Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/09/2012 (Nº 41) Desafios para a transformação social dos catadores de materiais recicláveis de Pombal-PB
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Desafios para a transformação social dos catadores de materiais recicláveis de Pombal-PB

 

Luís Gustavo de Lima Sales

Mestre em Ciências Sociais – área de concentração: Desenvolvimento Regional pela UFRN

Professor Assistente I do CCTA/UFCG, Doutorando do PPGRN/UFCG e bolsista do CNPq

Universidade Federal de Campina Grande - Campus de Pombal - Rua Jairo Vieira Feitosa, S/N, Bairro dos Pereiros, CEP 58.840-000 Pombal –PB. Tel: (83) 34314000

José Dantes Neto

Doutorado em Agronomia pela UNESP

Professor Associado II do PPGRN/UFCG

Universidade Federal de Campina Grande – Centro de Ciências e Tecnologia, Departamento de Engenharia Agrícola. Av. Aprígio Veloso, n. 882, Bairro do Bodocongó. CEP: 58109-000 – Campina Grande. Tel: (83) 21011373

Ricélia Maria Marinho Sales

Mestre em Geografia pela UFRN

Professora Assistente II do CCTA/UFCG e Doutoranda do PPGRN/UFCG

Universidade Federal de Campina Grande - Campus de Pombal - Rua Jairo Vieira Feitosa, S/N, Bairro dos Pereiros, CEP 58.840-000 Pombal –PB. Tel: (83) 34314000

Gesinaldo Ataíde Cândido

Doutorado em Engenharia de Produção pela UFSC

Professor Titular do PPGRN/UFCG

Universidade Federal de Campina Grande – Centro de Humanidades. Av. Aprígio Veloso, n. 882, Bl. BH, 2.andar. Bairro do Bodocongó. CEP: 58109-000 – Campina Grande, PB. Tel: (83) 21011484

Mônica Maria pereira da Silva

Doutorado em Recursos Naturais prela UFCG

Professora Adjunta do DB/CCBS/UEPB e do PPGRN/UFCG

Universidade Estadual da Paraíba, Departamento de Biologia. Av. das Baraúnas - S/N, Bodocongó CEP: 58109-75  - Campina Grande, PB. Tel.: (83) 33153303

 

Resumo:

O último quarto do século XX constatou-se a crise da racionalidade na sociedade moderna, levando a grandes transformações, inclusive na mudança de postura dos pesquisadores frente à complexidade das realidades sociais. Diante desse contexto o objetivo desse artigo foi o de construir um ambiente que fosse capaz de revelar os desafios para serem trabalhados conjuntamente com as pessoas que fazem parte da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Pombal (ASCAMARP). Para tanto, foram realizados os seguintes os procedimentos e técnicas de pesquisa: 1) Visita sistemática à ASCAMARP; 2) Realização de observação participante e entrevista coletiva não estruturada; 3) Realização de oficinas e palestras e; 4) Elaboração de questionário de múltiplas escolhas; Registros fotográficos. Vários desafios foram revelados no ambiente construído coletivamente pelos pesquisadores e catadores, a sua maioria dizem respeito à visão reducionista que os atores tinham da realidade social posta. Porém, acredita-se que só depois de discutí-los e compreendê-los coletivamente daremos o primeiro passo para a transformação social desse grupo e poderemos avançar em outras questões que deverão aparecer adiante. Conclui-se que o processo de transformação é algo que só identificaremos os resultados a longo prazo. No entanto, ficamos felizes por esta contribuindo, nem que seja minimamente para que os Catadores de materiais recicláveis de Pombal consigam identificar a relevância de seu trabalho.

 

Palavras-Chave: Catadores, Associação, Educação Ambiental

 

 

 

Introdução:

 

O século XIX é referido, por vezes, como a era da modernidade triunfante no qual a crença na razão, na tecnologia, na ciência, com um Estado eficiente e um capitalismo produtivo, salvaguardando o progresso permanente e a expansão ilimitada da humanidade, reina (SZTOMPKA, 1998, p. 145).

 

 

A base desta “modernidade triunfante” teve origem com os filósofos Iluministas que observavam um preceito simples, mas obviamente muito poderoso: “quanto mais formos capazes de compreender racionalmente o mundo, e a nós mesmos, mais poderemos moldar a história para nossos próprios propósitos” (GIDDENS, 2003, p. 13 e 14). Desta forma, quanto maior fosse o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, cada vez mais iríamos ter um mundo estável e ordenado. Seria a superposição triunfante do homem frente às forças naturais.

