Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Práticas de Educação Ambiental
10/09/2018 (Nº 42) O TRABALHO DE CAMPO EM JARDINS ESCOLARES
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1391 
  

O Trabalho de campo em jardins escolares

 

Henrique Kendi Nakamura1, Natália Sozza Bernardi2 e Valdir Lamim-Guedes³

1 Graduando em Ciências Biológicas – Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” Campus Rio Claro. hkendink@hotmail.com

2Graduanda em Ciências Biológicas – Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” - UNESP Campus Rio Claro. natis_sozza@yahoo.com.br

³Biólogo e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Ouro Preto. dirguedes@yahoo.com.br

 

Resumo: O jardim escolar pode ser um valioso local, nos trabalhos em Educação Ambiental (EA) para se explorar dos conteúdos previstos nos currículos, da sensibilização do aluno e também para o estudo de problemáticas socioambientais que emerge de nossa sociedade. Um procedimento didático que permite explorar o contato do aluno com o meio de estudo é o Trabalho de Campo (TC). O jardim escolar, portanto, pode tornar-se um espaço de construção e desconstrução de valores éticos e estéticos, os quais permeiam a relação homem-natureza. Estes valores estão relacionados à nossa compreensão sobre a ciência, a tecnologia e seus impactos na sociedade, passando também a compor nossa visão sobre a natureza. Neste trabalho será apresentada uma proposta de trabalho de campo em um jardim escolar, que tem como problemática o desmatamento.

 

Palavras-chave: Educação Ambiental; Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS); Ensino de Ciências;

 

Introdução

           

            Alguns espaços dentro das escolas, especialmente o jardim escolar, podem ser utilizados como uma ferramenta didático-pedagógica fabulosa para se desenvolver trabalhos em Educação Ambiental (EA), através do estudo das problemáticas socioambientais. Permitem-se também, neste contexto, a construção e (dês) construção de valores quanto à relação homem-natureza e ainda, possibilita uma abordagem contextualizada dos conteúdos especificados nos currículos.

            Para tanto, um procedimento didático que pode ser usado nesses espaços é o Trabalho de Campo (TC), ou também chamado de estudo do meio. O TC pode ter sua origem, nas escolas anarquistas que instigavam os alunos as práticas de observação e permitia a reflexão crítica da realidade natural e social. “Os anarquistas fundaram escolas que tinham um currículo aberto, no qual o método de ensino empregado era caracterizado pela imersão na realidade em um processo de pesquisa e descobertas” (LOPES e PONTUSCHKA, 2009, p.177).

Este procedimento possibilita um maior envolvimento do aluno “em termos de atividades cognitivas ou intelectuais, posicionamentos frente a questões de valores ou participação coletiva e direcionada para a solução de problemas da comunidade” (CARVALHO, 1999, p.38).

            Também se torna necessário, prover uma formação voltada à participação política do individuo, na qual, buscam-se modos de agir sobre as problemáticas estudadas. Assim, o desenvolvimento do espírito crítico sobre as questões socioambientais, assim como para o exercício da cidadania, é uma condição essencial para a ação política, pois uma compreensão de que diferentes grupos sociais possuem interesses diversos, exige do educando ponderar os impactos advindos dos grupos sociais e assim, desenvolver sua opinião considerando as diferentes faces de uma problemática.

            É também sob esta perspectiva que a alfabetização científica apresenta-se como uma ferramenta importantíssima na formação da cidadania, especialmente, sobre a compreensão dos impactos gerados pela ciência e pela tecnologia na sociedade, que consequentemente, afeta cada individuo da sociedade no seu bem-estar e, também, a conservação e preservação de outros seres vivos.

 

Jardins escolares e Trabalho de campo

 

Os jardins escolares podem ser usados como um campo de estudos das problemáticas socioambientais que emergem em nossa sociedade moderna. Nestes espaços podem-se presenciar, geralmente, plantas nativas e exóticas, invertebrados, algumas aves, fungos na qual podem ser alvo de compreensões mais profundas sobre as relações ecológicas, como associação de liquens, de agentes polinizadores e dispersores, entre outras.

