Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Artigos
04/06/2012 (Nº 40) Evolução de eventos sobre meio ambiente e seus reflexos na responsabilidade socioambiental das empresas: reflexões para a conscientização ambiental
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1230 
  
Educação Ambiental em Ação 40

 

 

 

Evolução de eventos sobre meio ambiente e seus reflexos na responsabilidade socioambiental das empresas: reflexões para a conscientização ambiental

 

  1. Miguelangelo GIANEZINI
  2. Ana Paula MATEI
  3. Shana FLORES
  4. Matheus Dheim DILL
  5. Cesar Augustus WINCK
  1. Cientista Social, Doutorando em Agronegócios pela UFRGS, Bolsista CNPq. miguelangelo@ufrgs.br

2.     [1]Doutoranda em Desenvolvimento Rural pela UFRGS, Bolsista CAPES. ana.matei@ufrgs.br

3.     Doutoranda em Geografia pela UFRGS, Professora do IFRS. shana.flores@osorio.ifrs.edu.br

4.     Doutorando em Agronegócios pela UFRGS, Bolsista CNPq. matheusdill@hotmail.com

5.     Doutorando em Agronegócio pela UFRGS, Professor da UNOESC. cesar.cepan@gmail.com

Endereço: CEPAN - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Av. Bento Gonçalves, 7712. Agronomia - 1.º Andar - Porto Alegre/RS - CEP: 91540-000 – Fone/FAX: +55 51 33.08.65.86

 

 

 

RESUMO

 

Os impactos das mudanças climáticas têm exigido de governos, empresas e ONG’s, propostas de soluções para os atuais problemas ambientais. Na esfera pública, eventos são realizados e legislações são elaboradas visando mitigar os efeitos da poluição ambiental, ao passo que na esfera privada, muitas empresas têm buscado implementar práticas de gestão que apresentem à sociedade o desenvolvimento de suas ações de responsabilidade socioambiental. Este artigo propõe-se, ao observar esta conjuntura, a abordar as questões da responsabilidade socioambiental das empresas, além de apresentar um histórico dos principais eventos acerca da temática do meio ambiente e aquecimento global ocorridos nas últimas décadas. Metodologicamente, realizou-se uma revisão de literatura acerca dos conceitos do socioambientalismo, e definições e caracterização de responsabilidade socioambiental das empresas no âmbito da temática do aquecimento global; e levantamento de informações e dados acerca dos marcos da política socioambiental, além das experiências existentes. Observou-se que, apesar da dificuldade de maturação dos temas deste trabalho e carência do debate, a proposta de incorporação do conceito de socioambientalismo, aqui trabalhado, nas análises de responsabilidade socioambiental foi compreendida, com o objetivo de pesquisar não somente as relações entre agentes/setores, como também temáticas de eventos internacionais sobre a temática que permitam promover reflexões para a conscientização ambiental.

 

Palavras-chave: responsabilidade socioambiental; mudanças climáticas; conscientização ambiental.

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

           

Os impactos das mudanças climáticas (em especial o aquecimento global) têm exigido de governos, empresas e ONG’s, propostas de soluções para os atuais problemas ambientais.

Na esfera pública, os governos realizam eventos e elaboram legislações visando mitigar os efeitos da poluição ambiental e as organizações não-governamentais buscam representar os movimentos sociais que pressionam por estas ações e mudanças.

Na esfera privada, muitas empresas têm implementado práticas de gestão que possam promover e apresentar à sociedade o desenvolvimento de suas ações de responsabilidade socioambientais.

Neste contexto, este artigo tem a proposta de promover reflexões para a conscientização ambiental a partir da observação desta conjuntura, buscando abordar as questões da responsabilidade socioambiental das empresas, além de um histórico dos principais eventos (marcos da política socioambiental) acerca da temática do meio ambiente e aquecimento global ocorridos nas últimas décadas.

