Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/09/2012 (Nº 41) DESENVOLVIMENTO LOCAL E OS PROCESSOS DE MUDANÇAS SOCIOAMBIENTAIS NA COMUNIDADE INDÍGENA PATAXÓ HÃ HÃ HÃE, PAU BRASIL – BA
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DESENVOLVIMENTO LOCAL E OS PROCE

DESENVOLVIMENTO LOCAL E OS PROCESSOS DE MUDANÇAS SOCIOAMBIENTAIS NA COMUNIDADE INDÍGENA PATAXÓ HÃ HÃ HÃE, PAU BRASIL – BA

 

Erlon Santos de SOUZA, UESB, Especialista

Fábio dos Santos MASSENA, UESB, Professor

Iaponira Sales de OLIVEIRA, UFRN, Doutoranda

 

RESUMO

 

Este trabalho analisou o desenvolvimento socioeconômico e ambiental na comunidade indígena Pataxó Hã hã hãe, município de Pau Brasil. Para tanto, foram necessários a análise das características socioambientais, econômicos e políticos a partir do contexto sócio-histórico da comunidade. A pesquisa foi direcionada a comunidade indígena Pataxó Hã hã hãe da aldeia Caramuru, município de Pau Brasil, que teve como objetivo analisar no contexto interno e as relações estabelecidas entre a comunidade e o meio ambiente no uso sutentável dos recursos naturais a partir do conceito de desenvolvimento local, bem como as relações de cooperação estabelecidas no espaço comunitário entre os sujeitos-atores. Foram utilizados como ferramentas para coletas, formulários previamente elaborados, entrevistas, além da observação direta sobre ações cotidianas da comunidade indígena. As pessoas entrevistadas têm residência na aldeia Caramuru e seu entorno (Mundo Novo, Água Vermelha, Ourinho etc.). A base econômica atual da comunidade é basicamente voltada para o mercado, estando sustentado na criação de gado leiteiro (bovino), cultivo do cacau e menor proporção, a agricultura de subsistência, criação de abelhas e artesanato. Na comunidade existem várias organizações indígenas (associações), sendo poucas voltadas para projetos comunitários, ou seja, as organizações pertencem a grupos familiares. Nos últimos cinco anos a comunidade indígena tem apresentado um grau de desenvolvimento socioeconômico considerável quando comparado há anos anteriores, bem como foi constado a concentração e aumento de bens materiais para alguns grupos familiares em detrimento do desfavorecimento de outros. A perda de referência comunitária e coletiva, bem como política tem caracterizado o cotidiano da comunidade nos últimos anos como uma realidade atual e local.

 

Palavras – chave: Comunidade indígena, desenvolvimento interno, meio ambiente.

 

 

Introdução

 

O homem mantém uma aproximação de (inter) dependência em relação à natureza. No entanto, no contexto dessas relações, as necessidades humanas fazem prevalecer o controle antrópico sobre o meio, na utilização dos recursos disponíveis para sua existência, em alguns momentos quebrando elos que interligam os elementos na natureza, colocando em risco o ambiente e a perpetuação de sua própria espécie.    

As comunidades tradicionais através de suas práticas sustentáveis proporcionam no contexto sociocultural e ambiental a valorização e preservação da biodiversidade no uso dos recursos naturais, onde o conhecimento ecológico local define o perfil da tradicionalidade dessas populações ao nível de sua organização social, cultural e econômica mantendo relações de interdependência com o meio ambiente.

Grande parte dos ecossistemas existentes é preservada por comunidades tradicionais, como as comunidades de coletores e indígenas, que mantém vínculos com esses ambientes, num sistema de subsistência voltada para a satisfação de suas necessidades primárias. Os povos tradicionais (indígenas, quilombolas, ribeirinhas, caiçaras etc.), tornam-se os principais protagonistas na preservação da biodiversidade tanto a nível local, regional ou até mesmo global. Cunha (1999) anota que o saber local é um processo de investigação e recriação, portanto, a produção desse saber é uma combinação de pressupostos e formas de aprendizados, de pesquisa e de experiência.

