Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
‘Estamos perdendo o planeta’, diz Kumi Naidoo, diretor do Greenpeace, em
entrevista
Publicado em maio 16, 2012 por HC
Tags: crise
ambiental Compartilhe: Share on facebookShare on twitterShare on orkutShare on emailShare on printMore Sharing Services
O
movimento ambientalista está perdendo o ímpeto, e governos de todo o mundo
ignoram sua responsabilidade de desacelerar a mudança climática. O diretor do
Greenpeace, Kumi Naidoo, porém, continua otimista. Nesta entrevista, ele explica
sua nova visão de um mundo sustentável –e como o papa pode ajudar. Entrevista de
Stefan Schultz, Der Spiegel.
Políticos e líderes empresariais gostam de falar sobre a nova era da economia
verde. Mas, na realidade, a exploração da natureza está aumentando. O Congresso
brasileiro tenta enfraquecer as leis que protegem a floresta tropical. Na
conferência do clima em Durban, na África do Sul, não se conseguiu chegar a um
acordo sobre a limitação das emissões de CO2. E nas economias em
desenvolvimento, como China e Índia, dezenas de novas usinas energéticas movidas
a carvão estão em obras. Um
governo após o outro evita sua responsabilidade quando se trata de combater a
mudança climática. Enquanto isso, ativistas ambientais em todo o mundo se
mostraram incapazes de reverter ou mesmo desacelerar a tendência. De fato, o
movimento verde parece ter perdido o ímpeto. Agora o diretor do Greenpeace, Kumi
Naidoo, começou a seguir uma nova estratégia. Ele está mudando o enfoque de sua
organização para o mundo em desenvolvimento, ligando a luta contra o aquecimento
global à luta contra a pobreza. E também aumentando a cooperação do Greenpeace
com grandes empresas.
Críticos acusaram Naidoo de enfraquecer a marca Greenpeace. “Spiegel Online”
encontrou Naidoo no Simpósio St. Gallen, na cidade suíça do mesmo nome. Na
entrevista, ele defendeu o Greenpeace da acusação de que se tornou mole demais.
Spiegel Online: Senhor Naidoo, o Greenpeace parece impotente em sua luta para
proteger o meio ambiente. O planeta já está perdido?
Kumi Naidoo: Para milhões de pessoas, especialmente na África, já é tarde
demais. Elas já estão sentindo o impacto da mudança climática, o que não quer
dizer que através da adaptação e mitigação elas e o resto do mundo não possam
evitar as piores consequências ou aliviar o sofrimento. Mas precisamos agir
agora e começar a fazer tudo o que pudermos para proteger o clima.
Definitivamente não estamos impotentes, mas precisamos de apoio. Outros
interesses –como o lobby do petróleo– têm acesso a recursos financeiros
imensamente maiores que nós, e é contra isso que lutamos.
Spiegel Online: Qual foi seu êxito mais recente?
Naidoo: Temos muitos, mas um grande exemplo de nosso trabalho recente foi
convencer a Nestlé a parar de cooperar com o produtor de óleo de palmeira
indonésio Sinar Mas. Essa companhia destrói grandes áreas de floresta tropical
para abrir espaço para suas plantações, e uma grande parte de nosso trabalho é
incentivar as empresas a praticar a responsabilidade ecológica.
Spiegel Online: Quando se trata de questões em grande escala, vocês não tiveram
tanto sucesso. Projetos de risco para produção de energia, como fraturamento
hidráulico ou perfuração de petróleo em águas profundas, estão aumentando. A
produção global de CO2 continua aumentando.
Naidoo: Infelizmente é verdade: estamos vencendo importantes batalhas
estratégicas. Mas estamos perdendo o planeta.
Spiegel Online: Como vocês pretendem mudar isso?
Naidoo: Precisamos mudar a narrativa da proteção climática e criar uma sensação
de esperança –porque existe esperança. Queremos ser autodeterminados e conter o
impacto da mudança climática agora? Ou queremos esperar até que ela nos derrote?
Será necessário um outro tipo de pensamento proativo para chegar lá, e acredito
que somos capazes dessa mudança.
Spiegel Online: Até agora, esses cenários apocalípticos não serviram muito para
mudar a opinião pública. Um reator nuclear explodiu no Japão, um desastre em um
poço de petróleo no golfo do México resultou no mais desastroso vazamento da
história dos EUA. A maioria dos países, porém, não se mexeu para abandonar essas
tecnologias.
Naidoo: Somos viciados em energia suja, é verdade. E é um vício, que como todos
os vícios pode ser curado. Mas não é fácil. Talvez o que nos desperte é o fato
de que estamos falando sobre um aumento dramático de eventos climáticos
catastróficos: sobre o país de Kiribati, que está lentamente afundando no oceano
devido à elevação dos níveis do mar; sobre a falta de água e o colapso de
sistemas agrícolas em alguns países; sobre milhões de refugiados climáticos na
África que estarão rumando para a Europa; sobre danos econômicos, sociais e
ecológicos devastadores que podem ser evitados. Nossos líderes são grandes
perdedores. Enquanto deveriam estar cuidando dos interesses de seus cidadãos,
estão fazendo negócios com grandes empresas –e assim aceitando a catástrofe com
os olhos bem abertos…
Spiegel Online: …mas os críticos acusam o Greenpeace de não fazer nada para
evitar isso. Vocês não conseguiram mudar o discurso público sobre a proteção
climática. E agora querem combater a pobreza. Não estão perdendo ainda mais
impacto com uma abordagem tão ampla?