 

2. MÉTODO

 

Para o desenvolvimento deste artigo foram inicialmente estabelecidos limites para a busca de informações e delineamento do mesmo. Observando o critério de classificação, quanto aos objetivos e procedimentos, optou-se por um estudo exploratório pelo nível de conhecimento do assunto.

Quanto aos procedimentos, foram realizados: i) revisão de literatura sobre os conceitos do socioambientalismo, e definições e caracterização de responsabilidade socioambiental das empresas no âmbito da temática do aquecimento global; e ii) levantamento de informações e dados acerca dos marcos da política socioambiental e das experiências e práticas existentes.

 

3. RESULTADOS e DISCUSSÃO

 

3.1 Conceitos de Socioambientalismo e Responsabilidade Socioambiental

 

Nas últimas três décadas, as ciências sociais vêm abrigando a construção de um novo paradigma científico, como aponta Julia Guivant (1995).

 

Entendido que os recursos naturais do planeta são finitos e sujeitos a sérias degradações, o que estabelece os limites dentro dos quais planejar o crescimento econômico e o bem-estar dos seres humanos, passa-se a estudar os processos sociais no contexto maior da biosfera, considerando-se que as práticas humanas deliberadas, afetando o meio ambiente, têm provocado efeitos negativos não previstos. As pesquisas sobre agricultura realizadas nestes últimos anos são compreendidas na problemática ambiental pela ótica social.

 

Neste novo paradigma, há trabalhos integrados na crítica ao modelo agrícola brasileiro, fundamentados em uma perspectiva que busca quebrar o isolamento da questão referente à sustentabilidade agrícola (nas pesquisas de ciências sociais ligadas ao meio ambiente no Brasil), como é o caso de Francisco Graziano Neto (1985); George Martine e Ronaldo Garcia (1987); Ademar Romeiro (1992); e Donald Sawyer (1991). 

Por conseguinte, mesmo que o caráter deste artigo não permita um aprofundamento da questão da sustentabilidade agrícola, é importante mencionar sinteticamente a inclusão e compreensão do termo “socioambientalismo”, que no Brasil é caracterizado “pela busca do desenvolvimento não só da sustentabilidade de ecossistemas, espécies e processos ecológicos, mas também a sustentabilidade social e cultural por meio de políticas públicas sociais” (VIEIRA, 2006), ainda que a realidade da gestão socioambiental pública brasileira atual esteja em busca deste resultado.

Já no âmbito da gestão privada, muitas empresas têm implementado práticas de gestão que possam promover e apresentar à sociedade o desenvolvimento de suas ações de responsabilidade socioambientais, havendo muitas ferramentas e modelos vigentes (certificações) atualmente.

Isto porque a maior consciência coletiva em relação ao meio ambiente e a complexidade das demandas sociais que a sociedade repassa às organizações, induzem um novo posicionamento por parte de empresários e executivos frente a tais questões (TACHIZAWA et. al., 2007).

Portanto, na visão empresarial, a responsabilidade socioambiental (RSA) é um conceito empregado por empresas e organizações no intuito de expressar o quão responsáveis são para com as questões sociais e ambientais que envolvem a produção de bens ou a realização de serviços, em relação ao seu impacto para a sociedade e o meio ambiente, buscando reduzir ou evitar possíveis riscos e danos sem redução nos lucros.

Corresponde a um compromisso das empresas (melhor difundido entre as urbanas, mas ainda incipiente nas rurais, especialmente na agricultura empresarial) em atender à crescente conscientização da sociedade, principalmente nos mercados mais maduros. Diz respeito à necessidade de revisar os modos de produção e padrões de consumo vigentes de tal forma que o sucesso empresarial não seja alcançado a qualquer preço (LEME, 2006), mas ponderando-se os impactos sociais e ambientais consequentes da atuação administrativa da empresa.

Mas todas estas definições atuais, públicas e privadas, só chegaram a este nível de elaboração, por causa das pressões advindas de movimentos e momentos históricos, que contribuíram fundamentalmente para a discussão. 