Um ambiente como o jardim, também, pode ser fonte de estudos para os processos de urbanização o qual está relacionada à necessidade do homem em ocupar um espaço no meio em que vive, tanto para sua alimentação como também para sua habitação.

Portanto, para uma problemática como o desmatamento, torna-se necessário abordar de forma crítica as implicações sociais, ambientais, econômicas, históricas e políticas, sobre os avanços da degradação ambiental, assim como, a origem histórico-cultural dos avanços tecnológicos na sociedade, o qual envolve direta e indiretamente a realidade do aluno.

Nesse sentindo, Minc (1997) aponta para a importância em se trabalhar com o contexto em que o aluno se insere, de como o ensino de ciências e biologia, articulada as proposta de EA, devem ter relação com as experiências dos alunos, isto é, com o que “elas vêem e sentem” (p.61). Em consonância, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) (BRASIL, 1997) já preveem que o tema Meio Ambiente seja abordado de forma interdisciplinar, envolvendo os diferentes campos do conhecimento, uma vez que estes conteúdos serão uma das bases para a compreensão crítica da realidade.

Evidencia-se assim a complexidade que as questões do meio ambiente apresentam atualmente e que estas, envolvem a dinamicidade das relações entre homem-homem, homem-sociedade e homem-natureza. Assim, acreditamos que tomar uma perspectiva crítica sobre o processo educativo, inclusive o ambiental, seria o mais adequado para atender nossa proposta de trabalho.

Dessa forma, torna-se indispensável uma reflexão teórica-metodológica acerca da proposta educativa e também, de seus objetivos quanto as questões sócioambientais. Esta perspectiva crítica em EA é explicada mais precisamente por Loureiro et. al. (2012) quando “em síntese, compromete-se com a formação dos sujeitos ambientalmente responsáveis, cujo compromisso social, histórico e político é a construção de sociedades sustentáveis" (p.89).

Carvalho (1999) apontando para os objetivos das práticas em EA, considera três dimensões possíveis para serem trabalhadas: uma primeira relacionada aos conhecimentos acumulados historicamente; uma segunda que se refere aos valores éticos e estéticos; e uma terceira que se refere à dimensão política que “prepara o indivíduo para ações concretas na busca de soluções para os problemas ambientais” (p.36). Tendo em vista essas três dimensões, o TC pode ser um excelente procedimento didático, entre outros, para os trabalhos em EA.

O TC é um procedimento didático, ou método de ensino, que prevê o contato do educando com um ambiente diferente do da sala de aula. Este contato pode promover a “(...) imersão orientada na complexidade de um determinado espaço geográfico, do estabelecimento de um diálogo inteligente com o mundo, com o intuito de verificar e de produzir novos conhecimentos” (LOPES e PONTUSCHKA, 2009, p.174).

Historicamente, o TC originou-se nas escolas anarquistas, e tinha como principal objetivo “reforçar as práticas de observação e reflexão crítica sobre a realidade social e natural” (PONTUSCHKA, 2004, apud MARANDINO; SELLES e FERREIRA, 2009, p.140). Estas práticas são inerentes à ciência, dessa forma, podemos compreender que este procedimento pode ser um ótimo instrumento para instigar os alunos a vivenciarem do método científico.

Neste sentido, é consideravelmente significativo “(...) desenvolver atividade de ensino em ambientes naturais e em ambientes alterados pelo homem (...)” (CARVALHO, 1999, p.38), pois é nesta interação com diversos ambientes que ele pode envolver-se mais ativamente do próprio processo de aprendizado.

Para tanto, o planejamento do trabalho de campo é fundamental para o sucesso desta atividade, pois tal atividade não se pode limitar apenas ao momento da excursão (campo), como alerta Carvalho (1999).

