Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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04/06/2012 (Nº 40) ...O BRASIL POSSUI UMA REDE DE JUSTIÇA AMBIENTAL?
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FLORESTA ESTACIONAL SEMIDECIDUAL

VOCÊ SABIA QUE...

Leonardo Francisco Stahnke – Biólogo

leosinos@gmail.com

 

 

 

RELEASE

 

...O BRASIL POSSUI UMA REDE DE JUSTIÇA AMBIENTAL?

A Justiça Ambiental é um termo criado nos EUA na década de 80 motivado pelas desigualdades socioambientais geradas a partir de danos ao meio ambiente. Atualmente o Brasil também faz parte deste movimento. Descubra mais no texto de Leonardo F. Stahnke.

 

 

 

ARTIGO

 

...O BRASIL POSSUI UMA REDE DE JUSTIÇA AMBIENTAL?

Leonardo Francisco Stahnke – Biólogo

 


A partir das desigualdades socioambientais criadas nos EUA na década de 80 – onde se evidenciou a criação de inúmeros empreendimentos danosos ao meio ambiente próximos à populações de baixa renda ou de minorias étnicas – é que surgiu o termo “Justiça Ambiental”. Segundo Bullard (1994)[1], um dos principais autores sobre o assunto, o termo é definido como “a condição de existência social através do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor ou renda, no que diz respeito à elaboração, desenvolvimento, implementação e aplicação de políticas, leis ou regulações ambientais”. O autor também define por tratamento justo aquele ao qual “nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas resultantes da operação de empreendimentos industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, ou municipais, bem como das conseqüências resultantes da ausência ou omissão destas políticas”.

O Brasil atua no Licenciamento Ambiental de empreendimentos desde a Resolução CONAMA 237/97, por meio de três etapas: a Licença Prévia (LP), a Licença de Instalação (LI), e a Licença de Operação (LO), cada uma com suas respectivas condicionantes e limitações a serem fornecidas pelos empreendedores. As principais ferramentas para a fiscalização e gestão deste processo de decisão se dão de forma técnica e multidisciplinar pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e por sua respectiva versão popular, o Relatório de Impacto Ambiental (RImA). Ambos servem para a realização de um diagnóstico dos aspectos físicos (solo, ar, água), bióticos (flora e fauna) e socioeconômicos (população, cultura, economia) da região pretendida como recebedora do empreendimento, devendo subsidiar o processo de decisão sobre os impactos (positivos ou negativos) de sua viabilização.

A falta de qualificação técnica destes instrumentos de licenciamento, entretanto em nada condiz com sua importância, tendo tempo de diagnóstico e metodologias arbitrários (muitas vezes avaliando grandes regiões em campanhas de cinco dias de campo, com número insuficiente de pesquisadores e, por vezes, em períodos desfavoráveis ao encontro de espécies migratórias ou à presença de folhas, flores e frutos, essenciais ã identificação de várias espécies vegetais), foco duvidoso das áreas atingidas (definindo-se as áreas diretamente afetadas e indiretamente afetadas pelo empreendimento através do montante de recursos disponíveis pelo empreendedor, e não pelas reais influências dos impactos sobre a região), e recursos insuficientes à efetiva prevenção, mitigação ou compensação dos impactos exercidos. Exemplos claros dessas situações vemos nos EIA da Hidrelétrica de Barra Grande (onde “não viram” mais de 5636 hectares de mata com araucárias e 2686 hectares de mata secundária, no vale do Rio Pelotas, entre SC e RS, que foram submersas pelas águas), da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (no Rio Xingú, que removerá da região índios, ribeirinhos e outras populações tradicionais da floresta amazônica) e da Hidrelétrica de Pai Querê, que ainda tenta se instalar em uma área Núcleo da Biosfera da Mata Atlântica, definida também como fundamental à compensação da UHE de Barra Grande, citada acima. Além desses empreendimentos hidrelétricos, outros mais – de diferentes setores como silvicultura, mineração, exploração petrolífera, ampliação viária, etc – podem ser facilmente relacionados, sem contar aqueles de pequena escala licenciados pelos próprios municípios com “competência” para este fim (que sofrem manipulações políticas diretas em âmbito local).

Por estes motivos supracitados é que atualmente existe a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (www.justicaambiental.org.br), a qual tem por objetivos:

1.       Denunciar e desenvolver ações políticas coletivas de enfrentamento de situações de injustiças ambientais no Brasil;

2.       Promover o intercâmbio de experiências, idéias, dados e estratégias de ação entre os múltiplos atores de lutas ambientais;

3.       Estimular a construção de alianças entre os movimentos sociais fortalecendo as lutas de enfrentamento do modelo dominante de desenvolvimento e por direitos humanos;

4.       Articular pesquisadores comprometidos em apoiar as demandas de assessoria dos movimentos;

5.       Pressionar órgãos governamentais e empresas para que divulguem informações ao público sobre as fontes de risco ambiental no país;

6.       Contribuir para a democratização de informações, criando bancos de dados que contenham registros de experiências de lutas, casos concretos de injustiça ambiental, conflitos judiciais, instrumentos institucionais etc;

7.       Desenvolver instrumentos de promoção de justiça ambiental (estudos, mapeamentos e manuais) que contribuam para produzir argumentos conceituais e evidências empíricas em favor da sustentabilidade democrática e da justiça ambiental.

Segundo Acselrad (2009)[2], os quatro Princípios que regem a Justiça Ambiental são:

1.       Poluição tóxica para ninguém: movimento contra a instalação de empreendimentos ambientalmente perversos sobre qualquer tipo de população politicamente mais fraca;

2.       Por um outro modelo de desenvolvimento: ações que visam a desconfiguração do padrão de distribuição espacial das atividades impactantes sobre as populações destituídas de recursos financeiros ou políticos;

3.       Por uma transição justa: a qual entende que o processo de transformação do modelo desenvolvimentista atual deve ser gradual, evitando o desemprego dos trabalhadores das indústrias poluentes ou a penalização das populações de países menos industrializados (para onde as transnacionais tenderiam a transferir suas fábricas sujas);

4.       Por políticas ambientais democraticamente instituídas – politização versus crença no mercado: visa a contenção do livre-arbítrio dos agentes econômicos com maior poder de causas impactos negativos por meio de políticas de democratização permanente.

O mesmo autor aponta, ainda, sete estratégias para alcançar a Justiça Ambiental, as quais são:

1.       Produção de conhecimento próprio;

2.       Pressão pela aplicação universal das leis;

3.       Pressão pelo aperfeiçoamento da legislação de proteção ambiental;

4.       Pressão por novas racionalidades no exercício do poder estatal;

5.       Introdução de procedimentos de Avaliação de Equidade Ambiental;

6.       Ação direta; e

7.       Difusão espacial do movimento.

 

 

 

IMAGENS

 

Araucárias inundadas na UHE de Barra Grande. Foto: Apremavi.



[1] BULLARD, R. D. Dumping in Dixie: Race, Class and Environmental Quality. San Francisco/Oxford: Westview Press, 1994.

[2] ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A.; BEZERRA, G. N. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

Ilustrações: Silvana Santos