A partir de meados do século XX, questiona-se a respeito desse desenvolvimento viabilizado pelo projeto de modernização industrial e/ou capitalista que, como modelo global de evolução da sociedade, cumpriu apenas parcialmente os seus intentos. Na verdade, em vez de estarmos cada vez mais comandando a natureza e a sociedade, como previam os iluministas, estamos observando um “mundo em descontrole” (GIDDENS, 2003). Como conseqüência desse resultado, a racionalização da modernização é colocada em xeque.

A modernidade, guiada pelo pensamento racional, excluiu a natureza do centro das ações éticas, no momento em que passou a vê-la não mais como algo vivo e orgânico, mas sim como objeto, como "coisa" passível de ser dominada, posta a benefício da idéia de progresso e da satisfação das necessidades consumistas da sociedade, enfim como um valor econômico, gerando assim a base para a problemática socioambiental.

Essa constatação da crise da racionalidade na sociedade moderna também levou o conceito de desenvolvimento econômico a uma nova fundamentação das relações entre a sociedade e a natureza. O conceito de progresso fortaleceu o conceito de crise, expressando-se através das conseqüências não-intencionais provocadas pela relação sociedade-natureza.

A expressão das conseqüências não-intencionais do progresso, que adequava os meios do presente para atingir a “felicidade” prometida no futuro, não importando as conseqüências para alcançar esse objetivo, começou a se manifestar através das reações da sociedade, que se intensificaram no mesmo período que se questionou o projeto de modernização a luz dos preceitos da racionalidade dominante, ou seja, a partir da década de 1970, quando a crise ambiental e social ampliou-se, dando vazão à perda de confiança nas instituições encarregadas de promoverem o desenvolvimento econômico da modernidade (GIDDENS, 1991; BRITO et. al., 2003).

Porém, como pensar num novo modelo de Desenvolvimento baseado numa nova Racionalidade que não fosse atrelado a racionalidade técnico-científico-informacional? Ora, esse período de crise acabou se tornando num período de intensa discussão em todos os níveis da sociedade, impulsionando assim as primeiras discussões sobre uma mudança de rumo generalizada. Surge então dois processos importantes e não excludentes que contribuem para nossa discussão, quais sejam: 1) a passagem de uma Racionalidade Dominante para uma Racionalidade Ambiental (LEFF, 2006) e; 2) a Educação Ambiental Crítica, Emancipatória e Transformadora como uma das alternativas para se fazer tal passagem.

Para Leff (2006), a construção de uma Racionalidade Ambiental depende da constituição de novos atores sociais que objetivem através de sua mobilização e concretizem em suas práticas os princípios e potenciais da sustentabilidade ambiental. Porém, esse processo requer a mobilização de um conjunto de Processos Sociais, quais sejam: a) formação de uma Consciência Ecológica; b) planejamento transetorial da administração pública; c) participação da sociedade na gestão dos recursos ambientais e; d) reorganização interdisciplinar do saber (tanto na produção quanto na aplicação do saber).

Nesse artigo iremos nos deter apenas a primeira delas, a formação de uma consciência ecológica, pois temos a convicção de que a nossa consciência foi e/ou está sendo obstruída pela racionalidade dominante, bem como pela velocidade das relações espaço-temporais, nos tornando assim apenas consumidores do mundo atual.

Na verdade vivenciamos momentos de grandes intensidades. Todos os fatos bons ou não são transmitidos e repassados de maneira rápida e, a sociedade passa então a ser uma “consumidora” de vários elementos, sejam eles objetos concretos ou mesmo objetos imateriais. Há a disseminação das imagens, da(s) linguagens e, de ideias visando alimentar os seres humanos de desejos, fazendo surgir um ciclo perigoso, haja vista que dá início ao processo de criar, recriar e substituir facilmente os elementos, bem como as pessoas, que despertaram os desejos a todo instante. Somos uma sociedade dos descartáveis.

