Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 42) CONSCIÊNCIA AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO CONSTANTE
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CONSCIÊNCIA AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO CONSTANTE

 

Celma Araújo Godinho da Silva e Assis

celmagodinho@globo.com

 

“O narrador conta o que ele extraí da experiência – sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem sua história”

                                                                                 Walter Benjamin

 

 

A proposta deste texto é narrar o crescimento da minha consciência ambiental, retomando momentos importantes que vivi, para uma reflexão sobre como o meio ambiente foi tratado em minha vida e como o meu olhar a respeito desse assunto foi-se modificando com o passar do tempo.

De família humilde, a primeira das três filhas de um funcionário público e de uma costureira, nasci em uma pequena cidade do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, São José do Divino. Logo, ganhei de presente uma cabra – “severina” – da qual o leite era ordenhado para  complementar meu sustento. Não demorou muito para que eu e Severina  começássemos uma relação de amizade. Severina foi meu primeiro bichinho de estimação. Ela, cabra nova, cheia de vitalidade, e eu, um bebê que já começava a ensaiar os primeiros passos aos 7 meses de vida.

Não me lembro muito bem de como a Severina saiu, fisicamente, de minha vida. Algumas histórias foram contadas; preferi aquela que em que severina havia sido furtada.

Bom, pode-se perceber até aqui que, desde cedo, convivi com animais, plantas, sem muito preconceito e, posso dizer, sem regras rígidas para essa convivência.

Meus pais sempre gostaram de criar galinhas, patos, marrecos, gansos, alimentar passarinhos. Também gostavam de plantar hortaliças. Aquelas que podem ser plantadas em canteiros domésticos, cercados por varas de “assapeixe” (acho que era esse o nome da planta).

Com poucos anos de vida, já tinha a incumbência de ajudar na alimentação das galinhas, dos patos, marrecos e gansos. Ah, meu pai também criava alguns porcos, em chiqueiro doméstico, que eu também ajudava a cuidar. Dessa parte eu não gostava muito, por causa do cheiro forte. Gostava apenas de quando nasciam os filhotes. Ficava vigiando o momento da mamada. Aquilo era mágico.

Por falar em magia, lembro-me do dia em que o Nicolau, o ganso mais velho do quintal, me surpreendeu escondida em cima de uma armação de madeira, daquelas de armazenar legumes. Não deu outra, ele partiu para cima de mim e eu não consegui escapar. Tenho até hoje uma pequena cicatriz em minha coxa esquerda, onde o danado me bicou com vontade. Valeu a pena: consegui ver o exato momento em que D. Carlota, a gansa mais antiga, estava a botar aquele ovo enorme. Outro momento mágico em minha.

São muitos os momentos de magia de minha infância. Posso afirmar com certeza que a maioria estava ligada a animais, plantas, rios, matas.

Por falar em matas, cresci na época em que ainda era normal caçar. Meu pai me ensinou a armar armadilhas para pegar alguns. Porém, ele sempre dizia: “Celma, só vamos caçar o necessário para essa semana”. Assim, saíamos para a caça e muitas vezes voltávamos com o “embornal” (bolsa de ombro) cheio. Tatu, jacaré, coelho, inhambu, paca. Esse costume, em determinado momento foi modificado. Eu não entendia muito bem. Ouvia meu pai reclamar sobre a lei que impedia a nossa caça. Acho que as leis até existiam, porém não havia tanta fiscalização.

Pesar também era uma prática comum. Não havia limitação com relação a época ou tamanho, ou com qual instrumento utilizado – rede, vara, entre outros.

Em meio a isso tudo, estavam as plantações: a mandioca e o inhame eram cozidos para os porcos; ou crus, para os gansos. Mamão ficava maduro no pé para a alimentação dos pássaros. Ah, com relação a eles, havia algumas regras: estilingue, nem pensar; gaiolas, também não; alçapões até podiam ser armados, caso pegasse algum pássaro, esse deveria ser solto; a brincadeira era pegar e soltar. Soltei muitos e adorava vê-los partir.

Cuidei de um pé de goiaba durante alguns anos; depois de crescido, ele passou a ser a minha casa na árvore. O horário da aula demorava passar, eu não via a hora de chegar em casa e ir para o meu pé de goiaba. De lá, eu vigiava alçapões, observava as criações e dormia de vez em quando. Por causa disso, tenho uma cicatriz na panturrilha esquerda, que adquiri depois de “despencar” da minha árvore e ficar agarrada pela perna em uma toco que existente lá debaixo. Precisava dar pontos, porém não o recurso para isso não nos era acessível naquela época.

À medida que crescia, minhas obrigações também aumentavam. O volume de trabalho era sempre relacionado ao cuidado com as plantas e animais.

Então, aprendi muito sobre como plantar legumes, verduras, frutas, árvores. Aprendi também sobre as especificidades que envolviam cada tipo de animal. Detalhes que nunca me esquecerei. Até aqui, a minha convivência com na roça – hoje, posso dizer com o meio ambiente – era inocente, sem medir conseqüências. Sem planejar determinadas atitudes.