 

3.2 Marcos da questão ambiental no mundo

 

Em 1968, é constituído o chamado “Clube de Roma”, envolvendo 30 cientistas de 10 países desenvolvidos interessados em discutir a questão ambiental. Estes pesquisadores objetivavam analisar os problemas resultantes do modelo de crescimento vigente na época, passando a estudar sobre fenômenos como o crescimento descontrolado da população, a aceleração do nível de industrialização, a escassez dos recursos naturais não-renováveis e a degradação ambiental.

A partir desta mobilização, foi apresentado relatório The limits of Growth, divulgado em 1972, despertando interesse e servindo de base para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, na cidade de Estocolmo, Suécia, também em 1972.

Nesta conferência, criou-se o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Naquela época, a idéia era dar mais visibilidade aos problemas ambientais, que ainda não tinham atingido as atuais proporções, mas já revelavam seus perigos em potencial (LEIS, 1991).

A 1ª. Conferência de 1972 teve seu principal desdobramento duas décadas depois, na ECO 92 (ou Rio 92), uma nova reunião mundial para discutir os problemas ambientais, que se diferenciou da anterior por contar com a presença de chefes de Estado. Isso evidenciava que as questões relativas ao meio ambiente tinham ganhado a atenção das políticas governamentais, uma vez que em nível nacional, 1992 é o ano de criação do Ministério do Meio Ambiente.

No âmbito da análise dos problemas e de suas soluções, a ECO 92 apresentou uma contribuição definitiva ao estabelecer o conceito de desenvolvimento sustentável, que deixava claro que no centro das questões ambientais se encontravam questões centrais da economia. A questão era conciliar o equilíbrio ecológico com o desenvolvimento econômico, o crescimento dos países pobres e em desenvolvimento.

Além disso, os eventos paralelos que aconteceram no Rio de Janeiro durante a realização da ECO 92 mostraram que a sociedade civil poderia contribuir com a solução dos problemas e começava a se organizar em ONG´s que objetivavam cuidar de questões ecológicas e sociais (LAGO, 2007).

Na ECO 92, foram assinados documentos que delineavam ou instituíam políticas internacionais sobre as questões ambientais e suas implicações econômicas e sociais. Entre eles, a Carta da Terra, uma proclamação de princípios, que equivale à Declaração Universal dos Direitos Humanos no que se refere à sustentabilidade e à justiça social. A Carta estabelece diversos valores a se observar e ideais a se perseguir, como o respeito ao planeta, a produção e o consumo sustentáveis, a responsabilidade e transparência nos processos administrativos, a paz e as soluções não-violentas para os conflitos.

Ressalta-se ainda, que a ECO 92 contou com a participação de 170 países e que o resultado desta conferência culminou com a proposição de uma agenda para o século XXI, batizada de Agenda 21.

Na Agenda 21, foram relacionadas 2.500 medidas que podem servir como base para que cada país elabore o seu plano de preservação do meio ambiente, tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2004).

Foram assinadas também as Convenções da Biodiversidade e das Mudanças Climáticas. Esta última teve as consequências mais práticas e efetivas, uma vez que lançou as bases do Protocolo de Kyoto (Japão - 1997), que estabeleceu metas concretas para redução de gases do efeito estufa, em especial o CO2. Foi assinado por 55 países e seu objetivo inicial deve ser atingido entre 2008 e 2012. Entretanto, não foi assinado pelos EUA, país responsável pela maior parte da emissão desses gases.

Em 2002, uma nova Conferência Mundial do Meio Ambiente, a Rio + 10, ocorreu em Johannesburgo, África do Sul e serviu para constatar os pequenos avanços no combate aos problemas ambientais e para evidenciar que ainda há muito por se fazer, num contexto cada vez mais crítico.

Em 2009, ocorreu a Conferencia das Partes (COP-15) em Copenhagen. Organizada pela ONU, reuniu os líderes mundiais para discutir como reagir às mudanças climáticas.