Assim considerando as três dimensões apresentadas, Carvalho (ibid.) sistematiza o TC como um procedimento que pode ser estruturado em três fases: uma primeira, denominada de pré-campo na qual, se pretende motivar e preparar os alunos, intelectual e afetivamente, para os objetivos que se pretende abordar no campo, e que ainda “este é o momento de criar, junto à classe, o clima de pesquisa e investigação” (p.38);

Uma segunda – campo – que ele atenta para que o professor responsável, não tome a posição de um “guia” ou “monitor” que apresente os dados a serem obtidos e interpretados, portanto é fundamental a construção de um roteiro de campo que convide o aluno-investigador a registrar os dados solicitados, que posteriormente serão explorados em sala de aula;

E por fim, a terceira - pós-campo - que visa explorar e analisar os dados coletados no campo, de forma a promover o aprofundamento de aspectos do conteúdo estudados, e ampliando para algumas generalizações e aplicações em outros contextos.

Assim, no final das atividades “o professor não pode deixar de explorar e ampliar as discussões de outras dimensões consideradas nos objetivos e relacionadas com aspectos de valores e participação política” (p.39) e também é importante o uso de aproveitar da variedade de procedimentos didáticos.

Este procedimento possibilita aos alunos desenvolverem algumas habilidades em estudos investigativos, tais como observação, coleta de dados, análise destes dados e, também, a problematizar questões sociais, ambientais, econômicas e políticas. Neste mesmo procedimento, permite-se trabalhar também aspectos relacionados aos valores éticos e estéticos do aluno. Para melhor visualização das fases e seus respectivos objetivos, montamos a seguinte tabela:

 

FASE:

OBJETIVOS:

Pré–Campo

Preparação e Motivação:

Problematização

Clima de Investigação e Pesquisa

Sensibilização do aluno

Campo

Roteiro De Campo orientando:

Coleta e registro de dados

Apreciação estética

Pós-Campo

Exploração e Análise:

Organização e Sistematização dos dados coletados

Aprofundar aspectos do conteúdo

Generalizações e Aplicações dos Conhecimentos estudados

Ampliar para outras dimensões (valores e ação política)

Tabela 1: Tabela apresentando os objetivos de cada fase do Trabalho de Campo.

 

 

A apreciação estética da natureza no trabalho de campo

 

A problemática do desmatamento e de outras ações antrópicas provocam diversos impactos na biodiversidade, promovendo muitas vezes, uma compreensão de que a presença do ser humano é inconcebível com outros elementos da natureza. 

 

A sociedade contemporânea, envolvida por uma gama crescente de mudanças e problemas que assolam o planeta em nível global, tem sido caracterizada por muitos como carente de reflexão ética, ocorrendo, no geral, uma falta de parâmetros para reflexão e ação diante dos desafios que se apresentam (BONOTTO, 2008, p.297).

 

Sendo assim, um aspecto fundamental para ser considerado nesta proposta de trabalho é a valoração da natureza. Grün (1996) aponta para a dicotomia entre homem e a natureza ser fruto da ciência mecanicista-reducionista, na qual, promoveu um valor antropocêntrico em relação à natureza.

Esta dualidade entre homem e natureza pode ser contrastada na fase pré-campo, em que, as atividades de preparação e motivação podem ser destinadas também para a coleta de impressões dos alunos sobre o tema. Tal procedimento é comumente chamado de brainstorm, na qual, apresentam-se imagens que os instiguem a apresentarem seus conhecimentos prévios sobre o assunto, estimulando-os a escreverem suas primeiras impressões e sensações sobre a imagem. Para tanto, pode-se usar de imagens que apresentam situações controversas do tema estudado ou ainda, como nesta proposta, “diálogos entre personagens” solicitando aos alunos preencherem tais situações de conversa.

Feita a análise dos registros (dos alunos), pode-se evidenciar alguns valores com relação à natureza, que podem ser caracterizados por uma visão antropocêntrica. Segundo Bonotto (2012) nessa visão, ou sistema de valores, “a natureza é vista como objeto a ser dominado, e as coisas- outros seres vivos, inclusive, só possuem valor se puderem ser úteis para o ser humano” (p.47).

