentar ainda, uma breve caracterização da região de estudo. Na terceira parte, tentou-se situar a produção e o consumo da carne bovina e de que forma as necessidades humanas vêm degradando o meio ambiente, fazendo-se necessária a emergência de uma agricultura sustentável.  Por último, são apresentadas, de forma sucinta, as considerações finais deste trabalho.

 

Problemas e limitações ambientais no contexto atual

 

            No Brasil, de acordo com Alonso e Costa (2002), um dos principais obstáculos para o desenvolvimento de uma sociologia ambiental, é a fragilidade dos seus fundamentos teóricos e a ausência de pesquisas nessa área, sendo necessárias, com isso, algumas condições para um tratamento “adequado” da questão ambiental brasileira, nas quais poderiam ser destacadas: uma abordagem sistêmica dos problemas ambientais e um estilo único de resolução consensual dos conflitos ambientais. Os autores ainda destacam que a principal dificuldade verificada é quando os problemas ambientais passam a interferir na vida cotidiana das pessoas, sendo que, nesses casos, os afetados demandam iniciativas públicas e imediatas, para que tais problemas deixem de atrapalhar as suas rotinas.

            Fazendo referência aos problemas ambientais urbanos, Alonso e Costa (2002) afirmam que a mobilização é realizada por diferentes atores coletivos, os quais podem variar tanto em função da natureza dos problemas, como do contexto em que os conflitos ocorrem. Dessa forma, os movimentos por justiça ambiental demonstram que os lucros somente são repartidos com quem produz, entretanto, os danos ambientais são compartilhados com toda a população (ACSELRAD, 2002).

            Em pesquisas realizadas, Goodland (1992) destaca que o mundo atingiu o seu limite, haja vista o alto índice de apropriação da biomassa pelos seres humanos, através da invasão urbana das terras agrícolas, erosão e alta contaminação. O autor ressalta ainda, uma série de fatores que comprometem a biodiversidade, como por exemplo, o esgotamento da capacidade dos aterros, a alta fabricação de resíduos, a problemática do aquecimento global, a ruptura da camada de ozônio, a degradação do solo e o desaparecimento de espécies em todo o planeta.

            Para Goodland (1992), os recursos naturais estão se esgotando além dos níveis toleráveis, e o uso racional e sistemático destes recursos deve ser levado em consideração para que seja ampliado o tempo de uso da natureza pelas gerações futuras.

            Daly (1992), por sua vez, afirma que a produtividade do capital natural aumenta mediante o incremento do fluxo de recursos naturais por unidade da reserva natural existente, pelo aumento da produção por unidades de recursos utilizados nela e pela melhoria da eficiência do uso final com o que o produto resultante oferece serviços ao último usuário. Ainda de acordo com o autor, a Organização das Nações Unidas já possui um projeto de investimento em infraestrutura biosférica, o que se conhece como Serviço Mundial de Meio ambiente. Esse programa de investimento pretende preservar ou melhorar quatro classes de infraestrutura biosférica, são elas: proteção da camada de ozônio; diminuição da emissão de gases que provocam efeito estufa; proteção de recursos hídricos internacionais; e proteção da biodiversidade (DALY, 1992).

            Portanto, como bem observa Beck (1996), a grande incentivadora dos riscos atuais é a modernidade, pois existem diferentes riscos específicos e em diferentes estágios, dentre os quais se destacam: os perigos ecológicos, químicos e genéticos, que são produzidos por decisões, ou seja, aqueles em que o homem pode controlar possíveis danos ao meio ambiente e a população.

 

Bovinocultura de corte e meio ambiente: uma breve caracterização da região de estudo

            De acordo com Fernandez (2008), com o aumento da população, inúmeras dificuldades ambientais vêm de encontro a esse fato, gerando, com efeito, problemas ainda maiores para as sociedades, como por exemplo, o desmatamento, a destruição das áreas naturais, o alto acúmulo de lixo, a degradação ambiental, a poluição e frequentes mudanças climáticas. Ainda de acordo com o autor, esses problemas, considerados diretamente relacionados com a alta concentração populacional, vêm fortalecer as novas necessidades, relacionadas ao meio ambiente, na medida em que a preservação ambiental tem se tornado altamente difundida e popularizada entre todos os indivíduos, porém, nem sempre os cuidados são suficientes para diminuir os danos, ou manter a situação estabilizada (FERNANDEZ, 2008).

