Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
04/06/2012 (Nº 40) Entrevista com Paulo Roberto de Souza para a 40ª Edição da Educação Ambiental em Ação
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Educação Ambiental em Ação 40

 

Entrevista com Paulo Roberto de Souza para a 40ª Edição da Educação Ambiental em Ação

Por Bere Adams

 

Apresentação – O entrevistado desta edição é o Artista Plástico e Ambientalista Paulo Roberto de Souza, que atualmente desenvolve  o Raku pra Lua Projetos, que utiliza a cerâmica como instrumento de Educação ambiental. Ele mora em Porto Seguro/Bahia e vai contar para a gente um pouco do seu trabalho, dos seus desafios e de suas descobertas com os projetos desenvolvidos em Reservas Pataxós. Deliciem-se!

 

 

Bere - Paulo, recentemente tive a felicidade de conhecer o seu trabalho, a partir de uma rede social, o Raku pra Lua Projetos. Conte-nos como, quando e onde nasceu a ideia.

 

Paulo – Bem, eu morava em São Paulo e tinha uma vontade enorme de conhecer melhor e trabalhar na Bahia.

Surgiu, então, a oportunidade de vir para a região de Porto Seguro e em 2009 eu conheci a Reserva Pataxó da Jaqueira.

Fiz muitos amigos entre os Pataxós. Conheci primeiro Aderno Pataxó e o seu irmão Oiti Pataxó, que me apresentaram a Aldeia e sua história.

Apaixonei-me pela floresta e pela cultura Pataxó e descobri que poderia ajudar os artistas da comunidade com o meu conhecimento em cerâmica.

Assim, desenhei um projeto de interações estéticas relativo a arte cerâmica e concorri ao edital na FUNARTE, em 2010.

Fui premiado e então realizamos o trabalho que foi super bem aceito pela comunidade.

 

Bere – Que bom o projeto ter sido contemplado, Parabéns! E como foi o processo de participar deste edital da FUNARTE, em termos de datas e de burocracia?

 

Paulo – Como todos os editais, extremamente burocrático. Vencida essa etapa (documentos, assinaturas e tramites iniciais) veio, então, a longa espera pela liberação do financiamento que atrasou pelo menos três meses. Fomos premiados em 2010 e a liberação da FUNARTE para o trabalho só aconteceu em 2011.

Foi ótimo ser premiado.

Com essa iniciativa conseguimos colocar a cerâmica Pataxó de novo entre as práticas ancestrais da aldeia, preservando essa cultura imaterial (saberes e fazeres).

 

Bere – O que significa Raku?

 

Paulo – Raku é uma técnica de queima da cerâmica.

Essa técnica foi desenvolvida no Japão, por volta do ano de 1600, e era associada à cerimônia do chá.

Consiste numa queima onde a cerâmica é esmaltada ou não e aquecida ao ponto de fusão do esmalte, ou até 1200 graus. É retirado ainda incandescente do forno e passa a uma atmosfera de redução (balde ou tambor com serragem).

Nessa etapa a temperatura, o oxigênio e o pó de serra fazem a sua mágica e conferem a cada peça uma coloração e um efeito únicos quando esmaltados.

As peças sem esmalte ficam completamente pretas.

Esta técnica é também associada à confraternização e à reunião feliz entre as pessoas.

 

Bere – Como é trabalhar com os indígenas?

 

Paulo – É sempre muito gratificante. A cultura é fascinante e tem sido um grande aprendizado conviver com os Pataxó.

 

Bere – Como foi o relacionamento deles, com você, no início do projeto?

 

Paulo – Foi de total empatia. Na verdade a comunidade queria muito resgatar esse saber e fazer ancestral.

É claro que um não índio na aldeia gera uma certa curiosidade. Mas, desde o inicio nós tivemos uma empatia natural e recíproca.

Com o desenvolvimento do projeto, principalmente as crianças, se dedicaram de uma forma surpreendente e as coisas foram acontecendo.

Os adultos também participaram e então a criação e a execução ganharam ritmo e a nossa expectativa foi superada muitas vezes com os trabalhos realizados por todos.

 

Bere – Nossa, deve ser mesmo uma experiência gratificante e emocionante! Quais foram os maiores desafios para a implantação do projeto em relação ao povo Pataxó?

 

Paulo – Fazer a diferença com pouco dinheiro.

É um desafio que a gente enfrenta ainda, a falta de investimentos.

Estamos tentando agora junto aos órgãos competentes conseguir incentivos para dar sequência a essa recuperação da arte cerâmica Pataxó.

 

Bere – Qual é a abrangência do projeto, em se tratando de seus objetivos?

 

Paulo – Inicialmente era só uma troca estética e localizada na aldeia da Jaqueira.

Hoje, depois dos resultados iniciais, que foram muito além da expectativa, toda a comunidade Pataxó da Costa do Descobrimento anseia por usar a arte cerâmica como alternativa para seu artesanato.