Por sermos essa sociedade dos descartáveis tanto de objetos quanto de pessoas acabamos nos tornando uma sociedade competidora, individualista, materialista longe de termos um sentimento de cooperação, confiança mútua, coletividade, respeito, amor. Porém, como bem falado anteriormente, vivenciamos mudanças intensas em todas as dimensões da realidade, inclusive na problemática posta acima.

A cooperação e a confiança mútua passam a ser elementos chaves para a criação de um ambiente de afetividade estabelecido pelas relações de proximidade entre as pessoas e os valores como respeito, amor ao próximo, sentimento de pertencimento de coletividade passa a vigorar. Neste sentido, a educação ambiental desempenha um papel importante na criação desse ambiente para a mudança de consciência, na busca da Racionalidade Ambiental.

            Para tanto, devido o caráter social da investigação viu-se que o caminho a seguir seria via pesquisa participante. Entende-se então que o ponto de partida da pesquisa participante é sobre uma realidade social que no nosso caso foi a da ASCAMARP e ela possui diferentes dimensões, bem como diversas interpretações formando assim um verdadeiro caleidoscópio de realidades. Daí surge a necessidade de contextualizá-la. Talvez a principal mudança seja na concepção da relação que deixa de ser uma relação Sujeito-Objeto e passa a ser uma relação Sujeito-Sujeito.

Como essa relação é recíproca, a articulação entre o conhecimento científico e o popular é preponderante e a articulação entre os conhecimentos acaba gerando uma reflexão de práticas construídas coletivamente. Vale salientar que todo esse processo deve ser pensado e repensado enquanto um momento dinâmico dentro da relação espaço-temporal da educação ambiental.

Ao passo que esse processo, essa prática, é construída coletivamente dentro de um dinamismo da relação espaço-temporal, acaba que transforma tanto o espaço quanto a sociedade que participa de tais práticas. Por isso que a mudança que começou com nós pesquisadores acabou gerando uma transformação em nós sujeitos coletivos (pesquisadores e catadores) da realidade dos catadores da ASCAMARP.

O objetivo desse artigo foi o de construir um ambiente que fosse capaz de revelar os desafios para serem trabalhados conjuntamente com a Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Pombal (ASCAMARP). Para tanto, foi necessário que ocorresse uma mudança de percepção na propria equipe de pesquisadores que atuaram junto na ASCAMARP e, tal mudança iniciou-se a partir da prática da Pesquisa Participante.

 

Metodologia:

 

A partir da compreensão dos fundamentos da pesquisa participante e, com o intuito de construir um conhecimento a partir da realidade (Cruz Neto, 1999) foram realizados os seguintes os procedimentos e técnicas de pesquisa:

 

1)            Visita sistemática à Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Pombal – ASCAMARP:

 

Esta etapa foi idealizada para ser realizada na estrutura da associação, no entanto, constatou-se que o espaço físico conhecido como Galpão tem outras finalidades, mas não consegue aglutinar o grupo de catadores. Assim, conversamos com a representante da associação, chamada Vâninha que nos disse que o único local que consegue reunir parte dos catadores é no Centro de Educação Integral Margarida Pereira da Silva (CEMAR) porque toda terça-feira é servida uma sopa. E poderia ser antes do horário de servir os nossos encontros. Assim começamos a frequentar este ambiente. Na atividade foram envolvidos estudantes da graduação do curso de Engenharia Ambiental do Centro de Ciências e Tecnologias Agroalimentar da Universidade Federal de Campina Grande, Câmpus Pombal (CCTA/UFCG/Pombal) e vinculados ao Programa de Bolsas de Extensão (PROBEX/UFCG).

Após alguns encontros pedimos para conhecer o galpão e a sua história. Tal galpão trata-se de um espaço cedido pela Prefeitura Municipal de Pombal e, notou-se que nem todos os associados têm seu espaço garantido. Tem uma estrutura coberta com porta, mas sem equipamentos e, o pagamento da água e a da energia é sempre um problema para os catadores.

Ao passo que fomos conhecendo melhor a história dos catadores identificamos que eles estão ainda estruturando toda a documentação, com a ajuda do pessoal do CEMAR e da Igreja Católica através de integrantes da CARITAS (organizações humanitárias) e do Programa de Ação Social de Políticas Públicas da Diocese de Cajazeiras (PASPP). Estes catadores foram envolvidos pelo projeto de Fortalecimento do Associativismo e Cooperativismo dos Catadores de Materiais Recicláveis na Paraíba (CATAFORTE).