O trabalho com comunidades tradicionais (indígena e pescadores) visa compreender as formas de relacionamento socioambiental a partir do conhecimento “ecológico tradicional” e a conservação da biodiversidade local, de forma que as ligações entre a conservação, populações locais e desenvolvimento interno passam a ser vistos como componentes inseparáveis do ecossistema (HAZANAKI, 2003), estabelecendo vínculos socioculturais, como conhecimentos sobre técnicas de cultivo e sustentabilidade adequados ao meio em que vivem, permitindo-lhes o papel de “guardiões do patrimônio biogenético do planeta.

Seguindo o raciocínio de Hanazaki (2003), o conhecimento tradicional complementa o conhecimento acadêmico, permitindo através da experiência e da prática das comunidades tradicionais, compreender as mudanças que ocorrem com as intervenções impostas pela ação humana sobre o meio ambiente.. 

As comunidades tradicionais apresentam características intrínsecas ao seu próprio conhecimento, e ao seu tempo, que ao longo dos anos são transmitidos de gerações a gerações. Nas observações de Rezende e Ribeiro (2005) as relações socioambientais nas comunidades tradicionais, e a construção do conhecimento tradicional estão relacionadas ao modo de vida que essas comunidades adquirem ao longo do tempo, exercendo o manejo dos recursos naturais disponíveis e essenciais à subsistência.

A aldeia indígena Caramuru Paraguaçu, localizada no município de Pau Brasil – BA, surgiu do processo de retomada das Terras do Posto Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, em abril de 1982, onde se encontravam a antiga Fazenda São Lucas, com uma extensão de aproximadamente 1.072 hectares. Até 1997, essa área concentrava toda população indígena local, que com os processos de retomadas a partir desse ano, iniciou o processo de despovoamento da comunidade quando as famílias passaram a migrar para outras áreas da reserva (Ourinho, Água Vermelha, Mundo Novo, Panelão, Braço da Duvida, etc.).

A aldeia é cortada no sentido sul-norte pela Rodovia – BA 667 (estrada de terra batida) que liga o município de Pau Brasil à Itajú do Colônia.

Atualmente, a comunidade de Caramuru possui serviços de atendimentos básicos como abastecimento de água potável (caminhão pipa), um colégio que atende um alunado da Educação Infantil ao Ensino Médio, Postos de Saúde e um serviço de rádio comunitária local, serviços de energia elétrica. Por muito tempo (27 anos) a aldeia foi sede administrativa do escritório local da FUNAI, que hoje se encontra descentralizado.

A comunidade indígena Pataxó Hã hã hãe, objeto de análise deste trabalho, no contexto de sua dinâmica interna, está passa por momentos de mudanças e transformações (social, econômica, cultural), fato vivenciado no cotidiano das pessoas e nas diferentes formas de relacionamentos interpessoais do grupo. Portanto, foi possível identificar que as mudanças nas relações comunitárias e coletivas, entre as pessoas da comunidade indígena Pataxó Hã hã hãe estão diretamente relacionadas ao processo de desenvolvimento capital e social pela qual a comunidade está vivenciando.

Como reflexo dessas mudanças, o coletivismo e o comunitárismo tornaram-se valores não tão importantes no seu cotidiano, refletindo negativamente na perda de referência identitária e o enfraquecimento do poder político local.

Portanto, entende-se que é de fundamental importância a investigação sobre o desenvolvimento interno na comunidade e a capacidade de cooperação dos seus membros.

Para isso levou-se em consideração o modo de vida da comunidade indígena e suas diferentes formas de perceber o lugar e os sujeitos presentes, além disso, buscou-se compreenderas relações estabelecidas entre a comunidade e o meio ambiente no uso sutentável dos recursos naturais a partir do conceito de desenvolvimento local, bem como as relações de cooperação estabelecidas no espaço comunitário entre seus membros. 