Assim, evidencia-se a necessidade em (re) construir outra compreensão sobre os seres vivos, oposta a tal concepção utilitária, mas que não leve ao radicalismo oposto – biocentrismo - que se caracteriza por compreender o ser humano como objeto do planeta, ou que ainda, sua presença seja independente à natureza. Tais concepções situam, segundo Leis e D’Amato (1995 apud BONOTTO, 2012, p.47), o ser humano como fora da natureza. Assim uma posição que achamos adequada para ser tomada que desvia dos radicalismos e, aproveitando de seus aspectos positivos, seria uma compreensão sobre a ética que permeia por entre as relações de todos os seres vivos, e que Bonotto (2008), denomina de “valores ambientalmente desejáveis”.

Depois de evidenciado alguns valores antropocêntricos, no campo, a apreciação estética da natureza pode ser um ponto fundamental para o trabalho com valores, especialmente, quando se pode levar o aluno a uma “(...) experiência estética, que é gratuita, desinteressada, que levaria a uma percepção totalizante do objeto” (BONOTTO, 2012, p.49).

Tal prática pode ser solicitada aos alunos por meio de algumas perguntas no roteiro de campo, tais como: que sensações (prazer, alegria, tristeza, admiração) este ambiente ou ser vivo lhe proporciona? Outras perguntas que se referem às questões do tema trabalhado também podem ser feitas, estimulando-os a obter dados e elaborar interpretações.

Posteriormente, no pós-campo, orientam-se as discussões em torno das respostas obtidas nos roteiros de campo. Esta parte da atividade, assim como as outras, é importantíssima para o aprofundamento de alguns conteúdos que são fundamentais para alcançar os objetivos propostos, e também para discussão de alguns valores presentes na sociedade. Outro aspecto importante é a ação política, o qual pode ser desenvolvido através de simulações, tal como do tipo debate.

Assim, o trabalho com valores nas práticas de EA podem e devem ser explorados com muita atenção pelo professor. Nesse sentido, Bonotto (2008) atenta que “(...) a educação em valores deve corresponder a uma proposta em que a cognição e a afetividade se articulem com peso equivalente e possam, juntas, subsidiar a ação” (p.303). Para Carvalho (2008) esta ação deve compreender a natureza e a sociedade como dimensões “intrinsecamente relacionadas” (p.141) e que ainda, não se deve pensa-las separadas – independentes ou autônomas – tanto para as ações governamentais como para as da sociedade civil.

 

O ensino de ciências através do contexto Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS).

 

Por meio dos pressupostos teóricos apresentados e ainda, sobre uma perspectiva de ensino de ciências que articule a ciência, a tecnologia e a sociedade, caracterizada como movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) desenvolveu-se uma proposta de trabalho que problematizava a perda de biodiversidade através do desmatamento.

Esta problemática por envolver diversos aspectos do conhecimento, história, geografia, biologia, zoologia, botânica, ecologia pode ser tratada de forma interdisciplinar, o qual prevê um tratamento crítico do conhecimento científico. Concordamos com Teixeira (2003) quando ele aponta para a dominância do ensino conteúdista, por exemplo, na disciplina de Biologia, que prioriza a memorização intensa e excessiva de terminologias e ausência na relação com outras disciplinas do currículo. Essa priorização por capacidades cognitivas permanece até hoje no ensino e, ao mesmo tempo, outras capacidades que são essenciais para a formação de um cidadão ou cidadã acabam sendo influenciadas negativamente (ZABALA, 1998).

Nesse sentido, o movimento CTS aparece como chave para um currículo que aborde a ciência numa outra perspectiva. Segundo Hofstein, Aikenhead e Riquarts (1988 apud SANTOS e MORTIMER, 2002, p.4) o currículo CTS visa contextualizar o currículo e o ensino de ciências com as questões sociais, tecnológicas, abordando discussões sobre os aspectos históricos, culturais, éticos, políticos assim como, o ambiental.

