Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/09/2012 (Nº 41) PERCEPÇÕES, USOS E OCUPAÇÕES DELINEANDO OS PERFIS URBANOS DAS PRAIAS DE BAIRRO NOVO E DE BOA VIAGEM SITUADAS NO NÚCLEO METROPOLITANO DE PERNAMBUCO, BRASIL
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Educação ambiental em Ação 41
 

PERCEPÇÕES, USOS E OCUPAÇÕES DELINEANDO OS PERFIS URBANOS DAS PRAIAS DE BAIRRO NOVO E BOA VIAGEM SITUADAS NO NÚCLEO METROPOLITANO DE PERNAMBUCO, BRASIL

 

Maria do Socorro da Silva¹

Gilberto Gonçalves Rodrigues²

 

Resumo

 

O objetivo da pesquisa foi analisar os usos e ocupações das Praias de Bairro Novo – Olinda e Boa Viagem – Recife, pertencentes ao Estado de Pernambuco, por moradores e comerciantes populares, considerando comportamento, criticidade, meios de influência e perspectivas. Aplicaram-se questionários semiestruturados analisados quali-quantitativamente entre maio e julho de 2010. Foram entrevistados 54 moradores e 25 comerciantes. Há preponderância de mulheres residentes e de homens comerciantes. Os moradores representam o grupo com nível mais elevado de escolaridade e se encontram em Boa Viagem os moradores com maior renda, enquanto que as menores rendas salariais estão distribuídas uniformemente entre os comerciantes. Enquanto os moradores foram atraídos pela beleza da praia, a motivação principal dos comerciantes foi a sustentabilidade econômica decorrente do desemprego. As orlas eram tranquilas, de fácil acesso, limpas, organizadas, seguras e pouco povoadas. As condições do passado estão mantidas para os comerciantes, mas os moradores discordam. A maioria dos entrevistados apontou várias mudanças ocorridas no ambiente. Os moradores se mostraram pouco interessados em reivindicar, assim como os comerciantes da orla de Boa Viagem. O meio para reivindicar é a informação direta com as autoridades, o que foi ineficaz. Conclui-se que o diálogo com as populações litorâneas precisa ser aprimorado. Apesar de não influenciar o Poder Público, os atores sociais exercem pressão comportamental. A limitação do número de barracas ou quiosques é eficaz, mas a atuação da construção civil precisa de maior controle.

 

Palavras-Chaves: Comportamentos; Atores Sociais; Praias.

 


 

1 Introdução

 

O objeto deste estudo é a praia, mas a praia construída pelos atores sociais, aquela que decorre das várias construções perceptivas; a praia como ambiente de moradia, de trabalho e de lazer. A praia que serve de moradia e desenvolvimento de atividades profissionais. A praia como extensão da casa, do apartamento, da barraca ou do quiosque. Bem de uso comum do povo, de perfil urbano, cujos serviços públicos e obras a transformam em mais um espaço urbano. A praia demarcada por quem nela vive, trabalha e se diverte e estas são as características de uma praia urbana.

Conforme Coriolano (2007 apud Costa et al., 2008, p. 2):

 

[...] são praias adjacentes a conjuntos de estruturas e equipamentos urbanos como amuradas, calçadões, equipamentos esportivos e de lazer, pistas de rolamento, calçadas, jardins e prédios, (públicos ou privados) que de alguma forma se juntam ao ambiente praial para compor a paisagem, transformando-a em um “espaço produzido”, ou seja, em uma “natureza social”.

 

Este artigo mostra a situação atual de duas praias pelo discurso de dois grupos sociais e até que ponto eles estão comprometidos com a conservação do ambiente, que mecanismos utilizam para influenciar a tomada de decisão do poder público, se foram criadas as condições para atendimento de suas reivindicações e em que medida as diferenças individuais influenciam o comportamento e a percepção ambiental daqueles que moram e trabalham nas praias.

Algumas vezes um estudo ambiental pode até envolver a pesquisa social como um acessório. Entretanto, conhecer a percepção vai mais além de um mero artifício para ampliar a percepção do pesquisador ou do gestor: é um subsídio à tomada de decisão.

