Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 42) ÉTICA AMBIENTAL EM HANS JONAS: A NECESSIDADE DO PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE PARA A CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA
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ÉTICA AMBIENTAL EM HANS JONAS: A NECESSIDADE DO PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE PARA A CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA

 

 

Marcel Alcleante Alexandre de Sousa

Acadêmico do Curso de Licenciatura em Filosofia na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB <*>

E-mail: marcelalcleante@yahoo.com.br .

 

 

Resumo:

O artigo discute o princípio responsabilidade de Hans Jonas e a educação ambiental a partir de uma única perspectiva: a vida no planeta Terra. Em sua obra O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica (1979), o filósofo apresenta os fundamentos éticos para o meio ambiente e critica a técnica moderna a qual é uma ameaça a biodiversidade. Essa postura filosófica reflete um novo paradigma no campo da ética levando o homem a pensar nos direitos de cada ser vivo. Assim, a discussão sobre o tema pretende defender a tese de que a responsabilidade ambiental e essencial para a preservação dos seres vivos.

 

Palavras – chave: Filosofia. Ética. Hans Jonas. 

 

 

 

O texto tem como tema a ética ambiental e pretende questionar as posturas do homem moderno em relação à natureza. É oriundo de pesquisas bibliográficas e está fundamentado na filosofia de Hans Jonas.

Hans Jonas, filósofo alemão, publicou em 1979 a obra “O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica”[i]. Tratá-se de uma crítica a técnica moderna e aos filósofos antropocêntricos. Nesta perspectiva, é possível investigar com o tratado os fundamentos éticos que equivalem à preservação do meio ambiente.  Pensa-se assim, porque propõe o princípio responsabilidade um imperativo fundamental para a vida no planeta Terra. Tratando-se de uma filosofia, pensou-se que a sua teoria pudesse contribuir para a tríplice retomar\debater\aplicar com a possibilidade de uma responsabilidade segura para a existência da vida no planeta.

Desse modo, o tema da responsabilidade joniana e da educação ambiental se apresentam como significativas na conscientização de um povo descentralizado de sua relação com a natureza. É preciso retomar aos valores, aos direitos à vida, já que, diante da morte, teme e nada causa medo ao homem.

Com a técnica moderna é possível perceber o quanto a retomada é urgente, pois a técnica moderna está sendo produzida demasiadamente em longa escala. O aquecimento global é um exemplo mais concreto dessa necessidade a qual as investigações desse trabalho, a partir da filosofia de Hans Jonas, apresenta. Assim, em que instante o homem deve regredir, levando em consideração que para o progresso é esperado alcançar os principais padrões que equivalem para o desenvolvimento e, portanto, o bem estar momentâneo.

Diante do dióxido de carbono (CO2)[ii], o Corofluorcarbono (CFC), o Metano (CH2), o Ácido nítrico (HNO3) e o Ozono (O3)[iii] o ser vivo moderno tem uma relação permanente chegando a ultrapassar uma pequena vivência com o natural. A técnica moderna apresenta-se perigosa para o bem estar das futuras vidas por causa da produção desses perigosos gazes.

Diante disso, acredita-se que o princípio responsabilidade do filósofo Hans Jonas possa apresentar à educação ambiental os fundamentos que correspondam às exigências do consumo exagerado, passando, portanto, a colocar o ser humano ante a face da extinção da sua própria raça e a de tantos outros seres vivos. Assim, procurar-se-á apresentar as primeiras concepções do conceito de responsabilidade, para uma perspectiva ambiental e nelas o fundamento filosófico necessário a existência dos seres vivos.

O tema do meio ambiente a partir de um olhar filosófico questiona o agir humano em relação à biodiversidade. Diferente da preocupação tradicional, a ética de Hans Jonas apresenta uma racionalidade pratica ora objetiva, ora subjetiva. Embora seja para a vida humana, a ética ambiental contradiz a ética tradicional. A “ética é um conjunto de valores e princípios, de inspiração e dedicações que valem para todos, pois estão ancorados na nossa própria humanidade” (BOFF, 2003, p.11). A Ética Antropocêntrica se difere da Ética Ambiental. Esta se refere ao agir para com o meio ambiente que não deixa de excluir o homem, enquanto aquela, Hans Jonas diz que: “a significação ética dizia respeito ao relacionamento direto de homem com homem, inclusive o de cada homem consigo mesmo; toda ética tradicional é antropocêntrica” [iv] e leva em consideração apenas o homem.