 

Bere – É sempre maravilhoso superar expectativas em nossos projetos. Você já me disse que para tudo isto o que fazem a verba é pouca, e a FUNARTE, não pode lhes dar mais recursos, ou precisa participar de novo edital?

 

Paulo – É preciso participar de outro edital (coisa que estamos fazendo).

Não há nem havia previsão nenhuma de continuidade por parte da FUNARTE.

Na verdade essa ação era apenas de interação estética, mas deu tão certo que a comunidade pediu a transformação em um projeto permanente.

Atuando como voluntário a gente fica muito limitado. Eu gostaria de poder fazer muito mais, só que para isso é necessário um financiamento.

 

Bere – Como você percebe, na prática, a relação deles com o meio ambiente?

 

Paulo – A concepção do projeto tem tudo a ver com preservação.

A matriz do artesanato Pataxó da Costa do Descobrimento é a madeira.

Sementes, penas e algumas fibras naturais também fazem parte dessa matriz, mas a madeira é de longe a mais explorada.

Isso no cenário de risco iminente que corre a Mata Atlântica é muito sério.

A cerâmica é uma opção ao uso da madeira e um importante instrumento de educação ambiental.

Os quatro elementos da natureza são manipulados ao extremo na prática da cerâmica: água, terra, fogo e ar... Todos juntos para a magia da cerâmica!

 

Bere – Quais são, para você, os principais ensinamentos que tens recebido, a partir desta relação?

 

Paulo – Foram muitos e diários.

Uma das lições mais importantes para mim, que já era uma pratica na minha família é o respeito aos mais velhos e pelos seus ensinamentos.

Sem as lições da anciã da aldeia, dona Takwara Pataxó nosso trabalho não teria acontecido.

 

Bere – Nossa, que lindo isso, Paulo!  E como eles passam os seus ensinamentos para os Pataxozinhos?

 

Paulo – Através do mais absoluto respeito e do exemplo.

Eu nunca vi um pai ou uma mãe gritar, ameaçar ou bater num filho.

E nunca vi um filho Pataxó desrespeitar a mãe ou o pai ou mesmo um mais velho.

Pelo contrario, até as crianças se respeitam dessa forma: os mais velhos dão exemplo aos mais jovens.

Incrível como uma atitude simples assim pode fazer uma diferença enorme nas gerações... Um aprendizado e tanto para nós não índios.

 

Bere – Conte-nos algum (ou alguns) fato inusitado ou que tenha lhe marcado nesta experiência?

 

Paulo – Muita coisa legal aconteceu e acontece dia a dia na aldeia.

Quando a gente reúne gente com arte só dá coisa boa, mas nem tudo são flores numa aldeia indígena, principalmente com relação à infra estrutura.

Um fato que marcou a todos foi o que aconteceu a uma das minha alunas, uma indiazinha muito esperta chamada Aponahy.

Na aldeia não tínhamos (até agora ainda não temos) água potável.

Somos abastecidos por um rio, que infelizmente está poluído. Foi cavado um poço profundo recentemente, mas até abril (2012) não havia sido instalada a bomba desse poço.

Acontece que todos são obrigados a utilizar a água disponível e Aponahy contraiu uma verminose super agressiva, que perfurou seu intestino. Ela chegou a ficar hospitalizada em estado grave, correndo risco de morte.

Muito foi feito, várias cirurgias (ela ainda está em tratamento) no intento de salvar a vida daquela criança, que graças a Tupã está bem, mas nos deu um susto bem grande.

Essa luta pela vida a gente acompanhou bem de perto, e se por um lado a gente conheceu a união e a solidariedade entre os Pataxó da aldeia, por outro lado nos revoltou o descaso dos órgãos competentes (FUNAI < FUNASA) para com os indígenas.

 

Bere – Como os indígenas percebem a vida urbana e quais as suas relações com as tecnologias como televisão, rádio, computador, telefone?

 

Paulo – Isso é muito tranquilo na aldeia. A maioria das pessoas mora em Coroa Vermelha, que é uma aldeia “urbana” com todos os benefícios e malefícios da cidade.

Os mais velhos usam a tecnologia com mais reservas e maior dificuldade, mas os mais jovens usam e abusam dessa mesma tecnologia, igualzinho aos não índios.

 

Bere – Para você, qual é a importância da cultura indígena?

 

Paulo – É a base da nossa cultura.

Deve ser preservada a todo custo,

Ela nos ensina, entre outras coisas, importantes lições de simplicidade e pleno respeito à vida (todas as formas de vida).

 

Bere - Paulo, esta sua experiência representa um grande resgate, além do respeito às culturas indígenas, parabéns! E pelas peculiaridades deste projeto bem que poderia ser replicada para outras aldeias, diante do sucesso apontado nas suas narrativas. Em nome da revista Educação Ambiental em Ação quero agradecer pela sua disponibilidade em compartilhar sua maravilhosa experiência com esta publicação. Muito obrigada!

 

E para quem quiser saber mais, fica aí o link para o blog do projeto Raku pra Lua:

 

http://www.rakupraluaprojetos.blogspot.com.br/

Ilustrações: Silvana Santos