A “Conferência do Clima” valeu pela mobilização (ONGs e a opinião pública global e local) e pelo fato de ter colocado assunto da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente na prioridade da agenda mundial. Mas do ponto de vista de ações práticas e imediatas para enfrentar a urgência dos problemas climáticos do Planeta, a COP-15 ficou muito aquém do esperado. Não se conseguiu desbloquear a questão do MRV (mensurável, reportável e verificável), nem estabelecer o montante de recursos financeiros necessários ao longo da próxima década e não se garantiu medidas claras de mitigação e de adaptação (WWF,2011).

O próximo acordo global sobre clima, que substitui o Protocolo de Kyoto ocorrerá em 2012. O primeiro período de compromisso vai de 2008 a 2012 e estabelece metas para os países desenvolvidos de 5,2% de redução dos gases de efeito estufa com base nos níveis medidos em 1990.

 

3.3 Marcos da questão ambiental no Brasil

 

Os primeiros antecedentes do ambientalismo no Brasil são de caráter preservacionista e remontam a 1958, data de criação da Fundação Brasileira para Conservação da Natureza.

Mas a escassa importância de seu desempenho no espaço público traz para os anos 1970 o processo de constituição do ambientalismo brasileiro, quando então começam a configurar-se propostas provenientes tanto do estado quanto da sociedade civil (VIOLA, 1987). A profundidade e a violência das mudanças modernizadoras destes anos explicam inclusive o maior espaço de atenção que as novas questões ambientais tiveram no Brasil.

Essas circunstâncias marcam simultaneamente a força e a origem do ambientalismo no Brasil que, promovido por cima e por baixo estrutura-se no seu período formativo como um movimento bi-setorial constituído por Associações Ambientalistas e Agências Estatais de meio ambiente.

A relação entre ambas dá-se simultaneamente em caráter de conflito e cooperação, porque, uma questionava a outra no sentido da atuação na dinâmica socioambiental. Porém a criação das Agências significou um estímulo à formação e desenvolvimento das Associações, sendo que, uma parte significativa dos técnicos e alguns dirigentes das agencias são também ativistas nas entidades e as mobilizações e lutas das Associações implicam um reforço da posição das Agências na estrutura estatal.

A partir da segunda metade da década de oitenta, o movimento ambientalista no Brasil torna-se Multissetorial, pois a preocupação pública com a deterioração do meio ambiente vinha crescendo e disseminando-se progressivamente. Este ambientalismo constitui-se por oito setores principais, os dois já existentes e mais novos seis (tipos de ambientalismo), com diversos graus de integração e institucionalização (VIOLA e LEIS, 1995):

 

Strico Sensu: associações e grupos comunitários ambientalistas, que agora diferenciam-se em 3 tipos (profissionais, semiprofissionais e amadoras); Governamental: as agencias estatais do meio ambiente (no nível federal, estadual e municipal); Socioambientalismo: as organizações não-governamentais, sindicatos e movimentos sociais que tem outros objetivos, mas incorporam a proteção ambiental como dimensão relevante de sua atuação. Ex: Movimento dos Seringueiros, Movimentos Indígenas, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (que em algumas regiões tem avançado na direção de uma proposta de “reforma agrária ecológica”); Dos Cientistas: as pessoas, grupos e instituições que realizam pesquisa cientifica sobre a problemática ambiental; Dos Políticos Profissionais: os quadros e lideranças dos partidos existentes que incentivam a criação de políticas específicas e trabalham para incorporar a dimensão ambiental no conjunto das políticas públicas; Religioso: as bases e representantes das várias religiões e tradições espirituais que vinculam a problemática ambiental à consciência do sagrado e do divino; Dos educadores, jornalistas e artistas fortemente preocupados com a problemática ambiental e com a capacidade de influir diretamente na consciência das massas.