Visando obter uma resposta representativa dentro dessa comunidade, foram feitas entrevistas com as 8 lideranças indígenas, sendo sete do sexo masculino e um do sexo feminino, com idade entre 36 e 61 anos. Optou-se por esta amostra, pois mesmo existindo na comunidade lideranças indígenas do sexo feminino, constatou-se durante as entrevistas que a representação masculina ainda exerce forte influência nas decisões da comunidade, uma vez que na estrutura familiar prevalece a estrutura patriarcal como forma familiar.

A técnica de informação escolhida para as entrevistas foi a parcialmente estruturada, onde utilizou-se um formulário com questões estruturadas e abertas.

Também foi necessária a utilização da observação strictu sensu, laçando mão de instrumentos como diário de campo, registros escritos e fotográficos de situações cotidiana dos membros da comunidade, principalmente diante de situações comportamentais e tomadas de decisões.

Com o propósito de evidenciar as variáveis resultantes da pesquisa, houve a necessidades de coletar dados secundários com base de analise documental. Para isso, foram, simplificados em síntese e resumos dos primeiros, passando por um processo de seleção e julgamento dos mesmos.

Por se tratar de uma pesquisa feita em uma comunidade com uma dinâmica interna complexa, todos os cuidados foram tomados durante a realização das entrevistas e interpretação das informações obtidas com a coleta de dados.

 

2 Aspectos de origem das famílias  

 

A história de vida ou trajetória dos grupos familiares nos permite conhecer a origem das pessoas, os locais de pertença e os fatores internos e externos que por razões circunstanciais os levaram a percorre cominhos de idas e voltas até o seu ponto de origem (MATOS, 2007).

Ao serem questionados sobre o prazer em viver na aldeia, todos responderam sem restrições que gostavam, sendo que 65,5% justificaram gostar do lugar onde moram com seus familiares por considerar o lugar em que vivem, terra dos seus ancestrais (pais, avós, bisavós, etc.), por pertencerem ao lugar onde tudo começou. Sentimento este, presente nos discursos e nas manifestações socioculturais, atitudes cotidiana, mesmo naqueles que nasceram fora da aldeia, mas que construíram vínculos étnico-identitário com o lugar. Esse sentimento pode ser observado na transcrição feita de uma das entrevistas: “[...] todo local que você, você tem aquele amor [...] se apega ao local, se sente bem onde você vive [...] porque onde está todas as histórias dos nossos antepassados[...]”

Os demais (35,5%) disseram gostar de viver na aldeia por se sentirem bem na comunidade, não demonstrando nas suas falas sentimentos de pertencimento, mas por questão de conforto e conformidade se comparado com a vida que levavam fora da aldeia, trabalhando nas fazendas dos seus opressores a baixos salários, ou como operários da construção civil nos grandes centros urbanos.

Para muitos o fato de terem retornado a terra de origem dos seus antepassados, não representou a solução dos problemas inerentes ao grupo, uma vez que esses problemas passaram a ser identificados durante o convívio social de diferentes grupos familiares em um mesmo espaço.

Outros tiveram suas expectativas frustradas ao sonharem encontrar terras e matas férteis, quando na verdade o que encontraram foram pastagens e a escassez de muitos recursos naturais como a falta de água, terra inapropriada para agricultura, madeira para construção de moradias e geração de energia, falta de serviços básicos como educação, atendimento medico, assistência social etc.

Mas mesmo não encontrando “terra prometida” que seus pais e avós tanto falaram, para muitos, foram desafios a serem vencido, pois era melhor enfrentar as dificuldades em tom de liberdade, do que viver longe de suas terras, de sua gente, submisso aos interesses dos patrões que nem sempre eram amigáveis com os que se identificavam como indígenas, conforme transcrição a seguir:

[...] porque agente veio em busca de terra [...] chegando aqui agente conseguiu. O que queria, o que eu mais queria era viver independente, trabalhar pra mim mesmo [...] porque agente começou a trabalhar pra nóis mesmo [...] deixou de ser pessoas praticamente escravizadas [...] quando agente chegou na comunidade, agente começou a fazer nossas próprias atividades. Exerceu nossa própria cultura [...] e pra mim foi a melhor coisa eu poder sair da escravidão.

