Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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10/09/2018 (Nº 42) CONSCIÊNCIA AMBIENTAL E PEGADA ECOLÓGICA DE ESTUDANTES DOS CURSOS DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E ENGENHARIA CIVIL DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA, MINAS GERAIS, BRASIL
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Consciência ambiental e Pegada Ecológica de estudantes dos cursos de Ciências Biológicas e Engenharia Civil da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, Brasil

Michelle Barbosa Mateus – Bióloga e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Biologia Animal, Museu de Zoologia João Moojen, Vila Gianetti, n. 32, CEP 36570-000, Viçosa-MG, Brasil. Telefone: (31) 3899-2586. barbosa.michelle@gmail.com

 

Helen Pinto Santos – Bióloga e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Estrutural da Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Biologia Geral, Campus Universitário s/n, CEP 36570-000, Viçosa-MG, Brasil. Telefone: (31) 3899-3367, fax: (31) 3899-2549. helen3_bio@yahoo.com.br

 

Laércio Antônio Gonçalves Jacovine – Engenheiro Florestal, Mestre e Doutor em Ciências Florestais, Professor Associado II da Universidade Federal de Viçosa. Departamento de Engenharia Florestal. Campus Universitário s/n, CEP 36571-000, Viçosa- MG, Brasil. Telefone: (31) 3899-1191, fax: (31) 3899-2478. jacovine@ufv.br

 

Resumo

O estilo de vida atual, baseado no consumismo, e suas conseqüências para o meio ambiente, tem se tornado foco de estudos e motivo de grande preocupação por ambientalistas. Diante disso, objetivou-se com o presente trabalho analisar a consciência ambiental de estudantes dos cursos de Ciências Biológicas e Engenharia Civil da Universidade Federal de Viçosa. Para isso, foi aplicado um questionário, envolvendo sustentabilidade e outras questões ambientais, e o teste de Pegada Ecológica, a 20 alunos de cada curso. Os resultados obtidos mostram a necessidade de interferência nos cursos de graduação da instituição, a fim de melhorar a percepção ambiental dos estudantes, e, consequentemente, seu compromisso com um mundo mais sustentável.

 

Introdução

Cada ser que vive no planeta causa, de alguma forma, um impacto no ambiente. Devido ao estilo de vida consumista, problemas como a grande geração de resíduos vêm sendo questionados, e são apontados por estudiosos como um dos problemas ambientais mais graves da atualidade (RODRIGUES, 1998 apud MENDONÇA, 2007).

Apesar disso, apenas a pouco tempo que a preocupação com o planeta e sua sobrevivência surgiu. Com o predomínio das leis do mercado, modelos de desenvolvimentos sustentáveis se tornaram o foco para o equilíbrio entre os modelos econômicos e a preservação ambiental (GOMES, 2006). Penna (1999), que evidencia o hábito consumista das populações humanas, acredita que a tarefa da redução do consumo será árdua, sendo necessário reverter valores culturais enraizados.

Diante das dificuldades, como a imposição da cultura do consumo à sociedade, é preciso substituir a devoção ao consumo pela busca de valores baseados na sustentabilidade e uso adequado dos recursos naturais disponíveis (LAYRARGUES, 2002).

A educação, com papel fundamental na formação dos cidadãos, torna-se uma importante ferramenta para a dissipação de uma consciência ambiental baseada nestes novos valores. Desta forma, a educação para um consumo mais consciente é elemento-chave para a formação de indivíduos preocupados com a questão ambiental (GOMES, 2006).

Neste contexto, as universidades, no papel de formadoras de novos profissionais, são locais onde temas como disposição do lixo e valores culturais da sociedade consumista devem ser discutidos e estudados, não só por estudantes da área ambiental, mas por todos os demais cursos de graduação. Como afirma Mendonça (2007), a questão ambiental encontra-se dentro de um contexto bastante complexo. Devido a sua natureza interdisciplinar e interinstitucional, como ressalta o autor, essa questão demanda uma postura integrativa de diferentes áreas do conhecimento. Além disso, a própria Constituição Federal estabelece que é de dever do Poder Público “promover a educação ambiental em todos os níveis do ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (art. 225, §1º, VI/CF).

Assim, os meios de informação e o acesso a eles devem ser melhorados e incrementados com conteúdos ambientais. Segundo Jacobi (2003), promover esse aumento da consciência ambiental, aumenta também a possibilidade de participação de toda a população no controle e fiscalização dos causadores de degradação ambiental. .

Frente à necessidade de se buscar padrões sustentáveis, ou seja, o equilíbrio entre os recursos naturais disponíveis e a capacidade de suporte da natureza, é necessário que estudos sejam feitos. Para isso, uma ferramenta foi proposta em 1996 por William Rees e Mathis Wackernagel, lançada no livro “Our ecological footprint” (CERVI & CARVALHO, 2010).