Portanto, o objetivo desta pesquisa foi analisar os usos e ocupações da praia pelos moradores e comerciantes populares das orlas de Bairro Novo – Olinda e Boa Viagem – Recife em Pernambuco (Brasil) considerando os comportamentos, a criticidade, os mecanismos de influência e as perspectivas futuras dos sujeitos para o contexto da praia.

 

 

1.1  Percepção Ambiental

 

O ambiente natural e os ambientes construídos são percebidos de acordo com os valores e as experiências individuais dos homens. As diferentes percepções individuais estão relacionadas à personalidade, à idade, às experiências, aos aspectos socioambientais, à educação e à herança biológica. Os sentidos (visão, olfato, paladar, audição e tato) permitem-nos formar ideias, imagens e compreender o mundo que nos rodeia. A percepção decorre do processo ativo da mente com os sentidos e é motivada pelos valores éticos, morais, culturais, julgamento, experiências e expectativas daqueles que o percebem (MELAZO, 2005).

Duas pessoas não veem a mesma realidade e nem dois grupos sociais fazem a mesma avaliação de meio ambiente, mas com um pouco de boa vontade uma pessoa poderá entrar no mundo da outra, apesar das diferenças entre elas. Na modernidade, a visão é o sentido mais importante; é objetivo do mesmo modo que abstrato e que precisamos dos outros órgãos para que sejam aguçadas as nossas emoções e sensações (TUAN, 1980).

Os limites fisiológicos ou biológicos individuais, os sentidos menos ou mais aguçados, os traços temperamentais, a associação do físico com o temperamento e caráter, os talentos, as preferências e atitudes com a natureza, além do sexo e idade, são variações individuais que estão refletidas nas atitudes humanas em relação à vida (TUAN, 1980).

No entendimento de Silva & Leite (apud Silva et al., 2002) para a realização dos processos de educação, planejamento e gerenciamento voltados para questões ambientais é importante conhecer a percepção ambiental dos indivíduos envolvidos. Esse conhecimento facilita a compreensão das interpelações do ser humano com o meio ambiente. O indivíduo ou grupo de indivíduos vê, interpreta e atua de acordo com seus interesses, necessidades e desejos, recebendo influências dos conhecimentos adquiridos anteriormente.

 

 

1.2 Ocupação da Zona Costeira Brasileira

 

Moraes (2007) fez um resgate histórico sobre as formas de ocupação da zona costeira brasileira que favorecem a compreensão do fenômeno do adensamento populacional nos espaços litorâneos.

Segundo o autor, em todas as áreas coloniais americanas, o colonizador chegou inicialmente por via marítima, formando nas zonas costeiras os primeiros núcleos de povoamento. A exploração dos recursos naturais por meio de portos marítimos, geralmente situados numa baía ou num estuário, gerou zonas de adensamento que deram origem as primeiras redes de cidades. Outros núcleos de povoamentos foram criados por povos africanos e por nativos, que fugiram da escravidão e que elegeram os espaços litorâneos isolados ou pouco ocupados como área de refúgio, formando comunidades envoltas em gêneros e vida rudimentares. A formação territorial brasileira segue tipicamente esse padrão de povoamento descontínuo.

Afirma Moraes (2007) que no período colonial a ocupação litorânea ocorreu principalmente em Recife-Olinda, Pernambuco, zona produtora de açúcar; no Recôncavo baiano polarizado por Salvador, Bahia, sede do governo geral até 1763; no Litoral fluminense, Rio de Janeiro, abrigo da corte portuguesa no início do século XIX e que se destaca também como zona de produção de abastecimento para as áreas mineradoras, na agricultura e na fabricação de aguardente; no litoral Paulista, Santos/São Vicente, que se destaca pela extensão da área de circulação, cujos fluxos chegavam até o Peru. Na primeira metade do século XX, um grande número de cidades costeiras perdeu o seu lugar como centro regional. Tais espaços, ao lado daqueles habitados por comunidades tradicionais, tornaram-se mais adiante zonas de assédio do surto de ocupação da zona costeira. A malha ferroviária associada aos portos reforçou a centralidade das grandes aglomerações. Ao final da década de cinquenta do século XX ocorre um novo padrão de assentamento em decorrência da instalação de industriais dependentes do abastecimento de insumos externos e dos portos.

Um outro padrão de ocupação, segundo Moraes (2007), são as residências de veraneio que é o fator mais expressivo da urbanização litorânea por ocorrer ao longo de toda a costa. O impacto desses assentamentos está diretamente relacionado à capacidade de ordenamento do solo dos poderes públicos. Mobilizam um fluxo de novas povoações em decorrência do aporte de pessoal da indústria de construção civil e de proprietários de terra, incorporadores e corretores, além de gerar tensão e conflitos ao mercado de terras. O movimento migratório traz também um contingente populacional que não é absorvido pela economia formal e que, por isso, cai na informalidade. Tais populações constituem um segmento marginalizado que exerce uma grande tensão social.

O Estado teve sua parcela de contribuição para a exploração das áreas de baixa densidade da costa, pré-idealizada por planos da esfera pública sobre o litoral. Tinha-se a visão de que o território nacional era um espaço a ser conquistado e que o patrimônio natural era infinito. A ação estatal dar-se nas últimas décadas em velocidade e intensidade antes desconhecidos e expressam-se em obras viárias, portuárias e de instalação de equipamentos produtivos. Também nas últimas décadas intensificaram os usos pela atividade turística incidente nas aglomerações litorâneas e nas áreas de baixa densidade. O setor é alimentado pela ampliação da classe média e pela recente demanda estrangeira.

A densidade demográfica da cidade costeira é superior à média do Estado costeiro, isto é, a ocupação da zona litorânea é superior à média estadual. Acolhe cinco das nove regiões metropolitanas brasileiras. Fortaleza, Recife, Salvador e Rio de janeiro estão assentados a beira-mar e Belém, num estuário próximo ao mar.

Nas cidades litorâneas, as praias foram adquirindo o status de ambientes desordenados, que parecem requerer poucos cuidados e com uma enorme capacidade de renascimento. O que atrai homens e mulheres para a praia mesmo que esteja encoberta pela dureza do asfalto ou por diques?

Relata Araújo (2007) que remonta ao período colonial e imperial as representações das praias como território sem dono e sem lei, terra-de-ninguém, lugar de liberdade e da não história, cuja monotonia era quebrada, vez por outra, quando surgia um porto ou povoado, vila ou cidade, uma povoação de míseros pescadores.

Tuan (1980) faz também uma abordagem pertinente sobre a atração que exercem as orlas marinhas sobre os seres humanos e que encontra respaldo nas afirmações dos moradores. Ele diz que a forma da praia exerce dupla atração: reentrâncias que sugerem segurança e o horizonte aberto que sugere aventura. O corpo humano normalmente desfruta do ar e da terra, mas na praia ele entra em contato com a água e com a areia, esta cede à pressão do corpo e a água, o recebe e ampara. Ele afirma que a praia teria sido a primeira morada da humanidade na África e que também era atrativa porque oportunizava o alimento, a fixação do homem, a reprodução e a aprendizagem. Seria o ambiente que favorecia a ambos os sexos, como o ato de nadar. A união da atividade recreativa e econômica poderia ter atraído o homem primitivo para praia, que suportou no passado pré-histórico de altas densidades demográficas, superiores às terras interiores.

Segundo Adams (apud Freitas, 2008), os fatores geográficos foram importantes para a criação da variedade de densidades populacionais entre os grupos litorâneos, ora servindo de atração, ora de repulsão, que contribuíram para a formação da morfologia social das formas de ocupação do solo e utilização dos recursos naturais.

Nas cidades, as praias são pequenos refúgios para o contato com o ambiente natural, ora tomado pelos mares, ora descoberto como uma trégua, mas a cidade avançou para o mar e não vem permitindo que o jogo continue.

Entretanto, como defende Polinari (1999), não podemos nos conformar com proposições generalistas, sem questioná-las, como a afirmação de que o homem degrada o ambiente ou que esse ou aquele é o motivo da devastação ambiental em tal área ou ainda que vamos resolver a vida de uma comunidade através de um certo projeto.

É importante que os atores sociais envolvidos na dinâmica de degradação sejam identificados, que os projetos ambientais sejam questionados e que a resolução dos problemas ambientais advenha de acordos entre os entes públicos, privados e a população.

Freitas (2008) fez uma leitura das implicações legais do uso e ocupação das praias e uma reflexão sobre as praias como um bem público de uso comum, sobre as obras de infraestrutura nos espaços litorâneos e suas consequências. Conforme a autora, no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, praia é a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico até o limite onde inicia a vegetação natural ou mesmo onde começa outro ecossistema.

As praias são bens de uso comum e que não exigem qualquer qualificação ou consentimento especial, mas se admitem regulamentações gerais para garantir a segurança, a higiene, a saúde, a moral e os bons costumes, sem as particularizações de pessoas ou categorias sociais. Cabe ao município, em conjunto com o órgão ambiental, assegurar no planejamento urbano o acesso às praias e ao mar, devendo os projetos de loteamento identificar os locais de acesso à praia e nas áreas ocupadas e sem acesso à praia, antes da publicação do Decreto, caberá ao poder público e o órgão ambiental definir e implantar as áreas de servidão de passagem no prazo máximo de dois anos de publicação desse Decreto (FREITAS, 2008)

Quanto à ocupação das praias, esta não se limita ao fechamento das praias para uso dos condomínios, mas também à colocação de guarda-sóis, mesas e cadeiras pelos hotéis e clubes situados à beira mar, que atrapalham a locomoção das pessoas, é a construção de Plataformas com bares e restaurantes sobre elas sem autorização, Existindo apropriação ilegal, cabe a administração pública reivindicá-los, como bens públicos, de quem deles se apossem ou impeçam a utilização pelo povo. Logo, os responsáveis por essas ações não podem se colocar como donos de um bem público (FREITAS, 2008).

 

 

1.3  Praias – Representações

 

Relata Araújo (2007) que remonta ao período colonial e imperial as representações das praias como território sem dono e sem lei, terra-de-ninguém, lugar de liberdade e da não história, cuja monotonia era quebrada, vez por outra, quando surgia um porto ou povoado, vila ou cidade, uma povoação de míseros pescadores.

Tuan (1980) faz também uma abordagem pertinente sobre a atração que exercem as orlas marinhas sobre os seres humanos e que encontra respaldo nas afirmações dos moradores. Ele diz que a forma da praia exerce dupla atração: reentrâncias que sugerem segurança e o horizonte aberto que sugere aventura. O corpo humano normalmente desfruta do ar e da terra, mas na praia ele entra em contato com a água e com a areia, esta cede à pressão do corpo e a água, o recebe e ampara. Ele afirma que a praia teria sido a primeira morada da humanidade na África e que também era atrativa porque oportunizava o alimento, a fixação do homem, a reprodução e a aprendizagem. Seria o ambiente que favorecia a ambos os sexos, como o ato de nadar. A união da atividade recreativa e econômica poderia ter atraído o homem primitivo para praia, que suportou no passado pré-histórico de altas densidades demográficas, superiores às terras interiores.

Segundo Adams (apud Freitas, 2008), os fatores geográficos foram importantes para a criação da variedade de densidades populacionais entre os grupos litorâneos, ora servindo de atração, ora de repulsão, que contribuíram para a formação da morfologia social das formas de ocupação do solo e utilização dos recursos naturais.

 

 

1.4 Praias – Bem público de uso comum

 

Freitas (2008) fez uma leitura das implicações legais do uso e ocupação das praias e uma reflexão sobre as praias como um bem público de uso comum, sobre as obras de infraestrutura nos espaços litorâneos e suas consequências. Conforme a autora, no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (1988), praia é a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico até o limite onde inicia a vegetação natural ou mesmo onde começa outro ecossistema.

Conforme a autora, as praias são bens de uso comum, assim como admite a Lei de Gerenciamento Costeiro (1988) e como indiretamente está na Lei 9.636, de 15 de maio de 1998 e que não exigem qualquer qualificação ou consentimento especial, mas se admitem regulamentações gerais para garantir a segurança, a higiene, a saúde, a moral e os bons costumes, sem as particularizações de pessoas ou categorias sociais. Cabe ao município, em conjunto com o órgão ambiental, assegurar no planejamento urbano o acesso às praias e ao mar, devendo os projetos de loteamento identificar os locais de acesso à praia e nas áreas ocupadas e sem acesso à praia caberá ao poder público e o órgão ambiental definir e implantar as áreas de servidão de passagem.

Quanto à ocupação das praias, esta não se limita ao fechamento das praias para uso dos condomínios, mas também à colocação de guarda-sóis, mesas e cadeiras pelos hotéis e clubes situados à beira mar, que atrapalham a locomoção das pessoas, é a construção de Plataformas com bares e restaurantes sobre elas sem autorização, afirma Freitas (2008). Existindo apropriação ilegal, cabe a administração pública reivindicá-los, como bens públicos, de quem deles se apossem ou impeçam a utilização pelo povo. Logo, os responsáveis por essas ações não podem se colocar como donos de um bem público.

 

 

2 Materiais e Método

 

2.1 Área de estudo

 

Neste trabalho serão apresentados os resultados da pesquisa de campo realizada nas Praias de Bairro Novo – Olinda e Boa Viagem-Recife, pertencentes ao Núcleo Metropolitano de Pernambuco, cujo artigo foi extraído da Dissertação da autora a ser defendida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal de Pernambuco em 2012.

A zona costeira pernambucana é segmentada em três setores nos quais estão inseridos os municípios litorâneos, estuarinos e contíguos aos municípios litorâneos e que exercem e/ou recebem influência dos mesmos ou que integram regiões geoadministrativas.

Segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Núcleo Metropolitano tem 1.014,6km2, o que corresponde a 40% da superfície da Região Metropolitana do Recife e a 22,8% do Litoral Pernambucano.

Possuía em 2000, conforme dados do IBGE, 2.639.594 habitantes ou o equivalente a 79,1% da população da Região Metropolitana do Recife e 74,4% do contingente demográfico do Litoral Pernambucano, mas a população litorânea estimada para 2005 totalizaria 2.822.059 habitantes.

As Praias de Bairro Novo (Latitude = 8° 02' 30'' S; Longitude = 34º 55' 00'' W) e de Boa Viagem (Latitude = 8º 04' 03'' S e Longitude = 34º 55' 00'' W) possuem, respectivamente, 2,1Km e 8,0Km de extensão.

 

 

2.2 Considerações metodológicas

 

Foi realizado um levantamento de campo do tipo Survey que consistiu na interrogação direta das pessoas com a aplicação de questionários semiestruturados, cujos resultados foram analisados quali-quantitativamente. A aplicação dos questionários com 27 perguntas ocorreu entre os meses de maio e julho de 2010.

Os meios técnicos da investigação adotados resultaram da combinação de dois métodos: observacional, que dar-se pela observação de algo que acontece ou que já aconteceu com o objeto de estudo; comparativo, por ressaltar as diferenças e similaridades entre os sujeitos envolvidos e de que modo esses fatores podem influenciar a percepção dos sujeitos sobre o objeto estudado, assim como descreve Gil (2009).

Foram selecionados como sujeitos da pesquisa os comerciantes populares que trabalham nas praias, cujos quiosques são mais conhecidos como barracas de coco, e os moradores da orla. Todos maiores de 16 anos e por testemunharem as transformações da faixa litorânea em decorrentes da relação cotidiana que eles mantêm com o ambiente praial, cabendo a cada residência e quiosque ou barraca uma entrevista por unidade.

Foram aplicados 20 questionários entre os moradores da Praia de Bairro Novo e a 12 comerciantes, conforme a amostra prevista para moradores e a censitária realizada com os trabalhadores. Em Boa Viagem foram aplicados 34 entre os moradores da orla e 13 entre os comerciantes.

 

 

Resultados e Discussão

 

Até a década de 1970, as praias do Setor Metropolitano ainda eram utilizadas para veraneio, sendo ocupadas principalmente por segundas residências (ARAÚJO et al, 2007). Hoje, são ocupadas (100%) por obras públicas e residências. O intenso movimento do trânsito na faixa estreita da orla compromete a qualidade de vida e a segurança dos pedestres.

Apesar de serem consideradas bem de uso comum do povo, as praias não estão livres das interferências de ordem econômica, turística, social, cultural e legal. São opções de trabalho para aqueles que estão desempregados, que comercializam informalmente bebidas e alimentos, que disponibilizam mesas e guarda-sóis e reivindicam melhores condições de trabalho e incentivos.

Os principais projetos e programas municipais, realizados ou a serem realizados nas zonas costeiras dos Municípios, têm entes públicos ou privados como parceiros e contam também com a participação ativa de Organizações Não-Governamentais e com a sociedade civil organizada, a saber:

a) Projeto de Recuperação: Visa a melhoria da praia, oferecendo lazer à comunidade, contenção do avanço do mar e recuperação da praia. As atividades são área de lazer, ciclovia, pista de Cooper, etc. Moradores, desportistas, barraqueiros, pescadores, capoeiristas são os beneficiados. O projeto é desenvolvimento pela Secretaria de Planejamento. Seguindo as recomendações do Monitoramento Ambiental Integrado (MAI), as obras não devem avançar na linha de costa e não se devem colocar obras duras;

b) Participação no MAI: Visa estudar os fenômenos que ocorrem nas orlas. As atividades estão voltadas para o monitoramento ambiental. Os beneficiados são os moradores, comerciantes e usuários da praia. Participam da equipe de trabalho as Prefeituras de Olinda, Paulista, Recife e Jaboatão dos Guararapes;

c) Participação no Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (CEMIT): O objetivo é informar-se e ter apoio sobre a incidência de tubarão. Usuário da praia, pescadores, surfistas são os maiores beneficiados. Participam do Comitê o Agência Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (CPRH), Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Corpo de Bombeiros, Defesa Social, Instituto Oceanário, Praia Segura, Prefeituras, Universidade Federal Rural de Pernambuco.

 

 

3.1 Análise dos Questionários Aplicados

 

Entre os moradores foram entrevistados 8 homens e 12 mulheres que representam 40% e 60% da totalidade de indivíduos, respectivamente, da Praia de Bairro Novo. Na orla de Boa Viagem, 16 homens e 18 mulheres, correspondem a 47,1% e 52,9%, respectivamente. Há uma preponderância de indivíduos do sexo feminino nas duas localidades.

Foram entrevistados 7 comerciantes do sexo masculino e 5 do sexo feminino que representam, 58,33% e 41,70%, respectivamente, da totalidade de indivíduos entrevistados na Praia de Bairro Novo. Em Boa Viagem foram 10 homens e 3 mulheres que representam 76,92% e 23,08%, respectivamente, da totalidade. Neste grupo ocorre o oposto, há mais homens do que mulheres.

Os moradores de Bairro Novo estavam com idades entre 17 anos e 90 anos e média das idades ficou em 50,5 anos, o Desvio Padrão (S) é igual a 21,76 e o Coeficiente de Variação (CV) é igual a 43,10%. Em Boa Viagem as idades ficaram entre 18 anos a 87 anos e a média de idades ficou em 46,94 anos, o Desvio Padrão (S) é igual a 17,49 e o Coeficiente de Variação (CV) é igual a 37,27%.

Os comerciantes de Bairro Novo estavam com idades entre 22 anos e 65 anos e média das idades ficou em 44,75 anos, o Desvio Padrão (S) é igual a 13,27 e o Coeficiente de Variação (CV) é igual a 29,66%.  Em Boa Viagem, as idades ficaram entre 25 anos a 60 anos e a idade média foi de 34,53 anos, o Desvio Padrão (S) é igual a 9,26 e o Coeficiente de Variação (CV) é igual a 26,81%.

Enquanto os moradores foram morar à beira mar atraídos pela beleza da praia em sua maioria, a motivação principal dos comerciantes foi a falta de sustentabilidade econômica decorrente do desemprego.

Na percepção dos moradores e comerciantes, no passado as orlas eram tranquilas, de fácil acesso, limpas, organizadas, seguras e pouco povoadas. A maioria dos comerciantes considera que as praias mantiveram as mesmas condições do passado, mas os moradores posicionam-se contrários a esta visão.

A frequência maior de uso da praia como espaço de lazer é indicada pelos dois grupos nas praias pesquisadas. Entretanto, a praia de Bairro Novo é pouco frequentada por moradores e a maioria dos comerciantes não frequenta a praia com este propósito. A caminhada é apontada como a principal atividade de lazer. Aqueles que não frequentam a praia destacaram os principais motivos: baixa qualidade da água, excesso de comércio informal, saúde, desinteresse.

Enquanto os esgotos a céu aberto, a falta de segurança e as obras de contenção foram indicadas pelos moradores das orlas como os principais problemas atuais, a falta de banheiros e de segurança foram os problemas mais ressaltados pelos comerciantes. Uma pequena parcela de entrevistados não percebeu qualquer problema. Na percepção dos grupos pesquisados, a Prefeitura de cada localidade é a principal responsável pelos problemas e cabe a ela resolver os problemas apontados.

Apesar dos problemas apontados e das possíveis soluções, os moradores se mostraram pouco interessados em reivindicar, assim como os comerciantes da orla de Boa Viagem. Aqueles que reivindicaram disseram que não foram atendidos pelo Poder Público e que o meio comumente utilizado para este fim é a comunicação direta com as autoridades.

Considerando o lixo produzido como a principal fonte de poluição, perguntou-se aos moradores e comerciantes qual era o destino do lixo que eles produziam quando estavam na praia. Os dois grupos afirmaram que colocavam o lixo nas lixeiras existentes nas praias, mas a grande maioria afirmou que as condições atuais das praias são negativas para atender com qualidade aos frequentadores.

Apesar dos problemas apontados, da falta de interesse em reivindicar a solução desses problemas, da falta de atendimento do Poder Público e de ter percebido que as condições atuais das praias são negativas para o atendimento dos frequentadores, os grupos pesquisados acreditam que mudanças importantes irão acontecer nos próximos anos.

4 Considerações Finais

 

A pesquisa revelou que o diálogo com as populações litorâneas precisa ser aprimorado. Neste sentido, faz-se necessária uma reeducação ambiental diante da acelerada transformação das áreas costeiras após a implantação dos projetos de urbanização das orlas, mas também uma resposta mais eficaz do Poder Público diante das reivindicações. É preciso envolver as populações litorâneas nos projetos e ações públicas.

Os fóruns de participação criados nos municípios não devem ser os únicos meios de comunicação com as populações. É importante que seja elaborada uma agenda específica para as populações litorâneas, que contemple as necessidades do conjunto, mas sem perder de vista as especificidades.

Apesar de não influenciar o Poder Público diretamente em suas decisões, os moradores e comerciantes populares exercem uma pressão ao consumir na praia, utilizá-la para o seu lazer, permanecer no ambiente por várias horas, comercializar produtos alimentícios ou mesmo quando descarta os resíduos na faixa de areia ou nas rochas graníticas, etc. Este comportamento gera novas necessidades e impõem medidas que visam à manutenção da limpeza e da higiene, a construção de obras públicas, o monitoramento diário das condições das praias e das obras, etc.

Nas praias, existe um controle sobre o número máximo de comerciantes populares. É possível também controlar o tipo de produto a ser comercializado. Este controle, a exemplo das áreas visitadas, está sendo eficaz porque conta com o apoio principalmente dos comerciantes.

Conclui-se que a pesquisa criou as condições favoráveis ao diálogo com as populações litorâneas, como também estimulou a criticidade. Neste sentido, o trabalho de educação ambiental desenvolvido pelos órgãos públicos não deve prescindir o acompanhamento sistemático das mudanças comportamentais e da percepção sobre o meio considerando as diferenças individuais e dos grupos que atuam nos espaços litorâneos de diversas maneiras.

 

 

Bibliografia

 

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ARAÚJO, M. C. B.; SOUZA, S. T.; CHAGAS, A. C. O.; BARBOSA, S. C. T.; COSTA, M. F. Análise da Ocupação Urbana das Praias de Pernambuco, Brasil. Revista da Gestão Costeira Integrada, v. 7, n. 2, p. 97-104, 2007. Disponível em: <http://www.aprh.pt/rgci/pdf/rgci7f2_2_mariaaraujo.pdf>. Acesso em: dez. 2007.

 

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FREITAS, M. A. P. de. Zona Costeira e Meio Ambiente – Aspectos Jurídicos. 1. ed., 4. tiragem. Curitiba: Juruá, 2008.

 

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Ilustrações: Silvana Santos