 

3 Aspectos social, econômico e cultural   

 

As interações socioculturais com outros grupos étnicos, ou comunidades indígenas de outras etnias, influenciaram na elaboração das representações culturais da comunidade. Essa percepção está presente nas atividades culturais do grupo, tendo como principal expoente o grupo cultural de jovens.

Em relação há tempos anteriores, hoje é comum os pais batizarem seus filhos com nomes indígenas, o que antes era extremamente raro, mesmo nos registros feitos nos cartórios da FUNAI. A razão é que antes as pessoas para preservar sua integridade física, preferiam colocar nomes comuns nos filhos, além de não possuírem uma consciência de revitalização da cultura, que só aconteceu mais tarde com a escola fora do controle da FUNAI, e com a presença de professores indígenas nas salas de aulas.

Atualmente a comunidade indígena conta com uma educação escolar voltado para o fortalecimento da identidade cultural do povo, com componentes curriculares voltados para valorização e revitalização cultural (Cultura Indígena), prática agrícola (Técnicas Agrícolas), e de uma forma pouco tímida, a questão ambiental (Meio Ambiente e Sustentabilidade Territorial).

Os grupos familiares são compostos por indivíduos em sua grande maioria envolvidos pelos laços de parentescos e relações étnicas, que se manifestam em todos os aspectos da dinâmica interna da comunidade desde o econômico, relações de poder, localização espacial dos grupos familiares bem como, suas perspectivas de futuro.

Entre as fontes de renda dos grupos familiares, aproximadamente 8% das famílias vivem exclusivamente da agricultura de subsistência, que comercializam o excedente da produção nas feiras livre das cidades vizinhas (Pau Brasil e Camacan); 69% vivem do cultivo do cacau e da produção de leite que são entregues diariamente nos caminhões que os leva até os laticínios da região; praticamente todas as famílias da comunidade são cadastradas e recebem benefícios dos programas sociais (Bolsa Família, auxílio maternidade, etc.); 15% são servidores públicos com salários fixos lotados em serviços e atividades como educação (professores e pessoal de apoio), na saúde (agentes comunitários de saúde, técnicos de enfermagem, pessoal de apoio, etc.); 8% vivem de aposentadoria e pensão.

Muitas dessas pessoas desenvolvem dupla atividade, como por exemplo, plantam roças e criam gado de leite, possuem empregos (educação, saúde, etc.) e vendem leite etc. As quantificações apresentados acima são resultados de dados obtidos a partir de fontes não muito precisas (FUNAI/FUNASA), portanto podendo ocorrer na defasagem de informações precisas e atualizadas.    

As casas ou moradias na sua grande maioria são de alvenaria ou tabua entre quatro e cinco cômodos, com energia elétrica, abastecimento de água e acesso a sistema de saneamento sanitário (Caramuru), o que tem contribuído para amenização da precariedade de algumas famílias na aldeia.

Pela quantidade de resíduos sólidos produzidos na aldeia, percebe-se que as pessoas são altamente dependentes dos produtos fornecidos pelo mercado externo. Não existe na comunidade serviços de coleta dos resíduos sólidos, ficando os mesmo expostos nos quintais das casas, onde quando se encontra numa quantidade incomodativa, são incinerados a céu aberto. Os restantes dos resíduos sólidos dispersos em lugares que não sejam quintais de casas ficam dispersos acessíveis a pessoas e animais. Também é comum no espaço da escola o descarte irregular dos resíduos sólidos produzidos no seu interior, muitos sendo depositados nos fundo da escola, seguida de queima sem nenhuma preocupação dos agentes gerenciadores e educadores da escola.

Percebe-se que mesmo tratando de uma comunidade indígena há necessidade de incluir nos currículos da escola e na formação dos professores (formação continuada) programas que contemple ou trabalhe a educação ambiental no sentido de conscientizar não só o educando, mas os professores sobre sua função e responsabilidade frentes aos interesses da natureza e do meio ambiente, no sentido de formar sujeitos conscientes e menos agressivos à natureza.