Assim, esta perspectiva procura abandonar algumas “(...) posturas arcaicas que afastam o ensino dos problemas sociais (...)” (TEIXEIRA, 2003, p.182) e para Silva e Carvalho (2007) formar cidadãos bem informados e capacitados para tomar decisões e lidar com as implicações sociais da Ciência e da Tecnologia.

            Em consonância com este movimento (CTS), a alfabetização científica entendida como a apropriação do conhecimento pelo educando, o entendimento e as habilidades requeridas para atuar efetivamente no seu cotidiano (CAZELLI; MARANDINO e STUDART, 2003) apresenta-se como elemento fundamental para alcançarmos tal currículo.

Esta alfabetização, sob um enfoque curricular, exige dos profissionais envolvidos no meio científico, uma divulgação que tenha como principal objetivo melhorar a capacidade de compreensão, pelos cidadãos, dos fenômenos que o cercam (JAVIER e MARTÍNEZ BERNAT, 2010).

Krasilchik e Marandino (2004) ressaltam que este processo de alfabetizar cientificamente é contínuo e transcende a fase escolar. Assim, este processo deve se dar em vários locais, nos meios de comunicação de massa, nas instâncias formais de educação e os espaços de educação não formal (COSTANTIN, 2001).

Portanto, pode-se compreender que esta alfabetização científica, incluindo a tecnológica, visa emancipar os indivíduos. Tornando-os menos dependentes uns dos outros, fazendo com que os processos democráticos, os valores sociais e as oportunidades individuais, não continuem a ser dominados pelas elites (CAZELLI, MARANDINO e STUDART, 2003, p. 84).

 

Como as pessoas possuem um conhecimento precário e incipiente sobre os aspectos da ciência e da tecnologia, como não refletem sob o impacto dessas atividades sobre a sociedade, não compreendem a linguagem da ciência, e, não dominam minimamente os códigos inerentes a esses ramos das atividades humanas, a tendência é que fiquem na dependência dos técnicos, cientistas, pesquisadores, médicos, economistas, etc. Aí realmente, a ciência passa a ditar o que é certo e errado, como se fosse um evangelho que dogmaticamente não pode ser questionado. (TEIXEIRA, 2003)

 

Assim, para um ensino de ciências que permita a formação de um cidadão crítico e reflexivo quanto aos impactos da Ciência e Tecnologia na sociedade, a compreensão sobre uma ciência não neutra (composta por interesses de diferentes setores sociais) por todos os envolvidos neste processo pedagógico é essencial para o processo de alfabetização científica. Dessa forma, compreender claramente e conseguir ponderar os impactos da ciência e da tecnologia na sociedade, permitirá aos cidadãos tomar suas decisões em bases sólidas e fundamentadas, buscando individual e coletivamente novos modos de solucionar os problemas relacionados às questões sociais, ambientais e econômicas que estão postas em nossa sociedade moderna.  

 

Considerações Finais

 

Os jardins escolares podem então ser um local privilegiado para se desenvolver, além dos conteúdos curriculares, os valores éticos e estéticos dos alunos sobre a relação homem-natureza. Através da “percepção totalizante” podemos (dês) construir valores, comuns na sociedade, que compreendam a natureza como um objeto a ser sempre utilizado pelo homem e, portanto, sua existência se limita apenas a sua utilidade. Outros valores, como cooperação, solidariedade, respeito etc. também devem ser trabalhados, assim, atividades voltadas para o trabalho em equipe são fundamentais nos trabalhos em EA.

Deve se atentar a dois aspectos no desenvolvimento das propostas de trabalhos em EA, um primeiro quanto à sistematização e organização do procedimento didático – trabalho de campo- pois tal procedimento não se deve limitar somente ao dia da saída de campo (CARVALHO, 1999), exigindo-se um planejamento coerente com os objetivos propostos. E um segundo quanto ao trabalho com valores, conforme aponta Bonotto (2012), de que o cuidado com as relações interpessoais são fundamentais na construção e desenvolvimento de valores.