Naidoo: A luta contra a mudança climática e a luta contra a pobreza são dois
lados da mesma moeda. A mudança climática destrói o ganha-pão de milhões de
pessoas, tornando-as ainda mais pobres. As soluções para a mudança climática,
como sistemas de energia renovável descentralizados, também fazem parte da
maneira de tirar as pessoas da pobreza.
Spiegel Online: Por outro lado, tecnologias energéticas perigosas podem reforçar
as economias. Angola está experimentando um sucesso graças à perfuração de
petróleo em alto-mar. Como se pode convencer o governo de um país como esse de
que deve parar a produção para proteger o meio ambiente?
Naidoo: A renda dessas indústrias flui quase totalmente para as mãos de uma
pequena elite política corrupta, por isso sim, algumas pessoas estão vivendo um
êxito. Mas a expressão “de risco” aqui é mais pertinente. Com o crescimento
avassalador da energia renovável em todo o mundo, os vazamentos de petróleo e
desastres nucleares, essas indústrias não são investimentos estáveis em longo
prazo. Esse tipo de energia se baseia em um modelo empresarial ultrapassado –e
não apenas por causa do impacto ambiental. Angola e outros países africanos têm
um enorme potencial para gerar crescimento renovável, e as nações emergentes
devem aprender com os fracassos do desenvolvimento econômico ocidental. Evitar
as tecnologias de energia suja do Ocidente é um passo importante nesse processo.
Spiegel Online: Como?
Naidoo: Podemos fazer isso com a ajuda da religião. Idealmente, o papa deveria
perguntar às pessoas: “Vocês realmente acham que Deus enterraria o petróleo e o
carvão para ser extraídos como a única opção de produção de energia?” Existem
outras fontes de energia suficientes que são muito mais fáceis de colher: o sol,
o vento e a água, para citar apenas três. Quando você vê os danos e a destruição
que precisam ocorrer para extrair energia suja, eu penso que um ser humano
reconhece instintivamente que é errado.
Spiegel Online: O Greenpeace está cada vez mais assessorando grandes empresas
sobre questões ambientalistas. Essa estratégia não é semelhante a dormir com o
inimigo?
Naidoo: Não. Seria um erro tático não assessorar essas companhias ou evitar
trabalhar com elas. Nós aprovamos esses relacionamentos. Cada aliado para a
proteção do meio ambiente é importante. Somos mais capazes de alcançar nossos
objetivos em parceria do que em oposição. E cada vez mais são as companhias que
nos procuram. Elas pretendem evitar que façamos campanhas contra elas. O
Greenpeace há muito tempo mantém uma posição de não ter aliados ou inimigos
permanentes: mantemos uma posição neutra.
Spiegel Online: Ou as companhias usam vocês na tentativa de parecer mais amigas
do meio ambiente?
Naidoo: Às vezes, mas, com o tempo, e nesse mundo on-line transparente, essas
empresas com frequência são expostas, suas verdadeiras cores se revelam. Na
realidade, muitos líderes empresariais com quem eu falo estão me dizendo: “Nós
gostaríamos de tornar a companhia mais sustentável”. Mas eles são apanhados no
círculo vicioso dos relatórios trimestrais. Se o ambientalismo afetar
negativamente o balanço de uma empresa, vai assustar os investidores. Nós
ajudamos a dar aos diretores argumentos contra essa falácia.
Spiegel Online: A hierarquia do Greenpeace é muito rígida, com muito poucos
determinando a estratégia. A estrutura da organização ainda tem a tarefa de
mudar as mentes?
Naidoo: O ambiente de comunicações nunca foi melhor para organizações como o
Greenpeace. Somos altamente ativos na mídia social e temos considerável sucesso
mobilizando grandes grupos de apoiadores e conquistando novos. Graças ao YouTube
e ao Facebook, pudemos ativar centenas de milhares de pessoas para nossa
campanha contra a cooperação da Nestlé com a Sinar Mas.
Spiegel Online: Sim, mas essa foi apenas uma campanha. Vocês não precisam de
outras estratégias também? Para mudar o sistema, vocês precisam mudar as pessoas
primeiro.
Naidoo: É bem verdade. Mas seria um erro negligenciar as campanhas ou a mídia
tradicional como a TV ou o rádio nesta altura. Na maior parte do tempo ainda
geramos mais impacto através desses canais. Mas é possível que a mídia social se
torne cada vez mais importante em nossa estratégia.
Spiegel Online: O que o Greenpeace precisa mudar?
Naidoo: Nossa abordagem geral das campanhas está mudando. O que as organizações
ambientalistas perceberam é que as mensagens de “diga não” não funcionam mais
como antes. As pessoas se desligam rapidamente disso. Precisamos criar visões
inspiradoras do mundo em que gostaríamos de viver, não os cenários apocalípticos
a que você se referiu antes. E isso está acontecendo. Estamos trabalhando em uma
campanha para a Energy Revolution neste momento –nossa visão, apoiada pela
ciência certa, de um futuro energético renovável. Vamos comemorar o sucesso
assim como os desafios. Isso é muito diferente do tipo de mensagem que
promovemos no passado.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Entrevista do Der
Spiegel, no UOL
Notícias.
EcoDebate,
16/05/2012 [ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
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