 

Em janeiro de 1989, no auge das criticas nacionais e internacionais à gestão ambiental, provocadas principalmente pelas queimadas na Amazônia e pelo assassinato de Chico Mendes, o governo cria o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o que implica uma reforma conceitual-organizacional na definição da problemática ambiental, já que pela primeira vez associa-se a proteção ambiental com o uso conservacionista de alguns recursos naturais.     

Com a onda ambientalista brasileira cada vez ganhando mais espaço na mídia e conscientizando vários setores da sociedade, alguns empresários começam a dar um significativo apoio às novas organizações ambientalistas profissionais. Então em 1991 funda-se a Sociedade Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, reunindo empresas que pretendem pautar sua atuação pelo critério da sustentabilidade, um passo importante no desenvolvimento da responsabilidade socioambiental e seus reflexos, tratados no item 3.4.

Por fim, em 1992 ocorre a ECO-92, que coloca o Brasil em sintonia com os marcos da questão ambiental mundial mencionados na seção 3.2.

 

 
 

3.4 Responsabilidade Socioambiental das Empresas

 

            O conceito de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) faz referência ao escopo ampliado das empresas, onde se sai de uma visão em que a responsabilidade da empresa estaria relacionada apenas ao aspecto econômico, partindo para inclusão de aspectos sociais, ambientais e relação com as partes interessadas – ou stakeholders. Embora seja difícil sintetizar um histórico para essa abordagem, é inegável que a emergência e evolução nas discussões a respeito da questão ambiental e desenvolvimento sustentável, acima relatadas, estão diretamente relacionadas com a visão de escopo ou responsabilidade ampliada das empresas.

            Muito se discute sobre o conceito e amplitude no tratamento do tema, bem como metodologias e indicadores para comparar práticas de empresas em setores distintos. Dessa forma, organizações nacionais e internacionais vêm propondo normas e metodologias que dizem respeito, principalmente, a produtos, processos e formas de comunicação da RSE. Nesse sentido, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, fundado em 1998, tem importante papel na consolidação e divulgação dos princípios de RSE no contexto brasileiro. Como conceito de RSE, a definição divulgada pelo Instituto Ethos sintetiza bem a questão da responsabilidade ampliada das organizações conforme pode ser visto a seguir.

 

Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais (Instituto Ethos, 2010).

 

            A partir desse conceito, pode ser percebido que RSE é uma forma de integração do conceito de desenvolvimento sustentável na estratégia empresarial. Assim, além dos fatores econômicos (relacionados à relação e retorno aos acionistas), as empresas também devem considerar em sua gestão variáveis relacionadas ao meio ambiente, além de sociais, essas últimas divididas em: comunidade local, sociedade, fornecedores, clientes e colaboradores. Assim, as metodologias propostas acabam por integrar, de forma parcial ou total, tais variáveis na tentativa de orientar e certificar as ações das empresas em parâmetros internacionalmente aceitos.

 

Quadro 1: Principais Normas e Metodologias relacionadas à Gestão Socioambiental

 

Normas ou Metodologias

Atuação

ISO 9000

Principal certificação internacional relacionada a programas de qualidade. A padronização dos processos, em geral, é o primeiro passo na organização do sistema de gestão das empresas, facilitando a evolução para um sistema de gestão sócioambiental.

ISO 14000

Certificação da Organization for Standardization, para criação de um SGA. É a principal norma de gestão ambiental. Utilizada em conjunto com a ISO9000.

OHSAS 18001 - Occupational Health and Safety Assessment Series

Certificação que garante compromisso com redução de riscos e melhoria contínua do desempenho com relação a saúde e segurança dos trabalhadores

Atuação Responsável – Responsible Care

Criado no Canadá em 1984, foi uma iniciativa das indústrias químicas apoiado pelo CMA, Chemical Manufactures Association, considerado o primeiro modelo de gestão ambiental formal. No Brasil é obrigatório para as indústrias sócias da Abiquim

SA 8000 - Social Accountability 8000

Baseada na Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Declaração Universal dos Direitos do Homem e Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos na Infância.