Assim, evidencia-se a importância do planejamento nas atividades e objetivos dos trabalhos em EA. O uso de diversos procedimentos didáticos é fundamental no desenvolvimento dos objetivos propostos, uma vez que, como alerta Carvalho (1999) é importante articular diversos procedimentos de ensino - tais como estudos dirigidos, simulações entre outras - com o trabalho de campo nos trabalhos em EA.

Ressalta-se a importância de um ensino de ciências que promova a compreensão crítica e reflexiva de seus impactos na sociedade, relacionando, a tecnologia ao desenvolvimento econômico-político, o qual prevê uma ciência não neutra, isto é, repleta de intenções dos vários setores sociais. Tal perspectiva de ensino deve estar também, contextualizado as experiências dos alunos, de forma a promover um aprendizado mais significativo, na qual, os alunos possam enxergar as possibilidades de ações concretas que visam a solução das problemáticas socioambientais.

Por fim, é indispensável, a avaliação das atividades desenvolvidas. Para Carvalho (2000) é necessário desenvolver instrumentos sistemáticos para os processos de avaliação e que, “É importante registrarmos as avaliações realizadas, analisá-las e então, a partir delas, reorientar os aspectos teóricos e práticos de nossos projetos” (p.32). Assim sendo, devemos sempre nos atentar as especificidades e necessidades encontradas em cada trabalho de EA, para conduzir as práticas educativas num sentido coerente com nossos objetivos.  

 

Proposta de trabalho:

 

O tema utilizado para esta proposta de trabalho é a perda de biodiversidade através da problemática do desmatamento no Brasil. Esta abrange diversas questões sociais, que envolvem aspectos do consumismo, como também o desmatamento através do agronegócio.

Com relação ao tema biodiversidade, Javier e Martínez Bernat (2010) já apresentam algumas orientações para o professor conduzir este tema através da alfabetização científica. Eles atentam para a dimensão ética e política que cercam o problema da perda de biodiversidade, e que estas devem ser exploradas nas práticas pedagógicas.

Outra proposta para o trabalho com o tema biodiversidade é apresentada por Lamim-Guedes (2012). A proposta deste autor promove às práticas de observação e reflexão, como também, a expressão artística e o trabalho coletivo.

Assim, para nossa proposta de trabalho pretendemos explorar algumas relações ecológicas entre diferentes seres vivos, associado as questões socioambientais: como o agronegócio e a fome no Brasil, através da problemática do desmatamento.

A proposta está planejada para cinco encontros, sendo eles, dois para a fase pré-campo; um para o campo; e três para o pós-campo.

É importante ressaltar, nas fases pré-campo e pós-campo a utilização de diversos procedimentos didáticos, tais como: Estudos dirigidos, Simulação, Expositiva Dialogada, Vídeos e Textos.

 

Objetivos (ao final das atividades, espera-se que os alunos sejam capazes de):

 

- Desenvolver habilidades em estudos investigativos tais como: observação, coleta de dados, elaboração de hipóteses e interpretação dos dados obtidos.

 

- Refletir sobre as causas do desmatamento associada às necessidades de consumo do ser humano e pensar, de maneira crítica, possíveis soluções que podem reduzir o desmatamento das florestas brasileiras.

 

- Valorizar o trabalho coletivo, compreendendo os diferentes pontos de vista para a construção coletiva do conhecimento e, desenvolver, atitudes de cooperação e solidariedade com o grupo de colegas.

 

- Valorizar a diversidade de plantas e animais compreendendo a importância da vida e sua diversidade, para as relações entre o meio ambiente e os seres vivos, a natureza e o homem.

 

FASES

PROCEDIMENTO (Para o Professor)

PROCEDIMENTO (Para o Aluno)

RECURSOS

Pré Campo

Apresentar e entregar a tarefa.

Apresentar Imagens – BrainStorm.

Questionar/Indagar sobre as imagens.