              

4 Ordenamento, apropriação e uso dos espaços   

 

Os espaços na região onde situa-se a aldeia Caramuru está ordenada segundo as regras de ocupação feitas pelas famílias destinadas à sua subsistência. De comum interesse, escolhem o local que melhor convém, delimitando-o e apropriando de forma coletiva.

Essa lógica de divisão dos espaços serve tanto para as roças de subsistências, assim como para as pastagens.

É comum nos dias de hoje, a apropriação de espaços de pastagens por grupos famílias ou indivíduos que preservam essas áreas para aluguel tanto para pessoas da comunidade (indígenas) quanto para pessoas de fora da comunidade. Em relação a esse tipo de atividade não existe nenhuma forma de controle por parte da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e das lideranças indígenas.

As áreas utilizadas para as roças ou agricultura de subsistência, são as únicas que se aproximam atualmente do conceito comunitário. Não porque não exista na comunidade e nas pessoas o espírito da coletividade, mas porque atividade agropecuária (em ascensão), não envolve todos os membros de uma mesma família, ou os grupos familiares na realização dos seus trabalhos.

Mesmo com esse perfil, a área que compreende a aldeia Caramuru tem características atípicas de meio rural, uma vez que o lugar se encontra bem estruturado – com colégio, radio comunitária, posto de saúde, possui energia elétrica, abastecimento de água, saneamento sanitário, etc. –, em relação às demais localidades: São Sebastião, Bom Jesus, Paraíso, Milagrosa, Mundo Novo, Ourinho, Braço da Duvida e Água Vermelha, o que faz com que muitas pessoas declararem não morar na roça, mas sim em Caramuru.

A dinâmica interna da aldeia faz com que o ordenamento destes espaços esteja em constates mudanças. Sempre orquestrado pelo movimento de “retomadas” de novas áreas, permitindo a migração interna das famílias que buscam se estabelecer num espaço apenas familiar.     

Conclui-se que o desenvolvimento interno na aldeia indígena Caramuru proporcionou direta e indiretamente a apropriação dos recursos naturais e a divisão dos espaços socioeconômicos pelas pessoas que vivem na comunidade e que desenvolvem uma economia ativa internamente.

 

 

5 A questão ambiental e a percepção do local  

 

A experiência de vida da comunidade indígena Pataxó Hã hã hãe, vivenciada a partir de exíguo pedaço de terra (onde atualmente situa a aldeia Caramuru), de vegetação predominada pelo capim colonial, existindo apenas uma pequena ilha de mata, e por terem nos seus arredores uma vizinhança nada amistosa e hostil, fez com que os membros dessa comunidade inicialmente explorassem ao máximo os recursos naturais a seu favor.

É no contexto sociocultural, político e econômico que se contextualiza a questão ambiental na comunidade indígena Pataxó Hã hã hãe. As relações socioambientais constituídas por esta comunidade perpassam por duas fases de desenvolvimento socioeconômico, político e ambiental: uma relacionada ao momento de estabelecimento do grupo a partir de 1982 na atual aldeia indígena Caramuru, localizada no município de Pau Brasil, onde desenvolveram uma atividade econômica (agricultura de subsistência) a partir do sistema de agricultura rudimentar tradicional, além do aproveitamento escasso dos recursos disponíveis no ambiente da aldeia tais como madeira, água, o próprio solo que na sua maioria não era muito propicio ao desenvolvimento da agricultura; o segundo momento, se dá a partir de 1997, marcado pela expansão do espaço geográfico da aldeia, que possibilitou a migração de grupos familiares para áreas “menos exploradas”, agilizando a exploração de atividades econômica menos agressiva com o meio ambiente com as roças de cacau.