Em português, a “Pegada ecológica”, consiste em um índice de sustentabilidade que indica a pressão exercida pelo homem sobre o planeta. Neste índice é calculada a área de terreno produtivo, geralmente dada em hectares, necessária para sustentar o estilo de vida de cada indivíduo, ou seja, quantos hectares são necessários para produzir o que uma pessoa consome por ano. A Pegada Ecológica (PE) pode ser analisada em diversas escalas, desde individual até mundial (FIRMINO, 2009).

Os temas abordados no teste da Pegada Ecológica incluem o consumo alimentar, o consumo de água e energia elétrica, a produção e disposição do lixo, questões relacionadas ao transporte e consumo de produtos florestais, dentre outros (CERVI & CARVALHO, 2010). Desta forma, o método é fundamentado no conceito de capacidade de suporte, e auxilia na introdução das questões ambientais na sociedade.

Nesse sentido, objetivou-se com o presente estudo  analisar, utilizando o conceito de Pegada Ecológica como referencial, a consciência ambiental de estudantes universitários da Universidade Federal de Viçosa de dois cursos de graduação: Engenharia Civil e Ciências Biológicas.

 

Metodologia

Área de estudo

A Universidade Federal de Viçosa, federalizada em 1969, conta com aproximadamente 11.219 estudantes matriculados (dados de 2009). Apesar da tradição na área de Ciências Agrárias, a Instituição apresenta caráter eclético, e expande-se em outras áreas de conhecimento como Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e Tecnológicas e Ciências Humanas, Letras e Artes (fonte: Universidade Federal de Viçosa).

Foram selecionados dois cursos de graduação para a realização deste estudo: Ciências Biológicas e Engenharia Civil. Os cursos abordados foram selecionados de acordo com o trabalho de Lamim-Guedes et al.(2012), portanto, a restrição aos alunos destes cursos foi empregada a fim de comparar a percepção dos estudantes sobre questões ambientais, que é abordada diferentemente nos dois cursos.

 

Levantamento de dados

O levantamento de dados foi realizado através de entrevistas baseadas em uma lista de tópicos proposto por Lamim-Guedes et al. (2012) em seu trabalho realizado na Universidade Federal de Ouro Preto. Os questionários foram aplicados a 40 estudantes de graduação, sendo 20 do curso de Ciências Biológicas e 20 estudantes de Engenharia Civil da UFV. Os dados foram coletados de forma não probabilística por conveniência, ou seja, apenas os indivíduos que permitiram acesso aos seus conhecimentos foram entrevistados (SOUZA, 2007).

A pesquisadora se identificou como estudante de pós-graduação e pedia permissão para realizar a entrevista, que cobria aspectos da temática ambiental, como conceito de sustentabilidade e pegada ecológica. As respostas dos entrevistados em relação às questões foram agrupadas, visando comparações posteriores.

Em seguida foi proposta uma avaliação da Pegada Ecológica do aluno, baseada no modelo de cálculo disponível no site Pegada_Ecologica.pdf >. A equivalência para os hectares e planetas obtidos foi baseada no modelo disponível no site da WWF-Brasil (, último acesso em maio de 2011).

Logo após o teste da PE, todos os entrevistados eram informados sobre o conceito e aplicação da Pegada Ecológica.

 

Resultados e Discussão

            Quando perguntado aos entrevistados o que se entendia por sustentabilidade, 85% (n=17) dos estudantes de biologia marcaram a opção correta, onde se diz que “sustentabilidade é um modelo econômico que visa a melhoria da qualidade de vida, respeitando os recursos naturais, os processos ecológicos e o direito das gerações futuras em usufruir do planeta tal qual o conhecemos”. Dos estudantes de Engenharia Civil apenas 50% (n=10) marcaram essa opção. Neste contexto, é possível observar que a diferença na área de conhecimento interfere na compreensão de determinados conceitos relativos à questão ambiental.

De acordo com Rees (2003), as contradições associadas à temática do desenvolvimento sustentável podem estar relacionadas às crenças e pressupostos acerca da natureza e a sua relação com a espécie humana. O autor ressalta ainda que as pessoas adquirem uma visão particular do mundo apenas por viver, crescer e serem educados em um ambiente sociocultural particular. Além de terem sua própria forma de ver essas relações naturais, os estudantes de Engenharia apresentam uma formação acadêmica menos contextualizada com a problemática ambiental.