            Para Beck (1996), os limites são considerados como incertezas, pois os riscos estão aceitos e normatizados pela população, e os elementos existentes sobre tais riscos assumem proporções globais e se classificam conforme sua gravidade, e em vista disso, o mais recente risco abordado é o econômico, o qual está sendo amplamente discutido na era digital e relacionado com as novas tecnologias como resultado da volatilidade do capital.

            Os avanços científicos que aconteceram nas últimas décadas, de acordo com Funtowicz e De Marchi (2000), estão abrindo novos domínios para a inovação tecnológica, com potenciais consequências para a saúde humana, oferta energética, produção de alimentos e engenharia ambiental, podendo afetar a vulnerabilidade dos sistemas de produção alimentares a partir das mudanças tecnológicas, naturais ou econômicas. Os autores ainda destacam que na atualidade, o conhecimento empírico, caracterizado também como “senso comum”, tem sido cada vez menos difundido e considerado, com isso, o conhecimento das populações tradicionais tem sido deixado de lado, o que acaba dificultando o uso das técnicas antigas, principalmente na agricultura, que eram desenvolvidas pelos povos ancestrais (FUNTOWICZ; DE MARCHI, 2000).

            Na bovinocultura de corte, diferentemente de outras atividades do setor primário, um dos principais aspectos considerados é o conhecimento empírico dos produtores, já que essa atividade é realizada desde a antiguidade e os conhecimentos são passados de geração para geração. Ainda ressalta-se a alta movimentação econômica dessa atividade, principalmente no sul do país.

            Ao concebermos uma visão de mundo como um todo integrado, inter-relacionado e não dissociado, evidencia-se um novo paradigma que preconiza uma ideia holística de mundo, que pode ser também denominada como uma visão ecológica, ao ser trabalhada de uma forma mais ampla e profunda que a usual, onde são reconhecidas as  interdependências de todos os fenômenos e dos processos cíclicos da natureza, gerando, por consequência, a nossa dependência em tais processos (CAPRA, 2000). A partir disso, destaca-se a importância da análise da bovinocultura de corte como um todo, e não apenas em partes dissociadas, pois são inúmeros os processos interligados dessa cadeia, dentre eles, os impactos ambientais gerados a partir da produção animal.

            A respeito das políticas ambientais desenvolvidas, Alier (1998) destaca que estas não podem basear-se unicamente em uma pretendida racionalidade ecológica, já que a Ecologia, como ciência, não pode explicar as diferenças de consumo de energia e materiais da espécie humana, nem tampouco pode explicar a distribuição territorial da espécie humana (ALIER, 1998). Além da distribuição territorial da espécie humana, a distribuição dos animais tem que ser reconsiderada, levando em conta os impactos ambientais gerados em determinadas regiões.

            De acordo com Kinlaw (1997), o impacto ambiental de um produto não tem início na fase pós-consumo, isto é, depois que foi usado, tem início no momento em que os materiais são extraídos de suas fontes e termina com o output final no meio ambiente, na forma de poluição, resíduos e emissões. O autor ainda destaca que entre o ponto de extração das matérias-primas e o descarte final de todos os resíduos, os efeitos sobre o meio ambiente ocorrem ao longo de todas as fases de processamento, produção, embalagem, transporte e consumo (KINLAW, 1997). A partir disso, destaca-se a importância da análise de todos os processos para avaliação dos inputs e outputs da cadeia e seus impactos gerados na natureza.

            A complexidade ambiental preconiza uma nova compreensão do mundo, uma reflexão sobre a natureza do ser, do saber e do conhecer, e emerge como uma unificação lógica, tecnológica e econômica, implicando em uma revolução do pensamento, troca de mentalidades e transformação do conhecimento e das práticas educativas (LEFF, 2000). Nesse sentido, tendo em vista uma nova visão de mundo, as questões relacionadas às novas perspectivas atuais, baseadas em meio ambiente, tecnologia e reconstruções sociais tornam-se peças imprescindíveis no processo evolutivo dos setores da sociedade.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), o efetivo de bovinos no Brasil em 2010 teve aumento de 2,1% em relação ao ano de 2009, e foi de 209.541 milhões de cabeças. Foram registrados aumentos nas Regiões Norte, Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste. No Sul do País, o rebanho manteve-se estável. Aproximadamente 13,3% do total do rebanho bovino brasileiro encontra-se na Região Sul.