Então, o povo Pataxó Hã hã hãe vivencia duas experiências de relacionamentos socioambiental totalmente diferentes. No primeiro caso, por estarem presos a uma pequena gleba de terra e por não ter outras fontes alternativas de recursos para suprir suas necessidades básicas, exploraram ao máximo os recursos animais, vegetais e até minerais (água). Isso para manter um padrão simples de vida, que se resumia em atender o mínimo possível de suas necessidades básicas, em um lugar onde a oferta desses recursos era menor que a demanda por eles. É importante saber que a escassez dos recursos ambientais não era uma escassez regional, mas sim local. O problema é que a comunidade durante esse período não podia fazer uso dos recursos disponíveis (como a água por exemplo) em abundancia nas propriedades (fazendas) vizinhas por correrem sérios riscos de vida por “roubar” como dia os fazendeiros na época um balde d’água ou um feixe de lenha em sua propriedade.

Por esta razão entre outros fatores de caráter interno e externo, grande parte dos recursos florestais foram utilizados no fornecimento de energia e subsistência da comunidade indígena por um longo período de tempo, tanto para cozimentos de alimentos, nas rústicas casas de farinhas e nas construções de moradia. Como se era de esperar quando se explora determinado recursos sem uma preocupação de reposição ou preservação pelos seus usuários, a exploração dos recursos movidos por uma necessidade primária, conseqüentemente levou a degradação de grande parte da área onde se encontra hoje a aldeia indígena Caramuru.

Esse processo de degradação necessário, preciso e continuo perdurou por muito tempo, principalmente nos período de seca e estiagem, refletindo conseqüentemente na qualidade de vida das pessoas que direta e indiretamente dependiam desses recursos.

A expansão da área territorial, possibilitou aos grupos familiares o acesso a recursos naturais em abundancia, novas fontes de renda com o cultivo do cacau na forma de cabrunca, menos agressivo ao meio ambiente, por não permite o uso de defensivos agrícolas como outrora, mantendo o equilíbrio entre a necessidades humanas e a preservação dos recursos naturais existentes nessas novas áreas.

Atualmente um dos problemas que mais preocupa a comunidade como um todo, é a retirada ilegal de madeira destinada às fábricas móveis localizadas nas cidades vizinhas. Na maioria dos casos, o corte ilegal de madeira na terra indígena conta com a participação direta de pessoas indígenas, que por um valor simbólico é incentivados pelos proprietários de fabricas e moveis fazem o corte de madeira em áreas de cabruca. Portanto, não só os indígenas são responsáveis pela retirada predatória e ilegal de madeira na reserva indígena, uma vez que as fabricas de móveis, representados pelos seus proprietários e administradores incentivam esse tipo de atividade ilegal tanto nas aldeias indígenas, quanto em áreas fora da aldeia, como o vale das Cascatas no município de Pau Brasil, que tem hoje sua de preservação praticamente comprometida em função desse tipo de atividade.

Portanto, a questão ambiental não é um assunto que se encerra nos conceitos e nas formulas que nos permite perceber o lugar e a paisagem que o compõem. A questão ambiental é uma questão de conscientização do sujeito, é uma questão de educação como afirma o senador Cristovam Buarque. Se o sujeito não tiver uma consciência ecológica definida pelos padrões de valores compatíveis com o uso e preservação dos recursos ambientais – seja ele indígena, ribeirinho, quilombola, empresários, ou um sujeito bem situado no mundo –, de nada adiantaria falar em preservação do meio ambiente, dos recursos naturais se a sua consciência ecológica não será considerada, respeitada diante a demanda dos interesses econômicos.

Mesmo com os seus problemas internos, a comunidade indígena Pataxó Hã hã hãe tem buscado na medida do possível manter uma relação amistosa com o meio ambiente, com o lugar onde vivem.

Existem na comunidade as ações positivas empreendidas coletivamente por gente simples, que passou a desenvolver no contexto interno a consciência ecológica a partir de um simples gesto de cooperação com atividades recuperação de matas ciliares, como o reflorestamento de margens do córrego do Mundo Novo com árvores frutífera típicas da região como a cajá que vem despontando como uma fonte de renda alternativa na aldeia e na região.

Neste sentido, a percepção do ambiente possibilita as pessoas conhecerem o meio onde desenvolvem suas funções vitais (econômicas, sociais, culturais, etc.) e ambientais, construindo a partir da inter-relação, vínculos com os lugares que passam a fazer parte de suas experiências de vida.