Outro fator importante abordado no questionário foi a respeito das disciplinas que envolvem a temática ambiental. Na UFV, 50% (n=10) dos alunos de Biologia afirmaram que a temática está restrita a poucas disciplinas e 45% (n=9) disseram que, apesar de estar dispersa em várias disciplinas, a temática é abordada de forma superficial. No curso de Engenharia Civil, 70% (n=14) afirmaram que a temática está restrita a poucas disciplinas, e 30% (n=6) afirmaram que a questão ambiental está dispersa em várias disciplinas, porém é abordada de forma superficial. Nota-se que, a abordagem da temática ambiental não está inserida nas disciplinas durante todo o curso, tanto de Biologia quanto de Engenharia Civil. A fragmentação das áreas de conhecimento, entre os cursos e dentro do próprio curso, pode ser um fator que contribuiu para essa abordagem superficial e escassa da temática nos cursos.

Observa-se que a maior parte dos alunos afirmou que a temática é, de modo geral, pouco abordada ao longo dos cursos. Isto pode ser prejudicial à formação dos graduandos, já que ambos os cursos lidam e/ou manipulam direta ou indiretamente o ambiente, sendo fundamental uma abordagem adequada a respeito deste tema. De acordo com Jacobi (2003) “a dimensão ambiental configura-se crescentemente como uma questão que envolve um conjunto de atores do universo educativo, potencializando o engajamento dos diversos sistemas de conhecimento, a capacitação de profissionais e a comunidade universitária numa perspectiva interdisciplinar”.

Quando perguntado aos entrevistados se estes consideravam suas atividades profissionais potencialmente impactantes para o meio ambiente, 80% (n=16) dos alunos de Biologia e 95% (n=19) dos estudantes de Engenharia Civil disseram que sim. Para Ricklefs (2009) todas as atividades humanas têm conseqüências para o meio ambiente, podendo afetar direta ou indiretamente os processos ecológicos.  

A maioria dos alunos entrevistados (70,25%) não apresentaram domínio sobre o conceito de Pegada Ecológica. Assim como no trabalho de Lamim-Guedes et al. (2012), quando comparado os cursos, os alunos de Ciências Biológicas se destacaram em relação aos de Engenharia civil (Figura 1).

 

Figura 1: Respostas dos alunos quanto ao conhecimento do conceito de Pegada Ecológica.

 


Legenda: EC: Engenharia Civil; Bio: Ciências Biológicas.

 

 

 Como ressalta Dias (2002) o processo educacional atual está longe de preparar as pessoas com valores ambientais. O autor ressalta ainda que as instituições tornaram-se agências de comércio, de mais discriminação e poder.

Para o teste de Pegada Ecológica aplicado foram obtidos os resultados mostrados na Tabela 1.

 

Tabela 1: Média dos valores obtidos no teste da Pegada Ecológica dos alunos


 

Verificou-se que os alunos dos cursos de Ciências Biológicas e de Engenharia Civil apresentaram uma pegada ecológica de 5 e 6 ha, respectivamente. Estas são as áreas necessárias para que cada um dos alunos tenham os recursos necessários para o seu consumo e descarte dos seus resíduos. Estes valores estão acima da Pegada Ecológica média do brasileiro – 2,9 ha/pessoa, para o ano de 2012, de acordo com o Relatório Planeta Vivo, da WWF-Brasil.

Segundo WWF (2007), teoricamente, 1.8 hectare é a média de área disponível por pessoa, no planeta, de modo a garantir a sustentabilidade da vida na terra. Assim, caso todos os habitantes da terra tivessem o consumo de 5 e 6 ha, conforme foi o resultado para os alunos do curso de Ciências Biológicas e de Engenharia Civil, seriam necessários 2,8 e 3,3 planetas para suportar o seu consumo, respectivamente.

A análise da PE destes estudantes expõe, mais uma vez, o drama da insustentabilidade, e atenta para a necessidade dos estudantes reverem seu estilo de vida e sua forma de se relacionar com o ambiente.

 

Conclusão

Entende-se que todos os cálculos feitos neste estudo são apenas uma aproximação da realidade e que, devido à complexidade do tema abordado, é quase impossível considerar todos os aspectos do consumo de um indivíduo.

Os cursos de graduação nas instituições de ensino deveriam ter mais atenção no que diz respeito à Educação Ambiental dos seus alunos. Não só inserindo mais disciplinas que tratem do tema como inserindo o tema na maior parte das disciplinas já existentes.

Além disso, mais estudos devem ser feitos, necessitando-se de um monitoramento constante, juntamente com novas propostas que busquem reverter as tendências do estilo de vida atual.

Os dados obtidos no teste da PE são bastante restritos, servindo apenas como parâmetros para análise da consciência ambiental dos alunos, e como forma de divulgar o conceito, voltando a atenção dos participantes para a questão do nosso estilo de vida e consumo.


Referências Bibliográficas

 

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Ilustrações: Silvana Santos