Apresentar situações da região que sofreu desmatamento.

Identificação de diferentes valores que estão presentes nas diferentes formas de relação homem-natureza.

Proposta de tarefa individual.

Refletir sobre possíveis causas do desmatamento da região.

 

Datashow

 

Imagens sobre o tema

 

Roteiro de resposta dos alunos

 

Pré-Campo

Organizar os alunos em grupo.

Questionar sobre interações que existem entre plantas e animais.

Desenvolver conteúdos relacionado a Ecologia.

Indagar sobre as possíveis relações entre os fatores que causam o desmatamento.

 Despertar para a construção de valores coletivos como a cooperação e solidariedade.

Discutir em grupo, possíveis interações ecológicas.

Diagnosticar pontos comuns das causas apontadas para o desmatamento.

 

Campo

Preparar os alunos para a excursão.

Apresentar e entregar o roteiro de campo

 Despertar para a apreciação estética da natureza para a valorização da natureza.

Responder as perguntas solicitadas no roteiro.

Apreciar elementos naturais do ambiente.

 

 

 

Pranchetas

 

Roteiro de Campo

Pós-Campo

Retomar as questões do roteiro de campo.

Desenvolver os conteúdos relacionados à Botânica e Ecologia.

Apresentar o trecho de vídeo e entregar o estudo dirigido

Despertar para a reflexão de atitudes individuais promoverem mudanças no âmbito coletivo.

 

Opinar sobre a existência da fome no Brasil e no Mundo.

Responder as questões do Estudo Dirigido.

Refletir sobre o consumo associado ao desmatamento

Propor ações que podem solucionar o problema da fome.

Estudo Dirigido que apresente a produção de comodities do Brasil.

 

Trecho de vídeo: Garapa (2008)

Pós-Campo

Organizar os alunos em grupos.

Entregar os roteiros para o debate.

Orientar os alunos para elaborar argumentos e se posicionarem frente à situação apresentada de acordo com o grupo social

Estimular a participação política através de ações que envolvem tomadas de decisões coletivas.

Discutir e tomar um posicionamento frente a situação apresentada.

Argumentar sobre o posicionamento, buscando os elementos estudados.

Refletir sobre os modos de atuação política frente às questões socioambientais.

 

Roteiros de Debate

 

 

Conteúdos (Que questões o professor espera ser respondidas pelo aluno):

 

AULA 1: Pré-campo

- O que é o desmatamento? Onde ocorre no Brasil? Existiu, ou ainda existe, desmatamento em áreas urbanas? O que pode estar causando o desmatamento?

- Como é a biodiversidade no Brasil?

 

Aula 2: Pré-Campo

- Quais as consequências do desmatamento para a biodiversidade, e, como ele prejudica as relações de equilíbrio?

- Que relações existem entre as causas do desmatamento apontadas na aula anterior?

 

Aula 3: Campo

- Quais os principais grupos de plantas e quais existem no jardim da escola?

- Você consegue identificar alguma relação entre os seres vivos deste ambiente?

- No ambiente em que você está, existe ou já existiu desmatamento?

 

Aula 4: Pós-Campo

- Como é a alimentação das plantas? Qual o principal “alimento” delas? Por onde ocorre o transporte deste alimento?

- Quais importâncias sociais, ambientais e econômicas, advêm da produção vegetal?

- Como a produção de alimentos está relacionada à alimentação no Brasil? Existe fome no Brasil? - Existe fome no mundo?

 

 Aula 5: Pós-Campo

- Quais posicionamentos estão presentes, na problemática do desmatamento, nos diferentes grupos sociais?

- Que alternativas e medidas são possíveis atualmente para a problemática do desmatamento?

 

Referencias bibliográficas:

 

BONOTTO, D. M. B. Educação Ambiental e o Trabalho com Valores In: BONOTTO, D. M. B.; CARVALHO, M. B. S. S. (org.) Educação Ambiental e o Trabalho Com Valores: reflexões, práticas e formação. São Carlos: Pedro& João editores, 2012, p. 35-55.