O projeto CATAFORTE visa a formação para a autogestão, a assistência técnica e mobilização, fruto de uma articulação em rede, formada por entidades de apoio e associações e cooperativas dessa categoria de trabalhadores. O financiamento do CATAFORTE é da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego e Fundação Banco do Brasil e coordenado pela Cáritas Diocesana de Campina Grande.

 

2)            Realização de observação participante e entrevista coletiva não estruturada:

 

A observação participante serviu para colocar em contato direto os pesquisadores com a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos. Segundo Cruz Neto (1999) “a importância dessa técnica reside no fato de podermos captar uma variedade de situações e fenômenos que são obtidos por meio de perguntas, uma vez que observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo da vida real” (CRUZ NETO, 1999, p. 59-60).

Começamos então a organizar momentos de diálogos, seguindo as especificidades de uma entrevista coletiva e não estruturada para saber quais as dificuldades enfrentadas, quais os sonhos, quais os anseios, para podermos identificar os pontos que poderíamos ajudar e, como isto poderia ser feito. Um dos pontos mais citados refere-se a questões financeiras. O maior desejo seria ver um meio para aumentar a renda para melhorar as condições de vida. Nesta etapa foram construídos relatórios.

 

3)            Realização de oficinas e palestras:

 

Assim, idealizamos a realização de oficinas para confeccionar objetos com bom acabamento e de qualidade, mas a partir de materiais que eles manuseassem. Realizamos as oficinas com os dois grupos paralelamente. Inicialmente realizamos com o grupo dos estudantes com a intenção de capacitá-los e, em dias diferentes realizamos com os catadores da associação, mas neste momento foram os estudantes quem ensinaram aos catadores.

 

 

 

4)            Elaboração de questionário de múltiplas escolhas:

 

Elaborou-se um questionário de múltiplas escolhas para um maior detalhamento de alguns aspectos sociais, econômicos, sanitários e ambientais que fazem parte do dia a dia dos catadores de materiais recicláveis. Optou-se por este procedimento por ser uma possibilidade de obter de modo mais rápido, uniforme e que estrutura de modo que todos os respondentes tem acesso à mesma questão, utilizando assim uma linguagem simples e de fácil compreensão (Chagas, 2012). A amostragem utilizada representou 100% dos catadores que têm participação ativa. Assim, dos 40 catadores cadastrados na associação, viu-se que a participação totaliza 15 catadores, o que permite afirmar que 37,5% é o percentual que representa a amostra e, também a participação dos catadores. Os questionários foram aplicados pelos estudantes vinculados ao PROBEX, mas antes ele foi testado, para verificar se todas as questões estavam claras e, objetivas. Não foi passado despercebido deixar em todas as questões espaço para outras possibilidades e, deixando uma linha para descrever as especificidades que não tinham sido contempladas nas múltiplas escolhas.

 

5)            Registros fotográficos:

 

Segundo Kitahara (2007) “os estudos visuais, nesse caso as fotografias, geram dados qualitativos, que servem como indicativo” (KITAHARA, 2007, p. 128). Assim, todas as atividades foram registradas através de fotografias e, incentivamos a criação de textos (cordel, poesia, música ou, outros) para uma possível publicação futura, mas poucos eram alfabetizados e tinham pouco interesse nesse aspecto.

 

Resultados e discussão:

 

Uma ideia que muito contribuiu para a análise dos dados referentes à associação de catadores de materiais recicláveis foi a da biologia da cognição ou biologia do amor elaborada por Maturana. Segundo Guimarães (2004) que aprofundou o estudo sobre os pensamentos de Maturana, destaca-se que as pessoas têm duas maneiras de se relacionarem no processo de organização social. Uma é pautada na competição, na disputa para sobressair em relação ao outro e, neste processo pode-se utilizar a força e a habilidade para se chegar à dominação, destaca-se então os aspectos do individualismo.

A outra maneira é pautada na cooperação, na aceitação e no compartilhamento e, assim pode-se verificar o ambiente de diálogo, de consenso, de interesses em comum visando à coletividade. Nesse ambiente de diálogo alguns problemas foram observados. Primeiro, percebemos que a associação precisava avançar no sentido de compreender que o trabalho desenvolvido conjuntamente pode surtir mais efeito para o grupo do que se cada um agir isoladamente.