Portanto, “A perspectiva ambiental consiste num modo de ver o mundo no qual se evidenciam as inter-relações e a interdependência dos diversos elementos na constituição e manutenção da vida” (BRASIL, 2010, p. 173).

As relações estabelecidas entre a comunidade indígena Pataxó Hã hãe e o meio onde vivem. Lugar, base de sustentação do seu modo de vida, tem se constituído através do domínio e manipulação dos recursos disponíveis a favor da reprodução de suas identidades físicas, culturais e sociais num espaço onde tudo parecia tão escasso. Neste lugar o conhecimento ecológico se constituiu das iterações socioambientais, de conhecimentos pré-estabelecidos por suas experiências de vida e como forma de resistência física, social e cultural.

Para 80% dos entrevistados, o meio ambiente e a questão ambiental é definido a partir de uma visão antropocêntrica, utilitarista, que deve visar o conforto e o bem estar de quem a usufrui, ao mesmo tempo, manifestam preocupações no sentido de preservar o que lhes restou destes recursos, uma vez que a própria existência da comunidade depende dos recurso ofertados pelo meio ambiente onde vivem. Portanto, percebe-se o desenvolvimento de uma consciência ecológica ambiental permeando a mentalidade de muitas pessoas na comunidade.

Ao serem perguntados se conhecem a vegetação do lugar onde moram, 50% dos entrevistados disseram ter conhecimento da vegetação local, sendo que a partir da visão do lugar onde vivem e de acordo com as atividades que desenvolvem, definindo sua utilidade e importância; 25%, de forma mais sintética, as definem usando o conceito de bioma, como caatinga e floresta tropical; outros 25% restante, vêem a vegetação da aldeia em desequilíbrio por conta da série de desmatamento ocorrido ao longo de décadas.

Enquanto a utilidade, a conveniência antrópica prevalece sobre os valores naturais do meio onde vivem. 75% dos entrevistados apontaram o grau de importância da meio ambiente local a partir da utilidade e valor que os recursos oferecidos têm para a comunidade; os 25% definiram a utilidade da vegetação local a partir de uma visão mais naturalista, mas enfatizando o conforto que lhes pode ser proporcionado.

Ao serem perguntados se é interessante preservar a paisagem que existe na aldeia, todos os entrevistados concordam que sim, sendo que dos entrevistados apenas 87% emitiram opinião. Destes, 45% concordam com a preservação da paisagem da aldeia como uma forma de guardar os recursos naturais existentes, sob uma perspectiva de evitar prejuízos com a perda desses recursos no futuro como a água que tem se tornado um recurso escasso na comunidade; 30% visam o conforto que um meio ambiente preservado pode lhes proporcionar; para 15%, só cuidando da natureza e dos recursos naturais no presente, estará preservando-os para as gerações futuras.  

Ao serem questionado o que deve ser feito para preservar a paisagem e os recursos naturais existentes na aldeia, 50% dos entrevistados responderam ao quesito apresentando algumas sugestões de como preservar os recursos ambientais da aldeia preservando sua paisagem. Dentre este, 20%, acredita nas instituições (colégio, associações, conselhos de saúde, rádio comunitária, etc.) como agentes promotores de conscientização da comunidade local; 60 % acredita que é preciso conscientizar a população através de chamadas comunitárias sobre a prática da queimada durante as limpezas de pastos, bem como sobre a caça de animais silvestres de forma descontrolada e predatória, observando que este tipo de atividade poderá trazer prejuízos à fauna e a flora no futuro próximo;  para os demais 20% é preciso instituir no âmbito da comunidade a educação ambiental, como uma forma de educar as pessoas, para que essas possa cuidar melhor do lugar onde vivem.