AA 1000 - Accountability 1000

Apresentado em novembro de 1999 para gestão da comunicação da RSE. Foco na transparência das informações, gestão e governança.

GRI - Global Reporting Initiative

Organização multi-stakeholder com a missão de ajudar as empresas a definir e medir sua contribuição à RSE. Objetivo principal de criar modelos e indicadores comuns para mensuração segundo as empresas e seu contexto.

Instituto Ethos

O Instituto elaborou uma metodologia de escopo abrangente, baseada em um questionário de preenchimento voluntário que, além de avaliação, serve como direcionamento para as empresas adotarem práticas de RSE. Para atender às especificidades, são oferecidos questionários setoriais e direcionados às micro e pequenas empresas, entre outros.

ISO 26000

Objetivo de unificar os conceitos de RSE existentes de modo a propor um consenso, uma ISO social. Em processo de elaboração com um grupo liderado por Brasil e Suécia. Guia de práticas, e não norma certificável.

 

Fonte: adaptado de FLORES, 2005.

 

Cada uma dessas normas ou metodologias vai tratar de diferentes aspectos relacionados à incorporação do conceito de RSE nas empresas e formas de avaliação. De um modo geral, a busca é por processos genéricos, que possam ser utilizados por organizações em diferentes países, regiões, tamanhos e segmento econômico. No quadro 2 observa-se uma síntese relacionando as metodologias acima citadas com as variáveis de RSE.

 

Quadro 2: Relação entre Normas/Metodologias e variáveis da Gestão Socioambiental

 

                      

                      Componentes

 

 

Metodologias

Comunidade

Sociedade

Meio Ambiente

Fornecedor

Cliente

Colaborador

Acionista

ISO 9000

             

ISO 14000

             

OHSAS 18000

             

SA 8000

             

AA 1000

             

Atuação Responsável

             

Indicadores Ethos

             

GRI

             

ISO 26000

             

           

            Fonte: adaptado de FLORES, 2005.

A partir das metodologias propostas, outro tema recorrente é a criação de indicadores para acompanhar o desempenho das empresas com relação a RSE, bem como a evolução no tratamento do tema. De um modo geral, as metodologias acima trabalham com a proposta de indicadores, dentre elas, cabe destacar o Instituto Ethos. No quadro 3, são mostradas as áreas de indicadores para cada esfera de avaliação; cada área é dividida em indicadores quantitativos e qualitativos já propostos, além de deixar espaço para que cada organização inclua novos indicadores no momento da avaliação.

 

Quadro 3: Áreas e Indicadores avaliados pela metodologia do Instituto Ethos

 

Esferas

Indicadores

Valores, transparência e governança

Compromissos éticos

Práticas anti propina

Práticas anti corrupção

Balanço Social

Público Interno

Cuidados com a saúde, segurança e condições de trabalho

Benefícios adicionais

Critérios de Contratação

Valorização da diversidade e promoção da eqüidade

Inclusão de pessoas com deficiência

Relação com sindicatos

Compromisso com o desenvolvimento profissional e a empregabilidade

Acesso à Informação

Meio Ambiente

Gerenciamento de impactos no meio ambiente e ACV de produtos e serviços

Comprometimento da empresa com a melhoria da qualidade ambiental

Educação e conscientização ambiental

Fornecedores

Critérios de seleção e avaliação de fornecedores

Empregados dos fornecedores

RSE dos fornecedores

Apoio ao desenvolvimento dos fornecedores

Consumidores e clientes

Excelência do atendimento

Dúvidas, sugestões e reclamações

Satisfação dos consumidores/clientes

Política de comunicação comercial

Conhecimento e gerenciamento de danos potenciais de produtos e serviços

Comunidade

Gerenciamento do impacto da empresa na comunidade de entorno

Relações com a comunidade de entorno

Estímulo ao trabalho voluntário

Envolvimento da empresa com a ação social

Relações com entidades beneficiadas

Participação comunitária

Benefícios para o negócio

Governo e sociedade

Participação e influência social

Envolvimento em campanhas políticas

Participação e acompanhamento das administrações publicas

Melhoria dos espaços públicos e apoio à iniciativas sociais governamentais

 

Fonte: Instituto Ethos, 2008.