Diante disso, um paradigma da filosofia prática é apresentado como uma evolução do homo sapiens. Isso pode ser percebido ao levar em consideração a história do ser humano e de seu pensamento. Ao sair da pré-história, no período paleolítico e neolítico, em pequena escala, consegue dar uma evolução aos instrumentos que eram usados para a produção de alimentos. Nem a pedra lascada, nem a pedra polida podem ser consideradas um mal para os homens.  Lidavam com a techné de modo simples e em nenhum momento poderiam ser pensadas como um problema para os seres vivos. No entanto, o perigo não estava nas engenharias das cavernas e em sua evolução.

O povo grego, no período clássico, desenvolveu um sistema fechado de sociedade. É possível encontrar nessa sociedade uma preocupação com a formação do cidadão grego. A pólis para os gregos, neste espaço de tempo, era o centro em que os filósofos, Platão e Aristóteles, especificamente, se preocupavam. Eles escreveram tratados referentes ao bem viver: Platão escreveu n‘A República a cidade ideal e Aristóteles na Política sua concepção de estado.

Até aqui, foi preferido apresentar duas realidades que tem um significado para a exposição da temática.  Pode-se dizer que a evolução da técnica e o modo de pensar antropocêntrico, em especial, dos gregos são conduzidos ao grande risco que, ante o momento da evolução do saber científico, o homo sapiens vai aos poucos desenvolvendo. O problema da técnica pode melhor ser entendida com o seguinte argumento:

 

o grande risco ‘que se encontra encerrado no sucesso extraordinário do poder tecnológico é aquele que envolve a possibilidade de desfiguração da essência ou natureza daquilo que tradicionalmente é pensado sob o conceito de ser humano’. Além disso, a vida do planeta também pode entrar em jogo. Para evitar tais riscos, é preciso ‘domesticar’ a técnica (GIACOIA apud ZIRBEL, 2005, p. 4).

 

Hans Jonas cita o coral da Antígona, de Sófocles (2006, p. 31) para melhor expressar a relação desastrosa entre a antiga técnica e a moderna.

Na pólis a responsabilidade dizia respeito ao agir eticamente diante de outro ser humano.  Virtuoso é o nome dado por Aristóteles àqueles que se apresentassem medianos. Na Ética a Nicômaco é possível perceber as características antropocêntricas que correspondem a um bom cidadão.

Os antigos que desenvolveram uma técnica para melhor lidar com os desafios da natureza e mais tarde em beneficio aos povos nômades não eram prejudiciais aos mesmos, pois a terra tinha capacidade de se auto-renovar, o trabalho exercido sob o meio ambiente era insuficiente para um desastre ecológico.

 

Numerosas são as maravilhas da natureza, mas de todas a maior é o homem! Singrando os mares espumosos, impelido pelos ventos do sul, ele avança e arrosta as vagas imensas que rugem ao redor! E Gea, a suprema divindade, que a todos mais supera, na sua eternidade, ele a corta com suas charruas, que, de ano em ano, vão e vêm, fertilizando o solo, graças à força das alimárias! Os bandos de pássaros ligeiros; as hordas de animais selvagens e peixes que habitam as águas do mar, a todos eles o homem engenhoso captura e prende nas malhas de suas redes. Com seu engenho ele amansa, igualmente, o animal agreste que corre livre pelos montes, bem como o dócil cavalo, em cuja nuca ele assentará o jugo, e o infatigável touro das montanhas. E a língua, e o pensamento alado, e os sentimentos de onde emergem as cidades, tudo isso ele ensinou a si mesmo! E também a abrigar-se das intempéries e dos rigores da natureza! Fecundo em recursos, previne-se sempre contra os imprevistos. Só contra a morte ele é impotente, embora já tenha sido capaz de descobrir remédio para muitas doenças, contra as quais nada se podia fazer outrora. Dotado de inteligência e de talentos extraordinários, ora caminha em direção ao bem, ora ao mal... Quando honra as leis da terra e a justiça divina ao qual jurou respeitar, ele pode alçar-se bem alto em sua cidade, mas excluído de sua cidade será ele, caso se deixe desencaminhar pelo Mal.