            A região de análise do presente artigo é o Bioma Pampa, localizado na Região Sul do Estado do Rio Grande do Sul. De acordo com o Instituto Brasileiro de Florestas (IBF) (2012), o Bioma Pampa é também é conhecido como Campos do Sul ou Campos Sulinos, ocupando uma área de 176.496 Km² correspondente cerca de 2% do território nacional e constituído principalmente por vegetação campestre. A respeito da ocupação de área territorial, o Pampa só está presente no Rio Grande do Sul, representando, segundo dados do IBF (2012), 63% do território gaúcho, mas também se encontra presente em parte dos territórios da Argentina e Uruguai.

            É importante destacar ainda, que nessa região está presente a Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Ibirapuitã, que é uma Unidade de Conservação Federal Brasileira da Categoria "Uso Sustentável", ou "Categoria VI" na classificação da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN): "área contendo predominantemente ecossistemas não modificados, manejados para manter a proteção da biodiversidade no longo prazo, mas também para prover produtos de forma sustentável às comunidades" (APA, 2012). Em vista disso, torna-se importante a contínua preservação ambiental dessa região, já que a mesma possui especificidades importantes, tratando-se de meio ambiente natural, onde o bioma deve ser protegido.

            A região estudada é particularmente importante para esta pesquisa, uma vez que tem uma alta produtividade de carne bovina. Dados da Fundação Maronna (2012), inclusive, revelam que a produtividade da região vem aumentando gradativamente, pois em 1990/1991 a produção foi de 71,4kg/ha, estabilizando-se a partir de 1994/1995, com uma produção em torno de 110 kg de carne/ha/ano, e em 2008/2009 os números chegaram a 135 kg/ha/ano. O que contribuiu para esse aumento foi a racionalização do manejo, a adaptação do gado cruzado e a formação de pastagens consorciadas na resteva do arroz (FUNDAÇÃO MARONNA, 2012). Entretanto, ao mesmo tempo em que ocorreu um aumento na produtividade, elevaram-se também os impactos ambientais provenientes da bovinocultura de corte da região, degradando os solos pela intensificação da produção de carne bovina. E, mesmo com novas técnicas de manejo adotadas pelos bovinocultores de corte, para uma otimização da produção, os impactos no ambiente ainda são considerados altos.

 

Produção e consumo da carne bovina: as necessidades que vêm degradando o meio ambiente e a emergência de uma agricultura sustentável

 

Os projetos para o crescimento econômico estão se transformando rapidamente em ruínas, principalmente com as mudanças nos hábitos de consumo da população, que por quatro décadas de desenvolvimento criaram e reformularam a mente e os sentidos do homem comum, alterando a sua percepção do mundo enquanto homo sapiens, para o pensamento do homo miserabilis, onde as necessidades básicas seriam, então, um legado traiçoeiro, deixado pelo desenvolvimento (ILLICH, 2000).

Outra característica em torno do desenvolvimento é a preocupação com o padrão de vida, que ganhou fôlego após a segunda guerra, quando passou a indicar uma maneira desejada de se viver. Porém, a população começou a preocupar-se com quantidade dos bens possuídos, e não mais com qualidade de vida, fato decorrente do aumento no consumo de massa dos países industriais. Atualmente, permanece a preocupação com a quantidade de renda, na medida em que existem frequentes comparações entre os que ganham mais e o que estão abaixo da renda, em determinadas escalas econômicas estabelecidas (LATOUCHE, 2000). Em vista disso, a carne bovina entrou numa seleta lista de produtos cujo consumo é considerado uma importante fonte de proteína na alimentação humana.