Mesmo diante das preocupações em cuidar do lugar onde vivem, não existe na comunidade até o presente momento, projetos comunitários que visem a preservação do meio ambiente atrelado a desenvolvimento social e cultural. Recentemente (julho de 2011) representantes da FUNAI, do Ministério do Meio Ambiente – MMA e organizações indígenas como APOIME, apresentou para a comunidade indígena o projeto BRA 09/32, conhecido como GEF-Indígena que apresenta no seu objetivo principal  

[...] fortalecer as práticas indígenas de manejo, uso sustentável e conservação dos recursos naturais nas suas terras e a inclusão social dos povos indígenas, consolidando a contribuição das Terras Indígenas como áreas essenciais para a conservação da biodiversidade biológica e cultural nos biomas florestais brasileiros (Projeto GEF-Indígena, 2010, p. 4).    

 

No entanto, após sua apresentação através de seminário temático, nada de concreto foi realizado na comunidade pelo projeto que se encontra sob a coordenação da Diretoria da FUNAI de Governador Valadares – MG.       

 

 

 

 

6 Considerações Finais

 

Os principais problemas da comunidade indígena Pataxó Hã hã hãe de Caramuru e seu entorno, se concentra nas mudanças que vem ocorrendo no interior do grupo com as novas mentalidade que está se formando entre seu indivíduos.

Com o rápido processo de desenvolvimento interno – que direta e indiretamente interferi nos processos de organização social, político, econômico e cultural da comunidade –, as relações interpessoais se distanciaram, as pessoas tornaram-se independentes das decisões coletivas, deixando de participar dos eventos comunitários.  

O ligeiro e tão sonhado desenvolvimento interno que aos poucos vem se fincando na comunidade de forma desarticulada com o contexto social, cultural, econômico e ambiental, tem conduzido a desvalorização da coletividade e do comunitárismo, bem como na perda de referencia do poder político. Com isso percebe-se a fragmentação do poder político interno, fazendo surgir vários lideres sem poder de decisão, mas que vão se confundindo com os interesses coletivos da comunidade. Como conseqüência, os problemas internos vão se agravando com a ausência do senso comunitário e de uma coletividade solidária.

Então, o problema se concentra em primeiro lugar na desarticulação da comunidade e de seus lideres que passam a agir por conta própria em nome do coletivo, mas sem uma base coletiva. Segundo, com o crescimento do individualismo interno, os que podem mais se apropriam da riqueza do coletivo, favorecendo um clima desigualdade social entre as pessoas, na medida que uns poucos usufrui das riquezas, bens e serviços inerentes a todo grupo.

O desenvolvimento interno esta sendo neste momento um desafio na medida em que buscar atender de maneira desarticulada com a dinâmica interna grupo, toda a comunidade sem que deixe margem à exclusão social, econômica e ambiental. Mas pela ausência de maturação e experiência dos seus promotores (organizações), percebe-se que esse desenvolvimento não está alcançando todos os membros da comunidade.   

Apesar de a comunidade indígena ter atingido um nível de desenvolvimento econômico e social considerável, comparados a tempos anteriores, muito ainda precisa ser feito para que todos os seus membros possam viver de forma justa e em harmonia.

Primeiro, que seja trabalhado o senso comunitário no grupo, onde os laços de confiabilidade e solidariedade sejam resgatados entre as pessoas, e que para isso é necessário que se tenha uma educação priorizada, capaz de promover esses princípios e valores tão distantes do contexto da comunidade. Segundo, que as lideranças indígenas assumam postura de autênticos lideres, e assumam suas responsabilidades diante da comunidade enquanto chefes responsáveis pela promoção do desenvolvimento social, econômico, político e bem-está da sua comunidade.Terceiro, é necessário que se faça uma redistribuição de toda riqueza coletiva (a terra e seus bens) de forma igualitária, para que todos possam usufruir de forma justa as riquezas naturais, bens e serviços econômicas e ambientais existente na base territorial.  Quanto, que as organizações indígenas e não-indígenas que atual na comunidade sejam capazes de expandir e descentralizar projetos que são desenvolvidos nos núcleos familiares, promovendo projetos de sustentabilidade territorial, ao invés de projetos emergências de cunho capitalista e excludente.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIA

 

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Ilustrações: Silvana Santos