 

No canto é possível notar que o homem lhe dá com a natureza, ainda, de forma equilibrada, embora use de artimanha para se autobeneficiar. Mesmo assim, não se pode dizer que este seria um problema para a humanidade, para a biodiversidade. Porém, notam-se as possibilidades de avanços, especificamente, nos instrumentos confeccionados pela inteligência humana. Ele evolui e desenvolve técnicas cada vez mais sofisticadas e que melhor corresponda aos seus desejos.

Hans Jonas, com o texto citado, apresenta a ideia de que o homem pertence à natureza. Por isso, deve ser compreendido como o mais habilidoso, porém não o mais importante. A habilidade, característica do homem, é compreendida como a forma/modo de lhe dá com as coisas que lhe rodeiam. Cabe a ele usar essa capacidade para perpetuar a vida no planeta. A cidade do homem não é apenas um espaço geográfico, mas a Terra. Então, a sua racionalidade deve contribuir para o bem de todos os seres vivos. Este equilíbrio contradiz a destruição, o pôr em risco algo que não tem dono.

A notícia que chegou aos leitores do G1, a seguir, Centenas de animais marinhos surgem mortos em praias de São Paulo, mostra o problema da evolução da técnica. Ei-la:

 

mais de 200 animais marinhos foram encontrados mortos nas areias das praias da Baixada Santista e Litoral Sul de São Paulo entre sexta-feira (16) e sábado (17). Só neste sábado foram encontrados mais de 120 pinguins, três tartarugas e outras cinco aves marinhas em Peruíbe. Outros 22 animais foram achados mortos em Praia Grande. Técnicos investigam a causa da mortandade, que pode estar ligada à frente fria associadas a correntes marítimas. Um dia antes, 56 pinguins, três tartarugas e um golfinho foram recolhidos sem vida em Praia Grande. Apenas uma tartaruga sobreviveu e foi encaminhada para o Aquário de Santos. Em Iguape, no Litoral Sul, os que conseguem sobreviver recebem o atendimento da Polícia Ambiental. Biólogos e técnicos fizeram o reconhecimento das espécies. Os pesquisadores vão encaminhar alguns animais para a Universidade de São Paulo, onde serão feitos estudos para identificar a causa do número elevado de mortes[v].

 

Hans Jonas (2006, p. 32) diz que “a violação da natureza e a civilização do homem caminham de mãos dadas” pode-se dizer que este caminho é o espaço entre a preocupação com o seu desenvolvimento na pólis até os dias atuais. A natureza está perdendo para a irracionalidade humana, o seu espaço. Ela está sendo menosprezada pela civilização antropocêntrica. “Antes de nossos tempos as interferências do homem na natureza, tal como ele próprio as via, eram essencialmente superficiais e impotentes para prejudicar um equilíbrio firmemente assentado” (idem).

 Contrário a isso, com o desenvolvimento das técnicas do homem, o perigoso problema compromete a preservação do meio ambiente. Da técnica o homem passa ao homo faber e é a esse que o Princípio Responsabilidade se apresenta com maior significado e é urgente. Por isso, da ética do agora, Hans Jonas apresenta e propõe a ética do agora e do futuro. É preciso cuidar responsavelmente dos bens que é de toda a humanidade e ela é responsável por cuidar e procurar meios para que outros possam apreciar e ter os mesmos cuidados. É preciso, portanto, agir responsavelmente para com o patrimônio da humanidade.

Desse modo, a Educação Ambiental e o Princípio Responsabilidade de Hans Jonas andam juntos, sendo que, este procura dar fundamentos para uma educação consciente e libertadora de campanhas de consumo levando às ações concretas.

Sobre a responsabilidade, Hans Jonas entende como algo que está inebriado às questões valorativas. “[...] é o cuidado reconhecido como obrigação em relação a um outro ser, que se torna ‘preocupação’ quando há uma ameaça à sua vulnerabilidade” (idem, p. 352). Não se trata de algo que é um bem para o ego, mas um bem comum. No entanto, é preciso entender que:

 

nenhuma teoria voluntarista ou sensualista, que define o bem como aquilo que desejamos, é capaz de dar conta desse fenômeno primordial da existência, pois a responsabilidade de lidar com a reivindicação de um deve-se imperativo, o fundamento psicológico da capacidade de influenciar a vontade, isso é o fundamento racional do dever. A responsabilidade para Hans Jonas tem um aspecto objetivo (o da razão) e um subjetivo (o da emoção). (idem, p. 157).