Do ponto de vista de Latouche (2000), mais recentemente, ocorreu uma redução das dimensões da vida a uma única situação: a quantificável, pois a expansão do mercado acelera a movimentação do dinheiro, entretanto, para os economistas, o mercado obtém tanto o “bem” como o “bom”, ou seja, o melhor uso que se pode fazer dos fatores de produção e, nesse sentido, a acumulação de riquezas pelos cidadãos será infinita.

De acordo com Illich (2000), os homens descobriram recursos na cultura e na natureza, transformando tais recursos em valores econômicos. O autor ainda ressalta que a geração posterior a segunda grande guerra foi testemunha da mudança do homem comum ao necessitado, e nada indica que essa metade ancestral da humanidade sentiu alguma coisa que pudesse ser semelhante àquilo que hoje chamamos de necessidade (ILLICH, 2000).

Para Daly (1992), há uma relação complementar entre capital de formação humana e capital natural, onde o primeiro exerce forte pressão sobre o segundo para que se forneça um fluxo crescente dos recursos naturais. Nesse sentido, na natureza, um recurso pode substituir outro, mesmo que de maneira imperfeita, pois muitas vezes ambos desempenham o mesmo papel qualitativo na produção, e quando as possibilidades de substituição são limitadas, predomina a lei da complementaridade, ou seja, um recurso complementa o outro, e tanto o capital natural como o de formação humana tornam-se complementares e não substitutivos (DALY, 1992).

O capital natural representa as reservas físicas que são complementares do capital de formação humana. Já o capital natural mercantilizado é aquele que “está nas mãos do mercado”, sendo considerado o intermediário entre o capital natural e o de formação humana (DALY, 1992).

            Quando relacionados à bovinocultura de corte, os principais problemas apontados a respeito dos impactos ambientais estão relacionados à degradação do solo, a emissão de gases de efeito estufa e a poluição dos recursos hídricos. Com exceção dessa última, a subutilização dos recursos naturais, pela baixa concentração animal, é a principal responsável pelas externalidades negativas da atividade (ZEN et al., 2008). Isso ocorre principalmente na região sudeste do Brasil, onde a pecuária de corte tem  características de produção intensiva, distintas da região Sul do Estado do Rio Grande do Sul, onde a produção é baseada na pecuária extensiva e, nesse sentido, os impactos são menores, pela baixa intervenção com produtos químicos no solo.

O Estado do Rio Grande do Sul, de acordo com Miguel et al. (2007), possui diferentes regiões que, por suas características históricas associadas às questões ambientais, tem na produção pecuária extensiva grande importância econômica, social e cultural. Apesar da importância da atividade pecuária extensiva (bovina e ovina), estas regiões estão marcadas por um fraco dinamismo econômico e demográfico. A bovinocultura de corte no Estado do Rio Grande do Sul tem suas origens nos primórdios da ocupação do espaço agrário gaúcho, sendo fundamental para a formação da sociedade gaúcha. Tanto do ponto de vista econômico, como social, esta atividade vive atualmente um período marcado por incertezas e por um importante processo de pressão por transformações (MIGUEL, et al., 2007).

            Porém, de acordo com Nabinger et al. (2009), o campo nativo, característico do Bioma Pampa, é considerado um ecossistema natural pastoril, sendo assim, sua manutenção com pecuária representa a melhor opção de uso sustentável para fins de produção de alimento, principalmente em áreas cuja capacidade de uso do solo apresenta restrições elevadas para utilização em sistemas agrícolas mais intensivos. O autor ainda destaca que as características que o bioma apresenta e sua capacidade de resiliência tornam-se fatores indispensáveis para a sua manutenção, como forma de preservação do ambiente, da paisagem e de sustentabilidade social e econômica.

Assim, a atividade agrícola gera inúmeros desafios, dentre os quais destacam-se: a) desafio ambiental: buscar sistemas de produção agrícola adaptados ao ambiente, com mínima dependência de recursos externos e naturais não-renováveis; b) desafio econômico: estabelecer mecanismos que assegurem a competitividade do produto agrícola no mercado interno e/ou externo; c) desafio social: geração de renda para o agricultor, onde é sugerida a implantação da reforma agrária compatível com as necessidades locais; d) desafio territorial: viabilização de uma efetiva integração agrícola com o espaço rural, por meio da pluriatividade e da multifuncionalidade; e) desafio tecnológico:  novas tecnologias menos agressivas ao meio ambiente, mantendo uma adequada relação produção/produtividade (ASSAD; ALMEIDA, 2004).