 

BONOTTO, D. M. B. Contribuições para o trabalho com valores em educação ambiental. Ciências & Educação. V. 14, n. 2. Bauru. 2008. (p. 295-306.). Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-73132008000200008&script=sci_arttext>. Acessado em: 11 de dezembro de 2012.

 

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: Brasília, 1997. 126p.

 

CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental: formação do sujeito ecológico. 3ed. São Paulo: Cortez. 2008.

 

CARVALHO, L. M. Educação e Meio Ambiente na Escola Fundamental: perspectivas e possibilidades. In: Projeto – Revista de educação: Ciências: que tema eleger? Porto Alegre: Projeto, vol. 1, n.1, 1999, p. 35-39.

 

______. Falta sistematizar melhor as avaliações de EA In: TAMAIO, I.; SINICCO, S. (Org.) Educação Ambiental: seis anos de experiência e Debate. São Paulo: Editora Ecopress e WWF-Brasil, 2000, p.30-32.

 

COSTANTIN, A. C. C. Museus interativos de ciências: espaços complementares de educação? Interciencia, 26(5), 2001, p. 195-200.

 

CAZELLI, S.; MARANDINO, M.; STUDART, D. C. Educação e comunicação em museus de Ciência: aspectos históricos, pesquisa e prática. In: GOUVÊA, G.; MARANDINO, M.; LEAL, M. C. Educação e Museu: a construção social do caráter educativo dos museus de ciência. Rio de janeiro: Access, 2003. p. 83-103.

 

Garapa. Produção de José Padilha e Marcos Prado. Brasil: Zazen Produções, 2008. DVD (110 minutos). Son., grav.

 

JAVIER, G. G.; MARTÍNEZ BERNAT, F. J. Cómo y qué enseñar de la biodiversidad en la Alfabetización Científica. Enseñanza de las ciencias. 28(2), p.175-184. 2010.

 

KRASILCHIK, M.; MARANDINO, M. Ensino de Ciências e Cidadania. 1ed. São Paulo: Ed. Moderna, 2004. 88 p.

 

LAMIN-GUEDES, V. Biodiversidade dentro da escola. Revista Educação Ambiental em Ação. n.39 mar. 2012. Disponível em:<http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1177&class=41> Acesso em: 12 de dezembro de 2012.

 

LOUREIRO, C. F. B.; TREIN, E.; TOZONI-REIS, M. F. C.; NOVICKI, V. Contribuições da teoria marxista para a Educação Ambiental Crítica. Educação e Sociedade. Campinas: Cedes, vol.29, n. 77, p.81-97, 2012  

 

LOPES, C. S.; PONTUSCHKA, N. N. Estudo do meio: teoria e prática. Geografia (Londrina), v. 18, n. 2, 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/article/view/2360>

Acesso em: 10 de dezembro de 2012.

 

MARANDINO; SELLES; FERREIRA. Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. Cortez: São Paulo, 2009. 

 

MINC, C. Ecologia e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1997. 128 p.

 

SANTOS, W. L. P.; MORTIMER,E. F. Uma análise de pressupostos teóricos da abordagem C-T-S (Ciência – Tecnologia– Sociedade) no contexto da educação brasileira. Ensaio- Pesquisa em Educação em Ciências – Volume 2/ numero 2, 2002.

 

SILVA, L. F.; CARVALHO, L. M. A Temática Ambiental e o Processo Educativo: o ensino de física a partir de temas controversos. Ciência & Ensino, v. 1, n. especial, p. 1-12, 2007.

 

TEIXEIRA, P. M. M. A educação científica sob a perspectiva da pedagogia histórico-social e do movimento CTS no ensino de ciências. Ciência & Educação, v. 9, n. 2, p. 177-190, 2003.

 

ZABALA, A. A função social do ensino e a concepção sobre os processos de aprendizagem: instrumentos de análise In: A Prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

Ilustrações: Silvana Santos