 

            Outra importante ferramenta nessa área são os indicadores iBase, iniciativa pioneira no Brasil para a divulgação de balanço social, uma referência aos balanços patrimoniais apresentados anualmente pelas empresas de capital aberto. Na verdade, o iBase acaba por propor uma estrutura semelhante aos balanços patrimoniais, exprimindo indicadores predominantemente quantitativos e permitindo a comparação entre diferentes anos. Os indicadores iBase são divididos nas categorias: indicadores sociais internos, indicadores sociais externos, indicadores ambientais e informações referentes ao exercício da cidadania (IBASE, 2010).

Por fim, ressalta-se que as metodologias precisam ser aplicadas e convertidas em ações concretas para fazerem sentido. Por isso, políticas e ações adotadas pelas empresas de modo a incorporar a filosofia da RSE em seu cotidiano devem implantar projetos de Responsabilidade Socioambiental que contemplem: inclusão social, coleta de lixo, reciclagem, programas de coleta de esgotos e dejetos, entre outros.

           

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Apesar da dificuldade de maturação dos temas deste artigo, a proposta de incorporação do conceito de socioambientalismo aqui trabalhado nas análises de responsabilidade socioambiental foi compreendida.

Através das leituras, pode-se concluir que, na esfera pública, apesar de ter sido criada nos moldes norte-americano e europeu, a política ambientalista no Brasil possui muitas particularidades e vem criando uma identidade própria no sentido da preservação e manutenção do meio ambiente. O processo de elaboração da Agenda 21 brasileira, por exemplo, é a mais ampla experiência de planejamento participativo desenvolvida no país no período posterior à Constituição Federal de 1988. A Agenda 21 Brasileira procura, pois, estabelecer equilíbrio negociado entre os objetivos e as estratégias das políticas ambientais e de desenvolvimento econômico e social, para consolidá-los num processo de desenvolvimento sustentável. Esse esclarecimento é indispensável uma vez que os planos de desenvolvimento no Brasil tendem, em geral, a listar objetivos e diretrizes potencialmente conflitivos sem explicitar para o poder público os valores e preferências envolvidos.

Já na esfera privada, percebe-se que há uma conscientização social e uma maior cobrança em termos de ações transparentes e comprometidas para com a responsabilidade socioambiental das empresas. Assim, muitos autores também preocupam-se em desenvolver métodos e ferramentas capazes de auxiliar as organizações na identificação de seus impactos e a buscar alternativas para que estes passivos ambientais sejam amenizados e/ou reduzidos.

            Por fim, destaca-se que talvez o fato mais válido na escolha de temas como os aqui abordados não se restrinja a um aprendizado específico ou operacional, mas sim, poder utilizar-se do conhecimento da temática para refletir e discutir o desenvolvimento de modelos sustentáveis de produção, articulados às questões ambientais globais e locais por meio de uma ótica multidisciplinar.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Agenda 21 Brasileira: ações prioritárias. Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional. 2. ed. Brasília : Ministério do Meio Ambiente, 2004.

 

BENNETT, J. Research on farmer behavior and social organization. In: Kenneth A. DALLBERG. New Directions for agriculture and agriculture research. Neglected dimensions and emerging alternatives. Nova Jersey: Rowman and Allanhed Publishers, 1986.

 

FLORES, S. S. Alinhamento estratégico dos objetivos de sustentabilidade na cadeia de fornecimento da COPESUL. Trabalho de Conclusão do Curso de Administração. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2005

 

FRANGUETTO, F. W.; GAZANI, F. R. Viabilização Jurídica do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil: Protocolo de Kyoto e a cooperação Internacional. São Paulo: Peirópolis; Brasília, DF: IIEB- Instituto Internacional de Educação no Brasil, 2002.