Outro problema é no tocante a falta de organização e gerenciamento dos materiais recicláveis que, depois de separados, o que não foram escolhidos foi posto no muro da associação, ou seja, no meio da rua, sem nenhum acondicionamento e, fica esperando que a coleta municipal passe para recolher. Desta forma, tal ação revela que os catadores de materiais recicláveis da cidade de Pombal ainda não compreenderam o sentido de seus trabalhos para a melhoria da qualidade de vida local, eles só enxergaram a possibilidade de ganhar um dinheiro para se manter dentro da ideia de sobreviver com o mínimo possível.

Diante da problemática exposta, percebe-se que os catadores estão vendo o problema apenas de um ponto de vista economicista (reducionista) e precisam compreender o mesmo por uma outra ótica, a de que os resíduos sólidos são frutos de uma cadeia maior de relações que envolvem as dimensões econômica, social, ambiental e institucional, formando assim uma verdadeira teia complexa ao longo do espaço-tempo local.

Essa questão de uma visão reducionista dos catadores, puramente economicista, de apenas ganhar dinheiro sobre o produto coletado e não conseguindo enxergar mais além do papel que eles exercem para uma melhor qualidade de vida talvez seja explicado pela renda média mensal familiar dos mesmo.

De acordo com os dados coletados no questionário cerca de 39 % das famílias ganham entre 100,00 a 200,00 reais mensais. Se pegarmos o valor do salário mínimo na época em que foi realizada a aplicação do questionário, que era de 545,00 R$, 62% dos catadores mencionaram ter um renda familiar mensal inferior ao salário mínimo. Esse número ainda pode ser maior já que 15% dos entrevistados não souberam ou não quiseram responder (ver gráfico 1).

 

Gráfico 1 – Renda Média mensal dos catadores da ASCAMARP.

Fonte: Arquivo pessoal da Equipe do Núcleo de Tecnologia e Estudos Agroambientais. (NUTEA/GEPTA/CCTA/ PROBEX/UFCG). Agosto de 2011.

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Segundo Wanderley (2005), a baixa renda dos catadores permite questionar, inclusive, se as necessidades básicas são totalmente atendidas. Além disso, a condição de pobreza relativa contribui para a exclusão de pessoas, social e materialmente, das oportunidades proporcionadas pela sociedade, gerando assim uma outra problemática, a da exclusão social e material dos catadores de materiais recicláveis da cidade de Pombal.

Outro ponto a ser considerado na problemática que envolve a realidade sociambiental dos catadores é quanto a não percepção do processo completo de reciclagem, inclusive no tocante ao circuito que eles participam ativamente, que é a venda dos materiais recicláveis coletados para as indústrias de reciclagem.

Para Carmo (2005), os catadores desconhecem completamente os aspectos que envolvem a logística do processo de reciclagem, provavelmente o que corrobora com esse desconhecimento é o baixo nível de escolaridade entre os catadores. Carmo (2005) e Magera (2003) também concordam que esse pouco conhecimento do circuito da reciclagem torna-se um fator de impedimento para que os catadores obtenham melhores rendimentos.

Os dados dos catadores da ASCAMARP em Pombal reforça essa análise supracitada, já que 23% dos catadores são analfabetos e 61%  tem nível de escolaridade de ensino fundamental incompleto (ver gráfico 2).

 

Gráfico 2 – Escolaridade dos catadores da ASCAMARP.

Fonte: Arquivo pessoal da Equipe do Núcleo de Tecnologia e Estudos Agroambientais. (NUTEA/GEPTA/CCTA/ PROBEX/UFCG). Agosto de 2011.

ANALF – Analfabeto; EFI – Ensino Fundamental Incompleto; EFC - Ensino Fundamental Completo; EMI – Ensino Médio Incompleto e; EMC - Ensino Médio Completo

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Portanto, os desafios estão postos para serem trabalhados conjuntamente com a ASCAMARP, quais sejam:

1) avançar no sentido de compreender que o trabalho desenvolvido conjuntamente pelos catadores pode surtir mais efeito para o grupo do que se cada um agir isoladamente;

2) corrigir a falta de organização e gerenciamento dos materiais recicláveis da ASCAMARP;

3) compreender o sentido mais amplo dos trabalhos da coleta para a melhoria da qualidade de vida local;

4) mostar que os catadores estão vendo o problema apenas de um ponto de vista economicista (reducionista) e a mudança deverá ser feita para uma visão mais complexa e sistêmica da realidade e;

5) reverter a concepção da exclusão social e material dos catadores de materiais recicláveis da cidade de Pombal.

 

Só depois de discutí-los e compreendê-los coletivamente daremos o primeiro passo para a transformação social desse grupo e poderemos avançar em outras questões que deverão aparecer adiante.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Conclui-se que o processo de transformação é algo que só identificaremos os resultados à longo prazo. No entanto, ficamos felizes por esta contribuindo, nem que seja minimamente para que os Catadores de materiais recicláveis de Pombal consigam identificar a relevância de seu trabalho, mas que também será necessário que eles mudem o modo de organização e, até mesmo que reconheçam que o trabalho individual é muito mais penoso que o trabalho em grupo.

Um dos elementos chave identificado na pesquisa participante é a descentralização do poder mediante a apropriação do conhecimento. Nota-se então que a partir deste modelo o pesquisador precisa apreender a respeitar o conhecimento popular e, este aprendizado precisa ser solidariamente socializado com o grupo de pesquisa e, com a comunidade envolvida, num movimento em que todos se reconheçam como atores sociais propulsores de transformações sociais. A elaboração sistemática de conhecimentos, saberes e valores demonstram que nada esta totalmente pronto e acabado e, assim, esteja passível de mensuração e constructo de verdades inquestionáveis.

Assim, a geração de pesquisas sociais com o objetivo de estar a serviço de experiências co-participativas de criação coletiva de saberes demonstra que ninguém é bom o suficiente para construir “tudo” sozinho. E, o entrelace entre profissionais, militantes, grupos e indivíduos da comunidade propicia uma troca de experiência que resulta na produção de conhecimento mais fidedigno com a realidade e, compromete as pessoas envolvidas em pensar em modos de buscar aperfeiçoar as coisas que estão dando certo e, modificar aquelas que não contribuem com a qualidade de vida das pessoas que habitam o espaço geográfico. Ao certo é uma proposta que demonstra a importância da humanização, da solidariedade e da partilha do saber e da ciência.

E mais, os catadores precisam colocar em prática todas as técnicas repassadas para buscarem meios de aumentar a renda do grupo e, das famílias, colocando em prática uma antiga música “QUEM SABE FAZ A HORA NÃO ESPERA ACONTECER!!!” (Geraldo Vandré, 1968). Sabe-se ainda, que o aprendizado que adquirimos com este grupo de associados foi muito válido, e é o grande mérito da extensão universitário, saímos dos muros da universidade e, adentramos na realidade. E esta realidade aponta que a mudança precisa começar por cada um de nós.

 

 

Referencias Bibliográficas:

 

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CHAGAS, A. T. R. O questionário na pesquisa científica. Disponível em: http://cmq.esalq.usp.br/wiki/lib/exe/fetch.php?media=publico:syllabvs:lcf510:comoelaborarquestionario2.pdf. Acesso em: 10-02-12.

CRUZ NETO, O. O trabalho de campo como descoberta e criação. Cap. III. In: MINAYO, M. C. S.; CRUZ NETO, O.; DESLANDES, S. F.; GOMES, R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 14ª ed. Petrópolis – RJ: VOZES, 1999.

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GUIMARÃES, E. M. Pensando a educação ambiental com referencia à teoria de Humberto Maturana: a vivencia do espaço relacional na comunidade de Samambaia – DF. Tese de Doutorado. Brasília – DF: UnB/CDS, 2004.

KITAHARA, E. M. O uso da fotografia e da imagem digital em pesquisas oceoanográficas: novos rumos proporcionados pela evolução do processo digital. Revista Conexão – comunicação e cultura. V. 6, nº 12. UCS, jul/ dez, 2007.

LEFF, E. Racionalidade Ambental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

MATURANA, H. R. De la bioesfera a la homosfera. Revista Tierrámerica. 1997. Disponível em: http://www.tierramerica.net/bosques/homosfera.shtml Acesso em: 13/01/2012.

VALLADARES, Lícia. Os dez mandamentos da pesquisa participante. Rev. Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo-SP, v.22, n.63, p.153-155. Fev.2007.

 

 

Ilustrações: Silvana Santos