 

Com estas características conceituais da filosofia prática de Hans Jonas é possível retomar a compreensão de valor numa dimensão ecológica. A razão humana dispõe de capacidades cognitivas para escolher como agir ante o bem e o mal. Sabe-se que as suas obras tomaram lugar e estão a ponto de substituir o natural pelo artificial. Desse modo, o natural está ameaçado e é a ele que a responsabilidade deve se voltar. Isso acontece quando existe a culpa, o medo que possa corresponder aos crimes cometidos a um bem.

 

 O poder causal é condição da responsabilidade. O agente deve responder por seus atos: ele é responsável por suas conseqüências e responderá por elas, se for o caso. Em primeira instância isso deve ser compreendido do ponto de vista legal, não moral. Os danos causados devem ser reparados, ainda que a causa não tenha sido um ato mau e suas consequências não tenham sido nem previstas, nem desejadas (idem, p. 165).

 

Diante disso, Peter Singer (2002, p. 296) diz que: “nossa posição traça os limites das considerações morais que dizem respeito a todas as criaturas sencientes, mas deixa os outros seres fora desses limites”.  É perguntado “tenho o direito?” Por isso, é necessário compreender que a ameaça poderá privar as futuras gerações de conhecer e apreciar a diversidade natural que está ao seu redor.

A posição de Hans Jonas é a conclusão pertinente a qual estas discussões se dirigem: “um patrimônio degradado degradaria igualmente os seus herdeiros” (2006, p. 353). Logo, a defesa de um Princípio Responsabilidade como fundamento para a Educação Ambiental torna o direito à vida um patrimônio exclusivo de cada ser vivo. É preciso pensar nas situações ecológicas de nossos tempos e também a posterior. Reciclar, cuidar, pensar, amar, desapego... são algumas medidas que o homem moderno deveria realizar.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007. (Coleção a obra prima de cada autor).

 

BOFF, Leonardo. Ética e eco-espiritualidade. Campinas, SP: Versus, 2003.

 

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução do original alemão Marine Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto PUC-RIO, 2006.

 

ZIRBEL, Ilze. Pensando uma ética aplicável ao campo da técnica: Hans Jonas e a Ética da Responsabilidade. Socitec e-prints. Florianópolis. V. 1, n. 2, p. 3-11, jul-dez, 2005. Disponível em: <http://www.socitec.pro.br/e-prints_vol.1_n.2_pensando_uma_etica_aplicavel_ao_campo_da_tecnica.pdf>. Acesso em: 18 de abr. de 2011.

 SINGER, Peter. O meio Ambiente. In: __. Ética Prática. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. 3º ed. São Paulo: Martins Fontes, p. 279-304, 2002.



<*>. Trabalho desenvolvido a partir do projeto de Extensão Fundamentos Éticos para o Meio Ambiente cadastrado na PROEAC – UEPB.

 

[i] . Tradução do original alemão Marine Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto PUC-RIO, 2006.

 

ii. As ações ilegais dos humanos contradizem essa luta.  Foi apresentado no veiculo de comunicação “Do globo natureza” que Garimpos ilegais podem aumentar desmatamento da Amazônia em MT. Disponível em: http://g1.globo.com/natureza/noticia/2011/08/garimpos-ilegais-podem-aumentar-desmatamento-da-amazonia-em-mt.html. Acesso em: 14 de agosto de 2011.

 

iii. São gases resultantes das atividades do ser humano.  O CO2 é responsável por 64% do efeito estufa. Seus responsáveis são: o petróleo, gás natural, carvão e a desflorestação. O CFC corresponde a 10% no processo de efeito estufa. São usados em sprays, motores de avião, plásticos, e solventes usados em indústria de eletrônica. O CH2 por 19%. É produzido por campos de arroz, por gado e pelas lixeiras. O HNO3 por 6 % e surgem da combustão da madeira e de combustíveis fósseis, também, pela decomposição de fertilizantes químicos e por micróbios. Esses dados podem ser conferidos no Manual da CF de 2010. Edições CNBB, no capítulo VER: As atividades do ser humano que mudaram o planeta. 

 

iv. Hans JONAS, Característica da ética até o momento presente, p 35.

 

Ilustrações: Silvana Santos