Por volta dos meus dez anos, novos conceitos surgiram. Com eles, comecei questionar “antigas” práticas, por exemplo: o mau cheiro do chiqueiro incomodava os vizinhos? E os mosquitos? Posso andar descalça? O que é isso que meu pai de vez em quando joga nas plantas? Por que e como algumas árvores frutíferas morrem? Será que é pecado comer galinha ensopada? Por que posso comer carne de vaca, de porco e não posso mais comer carne de tatu, de paca, de anta, de jacaré? Para onde vão os dejetos do banheiro e do chiqueiro?

O meu cuidado com as plantas e os animais começou a se modificar. Nessa mesma época, comecei a assistir a TV Globo; até então, era somente a TV Tupi.

Informações externas àquele meu mundo, além daquelas com as quais eu convivia na escola – estadual, de uma cidadezinha de pouco mais de dois mil habitantes, ajudavam, ora, funcionavam como respostas às minhas inquietações, ora me deixavam mais questionadora.

Lembro-me do dia em que perguntei ao meu para onde iam os dejetos do nosso banheiro. Quando ele me disse que iam para o rio, meu Deus, fiquei com um nojo enorme de peixe. Esse sentimento foi passando com o tempo.

A água encanada e a rede de esgoto chegaram em Jampruca/MG. Foi uma das grandes novidades de minha vida. Decepção foi quando descobri que tudo que era captado pelo esgoto, era despejado no rio. O nojo voltou maior ainda. Fiquei revoltada. Era difícil até tomar banho. Porém, esse sentimento novamente foi administrado, por que eu tinha água de cisterna, captada com uma bomba d’água.

O tempo foi passando. E eu, crescendo. O tema meio ambiente substituiu expressões como roça, mato, porém, sem muita “consistência”. O que era meio ambiente? Naquela época, era tudo o que se referia a mato, animais e plantas. Inclusive, para mim, baleia não fazia parte do meio ambiente, porque ela vivia no mar.

Minha consciência ambiental, apesar de já existir, não com esse nome, começava a tomar forma. Afinal, nasci e cresci envolta pelo meio ambiente. Acreditava eu. Ficava orgulhosa de dizer que o meu berço havia sido fabricado de jacarandá.

O assunto meio ambiente não acabou, pelo contrário, quanto mais o tempo passava, mais ele se tornava presente nas discussões da escola e de casa.

Deixou de ser abordado somente no Dia da Árvore. Deixou de ser lembrado somente nos momentos de queimadas – que destruíam muito.

Da educação sobre a natureza que recebi, pouco repassei aos meus três filhos. Era outra geração. A do apartamento; do parque de praça, da exposição de animais, de plantas; do zoológico. Do frango de granja; da banana de carbureto; do ovo em caixas; do leite em sacola...

Por falar em sacola, passaram a fazer parte da minha vida e da vida de minha família. No primeiro momento, elas eram solução; hoje, são questionadas e estão sendo substituídas por sacolas que não agridam tanto o meio ambiente. Ah, ia me esquecendo. As garrafas de vidro, aquelas dos sucos, dos refrigerantes foram substituídas pelas de plástico.

Situações que até então eu não havia vivenciado começaram a acontecer: rios inundados; áreas degradadas; sumiço de pássaros e animais, espécies de de árvores não eram mais vistas; doenças com nomes estranhos, enfim, a vida foi mudando e as mudanças foram mudando a vida dos pessoas.

Lembra daquela minha inquietação sobre os dejetos dos banheiros e do chiqueiro; elas se foram; veio outra ainda mais inquietante: será que o hormônio que as mulheres tomam – aquele do anticoncepcional – que é captado pelas redes de esgoto e que, ainda, em muitos lugares, é despejado em rios, que deságuam no mar, traz algum problema para a saúde do homem. Até que ponto os lençóis freáticos já estão ou serão contaminados. E como fica a situação dos cemitérios. Nossa, era melhor eu não ter aprendido o que era lençol freático – essa é uma inquietação que me acompanha até hoje.

Aprendi muitas coisas sobre o meio ambiente, continuo aprendendo. Hoje, sei que tudo faz parte do meio ambiente. E que tudo que se refere, diretamente, ao meio ambiente é protegido por lei e é, e deve ser preocupação de todos nós, em qualquer meio ou ambiente em que vivemos. Precisamos viver e permitir que outras gerações também possam viver, senão nas mesmas, ou em melhores condições. Aprendi o que é sustentabilidade. Aprendi atitudes que proporcionam isso. Aprendi, também, que não há crescimento, quer seja, financeiro, social, religioso, pessoal  Industrial, comercial, rural, entre outros, que possa ser desrespeitoso com o meio ambiente. Ele faz parte de nossa vida; é nossa vida. Portanto, se o destruirmos, estaremos destruindo nossa vida. É preciso saber gerir os recursos naturais do meio ambiente em que vivemos, o mundo. É preciso, pois somos parte dele.

A construção de nossa consciência ambiental não pode parar. Novas descobertas virão. Novos conceitos serão construídos. E uma das formas de ajudar nessa construção é a educação. Acredito nela.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

O pensamento ecológico: da Ecologia natural ao ecologismo. Disponível em http://www.rainhadapaz.com.br/projetos/portugues/generos_textuais/dissertacao/ecologia1.htm. Acesso em 13/04/2009

 

BARBOSA, Sandra Martins. Módulo IV – Gestão Ambiental. Centro Nacional de Educação à Distância, Apostila do Curso On Line de Gestão Ambiental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos