Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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19/09/2003 (Nº 4) Desenvolvimento sustentável em ecossistemas de manguezais
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1SILVA, Rommel Benicio Costa da; 2COSTA, Antonio Carlos Lola da; 3SILVA, Lívia Rejane Gomes da.

 

1)      Especialista em Educação Ambiental e Pós-graduando em Meteorologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa;

2)      Professor Adjunto da Universidade Federal do Pará; e

3)      Pedagoga pela Universidade da Amazônia

 

RESUMO

 

Os bosques de mangue constituem considerável patrimônio no aspecto bioecológico. A biodiversidade deste ecossistema está sendo alterada localmente pela ação antrópica do desmatamento, caça predatória e principalmente falta de utilização de manejos sustentáveis. Apesar da grande importância do estudo dos manguezais, sob vários aspectos da ciência, entre eles a Educação Ambiental, muito pouco se conhece a respeito das técnicas de manejo sustentável, que podem ser desenvolvidos naquele ecossistema, através da utilização e aplicação da Educação Ambiental, dentro e fora deste ecossistema. Os manguezais são importantes como fonte de alimento e sustento econômico de comunidades litorâneas, mas é preciso saber utilizar estes recursos, através de técnicas de manejo, de maneira que os mesmo não cheguem a escassez.

                        A Educação Ambiental, enquanto processo participativo do qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, adquirem conhecimentos, tomam atitudes, exercem competências e habilidades voltadas para a conquista e manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado contribuem fortemente para a ampliação dessa nova visão e para a adoção dessas novas posturas dos indivíduos em relação ao todo.

                        A cooperação com os que atuam nos meios de comunicação e com os comunicadores sociais, objetiva viabilizar aos que atuam nessas áreas (escritores, artistas, etc.) as condições adequadas para que contribuam para a formação da consciência ambiental da sociedade e para a promoção de valores ligados ao uso responsável dos recursos naturais, à preservação do equilíbrio do meio ambiente e à melhor qualidade de vida através de um manejo, ecologicamente, sustentável.

 

                       

INTRODUÇÃO

 

                        O Brasil possui amplas faixas de manguezais e somente na região Norte concentra-se 20% das florestas de mangue brasileiras. Em várias regiões do planeta estes ecossistemas vêm sendo degradados, devido a falta de um planejamento que tenha como base conhecimentos científicos e a consulta dos atores regionais.

                        A partir da conferência do Rio em 1992, vem aumentando a consciência pública sobre a necessidade de implementar políticas que assegurem o desenvolvimento racional dos ecossistemas do planeta, com a finalidade de garantir a sua sustentabilidade e preservação para as gerações futuras. Neste marco, surgem inúmeras iniciativas de cooperação internacional, as quais visam aumentar a capacidade de gerenciamento dos países, sobre seus capitais ecológicos. É neste contexto que surgiu, no Pará, o Programa MADAM – Manejo e Dinâmica em Áreas de Manguezais. O acordo de cooperação foi assinado entre os governos do Brasil e Alemanha em 1996.

                        Dentro das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas, incluem-se aspectos físicos, geoquímicos e meteorológicos do ecossistema, estudos sobre a biologia, ecologia, estrutura genética e dinâmica das principais populações de vegetais e animais que habitam os manguezais e ecossistemas estuarinos e, naturalmente, sobre atividades do homem, sua dependência econômica dos recursos naturais e as conseqüências ecológicas, sociais e culturais de suas atividades.

                        O Programa MADAM visa conhecer e compreender a estrutura e função dos ecossistemas costeiros, particularmente os manguezais. Sua novidade consiste em utilizar para tal, uma abordagem holística e multidisciplinar, com isso, pretende contribuir para que estes ecossistemas sejam utilizados pelo homem de forma sustentável.

                        A região do salgado, em especial a cidade de Bragança, no Estado do Pará, onde está direcionado este estudo, é conhecida pelas suas belas praias e pelos seus exuberantes caranguejos, sem falar na tradicional culinária paraense onde não pode faltar o camarão e o tucupi. A preocupação com o futuro desta região, onde o extrativismo é um fator constante, exige desde já compreender a biologia destes crustáceos, que aliado aos esforços da genética, poderá gerar respostas para elaboração de estratégias de manejo adequadas para evitar que estes valiosos recursos da região não venham a se exaurir.

                        Atualmente, com o aumento do esforço de pesca, o tamanho dos espécimes é cada vez menor, além disso, a sobrevivência das larvas no ambiente natural é muito pequena em relação ao número de ovos desovados, em torno de 2%. É comum haver períodos definidos para reprodução entre diferentes espécies, e esses períodos precisam ser determinados, para que a exploração seja racionalizada, evitando assim o comprometimento dos estoques.

                        A necessidade de fortificar as pesquisas ambientais, econômicas e sociais nas áreas costeiras tropicais ficou bem evidente após as discussões na Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em 1992 (Eco-92). Em 1996, com a implantação do Programa MADAM em Bragança, iniciaram-se vários estudos científicos sobre a área de manguezal do estuário do rio Caeté, dentre os quais destaca-se a busca da compreensão das relações sociais, econômicas e ecológicas entre as sociedades humanas e o recurso caranguejo a fim de perceber as suas ligações e dependências. E a partir de observações sistematizadas foram detectadas as características da produção/comercialização do caranguejo na área da pesquisa

                        No estuário do rio Caeté existem dois sistemas de produção/comercialização do caranguejo definidos a partir dos valores históricos da região: um sistema mais tradicional, que tem técnicas de trabalho historicamente acumuladas e culturalmente repassadas de geração a geração; e um outro recurso mais moderno, introduzido na região a partir da década de 70, inovando com tecnologia de captura, beneficiamento e comercialização.

                        Os manguezais Bragantinos são  um sistema de suporte à vida, suprindo de alimentos os grupos primitivos, ainda representados por seus descendentes, desde o início da colonização portuguesa. De um modo geral, é um povo de baixa renda praticando atividades que constituem a base social e econômica, dirigida pelo meio ambiente como repositório de recursos. A grande biodiversidade característica dos ecossistemas de manguezais depende em grande parte da estabilidade do meio físico, constituído pelo solo e a baixa atmosfera. Por sua vez, tanto o solo quanto a camada limite atmosférica, são fortemente alterados a nível local, pela ação antrópica do desmatamento para uso econômico da superfície terrestre. Essas modificações da cobertura vegetal, comumente observadas na região amazônica, além de alterações microclimáticas, têm aumentado a preocupação sobre a possível irreversibilidade do impacto ambiental local e sua influência nos regimes pluviométricos e no balanço de energia.

                         O manguezal de Bragança sofre degradação proveniente, principalmente, das atividades humanas, cuja intervenção, por menor que seja, rompe amiúde o equilíbrio sustentável do ecossistema, onde podemos destacar: o extrativismo vegetal e animal verificados no desmatamento para retirada da madeira e exploração da pesca e captura de caranguejos; manejo e exposição do solo para práticas agrícolas; desmatamentos para construção de palafitas sobre o manguezal; desmatamentos e aterros interceptando o manguezal para construção de estrada e instalação de linha elétrica; bloqueio da drenagem natural, através da semi-canalizações e barragem.

                        Educação como pressuposto de mudança social, é uma discussão largamente discutida dentro de novas correntes pedagógicas e filosóficas. Diz-se que as estruturas da sociedade vigente dependem da educação para fazê-la funcionar, por isso, existem aparentes incentivos para quantificá-la e assim, expandi-la.

                        A sociedade regional é essencialmente tradicional, dada a formação histórica da comunidade, sendo comum manifestações religiosas e culturais como grande influenciadoras da dinâmica social. Conseqüentemente o respeito aos anciãos é parte da cultura, pois são concebidos como pessoas de caráter, considerando toda a carga de suas experiências de vida. O saber acumulado é passado de geração a geração, constituindo, assim, a formação de famílias tradicionais. Cultura é manifestação presente no cotidiano dos comunitários caracterizando-se por um povo amigo e receptivo.

                        A educação enquanto meio formal é representado por escolas do sistema estadual e outra do ensino municipal, oferecendo o ensino fundamental, nos quatro ciclos de aprendizagem. Os alunos que desejarem dá continuidade aos seus estudos precisam alcançar, como os mais dedicados, o nível universitário, representado pelo Campus Universitário, mais para isso terão que transpor as barreiras da sobrevivência impostas pela necessidade de ganhar a vida e prosseguir nos estudos.

 

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

 

                        Segundo GLASER et al. (2000), o sistema de produção tradicional do caranguejo, onde o recurso é capturado e comercializado vivo, a extração é feita em área onde o crustáceo seja grande, gordo e macho (exigências do mercado), depois lavado nas águas do rio ou furos, sendo posteriormente amarrado em fieiras ou colocados em paneiros, confeccionados pelos próprios produtores a partir de cipós encontrados nas florestas locais.

                        De acordo com um trabalho de GLASER e colaboradores em 1998, no sistema tradicional de produção, o homem em média, captura 175 unidades de caranguejo por dia, onde 68% dos produtores capturam 52% da produção total, sendo usados meios de produção mais simples, aonde o produtor chega a pé, de bicicleta ou embarcações (com e sem motores), e a tiração é feita na bacia do rio Caeté. O “catador” anda até 10 km dentro do manguezal a procura do recurso, tendo uma jornada de trabalho, em média, de 7 horas por dia durante 6 (seis) dias semanais.

                        O Sistema de produção do caranguejo vivo é uma atividade essencialmente masculina, com a participação feminina excepcional no logradouro do trabalho. O sistema moderno de produção do caranguejo é uma atividade que envolve dois atores: o tirador, que desenvolve a atividade extrativista de captura do caranguejo, lavagem e esquartejamento do animal, (neste sistema os exemplares são extraídos sem tomar em conta se vivos ou mortos, se machos ou fêmeas, se pequenos ou grandes) e a catadora, responsável pelo processo de beneficiamento do caranguejo, cozimento, catação, embalagem e estocagem do produto. A catação, fazendo parte integral do sistema moderno da produção, também é geradora de renda pela parte mais carente da população rural da costa Bragantina.

                        Este sistema foi introduzido na região de Bragança na comunidade de Caratateua (distante cerca de 18 km da sede do município), na década de 70 por um antigo morador daquela vila que obteve o conhecimento do sistema de beneficiamento da carne do caranguejo na cidade de São Caetano de Odivelas vindo a introduzir tal sistema na região Bragantina. A partir desta mesma década intensificaram-se a abertura de rodovias municipais, ligando as vilas a cidade de Bragança, e dessa forma, facilitando o escoamento da produção. O novo sistema se expandiu e tornou-se um importante meio de sobrevivência para muitas unidades sociais do interior Bragantino, não esquecendo que no sistema moderno as mulheres desempenham papel fundamental na produção do recurso (recurso de sobrevivência = caranguejo), através do trabalho de beneficiamento e embalagem da carne do recurso.

                        Segundo RIBEIRO et al.(1997), cerca de 80% das famílias que vivem em torno dos manguezais nesta região, dependem exclusivamente do ecossistema dos manguezais, constituindo como base de sua economia a pesca e a captura de caranguejo, comercio este que movimenta boa parte da economia do município. A conversão de mangues exuberantes em áreas degradadas altera o equilíbrio de energia, representando um drástico impacto ambiental. A degradação dos manguezais poderá causar também uma mudança na quantidade de energia solar usada na evaporação, obviamente que isto vai depender da resposta das comunidades vegetais ao clima e à água disponível no solo. As árvores têm características de absorver e evapotranspirar a água da chuva rapidamente. Em épocas de seca, as árvores transpiram menos água do solo através das folhas, assim, em períodos de seca duradouros, elas poderão continuar evapotranspirando, devido às suas raízes serem mais profundas, enquanto plantas menores já teriam secado e morrido.

                        As áreas de manguezais degradadas são compostas basicamente por troncos apodrecidos e poucos espécimes em fase de regeneração. No manguezal degradado a evaporação de água através das plantas e a conversão de energia em fluxo de calor convectivo (sensível) é menor, assim, há menos energia para alimentar os sistemas atmosféricos. Todos os elementos encontrados na estrutura física e biológica dos manguezais integram uma conjuntura de variáveis ambientais, em que se destacam os componentes hidrológicos, caracterizados por marés, deflúvio e correntes que influenciam sua inundação e drenagem. Sob o ponto de vista meteorológico, é necessário que seja limitada a forma de exploração dos manguezais, pois a conversão de bosques de mangues em áreas degradadas, expõe a superfície à radiação solar direta, causando um ambiente adverso à regeneração das espécies, conduzindo alterações fisiológicas extremas, levando-as à intolerância e à extinção.

                        A área de manguezal de Bragança, desde há muito tempo vem sendo usada como meio de subsistência para o homem (MARTINS;1997). Acredita-se que os primeiros tiradores de Caranguejo nessa região tenham sido os índios Caeteuras, da família dos Tupinambás, que viviam nas vizinhanças do manguezal de Bragança, até a chegada de franceses, portugueses e holandeses em meados do século XVI. O tipo de produção do caranguejo era somente para subsistência e certamente insignificante para o desequilíbrio do meio ambiente. Com o crescimento populacional das vilas fundadas pelos europeus, e a falta de alternativas de trabalho, a tiração do caranguejo passou a ser um meio de subsistência para a população sem emprego fixo, tipo agricultores entre safras, pescadores sem condições materiais de trabalho e outros, mesmo assim sem caracterizar a exportação do produto. Por muito tempo, tirar caranguejo era uma atividade que não influenciava diretamente na economia das famílias em Bragança.

                        Até o final do século XVIII, a sociedade Bragantina era muito pequena e dependia diretamente do comércio de Belém, do início ao meio do século XIX, a partir da abertura da estrada de ferro (SANTOS, 1992), marco importante na economia da região Bragantina, foi sustentada pela agricultura, principalmente a produção da farinha de mandioca, além da chegada de agricultores japoneses que introduziram o plantio da pimenta do reino e açafrão e da criação de fazendas dedicadas a pecuária extensiva, formando colônias de produção agrícolas e extrativistas animais. A produção era escoada pela estrada de ferro representando um alto desenvolvimento para a cidade.

                        Porém, com a extinção da linha ferroviária, que ligava Bragança a capital do Estado no ano de 1956, e a abertura da Rodovia Federal Belém-Brasília, no ano de 1965, Bragança deixou de participar da rota do comércio no Estado, havendo um declínio nas exportações agrícolas, o que levou a população local, agora em maior número, devido ao susto do desenvolvimento da agricultura, a procurar alternativas de sobrevivência. E encontraram no manguezal vários recursos possíveis para produção e comercialização.

                        Depois da década de 60 o manguezal começou a sofrer intensivas explorações, destacando recursos animais como produtos primários para a comercialização, caracterizando uma nova era na economia de Bragança (MARTINS, 1997). Dessa época em diante, o recurso caranguejo (Ucides Cordatus), passou a ser o mais importante para a economia local por três motivos: primeiro: abundância no manguezal; segundo: para produzir não precisam de técnicas aguçadas, somente as habilidades humanas; e terceiro: grande procura por consumidores finais, por causa de seu sabor.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

 

                        O presente trabalho consta de um esforço para se construir o conhecimento científico, de tal forma que subsidiou-se um método flexível atrelado ao referencial teórico e ao esboço de todo um projeto. Em um primeiro momento foi feito um levantamento e estudo bibliográfico acerca de obras que enfoquem temáticas similares colocada em questão, bem como obras de caráter científico que possibilitem a discussão de paradigmas para a construção epistemológica do  conhecimento.

                        O município de Bragança é sediado na cidade do mesmo nome, localizado a Nordeste do Estado do Pará, situado à margem esquerda do Rio Caeté a uns 30 km  de sua desembocadura, a uma altitude de 29 m e na interseção das coordenadas 01°03´17´´ S e 46°45´54´´ W. O presente estudo foi elaborado a partir de trabalhos desenvolvidos pelo grupo de sócio-economia do Programa MADAM que, por sua vez, desenvolveu atividades de pesquisas no interior do município de Bragança, especificamente na área de manguezal das comunidades de Acarajó, Bacuriteua, Tamatateua Treme e principalmente Caratateua, bem como nos locais onde tais comunidades desenvolvem atividades de tiração do caranguejo.

                        A partir das observações feitas pelo grupo de sócio-economia do Programa MADAM, foi elaborado, pelo grupo, questionário apoiado por teorias e hipóteses que interessavam a pesquisa, e que, em seguida, ofereceram amplo campo de interrogativas, frutificando novas hipóteses que surgiram à medida que se recebia a resposta dos informantes. Então foram escolhidas e convidadas pelo grupo de sócio-economia do Programa MADAM, 5 (cinco) famílias de tiradores de caranguejo da comunidade de Caratateua para participarem do estudo de caso que compreendeu o monitoramento da produção familiar, da análise de usos e costumes e da influência da educação na sensibilidade ambiental dos familiares.

                        O pesquisador do grupo de sócio-economia do Programa MADAM, durante 15 dias, vivia na comunidade com uma das famílias participantes do estudo de caso e independente das campanhas, durante 01 ano, o pesquisador fez visitas semanais às famílias envolvidas na pesquisa.

                        A dedicação do pesquisador em seu trabalho leva-o, as vezes, a certas privações, mantendo-se com o mínimo de conforto, e em algumas situações, chega a fazer poucas refeições,  já que as comunidades envolvidas na pesquisa são, em geral, de acentuada pobreza, devido a precária divisão orçamentária do município. É dessa maneira que o pesquisador pode sentir e expressar com mais veemência a situação por que passa todas as famílias que vivem e sobrevivem do mangue.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

                        Para Caminharmos no sentido de desenvolvimento sustentável será necessário que a educação não apenas dure por toda vida, mas que além disso, seja ampla como a própria vida. Uma educação a serviço de toda a população, que aproveite todas as áreas do conhecimento e trate de inserir o saber em todas as principais atividades da vida.

                        No que se refere ao desenvolvimento sustentável, especificamente, é impossível prever de forma confiável quais serão os temas-chave sobre os quais as pessoas necessitarão ser informadas daqui a cinco, dez, vinte ou cinqüenta anos. Cabe prever, entretanto, que esses fatos não se encaixarão perfeitamente nas atuais subdivisões artificiais do saber que existem há mais de um século. Portanto, é provável que para compreender e resolver problemas complexos, seja necessária uma maior cooperação mútua entre os distintos campos da ciência, assim como, entre as ciências puras e as ciências sociais.

                        A visão de um mundo mais eqüitativo é inerente ao conceito de desenvolvimento sustentável. Essa meta apenas pode ser alcançada proporcionando-se a menos favorecidos e às suas famílias, meios de progredirem. E, entre esses meios, o mais essencial é a educação.

                        O primeiro requisito do desenvolvimento e da eqüidade é mudar a situação da educação no que concerne o  analfabetismo, e pôr, à disposição de todos um ensino de boa qualidade, mas esse objetivo ainda está bem longe de ser alcançado. A essa altura, o objetivo é atingir os melhores resultados a partir de uma situação lamentável e injusta.

                        A educação cumpre um papel duplo, reproduzir determinados aspectos da sociedade atual e preparar os alunos para transformar a sociedade, preparando-a para o futuro. Esses papéis nem sempre se excluem mutuamente, entretanto, se toda a sociedade não está comprometida com a causa do desenvolvimento sustentável, os programas de estudos tenderão, como no passado, a reproduzir o meio ambiente degradado, com o agravamento dos problemas ambientais e de desenvolvimento, em vez de capacitar os cidadãos a pensarem e a trabalharem na procura de soluções.

                        Reafirmar a contribuição da educação para a sociedade significa que as finalidades essenciais da educação devem compreender a vontade de ajudar os alunos a aprender, a identificar e os elementos que afetam o desenvolvimento sustentável e as formas de manejá-los. Existi a necessidade de que os alunos aprendam a refletir, de forma crítica, sobre seu lugar no mundo e a considerar o que significa desenvolvimento sustentável, para eles e para sua comunidade.

                        É evidente que as raízes de uma educação para o desenvolvimento sustentável estão firmemente implantadas na Educação Ambiental. Em sua breve trajetória de vinte e cinco anos, a educação ambiental esforçou-se em alcançar metas e resultados similares aos inerentes ao conceito de sustentabilidade, com os quais pode comparar-se. Uma das metas básicas da Educação Ambiental é conseguir que as pessoas e as comunidades compreendam o caráter complexo do meio ambiente natural e artificial, resultante da inter-relação de seus aspectos biológicos, físicos, sociais, econômicos e culturais e adquirir o conhecimento, os valores, as atitudes e as aptidões práticas que permitam participar, de forma responsável e eficaz, no trabalho de prever e de resolver problemas ambientais e de uma gestão qualitativamente apropriada do meio ambiente.

                        Diversos estudos têm atestado a riqueza natural e o valor dos manguezais na vida ambiental e social das populações que vivem à margem da costa brasileira. O aumento das explorações dos recursos naturais, através do rápido crescimento populacional e do desenvolvimento urbano, fazem das regiões costeiras um dos ecossistemas mais ameaçados nas últimas décadas. Esse ecossistema tem sido alvo de investidas que vieram gerar políticas regulando seu uso, desde o império até o presente, isso se reflete na adaptabilidade dessas populações, em particular daquelas unidades sociais que assentam sua vida nas atividades de uso do manguezal e que fazem desse ambiente um espaço de recurso primário mobilizável no cotidiano.

                        Em algumas situações o homem tenta, de diversas formas, adaptar-se as modificações locais, alterando o ambiente com introdução de situações não características da região, mas que por teimosia o homem a aplica. Citamos, por exemplo, a implantação da pecuária dentro de área de manguezal, o gado consome uma vegetação que, aparentemente, não é pasto, mas que serve de alimento para o ruminante.

 

                        Ao fundo, na figura 01, se vê vegetação característica de mangue, que são as Avicennias e Rizophoras, e na frente percebe-se que tentaram, com êxito até, a implantação da pecuária em áreas que, conforme a época do ano tornam-se alagada e a temperatura local cai a níveis, por vezes muitos baixos. No mangue existe uma diversidade de animas e vegetais com suas necessidades e capacidades de adaptar-se ao ambiente que lhes é imposto. A adaptação  climática  é de importância primordial para a sobrevivência de determinada espécie animal exposta ao clima de um ambiente, os animais só adquirem capacidade de agüentar determinados ambientes, se puderem suportar a temperatura reinante no local em questão. Para que um animal consiga sobreviver em determinado ambiente, é necessário que ele possua características fisiológicas que possibilitem ao mesmo, ter condições de aclimatação no meio em que está exposto.

 

Figura 01. Pecuária em área de manguezal.

 

                        No processo de aclimatação, ou em qualquer outro onde haja mudança significativa no clima, temos um problema relacionado ao estresse. O estresse vai acontecer sempre que o animal precisar se adaptar a uma nova situação climática, e de acordo com essa nova situação e o tempo de permanência pelo animal no novo ambiente, o estresse pode ser passageiro ou então tomar proporções irreversíveis para o animal podendo até, levá-lo a morte.

                        O estresse térmico causa uma redução na ingestão de alimento pelos ruminantes (Baile e Forbes, 1974). Variações no ambiente térmico induzem respostas fisiológicas específicas no sistema digestivo (Christopherson, 1985), como uma diminuição no fluxo sangüíneo para o rúmen (76% sob estresse severo e 32% sob estresse moderado), redução da motilidade ruminal e da atividade ruminatória. De acordo com Christopherson (1985), a ruminação é afetada, principalmente, pelo grau de modificação da temperatura ambiental em relação à qual os animais se acham aclimatados.

Fonte de radiação térmica sobre um animal em campo aberto (figura 02): (a) radiação solar direta de ondas curtas; (b) radiação, de ondas curtas, refletida pelas nuvens; (c) radiação de ondas longas, emitida pelo solo e refletida nas nuvens; (d) radiação celeste de ondas curtas; (e) radiação de ondas longas emitidas por corpos e objetos vizinhos; (f) radiação de ondas longas emitidas pelo solo; e (g) radiação de ondas curtas, refletida na superfície do solo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 02. Ruminante exposto a fontes de Radiação.

 

                        É inquestionável que as trocas térmicas por radiação entre os animais e seu meio ambiente assumem uma importância fundamental em climas tropicais. Em muitos casos, constituem a diferença entre um ambiente tolerável e outro insuportável.

                        As fontes de radiação térmica que rodeiam os animais são constituídas pelo sol, céu, abrigos, cercas, solo, edificações. Na figura acima, algumas dessas fontes são indicadas para animais em campo aberto, nessa figura observamos que um animal pode trocar energia térmica por radiação com um número considerável de corpos diferentes, alguns dos quais constituídos por superfícies não físicas ou apenas virtuais, como o céu aberto.

                      Os biólogos acreditam que o clima pode influenciar nas características das espécies animais, mudando-as. Eles afirmam que o animal, ao deparar com um clima estranho tentaria se ajustar ao novo ambiente, se conseguir êxito, ali viveria e as informações seriam passadas através de seus sucessores no sentido de adaptá-los melhor ao clima predominante, ou seja, isso provocaria uma mudança nas características do animal. Os estudiosos dessa linha de raciocínio seguem a seguinte expressão: genótipo + ambiente (clima) = fenótipo, já os autores mais recentes preferem se posicionar em uma situação intermediária entre os dois grupos.

                        Outro problema que vem surgindo na área do salgado é a abertura de estradas que, pelo que se vê é dentro da área de estudo nos manguezais (figura 03). Este tipo de construção tem que possuir um acompanhamento técnico, para que estas novas estradas não sejam abertas da mesma maneira que a rodovia que liga Bragança à Vila de Ajuruteua, onde muitos canais foram aterrados, onde o mais provável seria abrir a estrada respeitando o fluxo da maré para dentro do mangue através das canalizações nos locais onde há córregos que simplesmente, por serem rasos, foram aterrados, evitando que a água escorresse para o outro lado do mangue, revitalizando-o


 

 

Figura 03. A placa mostra o que será feito no futuro

 

A falta de canalização dentro da área de manguezal deixa, por muito tempo, conforme a época do ano, algumas áreas extremamente secas de um lado, enquanto do outro lado da mesma área o mangue mantém-se exuberante. A figura 04 mostra a realidade que hoje é vivida por quem, constantemente, depende dos recursos daquela área.  A esquerda, a área degradada possui uma extensão de, aproximadamente, 1 km   de distância   do  asfalto até a vegetação  mais  próxima, que é idêntica a vegetação exuberante situada a direita no sentido indicado pela seta.

 

 

Figura 04. Estrada que corta o Manguezal, a seta indica o sentido Bragança-Ajuruteua.

 

 

 

 

 

                        Durante a época das chuvas as áreas degradadas armazenam água, devido ao bloqueio dos canais pela rodovia, vindo a acarretar enorme proliferação de mosquitos e aumento da incidência de doenças entre os moradores. A figura 05 mostra uma das conseqüências da falta de elaboração adequada de projetos de pavimentação em ambiente impróprio ao uso de asfalto e seus derivados. Estas são apenas algumas das inúmeras atividades que ocasionaram a atual situação em que o ambiente se encontra, inclui-se também a retirada ilegal de madeira, a queima da vegetação, o   lançamento   de  lixo   ao longo da rodovia, etc.

 

 

Figura 05. Área degradada durante época das chuvas

 

                        O principal fator que concorreu para a degradação das áreas de manguezal foi o aterramento dos canais (figura 06) que serviam, por natureza, de vias de irrigação do mangue, bloqueando, por completo, algumas área devido à divisão pela estrada, ou seja, deixando de um lado da estrada, área totalmente alagada e do outro lado, área seca com toda sua exuberância,  que   o   manguezal   luta para manter, assim como a fauna que, cada vez mais, fica escassa, principalmente nas proximidades da rodovia, podendo ser encontrada apenas a quilômetros de distância dentro do manguezal.

 

 

Figura 06. Área alagada devido ao aterramento indevido dos córregos dentro do manguezal

 

                        Os lados da rodovia que ficaram desprovidos, a maior parte do ano, de receber água das marés, só as recebe durante o período conhecido como o “período das águas altas" que é o mês de março, onde as marés ultrapassam a rodovia atingindo os córregos, que por obra dos homens ficam "desativados" e seguindo seu curso que, se não estivesse bloqueado, seria um curso normal.

 

CONCLUSÃO

 

                        Educação como pressuposto de mudança social é uma discussão largamente discutida dentro das novas correntes pedagógicas e filosóficas. Diz-se que as estruturas da sociedade vigente dependem da educação para fazê-la funcionar, por isso, existem aparentes incentivos para quantificá-la e assim, expandi-la. Educação nas comunidades tradicionais são sistemas praticamente inexistentes, e a parcela existente é básica, para os indivíduos somarem, escreverem e lerem. A educação assume a função de cultura, ou seja, o repasse de conhecimento ainda é prática da cultura, transmitida nos ensinamentos de pais ou anciãos para os mais novos. Dessa forma perpetuado, por gerações e gerações, a estrutura tradicional da sociedade. Já educar, através do sistema formal de ensino, não é concebido como importante para a população local.

                        Os tiradores e as catadoras de caranguejo afirmam que o manguezal é muito importante para suas vidas, por serem a única fonte de sobrevivência e concordam que devem preservar o manguezal, repugnam os trabalhadores que tiram a fêmea (Condurua e/ou Condessa) e o caranguejo pequeno. Falam também, que as crianças que trabalham na tiração ou catação, não perdem aula, porém as professoras locais afirmam, contradizendo os tiradores e as catadoras, que a evasão temporária é grande, de acordo com os períodos de maior produção do caranguejo, pois algumas crianças que estudam de manhã, ou chegam atrasadas ou mesmo deixam de ir a escola.

                        Os tiradores de caranguejo acreditam que seus filhos terão visão diferente do manguezal, já que percebem o possível fim da espécie. Na prática, nada está sendo feito para sensibilizar crianças e adultos dos perigos do manguezal, acreditam também, que os estudos da Universidade na localidade de nada adianta, porque há tempos muita gente visita a comunidade e nada de concreto é feito para ajudarem, por isso que, em alguns casos, os pesquisadores enfrentam certa hostilidade por parte dos moradores, com relação aos trabalhos desenvolvidos na região.

                        Educar para preservar é uma filosofia inexistente em algumas comunidades da região Bragantina, conhecimentos de educação ambiental são práticas sem respaldo. Então não adianta ações preservacionistas ou normas legais de proibição se não há interesse real para mudar a estrutura de opressão social ao qual se encontra o produtor de caranguejo.

                        É preciso investir em educação de qualidade, onde possa propiciar mudanças de pensamento, porque é através da educação que se poderá propor mudanças, nesse caso, a educação, é como uma mola propulsora que impulsionaria o processo de mudança social e melhor gerenciamento de nossa política social, educacional, cultural e ambiental.

                        Em 1992, vários líderes de Estado se reuniram na cidade maravilhosa (Rio de janeiro), para participarem da II Conferência Mundial sobre Meio Ambiente (ECO-92), e discutirem problemas ambientais de ordem geral e comprometendo-se a assumirem medidas que viessem a frear a corrida desesperada pelo desenvolvimento social sem respeito ao meio ambiente, tais medidas foram denominadas de Agenda 21. A partir da ECO-92, dois termos sairiam do restrito mundo dos cientistas sociais e passaram a fazer parte do cotidiano de muita gente simples e preocupada com o fim do mundo: Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.

                        Desenvolvimento precisa receber nova conotação, onde sustentabilidade passe a ser seu sinônimo, contudo o que se encerra nas comunidades tradicionais das zonas rurais do país é a lógica capitalista, que impõem a essas comunidades o ritmo acelerado de desenvolvimento sem responsabilidade, e ao meio dessa conjuntura acabar que por sofrer, a cultura do homem tradicional, desestruturações no campo de suas acepções, manifestações e tradições. Na verdade desde a década de 70 que o manguezal e as comunidades vizinhas vem sofrendo mudanças sócio-ambientais de profundo impacto, tanto na estrutura econômica como nos aspectos culturais.

                        É necessária urgente a implementação de políticas públicas regulamentadoras de ações práticas para a existência de desenvolvimento sustentável. Na região do manguezal de Bragança, o sistema moderno de produção do caranguejo não oferece nenhuma segurança de futuro para o homem e para o caranguejo. O ritmo das explorações está muito acelerado, não se sabe até quando o ecossistema de manguezal suportará, e então, sem a única fonte de sobrevivência, o homem do manguezal padecerá na miséria, situação pior do que se encontra hoje.

                        Existe a necessidade de organizar, de maneira sustentável, os sistemas de tiração sem prejudicar o homem tirador de caranguejo e garantir a sobrevivência da espécie caranguejo, e principalmente acabar com os sistemas de dependência econômica entre produtor inicial e atravessadores, dando oportunidades de livre negociação e livre concorrência praticando assim uma justa negociação de preços.

                        Uma questão precisa de respostas urgente, até quando o equilíbrio ecológico está garantido no manguezal de Bragança. A educação, embora lenta e de longo prazo, ainda é a melhor maneira de promover um desenvolvimento com sustentabilidade.

 

 

 

BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS

 

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Ilustrações: Silvana Santos