Na tentativa de construir alternativas, Assad e Almeida (2004) argumentam que o diálogo e o intercâmbio entre os agentes sociais podem ser auxiliados pela agricultura sustentável, pois esta permitiria a diminuição dos gargalos tecnológicos e forneceria as bases para uma capacitação profissional para o enfrentamento da complexidade dos sistemas produtivos. Porém, os autores também ressaltam que a agricultura sustentável apresenta alguns obstáculos: as tecnologias não estão devidamente inseridas nos sistemas produtivos e há uma grande dificuldade dos conhecimentos dos sistemas agrícolas, com isso, um grande passo seria a implementação de novas políticas públicas para promover mudanças no padrão tecnológico da agricultura atual.

Dessa forma, a agricultura sustentável deve garantir que: a renda seja repartida igualmente; sejam mantidos ou potencializados os ganhos produtivos; haja ampliação de mercados, principalmente o interno; e acima de tudo, que contribua para a proteção do meio ambiente (ASSAD; ALMEIDA, 2004). Nesse sentido, a bovinocultura de corte deve contar com novas práticas produtivas que diminuam os impactos ambientais e potencializem a produção de carne, possibilitando o atendimento das novas necessidades da população.

A economia neoclássica, e mais especificamente a economia ambiental, prevê a quantificação dos impactos ao meio ambiente, ou seja, é realizada a mensuração dos cálculos relacionados ao meio ambiente, sendo quantificados em valores monetários (JIMÉNEZ, 2010). Nesse sentido, ainda no dizer de Jiménez (2010), se essa posição de mensuração for assumida, devem ser realizados cálculos detalhados, relacionados aos custos sociais, especiais, temporais e os benefícios ambientais decorrentes de determinada atividade ou projeto.

 

Considerações finais

 

            A partir dos questionamentos levantados no presente artigo, a respeito dos impactos ambientais gerados pelos seres humanos, seja a partir de resíduos urbanos, seja pela degradação provocada pela intensificação da atividade agrícola, percebe-se que novas alternativas devem ser geradas para que os problemas socioambientais decorrentes de certas práticas humanas sejam diminuídos, ou ao menos estabilizados.

            Além disso, as necessidades da população em aderir novas tecnologias precisam ser revistas, numa complexa e sinuosa tomada de consciência coletiva, já que o alto índice de produtividade e consumo de bens, pautados nos padrões dominantes da modernidade comprometem a sustentabilidade das gerações futuras, como foi advertido no Relatório de Brundtland e situado neste trabalho.

            Especificamente no que diz respeito à bovinocultura de corte, percebe-se que, as características desta atividade são distintas nas diversas regiões brasileiras. No Bioma Pampa, região de estudo do presente artigo, os impactos são mínimos, quando comparada a outras localidades. Esse fato deve-se, principalmente, por essa atividade ser desenvolvida em um sistema de produção extensivo. Em contrapartida, em outras regiões onde a pecuária de corte é desenvolvida em sistemas intensivos, com alta mecanização e degradação ambiental, principalmente pelo uso abusivo  de produtos químicos que são incorporados ao solo, os efeitos nefastos são facilmente evidenciados.

            Contudo, embora a pesquisa tenha sido desenvolvida tendo como referência um caso especifico e não permita generalizações, é possível afirmar que, na maioria das vezes, existe uma grande dificuldade por parte dos produtores brasileiros em se adequarem a uma produção economicamente viável e ambientalmente sustentável. Assim sendo, em uma atividade onde os lucros são relativamente baixos e a mão de obra muitas vezes escassa, as opções para a manutenção da propriedade, por vezes, são baseadas em uma agricultura insustentável, em que a busca por um melhor desempenho econômico tem como objetivo principal manter a produtividade agrícola da propriedade em um padrão mínimo rentável, mesmo que para isso, sejam geradas consequências ambientais de ordens diversas.

 

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Ilustrações: Silvana Santos