É preciso ter cuidado para não pintar a besta de
verde
INIMIGA Nº UM DA BIOTECNOLOGIA, A FÍSICA VANDANA
SHIVA CRITICA AS NEGOCIAÇÕES AMBIENTAIS, MAS CRÊ NO ÊXITO DA CONFERÊNCIA
Fabio Braga/Folhapress
Vandana Shiva anteontem, em hotel na
zona central de São Paulo
ANDREA VIALLI COLABORAÇÃO PARA AFOLHA
A física e ativista indiana Vandana Shiva, uma das grandes vozes da atualidade
sobre desenvolvimento sustentável, crê que a Rio+20 não será um fracasso,
contrariando as previsões pessimistas.
A conferência se salvará não pelos acordos que serão firmados -que devem ser
menos impactantes do que aqueles feitos na Eco-92- mas pela força de pressão da
sociedade e dos movimentos sociais, na visão dela.
"Conectadas como nunca, as pessoas farão a diferença no sentido de propor a
construção de novos caminhos para o mundo", diz a ativista, que veio ao Brasil
para participar do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento.
Crítica feroz da globalização e da biotecnologia, Shiva ressalta que os governos
estão apáticos nas principais convenções ambientais (clima, biodiversidade) por
causa do avanços dos grandes grupos transnacionais e seus lobbies poderosos, os
quais, mais do que nunca, influenciam as decisões dos governos. Aqui, ela fala
dos riscos do conceito de "economia verde", foco da conferência.
Folha - A sra. virá à Rio+20? Vandana Shiva- Sim, chego no
dia 17 de junho para os painéis que estão sendo preparados pelo governo
brasileiro. Um deles é sobre segurança alimentar e energética. Uma das grandes
mudanças da Rio+20, em relação à Eco-92, da qual também participei, é que agora
a agricultura está no centro das discussões. Especialmente a agricultura
tradicional, que ganha importância como uma questão ecológica. Também farei
parte de várias atividades na Cúpula dos Povos, com o objetivo de acordar os
líderes.
Os líderes mundiais precisam acordar para o desenvolvimento sustentável? Há
críticas sobre a agenda difusa da Rio+20.
Em 1992, a agenda era bem clara: incluir a proteção da natureza entre as
obrigações da comunidade internacional. Daí surgiram as principais convenções,
como a do clima e da biodiversidade, e também os Princípios do Rio, que foram um
balizador das leis ambientais no mundo todo. Mas a agenda da Rio+20 está difusa
por um motivo claro: a ascensão, nos últimos anos, do poder das grandes
corporações multinacionais.
As empresas estão influenciando as decisões globais sobre ambiente?
Sem dúvida, e não para o bem. A ascensão do poder das grandes empresas se deu em
razão dos acordos de livre comércio da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Esses acordos permitiram amplo acesso das empresas aos recursos naturais e estão
ajudando a desregulamentar o que foi duramente regulamentado durante a Eco-92.
Desde então, as multinacionais estão destruindo o futuro da humanidade. Foi por
causa delas que não há avanços nas negociações de clima, por exemplo.
E mudanças climáticas não estão na agenda da Rio+20.
Não há progressos nessa área desde a conferência de Copenhague. Depois vieram os
encontros de Cancún e Durban, sem resultados efetivos. Por causa do lobby das
grandes corporações, os países estão 'desregulamentando' o que havia sido
regulamentado antes.
A sra. poderia dar exemplos dessa 'desregulamentação'?
O Brasil é um exemplo, veja o que ocorreu com os transgênicos. Quando eu vim
pela primeira vez ao Rio Grande do Sul, a convite do José Lutzenberger
[ex-ministro do Meio Ambiente], havia um forte movimento dos agricultores contra
as sementes geneticamente modificadas.
Agora os campos estão cobertos de soja transgênica. Isso é parte da mudança
trazida pela globalização, da tomada do poder pelas multinacionais que são
contrárias a qualquer acordo ambiental.
Os setores mais nocivos são as empresas de combustíveis fósseis, os gigantes do
agronegócio e da biotecnologia. O Canadá era um país progressista na Eco-92 e
agora está paralisado nas negociações ambientais por causa das empresas que
exploram óleo nas areias betuminosas.
Como tornar a conferência relevante?
A resposta está nas pessoas. É por isso que a Cúpula dos Povos é tão importante.
Serão as pessoas e os movimentos sociais que vão impor uma nova agenda para a
humanidade. Conectados como nunca, as pessoas farão a diferença no sentido de
propor a construção de novos caminhos. Veja o movimento "Occupy", por exemplo.
Outra discussão da Rio+20 será a formulação de novos indicadores econômicos.
A sra. acompanha esse debate?
Sim, e fico feliz que muitos economistas 'mainstream', como Joseph Stiglitz,
estejam empenhados nesse debate. Mas o que não podemos é transformar a natureza
em commodity. Devemos valorar a natureza, mas não transformar o ar, a água, as
florestas em mercadorias.
Esse é um dos riscos do conceito de economia verde. Ele não é ruim em essência,
mas o que me preocupa é se essa não será mais uma manobra para os poderosos
saquearem os recursos naturais em nome dessa "nova economia". Temos de ter
cuidado para não pintar a besta de verde.
Raio-X / Vandana Shiva
Quem é
Ambientalista e feminista, ficou famosa nos anos 1970 ao se amarrar a árvores
para impedir seu corte, criando o movimento Chipko Nascimento
Dehradun, na Índia, em 1952 Atuação
Diretora da Fundação de Pesquisa em Ciência, Tecnologia e Ecologia, em Nova
Déli, na Índia
Cúpula não dará prazos para economia verde
Encontro apenas terá decisão política de estabelecer metas, diz diplomata
brasileiro
DE NOVA YORK
A Rio+20, conferência ambiental da ONU que ocorre neste mês na capital
fluminense, não deverá definir prazos e metas de desenvolvimento sustentável
para os países. Esse processo só começará no ano que vem.
"Teremos a decisão política de que o mundo passará a contar com metas de
desenvolvimento sustentável, como houve em 2000 a decisão de que o mundo
passaria a ter metas de desenvolvimento do milênio", diz o embaixador Luiz
Alberto Figueiredo Machado, secretário-executivo da Comissão Nacional da Rio+20.
Segundo ele, a definição de metas e prazos dependeria do parecer de técnicos e
cientistas, e não há tempo hábil para que isso seja discutido antes da cúpula.
"A ideia hoje é que a determinação das metas ocorra de 2013 a 2015 e que, em
2015, essas metas sejam postas em prática."
O negociador brasileiro também afirmou que os emergentes não fogem da
responsabilidade de ajudar outros países em desenvolvimento a financiar
iniciativas sustentáveis -por exemplo, infraestrutura e pesquisa sobre energia
renovável.
Machado diz, porém, que os emergentes buscam engajamento mais forte dos países
desenvolvidos para atingir esse tipo de meta.
Embora a União Europeia declare estar pronta para adotar metas concretas de
desenvolvimento sustentável, o bloco não está disposto a dar dinheiro para
implementar essas ações. Para os europeus, os recursos devem vir da iniciativa
privada.