 

GRAZIANO NETO, F. Questão agrária e ecologia. Crítica da moderna agricultura. São Paulo: Brasiliense. 1985.

 

GUIVANT, J. A Agricultura Sustentável na Perspectiva das Ciências Sociais. In: VIOLA, E. (org) Meio Ambiente, Desenvolvimento e Cidadania: desafios para as Ciências Sociais. Florianópolis: Cortez, 1995.

 

INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL. O que é RSE? Disponível em <http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/29/o_que_e_rse/o_que_e_rse.aspx>. Acesso em 20 abr 2010.

 

IBASE. Balanço social.  Disponível em . Acesso em 22 maio 2010.

 

LAGO, A. A. C. Estocolmo, Rio, Joanesburgo: O Brasil e as Três Conferências Ambientais das Nações Unidas. Brasília: IRBr, FUNAG, 2007.

 

LEIS, H. R. Ecologia e Política Mundial - Rio de Janeiro: Vozes; Fase, 1991. 183p   

LEME, K. D. Responsabilidade Sócio-ambiental no Sistema Financeiro. Monografia - TGI I/ GEOGRAFIA-FFLCH/USP - 2006.

 

LIMA, L. F. O Mercado de Carbono e a Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa: Novas Perspectivas. In: NASSER, Sallem Hickmat; REI, Fernando (Org). Direito Internacional do Meio Ambiente: Ensaios em Homenagem ao Prof Guido Fernando Silva Soares. São Paulo: Atlas, 2006.

 

MARTINE, G. Os impactos sociais da modernização agrícola. São Paulo: Caetés, 1987.

 

PRODEMA, Fortaleza, dez. 2007. Disponível em http://www.prodema.ufc.br/revista /index.php/rede/article/viewFile/3/3 Acesso em 05 jun. de 2010.

 

ROMEIRO, A. R. Agricultura e Ecodesenvolvimento. In: Dalia MAIMON (coord.). Ecologia e desenvolvimento. Rio de Janeiro APED. 1992.

 

SAWYER, D. R. Campesinato e ecologia na Amazônia. Documento de trabalho n. 3. Brasília. Instituto Sociedade, População e Natureza, 1991.

 

SISTER, Gabriel. Mercado de Carbono e Protocolo de Quioto: Aspectos Negociais e Tributação. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

 

TACHIZAWA, T.; ANDRADE, R. O. B. Responsabilidade socioambiental no contexto das micro e pequenas empresas.  SEGeT – Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, 2007. Disponível em http://www.aedb.br/seget/artigos07 /759_759_artigo_SEGET.pdf Acesso em: 07 jun. 2010.

 

VIEIRA, R. E. Novo enfoque da gestão pública sócio-ambiental no Brasil: um estudo sobre as políticas públicas socio-ambientais na administração pública brasileira. Disponível em: http://www.artigosbrasil.net/art/varios/2112/politica-publica-socioambiental.html%22. Acesso em: 02 jun. 2010.

 

VELLOSO, J. P. R. A Ecologia e o Novo Padrão de Desenvolvimento no Brasil - São Paulo: Nobel, 1992.

 

VIOLA, E.J. e LEIS, H. A evolução das Políticas Ambientais no Brasil, 1971-1991: do Bissetorialismo preservacionista para o Multissetorialismo orientado para o Desenvolvimento Sustentável. Campinas: UNICAMP, 1995.     

      

VIOLA, E. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. Revista Brasileira de Ciências Sociais: ANPOCS, No.3, vol.1, fev.1987.  

 

WWF Brasil, 2011 Negociações de Clima: Glossário da COP. Disponível em: http://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/clima/mudancas_climaticas_resultados/negociacoes_de_clima/negociacoes_de_clima.cfm Acesso em 10/09/2011

Ilustrações: Silvana Santos